Os novos diretores de cinema no Festival de Verão 2y2wt

Os filmes “Eles voltam”, de Marcelo Lordello, e “O Rio nos pertence”, de Ricardo Pretti, são dois exemplos da garra e do talento da nova geração de cineastas brasileiros. Eles provam, como outros em todas as épocas, que mesmo com orçamentos limitadíssimos é possível fazer obras de grande qualidade narrativa. Os dois trabalhos estão na avant-première da nona edição do Festival de Verão de Cinema Internacional, evento produzido pela Panda Filmes, e que acontece até 19 de dezembro nas salas Paulo Amorim (Casa de Cultura Mário Quintana) e Instituto NT. O brasiliense radicado em Pernambuco, Marcelo Lordello, e o carioca Ricardo Pretti mostraram em seus longas-metragens – “Eles voltam” e o “O Rio nos pertence” – domínio formal e narrativo, seja tratando do tema da sobrevivência, caso do primeiro; ou da solidão, do desespero, da pulsão de morte, no segundo. A obra de Lordello recebeu vários prêmios no 45° Festival de Brasília, como o de melhor filme e melhor atriz para Maria Luiza Tavares; já a de Pretti integra o projeto Operação Sônia Silk, uma cooperativa reunindo a mesma equipe de técnicos e atores para a produção de três filmes, dois dos quais já realizados. “Eles voltam” conta, fundamentalmente, a história de Cris (Maria Luiza Tavares), uma menina de 12 anos abandonada junto com o irmão numa estrada. O longo plano inicial do filme mostra uma rodovia movimentada que poderia estar na periferia de qualquer grande cidade brasileira: o capinzal, o barranco, o vai-e-vem de transeuntes humildes. Tudo inspira desolação e medo. É neste cenário que Cris e Peu, um pouco mais velho, foram largados pelos pais após uma briga. Castigo? Provavelmente, só que eles não voltam para buscá-los e o irmão resolve ir até o posto mais próximo para pedir ajuda. Peu também não regressa. De gata borralheira à princesa Começa a aventura de Cris que, inicialmente, é acolhida por uma família muito pobre, mas digna e solidária, capaz de alimentá-la e abrigá-la. Ela se conforma com o que lhe dão e pedem pra fazer, inclusive ajudar a mulher que a acolheu em seu trabalho de faxineira. É nesta faina que Cris, caminhando pela praia, reconhece a casa de veraneio dos pais. Trata-se, como diria o recém-falecido Syd Field, mestre da arte do roteiro, do grande ponto de virada da história que, contudo, continua enigmática, mas coloca o espectador em pé de igualdade com a protagonista e, a partir daí, sabe tanto quanto ela. Cris, até então vítima de imposições – o abandono pela família, não importa as atenuantes, ou a conformidade com os códigos da família que a abriga – pode assumir a sua identidade de classe-media alta, coisa que intuitivamente escondia. Corre para a casa vazia. E ali, já integrada ao seu meio, pede socorro à vizinha, que a reconhece e acolhe, e se propõe a levá-la de volta para o Recife. A nova condição de Cris que, de gata borralheira, volta a ser princesa, é sutilmente mostrada na caminhada que faz pela praia junto com a filha da faxineira, na troca de olhares que evidencia o mal-estar e a distância social que as separa. Mas o casulo foi quebrado. Ela sobreviveu à descoberta da existência de outros mundos, inclusive o do sexo, que ela vislumbra, na penumbra, a pouca distância, entre a vizinha e o namorado dentro da piscina. Cris, em seu ritual de iniciação de agem da infância a adolescência adquiriu novas experiências e conhecimentos. Resta saber o que fará com essas lembranças, algumas amargas, como as imagens que gravou no seu celular, e que testemunham o seu abandono. No final da história, diante dos pais hospitalizados, revelará uma força superior a do irmão. Narrativa sombria Embora seja enigmático como “Eles voltam”, o filme de Pretti é uma narrativa sombria e sem esperança existencial. A história, falada em inglês e português, conta o percurso de Marina (Leandra Leal), uma jovem de classe média que após dez anos fora do Brasil resolve – depois de receber um cartão postal onde está escrito, em caracteres que parecem sangue, “O Rio nos pertence” – voltar à cidade e acertar pendências: com a irmã (Mariana Ximenes); com o ex-namorado (Jiddu Pinheiro); e elucidar a morte dos pais que, segundo ela, foram assassinados. Na verdade, trata-se de homologar rupturas, pois o baixo astral em que se encontra Marina só lhe aponta um caminho: morte. Real ou simbólica, a fuga. Os cenários de “O Rio nos pertence”, mesmo quando denotam algum requinte, conotam atmosferas mórbidas, pós-velório. Os diálogos são tensos e desesperados. O único alívio vem das imagens de alguns planos exteriores, fechados, que mostram partes de matas, pedaços de montanha, e o mar. Se os planos fossem abertos revelariam a miséria social, e a violência decorrente que manchou de sangue os cartões postais da cidade. Neste universo claustrofóbico, de onde emergem as ilhas envoltas na neblina, o sol que cobre a Guanabara é negro como a depressão. Resta a pergunta: a quem pertence o Rio? Sob o ponto de vista formal, Pretti é bastante ousado e tecnicamente – pelo uso que faz da câmera, efeitos e montagem –, materializa alguns aspectos psicológicos da personagem cuja melancolia oscila entre a perda do sentimento de paraíso, e o mergulho no inferno, entremeados por citações poéticas e filosóficas, da Bíblia a Nietzsche. Com esta temática, corporificando uma narrativa cheia de símbolos e pulsões, Pretti se associa a escola do finado diretor Walter Hugo Khoury. E Ingmar Bergman, se ainda vivesse, certamente lhe mandaria uma mensagem de felicitações. Nestes filmes, Lordello e Pretti propõem um interessante diálogo com a classe média brasileira, diferente daquele efetuado pelo Cinema Novo, e que foi brilhantemente dissecado por Jean-Claude Bernadet no livro “Brasil em tempo de cinema”, de 1967. ou, praticamente, meio século, pouca gente ainda fala em ditadura do proletariado, e se os problemas de base do país não foram resolvidos, o caminho para discussão está livre. Também não falta proposta para acabar com aquele resquício de “Sobrados e Mucambos”, que falava Gilberto Freyre, e que se faz notar no início de “Eles voltam”. Enfim, Lordello e Pretti, trintões recentes, geram grandes expectativas sobre os seus próximos trabalhos. [notice]Festival de verão de cinema internacional: avant-première Até 19 de dezembro Sala Paulo Amorim – CCMQ (Rua dos Andradas, 736) Instituto NT (Rua Marques do Pombal, 1111) Informações sobre a programação e horários dos filmes:[/notice] http://www.facebook.com/festivalveraors 235i4k

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