A Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul marcou seus 70 anos com um seminário sobre “A Liberdade de Expressão na América Latina”. As leis existentes e as propostas para regulação da mídia foram o tema de duas palestras no dia 23/10. Na primeira palestra o conselheiro de Comunicação e Informação para o Mercosul e Chile da Unesco, Guilherme Canela Godoi, destacou “os muitos avanços registrados nos últimos trinta anos quanto à liberdade de imprensa mídia na América Latina”. Citou, como exemplo. o fato de todos os países da região, exceto Cuba, terem a liberdade de expressão consagrada em suas constituições. Listou três “desafios centrais”: a criação órgãos reguladores independentes, a regulação adequada da concentração de propriedade e a violência contra jornalistas. “São três questões que continuam em aberto e que precisam ser aprimoradas para a garantia de mais liberdade de expressão e não menos”, frisou. O palestrante ressaltou como fundamental o entendimento de que o tema não é responsabilidade de um determinado poder ou de parte da sociedade, mas de todos. “A liberdade de expressão é a pedra angular da consolidação dos regimes democráticos, sem ela não haverá avanços’’, salientou. Assim, ressaltou a importância de que os atores públicos, privados e a sociedade civil organizada compreendam a necessidade de um esforço coletivo visando a constante evolução do cenário. “As medidas são de diferentes ordens. Há medidas legislativas, de capacitação desses atores, há medidas de monitoramento da sociedade civil, de autoregulação do setor empresarial. Enfim, é um tema complexo e seria ingênuo pensar que uma única medida vá avançar”, explicou. O presidente da AJURIS, Eugênio Couto Terra, disse que, no Brasil e na América Latina, a regulação da mídia está marcada ideologicamente, com a equivocada associação do tema à censura. “Isso não é verdadeiro.Um marco regulatório eficiente, democrático, construído em conjunto com a sociedade, garante mais democracia, mais o a mídia”, afirmou. O debate é inevitável e a Associação quer contribuir para o esclarecimento do assunto. O presidente lembrou que em 70 anos de história a entidade sempre assumiu um caráter propositivo, fortalecendo a discussão sobre questões sociais relevantes. Na segunda parte do seminário, à tarde, ao tema foi “O controle social dos meios de comunicação” e palestrantes os jornalistas argentinos Martín Becerra, pesquisador dos Sistemas dos Meios de Comunicação na América Latina, e Fabio Ariel Ladetto, presidente do Foro de Periodismo Argentino (Fopea). O teve como mediador o jornalista e professor da UFRGS, Flávio Porcello traçaram um amplo cenário do que a Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual y Reglamentación mudou no país vizinho desde sua implantação em 2009. Ambos acompanham a lei de regulação da mídia argentina desde seu início e, apesar de algumas distinções no modo de percebê-la, fazem coro sob um aspecto: os benefícios não são maiores por conta do próprio governo argentino. Para Becerra, colaborador da criação da lei, ela tem sido mal aplicada pelo governo e tornou-se impulsionadora de disputas políticas e judiciais. Mas nem por isso pode ser desconsiderada ou propagada erroneamente como “lei da mordaça”, como segmentos políticos opositores e de imprensa do próprio país e de vizinhos da América Latina, inclusive no Brasil, têm informado. A contrariedade em relação à norma recai principalmente ao item que limita a 30% de alcance da população o serviço dos canais licenciados – muito abaixo do que a maior parte dos conglomerados de mídia possui. A lei permitiu, pela primeira vez na Argentina, que as decisões sobre liberações de concessões não ficassem exclusivamente com o governo. Becerra lembrou que opositores políticos e membros da sociedade civil participam do órgão regulador, a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA). No entanto, Becerra avalia que o governo identificou no grupo Clarín, seu opositor, um inimigo formal. Na tentativa de desmembrá-lo e enquadrá-lo na limitação de alcance imposto pela lei, o governo faz vistas grossas para as demais empresas que atuam em igual condição. “Há um abismo entre o que a lei planta e o governo realiza”, declarou o jornalista A tentativa do Clarín é de arrastar as questões judiciais em curso, revela Becerra. Como o mandato da presidente Cristina Kirchner se encerra no final de 2015, há a expectativa por um novo presidente mais alinhado com o grupo de comunicação – o deputado Sergio Massa e o ex-prefeito de Buenos Aires Mauricio Magri aparecem como os nomes mais fortes entre os pré-candidatos –, o que poderia amenizar a crise. Já Ladetto, embora com uma linha mais crítica em relação à aplicação da lei, reforça a importância de sua elaboração para a democracia. Segundo ele, a normativa rompeu com velhas práticas dos governos ditatoriais na Argentina, que concedia benefícios e concessões a seus parceiros políticos a partir de critérios pouco claros. “Essas medidas nunca privilegiaram o cidadão”. Para ele, a lei não deve ser vista como uma censura às empresas de comunicação, mas sim como um elemento para defender os interesses da população. “As normativas sancionadas em vários países latino-americanos para atualizar as regras sobre a comunicação social e as pendentes, como neste querido Brasil, são marcos que devem nos guiar a aprofundar os processos democráticos e a dar poder os cidadãos”, declarou. Ambos palestrantes alertaram para o fato de que boa parte das novas concessões na Argentina atendem os interesses do atual governo. O órgão responsável pelas licenças é AFSCA, que concedeu nestes cinco anos de legislação 1.200 licenças. Poucas delas ainda estão no ar. Becerra acrescentou que, até o momento, o aumento nas produções regionais em meios audiovisuais foi pequeno. A concentração permanece com Buenos Aires. “Faltam políticas que permitam o fomento das produções locais, o que dificulta a busca por maior audiência”. Ladetto ainda questiona as outorgas concedidas. “Enquanto isso, houve decisões desconcertantes, como licenças para grupos que já têm meios, que potencia os setores concentrados, o que abertamente contradizem o postulado legal”, aponta Ladetto. O mediador do , professor Flávio Porcello, elogiou a iniciativa da AJURIS que, ao celebrar 70 anos de história, escolhe fomentar o debate sobre um assunto de interesse da sociedade, mas pouco discutido. “A regulação da mídia não é um problema que afete a Argentina, o Brasil, esse ou aquele país, mas a todos nós”, refletiu. O jornalista afirmou, ainda, ser fundamental encontrar meios de regularizar a atividade da comunicação social visando a beneficiar as pessoas. E frisou: isso não significa censura, repressão ou controle de ideias. “Ninguém é a favor da censura. Censura é uma coisa; regular, regularizar a situação da comunicação no país é outra”, lembrou. Para Porcello, debate é o instrumento mais adequado para atingir esse objetivo. Particiram da abertura do evento, o chefe de gabinete do Governador, representando o Governo do Estado, Ricardo Zamora; o presidente do Conselho de Comunicação Social do TJ/RS, representando a Corte, desembargador Túlio de Oliveira Martins; o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, deputado Gilmar Sossela; o subprocurador-geral para Assuntos Jurídicos, representando a Procuradoria Geral da Justiça, Ivory Coelho Neto; o Defensor público geral do Estado, Nilton Leonel Arnecke Maria; o Procurador geral do Estado, Carlos Henrique Kaiper; o diretor do Foro da Comarca de Porto Alegre, Nilton Tavares da Silva; o vice-presidente e corregedor do TRE/RS, representando o Tribunal, Luiz Felipe Brasil Santos; o integrante da Comissão de Comunicação Social e Relações Institucionais do TRT da 4ª Região, representando àquela instituição, desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira; o procurador-chefe da Procuradoria-Regional da República da 4ª Região, Marco André Seifert; o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo dos Santos Costa; e representando a OAB/RS, Ana Paula Oliveira Ávila. O evento contou com patrocínio do Banrisul e apoio da Escola Superior da Magistratura e da Clínica de Direitos Humanos da Uniritter. Áudios O Seminário AJURIS 70 Anos teve transmissão, ao vivo, da Radioweb AJURIS. Os áudios já estão disponíveis no site da Associação. (Com informações da Ajuris) 2y6a3y