A crise atual e o Capital 3w2s3p

João Alberto Wohlfart A cada dia que a novos fatos se descortinam diante dos nossos olhos, com uma força e velocidade impressionantes. O caso da operação Carne Fraca, com envolvimento de grandes frigoríficos e do agronegócio, é um novo capítulo no contexto geral de desmonte e desintegração ética, moral, econômica e social do Brasil. Mas a estrutura, a organização e os acontecimentos do capitalismo atual precisam ser interpretados a partir de um referencial teórico crítico e consistente. Pois, neste ano de 2017 comemoramos os 150 anos da primeira edição de o Capital, de Karl Marx, publicada em 1867. Para uma aprofundada crítica ao sistema capitalista atual, esta obra é uma referência permanente. Depois da queda do muro de Berlin, em 1989, o Capital ficou escondido sob as cinzas do esquecimento e do desprezo. Era tido como obsoleto e definitivamente superado. Bastou eclodir a grande crise do capitalismo internacional, a obra ressuscitou gloriosamente e se tornou o livro mais vendido em todo o mundo. Nestas linhas vamos tentar esboçar alguns tópicos que expressam a importância da obra para a compreensão do capitalismo atual. Tentamos destacar alguns pontos elencados por Marx há 150 anos e que hoje são evidentes: A desigualdade social: O fosso social entre ricos e pobres não é por acaso ou por vontade divina. Também não se deve a um preconceito social que rotula os mais pobres como vagabundos, pois muitos pensam que a causa da crise é porque não se quer mais trabalhar, razão pela qual a preguiça dos mais pobres é a razão principal da crise. A profunda desigualdade social reinante em nosso Brasil e no mundo inteiro é causada pelos mecanismos de exploração capitalista que concentra a renda nas mãos de poucos. Portanto, os que trabalham e produzem são explorados até às últimas consequências, com a concentração da renda nas mãos da classe dominante. A sociedade capitalista está estruturada nos detentores do capital sustentados por uma massa de trabalhadores. O fetichismo da mercadoria: Um dos conceitos fundamentais da grande obra de Marx é fetichismo da mercadoria. Para ser bem direto, é o resultado da transformação do sujeito em coisa e da coisa em sujeito. O trabalho do trabalhador produz os objetos de consumo que am a circular no comércio e no mercado. Como a economia capitalista não se centraliza na satisfação das necessidades básicas e na dignidade do ser humano, mas no acúmulo e no lucro desenfreado, produz o mecanismo do fetichismo da mercadoria. Trata-se de um poder implícito aos objetos em função de sua beleza e tecnologia, força que a a dominar os trabalhadores e as pessoas. As mercadorias têm funções implicadas nelas mesmas e que dominam as ações dos consumidores. A luta de classes: Para o velho Marx, um dos vieses de interpretação da história é a luta de classes. Trata-se da velha lógica dos que mandam e dos que obedecem, dos que dominam e dos que são dominados, dos livres e dos escravos. No modelo econômico capitalista estas oposições ficam mais radicais e extremadas. É a oposição entre a classe dos detentores do capital e a classe trabalhadora, esta última explorada através dos baixos salários, das longas jornadas de trabalho, da repetição de movimentos físicos e da incorporação da ideologia capitalista que aliena esta classe. Quando os trabalhadores se organizam, trava-se uma luta constante contra a classe capitalista, com causas como a melhoria dos salários e melhores condições de trabalho, redução da jornada de trabalho e dignidade do trabalho. Nos últimos 150 anos, esta luta teve múltiplas manifestações e múltiplos capítulos. A lógica do dinheiro: O dinheiro não é apenas um simples meio de troca, como se compra uma determinada mercadoria por certa quantidade de reais enquanto expressão numérica do seu valor. No mecanismo de produção e de troca, o dinheiro se multiplica e se transforma em capital. Nesta situação, ele se transforma em meio social de troca, valoriza e quantifica tudo e aparece como medida de valor de tudo. Nesta lógica, o que não é valorizado pelo dinheiro e não aparece na sua sistemática de troca, não existe. Na circularidade da produção e da troca, o ser humano é rebaixado a uma coisa que se troca por outra, e tem no dinheiro o referencial de troca. Esta lógica tem como consequência social a coisificação das relações sociais, pois todos os seres humanos entram no círculo da troca, do consumo e da lógica das coisas. A única forma de relacionamento social a a ser a troca e o consumo através da mediação do dinheiro, onde os seres humanos se relacionam através da lógica do valor de troca das coisas. A alienação do trabalhador: Uma das facetas mais perversas da economia capitalista amplamente exposta em o Capital é a alienação do trabalhador. Há uma sucessiva complexificação do capital contrastada frontalmente com o esvaziamento e a alienação do trabalhador. No exercício do trabalho, o trabalhador é progressivamente esvaziado de sua subjetividade e de sua liberdade transferidas para o capital que se transforma em sujeito do processo. A vida espiritual do trabalhador fica absorvida e expropriada pelo capital que a incorpora ao seu próprio movimento de constituição. A força viva do trabalhador é esvaziada e transferida para a estrutura do capital. Nisto o trabalhador se transforma em coisa e o capital no sujeito do processo. Nesta lógica, as relações sociais são dissolvidas e substituídas por relações entre coisas, pois as pessoas são absorvidas pelo sistema de troca de coisas e mercadorias. O domínio do capital: Na obra, estruturada em três livros e em seis volumes, Marx expõe a lógica do capital. É feita uma analogia com o Deus clássico, só que em Marx ele não proporciona vida, nem liberdade. O capital é uma força econômica que expropria a subjetividade e a liberdade do homem, transformando-o em coisa. Quem lê o Capital do começo ao fim percebe que o capital vai ficando cada vez mais gigante, enquanto o trabalhador e o homem vão sendo rebaixados à condição de coisa e de mercadoria. O único que sobra do homem é a sua força física necessária para manter a força de trabalho. Em termos atuais, o capital destrói o homem, as relações sociais, a natureza, os ecossistemas e se destrói a si mesmo. As crises atuais, tais como a econômica, a política, a social, a ecológica, a antropológica e tantas outras, são provocadas pela lógica do capital, a razão mais profunda do modelo econômico capitalista que nos domina e nos escraviza. As formas do capital: Marx identifica três formas de capital: o capital financeiro, o capital industrial e o capital mercantil. É o mesmo capital nas modalidades diferenciadas através das quais circula. O dinheiro se converte em capital industrial e estes em capital mercantil. Quando o capital dinheiro se converte em indústria e em circulação da mercadoria, não se esvazia e não se dissolve, mas ele se acumula em forma de lucro. O capital é uma estrutura cíclica que se constrói na circularidade, na qual todas as modalidades são cíclicas e circulam em si mesmas através da circularidade das outras, e a totalidade do capital é condicionado pela conversão de uma modalidade na outra. Através do dinheiro são compradas forças produtivas e indústrias, a produção das indústrias circula no mercado e é trocada por dinheiro, quando recomeça o círculo da produção e do consumo. Nesta lógica, a circulação do capital através da indústria e da circulação no mercado produz o lucro. Nesta sistemática de circulação, o homem é cada vez mais fragilizado e esmagado. O capital e os juros: Marx já faz uma ampla exposição sobre uma forma ainda mais violenta de exploração do capital que são os juros. É a especulação financeira. O capital não é mais gerado a partir do movimento interno de produção material, mas o dinheiro se multiplica a si mesmo, sem a mediação da produção material. Neste formato, é muito mais lucrativa a especulação que o processo produtivo. Aparentemente, este mecanismo não tem nada a ver com o universo material da produção, mas os grandes empresários e corporações econômicas recolhem o dinheiro do processo de circulação e o depositam nos bancos, onde cresce de forma autônoma. Esta modalidade de capital financeiro fragiliza a produção, dissolve a base material da sociedade e explora até às últimas consequências o trabalhador. A especulação financeira concentra nas mãos de poucos a quase totalidade da riqueza disponível no Planeta e distribui apenas migalhas para grande parte da população mundial. A chamada dívida pública dos Estados é o mecanismo principal desta lógica perversa, pois eles recolhem os recursos em forma de impostos e os destinam ao capital financeiro dos grandes bancos. Este modelo, na atualidade, provoca os grandes desequilíbrios sociais, econômicos e ecológicos em escala mundial. A autodestruição do capital: Marx mostra em o Capital que a lógica do lucro capitalista não é um movimento eterno de acumulação, mas as sua lógica é autodestrutiva. Dito de forma mais precisa. O que caracteriza a lógica de construção do capital também representa a sua autodissolução. Os lucros dos grandes aglomerados capitalistas precisam sair de algum lugar, e quando este esgota, dissolve-se a lógica do capital. O esgotamento dos recursos naturais do Planeta representa um suicídio do próprio sistema capitalista. A dissolução da base produtiva material pela especulação financeira integra a lógica intrínseca do capital na qual ele próprio se dissolve. A imensa sede de lucro não tem contrapartida de produção, o que tende a gerar um alto índice de endividamento, um pecado capital que não apenas condena o infrator ao inferno, mas dissolve o próprio sistema capitalista. Infraestrutura e superestrutura: Parece uma leitura ortodoxa, mas na atualidade ela se revela profundamente evidente. Segundo Marx, a infraestrutura é constituída pela base material da sociedade, distribuída no sistema de produção da agricultura e das indústrias, na circulação do capital e no comércio nacional e internacional, e no sistema do dinheiro e nos bancos. A superestrutura é constituída pelo Estado, pelas leis, pelo judiciário, pela Religião, pelas ideias e pelo sistema educativo. A função da superestrutura é manter e legitimar a ordem econômica capitalista estabelecida. Hoje isto fica claro porque o governo golpista se estabeleceu no poder para privilegiar os ricos e a classe dominante. O judiciário legitima os atos da classe dominante, protege a grande propriedade privada e criminaliza os movimentos sociais. As ideias que circulam na sociedade se transformam numa ideologia de sustentação e de legitimação da estrutura social estabelecida. A Religião muito contribui para desviar a atenção e anestesiar as consciências. Elencamos acima, de forma pontual e sintética, alguns aspectos estruturantes de o Capital, de Karl Marx. É claro que não se trata da única matriz teórica para a compreensão aprofundada do sistema econômico capitalista, mas, seguramente, é uma referência fundamental e indispensável. Diante de um cenário nacional e internacional de graves questões que atingem a humanidade do homem, a obra do velho Marx, publicada em sua primeira edição em 1867, merece ser celebrada. Ela denuncia, com profundidade e radicalidade epistemológica, o espetáculo de exploração, de expropriação, de dissolução e de coisificação do ser humano pelo sistema capitalista neoliberal. As contradições internas analisadas por Marx se aprofundaram e se complexificaram nos dias atuais, razão pela qual a obra segue sendo atual e nova.   1l235p

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