Aquecimento global pode inviabilizar a vida na Terra 1y1z1o

Márcia Turcato Dois dias de intensos debates sobre mudança climática mobilizaram 1.200 participantes e cerca de 60 palestrantes no Salão Nobre da UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. yz27

O Climate Change Summit foi realizado no mês de
maio e culminou com a divulgação da Carta de Porto Alegre*, que elenca os agravos provocados pelas mudanças climáticas ocorridas no Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul.

O evento foi aberto pela reitora da universidade, Márcia Barbosa, que lembrou que no dia dois de maio de 2024, o aeroporto internacional de Porto Alegre, totalmente alagado e com equipamentos submersos, foi fechado.

Um ano depois, cientistas do Brasil e do mundo se reúnem no Summit para buscar soluções sustentáveis e socialmente comprometidas com a comunidade.
Não foram poucos os especialistas que se revezaram no palco para alertar que até o ano 2100 o nível do mar deve subir 30 centímetros, inundando costas litorâneas,
fazendo desaparecer ilhas, abalando economias e prejudicando ainda mais os já vulneráveis.

E a razão principal para tudo isso é o aumento da temperatura provocada pela ação humana. Outros elementos naturais, como explosões solares e
a ativação de vulcões, por exemplo, também colaboram para esse cenário.

Para se ter uma ideia, o testemunho de gelo mais antigo coletado na Antártica, que é como os cientistas chamam as amostras de gelo que estudam, tem 350 mil anos, e ela já registra a presença de dióxido de carbono. Essa amostra de gelo é comparada com outra, do período industrial, onde a presença de dióxido de carbono é infinitamente maior e onde houve significativo aumento da temperatura global como resultado do impulso fabril sem cuidados com o meio ambiente, além do uso de carvão para aquecimento em toda a Europa e também na América do Norte.

O professor Jefferson Simões, PhD em Glaciologia, que participou de 29 viagens polares, assim como Francisco Eliseu Aquino, geógrafo, mestre em geleiras, e Venisse Schossler, geógrafa, pesquisadora polar, os três da UFRGS, falaram sobre a visível consequência do aquecimento global no mundo.

Eles alertaram sobre o derretimento de glaciares nos Andes, com o fechamento de vários hotéis, estações
de esqui e o fim de comunidades, por falta de neve e de água. “A dinâmica da vida na Terra está mudando”, disse Simões.
O cientista José Marengo, do Cemaden- Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, observou que o IPH- Instituto de Pesquisas Hidráulicas da
UFRGS tem condições de oferecer todas as respostas necessárias para que Porto Alegre não seja vítima de outra enchente. “Aqui há especialistas capazes de
resolver a questão, mas não foram procurados”, se referindo ao fato do prefeito, Sebastião Melo, ter viajado à Holanda, junto com o governador do estado, Eduardo
Leite, em busca de estratégias para prevenir catástrofes hídricas.

Carlos Nobre: o tempo para reverter a crise climática está se esgotando.
Para o cientista Carlos Nobre pesquisador titular da USP- Universidade de São Paulo, integrante da Academia Brasileira e da Academia Global de Ciência, “não estamos mais falando de mudança climática e sim de emergência climática”.

Nobre alertou que a comunidade científica internacional estima que a temperatura subirá 2,5 graus centígrados até 2050, tornando a vida inviável em várias regiões, podendo
levar a população a um ponto de não retorno. “Se não revertemos nosso modo de produzir e de consumir, na América do Sul a vida só será possível próxima a
cordilheira dos Andes, por conta da umidade, o restante será um grande cerrado ou até mesmo um deserto”.
A enchente
A chuva no mês de maio de 2024, em Porto Alegre, foi de 12 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de litros. Essa quantidade de água equivale a quatro milhões de piscinas olímpicas.

Para ajudar a entender esse volume, uma piscina olímpica
tem 50 metros de comprimento, 25 de largura e três metros de profundidade. Os dados são do INPE- Instituto de Pesquisas Espaciais, e o cálculo foi feito a partir de
imagens de satélite.

A enchente aconteceu não só porque choveu muito, mas também porque um sistema de alta pressão fez com que as nuvens permanecem sobre o Rio Grande do Sul, os rios voadores – que são formados pela umidade da amazônia,
encontraram uma confluência que os fez migrar para o Sul, uma instabilidade climática entrou no estado pela Argentina e muitos equipamentos contra enchente
estavam sem manutenção, além de várias edificações serem em áreas de risco ou em locais de aterro.

E o que fazer? Essa pergunta foi de todos. E várias sugestões surgiram, como dar manutenção para equipamentos contra cheias, construir pontes, estradas e prédios resistentes a catástrofes climáticas, não edificar em áreas de risco e em áreas alagadas, ter programas de acolhimento para populações vulneráveis, melhores
práticas de ocupação do solo e de produção agropecuária, combater o negacionismo climático, ter um plano eficiente de rota de fuga e de proteção para a população e uma estratégia de comunicação de risco.

Centro para enfrentar epidemias

Pesquisadora Margareth Dalcomo

A médica Margareth Dalcomo é a mulher que cancelou o Natal no Brasil. No dia 23 de dezembro de 2020, a pesquisadora da Fiocruz foi ao Jornal Nacional para dizer
que não poderia haver confraternização natalina por causa da pandemia de Covid-19, as pessoas deveriam ficar em reclusão.

Agora ela volta ao cenário para contar que faz parte do seleto grupo de especialistas que vai orientar o Ministério da Saúde na construção de uma entidade para o enfrentamento de pandemias.

A iniciativa leva em conta as alterações provocadas no ambiente em consequência das mudanças climáticas, além de fatores sociais e culturais.

O grupo deve apresentar diretrizes para a criação de um organismo federal de controle e prevenção de doenças vinculado ao Ministério da Saúde. Treze instituições ligadas ao setor saúde e 18 especialistas da área, entre eles a pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo, fazem parte do grupo, que tem prazo de 60 dias para entregar a proposta.

A portaria do Ministério da Saúde, de 11 de março de 2025, assinada pelo ministro Alexandre Padilha, determinando a criação do organismo, também estabeleceu que o grupo de trabalho deve elaborar propostas que ajudem o país a ampliar sua capacidade de resposta para as emergências em saúde.
Mas a pesquisadora adverte: “o novo organismo não é um CDC, ainda não definimos como será”. O CDC, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em inglês Centers for Disease Control and Prevention, é a agência nacional de saúde pública dos Estados Unidos, com sede em Atlanta, na Geórgia, responsável por prevenir e combater doenças.
O CDC realiza pesquisas, desenvolve políticas e trabalha em conjunto com parceiros globais para responder a crises de saúde pública.

Procurado pela reportagem, outro especialista do grupo, epidemiologista, respondeu de forma semelhante: “ainda não temos o desenho do futuro centro, mas temos evitado comparar com o CDC”. E acrescenta que os participantes foram organizados em três grupos temáticos, portanto, “o perfil da instituição só será vislumbrado quando o produto de trabalho dos três grupos for reunido e analisado”.
Palestrante do Summit em Mudanças Climáticas, organizado pela UFRGS, em Porto Alegre, Dalcomo sugeriu que houvesse uma nova definição para a espécie
humana, que deixaria de ser homo sapiens para se tornar homo cretinus.

Isto, segundo ela, porque todas as alterações sofridas pelo planeta Terra foram resultado de acidentes com meteoros ou do impacto das placas teutônicas, mas, agora, as
alterações são causadas conscientemente pela ação humana.

Ela destaca os riscos de enfermidades já controladas voltarem e de doenças desconhecidas emergirem em função do aumento da temperatura global e suas
consequências sobre todo o planeta.

A pesquisadora da Fiocruz atribui ao negacionismo das autoridades públicas a volta do sarampo, enfermidade que estava controlada no mundo, os milhões de mortes por Covid, em especial os óbitos registrados no Brasil, e a queda nas coberturas vacinais, resultado da falta de
campanhas de sensibilização em vários estados e da falta de compromisso social das prefeituras, que não solicitam imunizantes em quantidade suficiente para atender a população e não informam o local onde o produto está disponível.

*Integra da carta aqui: https://www.change.org/p/carta-de-porto-alegre?recruiter=8724911&recruited_by_id=e8de3ad0-7abb-11e6-bfcb-
8b3c34ff26b2&utm_source=share_petition&utm_campaign=petition_dashboard&utm
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Calor de 30 graus no Everest e enchente no Sul: emergência climática é global  x361t

Márcia Turcato

Um ano se ou da catástrofe climática no Rio Grande do Sul. Mas a emergência climática não foi cancelada. Ao contrário, ela continua deixando suas marcas por onde a. Dia 12 de maio, no Campo 4 do Monte Everest, a cerca de sete mil metros de altitude, a temperatura alcançou 30 graus centígrados. É o que conta o montanhista Pedro Hauck, guia de montanha, que lidera uma expedição que tenta alcançar o cume do Everest, de 8.848,86 metros de altitude. “Tivemos de tirar nossos casacos de proteção contra frio extremo”, relata Hauck. Eles não alcançaram o cume, precisaram descer, por conta de um vento forte que colocou em risco o grupo. Os montanhistas farão nova tentativa ao longo desta semana.

O professor Jefferson Simões, PhD em Glaciologia, que participou de 29 viagens aos pólos, observa que as geleiras polares perderam 30% de sua área e as geleiras não polares, como as da Cordilheira dos Andes, por exemplo, perderam 40% de sua área, expondo pedras, gerando calor, provocando inundações no início do fenômeno, e agora escassez hídrica para as comunidades que vivem na base da montanha. E este é um  fenômeno que também ocorre no Everest, a montanha mais alta do mundo.

O degelo no Monte Everest, resultado do aquecimento global impulsionado pela atividade humana, tem várias consequências significativas, incluindo a exposição de corpos de montanhistas que morreram tentando alcançar o cume, e a desestabilização das geleiras, como a Khumbu. O derretimento também contribui para a formação de lagoas e de fendas, como no glaciar de Khumbu, que os montanhistas precisam atravessar. O aumento da temperatura na região também está expondo o lixo deixado pelas expedições, antes cobertos por espessas camadas de neve e gelo.

Para o cientista Carlos Nobre, pesquisador titular da USP- Universidade de São Paulo, integrante da Academia Brasileira e da Academia Global de Ciência, “não estamos mais falando de mudança climática e sim de emergência climática”. Em recente evento na UFRGS, que discutiu o aquecimento global no âmbito das reflexões sobre a enchente gaúcha, Nobre alertou que a comunidade científica internacional estima que a temperatura subirá 2,5 graus centígrados até 2050, tornando a vida inviável em várias regiões, podendo levar a população a um ponto de não retorno. “Se não revertemos nosso modo de produzir e de consumir, na América do Sul a vida só será possível próxima a cordilheira dos Andes, por conta da umidade, o restante será um grande cerrado ou até mesmo um deserto”.

Derretimento da montanha

Cadê o gelo que estava aqui? Pergunta o montanhista brasileiro Pedro Hauck, 43 anos, a cada vez que lidera uma expedição em alta montanha.  Nesta entrevista, feita com o auxílio de um aplicativo de mensagens,  Hauck fala sobre sua experiência em alta montanha e as alterações climáticas que tem percebido em mais de duas décadas de escaladas.

Pedro Hauck, paulista de Itatiba, radicado há 18 anos em Curitiba, é geógrafo formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), pós graduado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e guia de expedições de montanhismo. Ele já escalou 170 montanhas acima de 5 mil metros de altitude e em 2024  alcançou o cume do Aconcágua, na Cordilheira dos Andes, a maior montanha do ocidente e do hemisfério sul, com 6.961 metros de altitude. Agora ele está no Everest.

Nas fotos que Hauck publica em suas redes sociais é possível perceber o degelo das montanhas, com rochas expostas onde antes havia neve. “Eu sou uma testemunha das mudanças climáticas globais”, afirma o montanhista. Em 2002, na sua primeira experiência no Aconcágua, a montanha era totalmente diferente de hoje.

Ele conta que em fevereiro de 2002, “que é uma época em que o derretimento do gelo está mais avançado, mesmo assim eu escalava em gelo, isso na Plaza de Mulas, que é onde fica o acampamento base, a 4.300 metros de altitude. Atualmente, na Plaza de Mulas, não tem nada de gelo. Zero gelo. Já escalei montanhas nos Andes cuja rota era pelo gelo, o gelo derreteu, como na montanha Rincon, com 5.590 metros de altitude. Era uma rota por uma canaleta de gelo e agora a escalada é em rocha pura. É muito perigoso, porque essas rochas estão soltas, elas estavam estáveis por conta do gelo, que funciona como cimento”.

As mudanças climáticas não são apenas alterações na temperatura. O clima é muito mais do que temperatura, o clima é precipitação, é vento, é irradiação. Todos esses elementos mudaram e nos Andes uma coisa que mudou muito é a precipitação, tem nevado cada vez menos, sem falar na temperatura que subiu muito. A média de temperatura no inverno nos Andes oscilava entre 14 graus centígrados negativos e zero. Mas, em 2023, alcançou 38,9 graus em pleno inverno.

As rotas técnicas, com gelo, estão desaparecendo, assim como todos os glaciares, agora estão surgindo as rochas soltas. As estações de esqui estão fechando porque não há mais gelo. A estação de esqui de Chacaltaya, na Bolívia, perto de La Paz, que era a estação mais alta do mundo, a 5.421 metros de altitude, fechou em 2009.

O montanhista Pedro Hauck conta que ministra um curso de alta montanha na Bolívia há algum tempo. São aulas práticas de técnica de escalada em gelo. “Há três anos eu levava o grupo até 4.900 metros de altitude para praticarmos a escalada em gelo. Não tem mais gelo nessa altitude. Agora nós precisamos subir até 5.300 metros para encontrar gelo e praticar a técnica. Abaixo dessa altitude é tudo rocha exposta ao Sol e às variações climáticas”, afirma.

Recentemente, a estação de esqui Vallecitos, no cerro Cordon del Plata, a cerca de 5 mil metros de altitude, na Argentina, foi totalmente abandonada, não tem mais gelo. A estação de esqui de Penitentes, 4.350 metros de altitude, ao lado da Rota 7, que vai de Mendoza, na Argentina, a Santiago, no Chile, está parcialmente abandonada desde 2016 porque não é em todos os invernos que há neve suficiente para a prática do esporte.

Geleira tropical

O glaciólogo Jefferson Cardia Simões fala sobre as pesquisas realizadas nos Andes para avaliar o degelo nas montanhas. Especialista no tema, ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.

O pesquisador coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, onde realizou perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.

O professor explica que esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya é a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o o é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por praticantes de montanhismo. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.

O derretimento do glaciar tanto pode ser consequência do aquecimento global como de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve. Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.

Geleira, ou glaciar, é uma grande e espessa massa de gelo formada em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada, de várias épocas, em regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo.

Plantio em alta temperatura

Em 2017 foi realizada uma simulação de cultivo de grãos de milho em temperatura aumentada em 2,6 graus centígrados, em uma área de comunidades tradicionais do Peru. A experiência resultou na perda de toda a lavoura de milho. As plantas morreram queimadas ou atacadas por pragas que não estavam presentes em temperaturas mais amenas.

Na lavoura de batata o resultado foi semelhante. Cultivadas em altitudes mais baixas, com temperatura mais alta, mas ainda em solo tradicional, as batatas não se desenvolveram e a qualidade era tão baixa que não lograram valor de mercado. Essas duas culturas são a base da alimentação das comunidades andinas e o impacto do aumento da temperatura na região coloca em risco o estilo de vida dessa população e de todo o ecossistema.

As simulações foram conduzidas pelo pesquisador Kenneth Feeley, do Departamento de Biologia da Universidade de Miami, EUA, em parceria com o biólogo Richard Tito, indígena da etnia quechua, nativo da região. O resultado do trabalho, “Global Climate Change Increases Risk of Crop Yield Losses and Food Insecurity in the Tropical Andes”, foi publicado na revista Global Change Biology e também pode ser encontrado na plataforma EcoDebate (ecodebate.com.br).

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A enchente

Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul viveu sua terceira enchente em um ano. Mais de 870 mil pessoas foram impactadas, 420 municípios foram atingidos, do total de 497 existentes. No mês de maio, a média de chuva diária chegou a ser de 400 mm.

A chuva no mês de maio,  em Porto Alegre, foi de 12 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de litros. Essa quantidade de água equivale a quatro milhões de piscinas olímpicas. Para ajudar a entender esse volume, uma piscina olímpica tem 50 metros de comprimento, 25 de largura e três metros de profundidade. Os dados são do INPE- Instituto de Pesquisas Espaciais, e o cálculo foi feito a partir de imagens de satélite.

A enchente aconteceu não só porque choveu muito, mas também porque um sistema de alta pressão fez com que as nuvens permanecem sobre o Rio Grande do Sul, os rios voadores – que são formados pela umidade da amazônia, encontraram uma confluência que os fez migrar para o Sul, uma instabilidade climática entrou no estado pela Argentina e muitos equipamentos contra enchente estavam sem manutenção, além de várias edificações serem em áreas de risco ou em locais de aterro.

Audiência Pública: Justiça decide área de preservação à margem do Guaiba 28f57

O Tribunal de Justiça convocou audiência pública “para troca de informações técnicas” no dia 30 de maio, às 14h. O debate “auxiliará na compreensão da natureza do corpo hídrico Guaíba — se é rio, lago, ambos ou ainda outro tipo”
A questão não é a definição em si, mas o impacto direto que essa definição tem para as  regras que vão estabelecer o que pode ou não pode ser feito nas terras que margeiam o “corpo hidrico”.

O Tribunal busca subsídios para o julgamento de uma Ação Civil Pública que tramita na Vara Regional do Meio Ambiente da Comarca de Porto Alegre,  movida pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

Os réus são o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Município de Porto Alegre.

Os autores defendem que o Guaíba deve ser juridicamente reconhecido como curso d’água natural e perene, com largura superior a 600 metros, o que implicaria a existência de uma margem de 500 metros classificada como Área de Preservação Permanente (APP), conforme o art. 4º, inciso I, alínea “e”, da Lei nº 12.651/2012.

Os autores acrescentam que a faixa marginal correspondente constitui espaço territorial especialmente protegido e área non aedificandi (onde construções são proibidas ou restritas), cuja integridade vem sendo comprometida por edificações irregulares, autorizadas ou toleradas pelo Poder Público.

Por isso, solicitam a concessão de medida liminar para que os réus se abstenham de licenciar, autorizar ou tolerar qualquer forma de intervenção ou construção nas faixas marginais do Guaíba, até o julgamento do mérito da ação.

Diante da complexidade da causa, a apreciação da liminar foi adiada para momento posterior à apresentação das conclusões técnicas. O processo encontra-se atualmente em fase de instrução probatória.

Inscrições 2028

O evento ocorrerá no Auditório Espaço Multi-Comunicação e Eventos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), localizado na Av. Borges de Medeiros, 1565, 13º andar, Bairro Praia de Belas, Porto Alegre-RS. Haverá transmissão ao vivo pelo canal oficial do TJRS no YouTube. Para garantir ibilidade, serão disponibilizados intérprete de Libras e legendagem em tempo real.

Integrantes da comunidade científica e de entidades ambientalistas interessados em realizar manifestações orais podem inscrever-se até o dia 20 deste mês, pelo e-mail [email protected].

Não é necessário realizar inscrição para participar como ouvinte — apenas para manifestações orais. Interessados também poderão enviar contribuições por escrito até cinco dias úteis após a audiência pública, pelo mesmo e-mail, limitadas a 10 páginas, em formato PDF, com fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento 1,5.

(Com informações do Correio do Povo) 

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O protesto na praça Mafalda Veríssimo e a reconstrução dos movimentos comunitários 45276c

Mais de cem pessoas compareceram à pequena praça Mafalda Veríssimo, famosa por sua ‘caixa d’água, no encontro das ruas Felipe de Oliveira e Borges do Canto, na manhã gelada do último domingo de junho.

Apenas o atento Matinal reportou o evento, no dia seguinte – um protesto contra a Paenge Empreendimentos Imobiliários, empresa paranaense que começa a construir um prédio de alto padrão no bairro.

Há uma semana, a construtora derrubou várias árvores, incluindo um majestoso guapuruvu, espécie nativa do RS, e a cena filmada ganhou as redes sociais.

Foto: Ramiro Sanchez

Ante a repercussão negativa, a Paenge tenta compensar adotando a pracinha, a poucos metros da casa onde ainda hoje vive a família do escritor Érico Veríssimo.

Um grupo de moradores se mobilizou e chamou o protesto, que teve apresentações musicais, feira de artesanato, exposição de livros e cartazes e uma eata até a frente da obra, duas quadras abaixo, na mesma Felipe de Oliveira.

Foto: Claudio Fachel

A imprensa convencional ignorou a manifestação, não por desatenção ou por considerá-lo fato menor, mas porque seus interesses não incluem os movimentos comunitários.

Ela sabe o potencial dessas iniciativas se multiplicarem, mesmo partindo de pequenos grupos, quando circulam as informações sobre o que eles estão fazendo.

Ali mesmo, na praça, era visível o embrião de uma consciência que estava adormecida: a reconstrução do movimento comunitário que tem raízes históricas em Porto Alegre.

Elmar Bones

Caio Lustosa: “Grandes empresas são os verdadeiros prefeitos de Porto Alegre” 483r64

À beira dos 90 anos*, Caio Lustosa  não arreda pé de uma militância que vem dos bancos acadêmicos e se confunde com os primórdios da luta ambientalista no  Rio Grande do Sul.

Jornalista, advogado, vereador, secretário de Meio Ambiente, Caio acompanha, desolado, a “mercantilização”  dos parques e outro espaços públicos em Porto Alegre como “símbolos de um grande retrocesso”.

“Nunca, em quase meio século, a área ambiental, tanto no governo do Estado como na Prefeitura, esteve nas mãos de tão ilustres desconhecidos, que não sabem o que estão fazendo, apenas cumprem ordens de cima”.

“Nunca vi uma SMAM e uma Fepam tão submissas ao esquema empresarial. Esse é o nó da questão: essas empresas Melnick, Maiojama, Zaffari, são os grandes prefeitos de Porto Alegre”.

Segundo Lustosa, o caso do Parque Harmonia é exemplar: “A prefeitura foi mais realista que os caras, autorizou o corte de mais de 400 árvores…”

A explicação de que eram árvores plantadas em uma área de aterro, é reveladora da falta de argumento

“Aquilo ali tudo é aterro. Foi o Brizola (1956/58) que começou, depois o Vilella (Guilherme Socias Vilella – 1975/83), mesmo sendo um governo conservador,  criou os parques”.

Ele lembra da luta para que a Orla fosse uma grande área verde, sem prédios, inteiramente pública.

Em 1986, por exemplo: ativistas da Agapan escalaram a chaminé do gasômetro para estender uma faixa contra o projeto do então prefeito Alceu Collares, de construir prédios na orla. Houve até invasão da  Câmara de Vereadores e o projeto acabou rejeitado.

Para Caio Lustosa, o atual prefeito Sebastião Melo é uma decepção:  “Conheci o Melo nas mesas do Bar Tívoli, ponto histórico da Protásio Alves. Era radical, ligado a um grupo de esquerda dentro do MDB. Depois foi se ajeitando, e agora está aí, neoliberal”.

Além da militância incansável, Caio Lustosa, hoje dedica-se às suas memórias. Achou um diário de seu pai com registros da revolução de 1923, que encerrou a Era Borges de Medeiros, que mandou no Rio Grande do Sul por 25 anos.

Pernambucano, como Borges de Medeiros, Eurico de Souza Leão Lustosa, o pai de Caio, foi chefe de polícia no período borgista.

Depois divergiu e teve que se exilar em Santa Catarina. Retornou ao Rio Grande em 1923, engajado na Frente Democrática,o movimento que começou a tirar Antonio Augusto Borges de Medeiros do poder. Ele deixaria o governo realmente só em 1928, quando ou o cargo para Getulio Vargas.

Segundo Lustosa, em dois meses o texto estará pronto. Ele já tem o título: “Um pernambucano que se fez gaúcho”.

*Caio Lustosa completa 90 anos em 18 de novembro de 2023. A integra da entrevista será publicada domingo.

Harmonia: Prefeitura mudou edital para tornar negócio mais atraente 3v6m2u

  • No primeiro leilão para concessão do trecho 1 da Orla e do parque Harmonia, em julho de 2020, não houve concorrentes. A prefeitura, então,  para atrair interessados, aumentou a área a ser concedida de 249 mil metros quadrados para 256 mil metros quadrados, com o acréscimo de um terreno de 7 mil metros quadrados, fora do parque, usado como estacionamento.

Para tornar ainda mais atraente o negócio, a Prefeitura  reduziu a expectativa de investimentos de R$ 325 milhões para R$ 281 milhões, aumentou de seis para dez o número de eventos livres (fora de temática cultural gaúcha) e assumiu parte do custo da iluminação.

Além disso, elevou a taxa interna de retorno (lucro líquido) de 9,1% para 9,9% sobre o faturamento.

Com essas mudanças, o leilão efetivou-se no dia 9 de setembro de 2020 com a vitória da GAM3, único concorrente, que pagou R$ 201 mil  (duzentos e um mil reais) pelo direito de explorar os 256 mil metros quadrados (25,6 hectares) por 35 anos na orla do Guaiba.

Quando o empreendimento começar a gerar receita, a prefeitura receberá  1,5% ( um e meio por cento) do faturamento.

Contrato de concessão foi assinado em março de 2021 pelo prefeito Sebastião Melo.

O contrato foi assinado em evento no salão nobre da prefeitura em março de 2021.

O projeto implica em “revitalização completa” do parque com obras e novas estruturas para prepará-lo para: 

  • Operações gastronômicas
  • Operações de diversão
  • Shops
  • Música, arte e cultura
  • Projetos especiais
  • Mega eventos
  • Espaços temáticos
  • Espaços kids e pets
  • Estacionamento

Harmonia: em maio, consórcio anunciou “duplicação do verde” no parque 4o3n59

Sob o título “Parque da Orla ganhará mais de 107% de vegetais”, a assessoria de imprensa da GAM3 distribuiu a seguinte nota, no dia 9 de maio de 2023:

Atualmente em execução, projeto prevê que Parque Harmonia terá mais de 2800 árvores”
“Um dos pontos turísticos mais importantes de Porto Alegre ficará ainda mais arborizado. Depois do plantio de 38 mudas de ipês-amarelos no trecho 1 da orla, a equipe ambiental da GAM3 Parks divulga projeto de arborização do Parque da Orla.

Através de seu time de biólogos e engenheiros, a concessionária realizou levantamento de cobertura vegetal do Parque Harmonia, identificando 1.361 vegetais na área quando assumiu a concessão.

No projeto de revitalização do parque, está previsto o aumento de cerca de 107% de árvores nativas de Porto Alegre. Ou seja, das 1361 unidades, em breve serão 2820.

— Nossa proposta desde o início é criar um parque integrado com a natureza. Portanto, possuímos um grupo ambiental para planejar e criar ações visando a ampliação da cobertura vegetal — destaca Carla Deboni, diretora istrativa da GAM3 Parks.

Alguns vegetais terão que ser retirados, muitos deles devido ao estado fitossanitário ruim e/ou com risco de queda. Aqueles que foram removidos são estritamente necessários, sendo que a concessionária possui autorização dos órgãos ambientais, além de uma equipe de biólogos dedicados ao acompanhamento.
— Durante nossos estudos não pensamos apenas em compensar aqueles vegetais que foram removidos, queremos ampliar essa cobertura e dar prioridade a árvores nativas, fortalecendo o bioma natural da região — avisa Piettro Kayser, conselheiro da GAM3 Parks e responsável pela equipe ambiental.

A previsão de conclusão total do Parque da Orla é para 2027, então, muito em breve, uma maior quantidade de área verde com características da fauna local estarão presentes no Parque Harmonia.

Esse processo beneficia não só a fauna do parque, mas também a população, que terá à sua disposição um ambiente mais florido e seguro para ser frequentado”.

O texto foi distribuído pela Pulso Comunica.

 

Protesto no Santinho: moradores vão manter vigílias para pressionar o MP 3b5768

Moradores do Santinho, em Florianópolis, protestaram neste domingo contra a construção de um condomínio com 11 prédios, 200 apartamentos  num terreno que há trinta anos tem uso público – desde festas juninas, aulas de capoeira, torneios de pandorga, oficina de pescadores – além de ser a única área livre que permite  uma visão ampla da praia, na entrada do bairro.

Eles pretendem manter os protestos até que o Ministério Público se manifeste sobre uma ação civil pública que questiona o processo de licenciamento do projeto, cujas obras já começaram há uma semana.


O condomínio Costão dos Atobás está projetado para ser erguido  em frente ao Parque Natural Municipal Lagoa do Jacaré, criado em 2016 após mobilização da comunidade / Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

“Eles apresentaram as licenças, tudo bem. Reconhecemos, mas queremos saber como foram conseguidas essas licenças”,  disse uma das líderes do movimento comunitário. Lembrou a audiência pública em fevereiro de 2019,  que foi suspensa ante os protestos dos moradores presentes. “Disseram que teria uma nova audiência. Não teve, aquela  anterior foi validada, sem levar em conta o protesto unânime dos moradores presentes.  Não fomos ouvidos”, disse a moradora.

O Estudo de Impacto e Viabilidade (EIV), decisivo para o licenciamento da obra, também é questionado pelo movimento de moradores: “O EIV sequer menciona o Parque Municipal da Lagoa do Jácaré, uma área de preservação permanente  que fica ao lado  do empreendimento. Que estudo de impacto foi esse que não levou em consideração a vizinhança de uma área de preservação permanente?”

Obras começaram há uma semana, polêmica sobre o “terrenão” tem mais de 20 anos.

Segundo dados do projeto, serão  200 apartamentos, vagas para 700 carros e cerca de mil novos moradores numa comunidade de 3.700 habitantes, segundo a projeção do IBGE com base no censo de 2010. No bairro já há graves problemas de trânsito e carência de serviços essenciais, a começar pela rede de esgotos inconclusa.

O Campão do Santinho, se tiver onze prédios, aumentará em 30% a população do bairro / Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

O protesto, que reuniu cerca de 80 moradores, começou por volta das 15 horas, com a colocação de cartazes no tapume que cerca o terreno, faixas ao longo da avenida, e terminou por volta das 18 horas com a proposta de manter manifestações semanais, pelo menos até o pronunciamento do Ministério Público.

O terreno também é ponto de ninhos de corujas, que já foram expulsas de uma área próxima por outro empreendimento imobiliário / Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

 

 

“Sou jacaré poiô, movimento que mobilizou a comunidade pela criação do Parque Lagoa do Jacaré, em 2016 / Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

 

Protesto dos moradores tenta deter obra na Praia do Santinho h6h2j

A rede de esgoto, iniciada há mais de cinco anos, não foi concluída. Uma praça prometida há mais de 20 anos até agora não saiu.

Mas um novo megaprojeto já teve suas obras iniciadas esta semana, apesar das irregularidades apontadas numa ação pública em andamento no Ministério Público.

Os moradores vão às ruas protestar neste domingo.

O bairro do Santinho, no extremo norte da ilha, é um dos menores de Florianópolis. Tem pouco mais de três mil moradores e um patrimônio ambiental incalculável: 2,5 km de praia deslumbrante, costões, banhados, lagoas, nascentes.

Há muito tempo esse patrimônio ambiental e paisagístico é alvo da especulação imobiliária. Muitos danos já foram causados por uma ocupação predatória, que lucra ao custo do meio ambiente.

Mas o que está ocorrendo agora é um atentado à comunidade do Santinho e à cidadania de Florianópolis de modo geral, porque este é um caso exemplar do que está acontecendo em toda  a ilha: liberação total aos empreendimentos imobiliários sem medir as consequências da ocupação desordenada de todas as áreas disponíveis. Um processo que vai arrasar o maior patrimônio da ilha, que é a natureza – como ocorreu com Camboriú.

Moradores protestam: obra vai impactar o trânsito, os esgotos e o meio ambiente.

No caso exemplar do Santinho, o processo já iniciou há mais de 20 anos, com o resort/hotel Costão do Santinho, cuja obra começou sem licença ambiental. Um Termo de Ajustamento de Conduta, que o empreendedor assinou com o Ministério Público, previa a destinação de área para  uma praça no bairro.  O Santinho não tem praça até hoje.

Não tem esgoto. Há mais de cinco anos está em implantação uma rede de esgoto, um caso relativamente simples, uma rede coletora de 2,5 quilômetros  na estrada geral. Até hoje não está ligada à estação de tratamento.

Enquanto isso, a última área disponível para os eventos da comunidade,  o último espaço  do bairro de onde se tem uma vista de toda a praia, foi liberada para mais um megaprojeto.  Há uma ação judicial da comunidade questionando a legalidade da obra, que terá grande impacto ambiental, inclusive em área de preservação, mas as  retroescavadeiras já preparam o terreno para um condomínio fechado de 11 prédios de seis andares, num total de 200 apartamentos e estacionamento para 800 carros.

 

 

Entrevista: “Brasil precisa da Antártica tanto quanto da Amazônia” g2h44

Em entrevista exclusiva, glaciólogo gaúcho explica a interdependência entre os pólos e os trópicos

Por Márcia Turcato

Jefferson Cardia Simões, 64 anos, é glaciólogo, estuda o gelo. Foi o primeiro brasileiro a ter essa especialização, ainda na década de 80, quando o Brasil vivia uma ditadura.

Longe de ser um pesquisador caricato, daqueles que aparecem em filmes, Simões é conversador e é um entusiasta da popularização da ciência, por isso sempre oferece exemplos cotidianos para explicar seu trabalho. Ele é casado há 40 anos com Ingrid Lorenz Simões, tem dois filhos e dois netos e é natural de Porto Alegre.

Foi em sua sala de vice-Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que me recebeu por mais de duas horas para falar de seu trabalho mais recente.

O professor retornou dia nove de janeiro da Antártica, uma expedição iniciada no último dia quatro de dezembro. Ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.

De acordo com Simões, “o Brasil precisa parar de achar que é um país tropical isolado, isso não existe, é uma fantasia, foi uma fantasia geopolítica das décadas de 50 e 60. Para o meio ambiente global, as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos”.

O professor salienta “que não teríamos clima se não houvesse essa diferença de temperatura entre os trópicos e os pólos. Centrar a visão só na Amazônia, evidentemente está errado”.

“A questão da Amazônia é mais ampla porque é território nacional, tem a biodiversidade de fauna e flora e tem população humana, mas nós também temos responsabilidade na Antártica”.

Simões explica que do ponto de vista ambiental, a Antártica e a Amazônia são regiões interdependentes e que mudanças climáticas sempre ocorreram e vão continuar ocorrendo, “mas a estratégia que precisamos adotar é de ações mitigadoras e de adaptação”.

O professor Simões tem graduação em Geologia pela UFRGS. Isso em 1983, quando recebeu uma bolsa do CNPq, e foi estudar Glaciologia em Cambridge, na Inglaterra, onde ficou por seis anos. Chegou a trabalhar no Serviço Antártico Britânico. Naquela época o Programa Antártico Brasileiro – Proantar, era recente, e precisava de especialistas. “Eu cheguei no momento certo e as coisas se encaixaram”.

O gelo antártico tem até 2 km de espessura, são cerca de 27 milhões de km cúbicos de gelo na Antártica, o suficiente para cobrir o Brasil com um manto de gelo de 3 km de espessura em toda a sua extensão. O território brasileiro tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A pesquisa

Para chegar na Antártica, o custo da viagem de Simões é de 800 mil dólares, enquanto pesquisadores de outros países viajam por cerca de um milhão de dólares e às vezes até o triplo desse valor.

A última expedição do brasileiro contou com parcerias financeiras do CNPq, National Geographic e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS- Fapergs.

As pesquisas feitas pelo Brasil alcançaram um período de três mil anos e as amostras coletadas estão guardadas no Instituto de Mudanças do Clima, no Maine, nos Estados Unidos, na temperatura de 20 graus centígrados negativos.

Cem metros de perfuração no gelo equivalem a 400 anos de tempo. As informações contidas no gelo coletado mostram qual é a concentração de água, isótopos, minerais e outros elementos.

Com isso, os cientistas têm condições de avaliar como era o clima e a vida naquele período, comparar com outras épocas e fazer projeções, por exemplo.

Pesquisas recentes na Antártica indicam que o gelo continha traços de contaminação por urânio, resultado de uma mina a céu aberto na Austrália no século 19. Também foram encontrados traços de cobre no gelo, por conta de minas no Chile, mas que diminuíram graças a intervenção recente do governo de Gabriel Borić  que adotou medidas de mitigação da poluição.

Pesquisadores da França e da Itália já alcançaram testemunhos de gelo de 800 mil anos na Antártica, com perfurações de 3.200 metros na área do Domo C, também conhecido como Dome Circe, Dome Charlie ou Dome Concordia, que está a uma altitude de 3.233 metros acima do nível do mar, é um dos vários cumes ou cúpulas do manto de gelo antártico.

Em breve, pesquisadores da China, em parceria com europeus, pretendem alcançar 1,5 milhão de anos no Domo A, perfurando 4 mil metros no meio do continente Antártico com uma temperatura de  93 graus centígrados negativos durante o inverno.

A água do oceano austral está ficando acidificada por excesso de  CO2, cerca de 30% dele já foi parar nos oceanos desde a primeira Revolução Industrial no século 18, e isso altera toda a flora e fauna dos mares, pode modificar correntes marítimas, mudar a temperatura na costa e tem efeito sobre o clima nos continentes.

“As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas nos dão sinais do que está acontecendo”, explica o professor. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem a região porque propagam calor.

A temperatura subiu no Ártico 3 graus, em relação ao ano de 1900. A navegação marítima é afetada com o degelo no mar, surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até militarização em novas fronteiras.

A expedição

A expedição mais recente de Simões chegou à Antártica no dia 4 de dezembro de 2022, como parte de projetos de redes de pesquisa internacionais. O grupo contribuiu com estudos que monitoram a resposta do gelo da Antártica às mudanças globais e busca  conexões entre o clima do Brasil e o do continente.

A região onde o grupo ficou recebe sua precipitação de dois mares, o de Amundsen, com uma camada de gelo que pode chegar a três metros de espessura, e o de Bellingshausen.  Nesses dois mares se formam grande parte das frentes frias que chegam ao Brasil.

A expedição foi liderada por Simões, com os colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Fernando Magalhães Reis, 65 anos; Ronaldo Torma Bernardo, 54 anos, e Filipe Ley Lindau, 35 anos. Integram o grupo Ellen de Nazaré Souza Gomes, 50 anos, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jandyr de Menezes Travassos, 70 anos, da Coppe/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O grupo ficou acampado na geleira da Ilha Pine, no meio do manto de gelo da Antártica Ocidental. O objetivo era obter um testemunho de gelo dos últimos 400 a 500 anos da história climática da região.

Um outro grupo ficou encarregado de fazer a manutenção do módulo Criosfera 1, o laboratório latino-americano mais ao Sul na Terra, a 640 km ao Norte do Pólo Sul Geográfico. O módulo mede dados meteorológicos, concentração de micropartículas, composição da atmosfera, estudos sobre a concentração de gases e raios cósmicos.

Faz também estudos de micro-organismos encontrados na neve. Todas as pesquisas são essenciais para entender o impacto das mudanças ambientais na Antártica e como elas se refletirão na América do Sul.

Essa equipe foi liderada por Heitor Evangelista, 59 anos, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e contou com os pesquisadores Heber os, 60 anos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Franco Nadal Junqueira Villela, 46 anos, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Um terceiro grupo chegou à Antártica no dia 9 de dezembro para complementar a instalação do módulo Criosfera 2, o segundo laboratório remoto brasileiro no interior da Antártica.

Participantes da equipe: o professor Simões, que se juntou ao grupo no dia 30 de dezembro, os gaúchos Francisco Eliseu Aquino, geógrafo e climatologista, 52 anos, professor da UFRGS; a geógrafa Venisse Schossler, 46 anos, pós-doutora da UFRGS; o geógrafo Isaías Ullmann Thoen, 40 anos, técnico em geoquímica e eletrônica, da UFRGS; e o chileno Marcelo Arevalo, 62 anos, engenheiro mecânico.

Amazônia  e gelo

Além dos pólos (Antártica e Ártico), Simões também faz pesquisas em outras regiões geladas, como na cordilheira dos Andes. Ele coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, em perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.

Esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya também é conhecida como a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o o é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por turistas praticantes de montanhismo.

A calota de gelo de Quelccaya é a maior área glaciar dos trópicos, cobrindo aproximadamente 44 km² nos Andes peruanos. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.

Porém, existe a dúvida se o derretimento do glaciar é consequência do aquecimento global ou de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve.

Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.

O futuro

“Milagrosamente é preciso dizer que o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) sempre foi muito apoiado pelos governos”, revela o professor, explicando que no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2006) os recursos para pesquisas chegavam por intermédio do então Ministério do Meio Ambiente/Ibama e depois pelo Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação  (MCTI). O Proantar é istrado pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar.  No entanto, o último edital para pesquisas do Proantar é de 2018, “estamos esperando a publicação de um novo edital para breve”, diz Simões.

O pesquisador explica que a questão do meio ambiente é global e que os pólos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia, há uma interdependência.  Mudanças climáticas sempre existirão, mas é necessário reduzir o impacto sobre a sociedade. Mesmo que parassem todas atividades que geram impacto sobre o clima agora, mesmo assim o nível do mar subirá 30 cm até o ano 2100.

Para Simões, “os pesquisadores precisam ter mais interação com o Poder Legislativo porque é lá que as leis são feitas, a comunidade científica não pode ficar isolada. O reconhecimento ao trabalho científico não vem sozinho, o cientista precisa ir à sociedade e falar.  Precisamos inserir a ciência na linha de produção mas, veja, ainda há trabalho análogo à escravidão no Brasil. Estamos muito atrasados.”

E completa:  “precisamos inserir a ciência no Ensino Médio. A crise ambiental faz parte de uma crise civilizatória. Há concentração de renda, trabalho escravo, mas o planeta é finito, não pode ser explorado como se estivesse numa linha de produção. O futuro de qualquer país é o investimento massivo em ciência e tecnologia, não concentrar renda e ter qualidade na educação e na produção”.

De acordo com o professor, toda a comunidade científica está esperando mais recursos e que o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, criado para financiar a construção do conhecimento, seja de fato implementado com a publicação de editais.

Simões diz que o Brasil precisa financiar projetos inovadores tanto para ciências básicas como para ciência aplicada para o uso de tecnologia na indústria, no agronegócio e na agricultura e pecuária em geral, em diferentes escalas, ter um ensino médio que tenha ciência na sua grade curricular e, para isso, “é necessário acabar com essa reforma ridícula que o governo ado fez, que destruiu a educação”.

O professor Jefferson Cardia Simões é titular de Glaciologia e Geografia Polar da UFRGS, é vice-Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e é pioneiro da Ciência Glaciológica no Brasil. Atualmente é Vice-Presidente do Scientific Committee on Antarctic Research/Conselho Internacional de Ciências (SCAR/ISC), com sede em Cambridge, Inglaterra. Ele obteve seu PhD pelo Scott Polar Research Institute, University of Cambridge, em 1990. É pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l’Environnement (LGGE) du CNRS/França e pelo Climate Change Institute (CCI), University of Maine, EUA. Leciona e orienta alunos de graduação e pós-graduação em Geociências e Geografia.

Toda sua carreira foi dedicada às Regiões Polares, tendo publicado 210 artigos científicos, principalmente sobre processos criosféricos. Pesquisador do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), é consultor ad-hoc da National Science Foundation – NSF (Office of Polar Programs).

Simões participou de 28 expedições científicas às duas regiões polares, criou o Centro Polar e Climático da UFRGS, a instituição que lidera no Brasil a pesquisa sobre a neve e o gelo. Ele coordena a participação brasileira nas investigações de testemunhos de gelo antárticos e andinos e faz parte do comitê gestor da iniciativa International Partnerships in Ice Core Sciences (IPICS). Recebeu o Prêmio Pesquisador Destaque da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) por sua contribuição à pesquisa antártica.