A hora e a vez do cinema palestino 1k5t6h

Com a presença do diretor, Kamal Aljafari, 42, a exibição de Porto da Memória, nesta quarta-feira (06/11), deu início, na Casa de Cultura Mário Quintana, à segunda fase da Mostra Cinema e Paz, iniciativa do governo do Estado, agora com a apresentação de filmes palestinos. Natural de Ramallah, Cisjordânia, Aljafari era um adolescente quando assistiu nas ruas de Jaffa (que hoje faz parte de Tel Aviv) a rodagem do filme Delta Force (1986), com Chuck Norris e Lee Marvin: “Lembro de cenas de perseguição, das ruas cheias de cartazes do aiatolá Khomeini, simulando a periferia de Beirute, Líbano”, recorda o diretor. A mesma Jaffa que, 24 anos depois, Aljafari – já formado pela Academia de Artes-Mídias de Colônia, Alemanha, onde hoje é professor – voltaria para filmar uma história tendo como base um drama familiar: parentes, do lado materno, estavam sendo ameaçados pelas autoridades israelenses de despejo caso não pudessem comprovar que a casa, comprada há quatro décadas, era deles. Fato que para Aljafari ilustra o que é ser, na atualidade, palestino em Israel: “um estrangeiro no seu próprio país, um exilado, um imigrante, alguém indesejado”. Porto da Memória, segundo o diretor, não é a um filme militante, de propaganda revolucionária, engajado numa luta libertária. Trata-se de uma reflexão factual e poética sobre o destino-desaparecimento da comunidade palestina de Jaffa, uma película que mistura documentário e ficção: “Não acredito na divisão em gêneros, numa fronteira, narrativas e modos de contar são coisas que se inter-relacionam”, explica Aljafari. Nesse estilo, colabora para enfatizar o drama a utilização de atores não profissionais – os membros de sua própria família –, cujas forças vêm de suas presenças, testemunhos, dos seus gestuais repetitivos ou coreográficos, como a da senhora lavando as mãos, ritualmente, demoradamente. Porto da Memória também é feito de paradoxos. A família de Aljafari, por exemplo, é cristã, o que a transforma em uma minoria dentro da minoria. Na televisão a uma ficção sobre a vida de Jesus Cristo dublada em árabe. E, noutra inserção, aparece uma cena de um filme antigo, transformada em clipe, onde um cantor judeu perambula pelas ruelas da velha Jaffa, cantando em hebraico uma música que parece retratar o nostálgico estado de espírito atual dos palestinos e seu velho porto. A maior parte do filme denota ividade, depressão, decadência, casas em ruínas ou abandonadas. Mas não residiria justamente nisso a denúncia política da situação dos palestinos em Israel ou nos territórios ocupados? Seria essa ividade, misto de existência e ausência, uma forma de resistência, um grito silencioso? Aljafari é irônico, e a pergunta apenas reforça que não fez um filme militante, embora esteja consciente que o tema, imagens e posturas das pessoas envolvidas provoquem, no mínimo, questionamentos sobre a maneira de Israel tratar os palestinos que habitam o seu território, ou seja, que vivem na sua própria terra. Aljafari é um artista com um sentido estético particular de composição de imagens e cenas, tem domínio técnico do ofício. Portanto, consciente de sua proposta cinematográfica, cheia de referências, que vão de Robert Bresson a Jean-Luc Godard, e, sobretudo, do próprio cinema palestino. Enfim, mostra a coragem e a ousadia de alguém que recusa olhar-se apenas como vítima. (Por Francisco Ribeiro) Programação da Mostra Cinema e Paz, na Casa de Cultura Mário Quintana: 07/11 – Quinta-feira 19h30 – To my Father, de Abdelsalam Shehadeh ; 08/11 – Sexta-feira 19h30 – Sessão comentada de The Roof, de Kamal Aljafari ; 09/11 – Sábado 19h30 – Sessão com os três curtas-metragens : Colorful Jouney, de Arab Abu Nasser e Tarzan Abu Nasser ; Arafat and I, de Mahdi Fleifel ; Izriqaq, de Rama Mari ; 10/11 – Domingo 19h30 – Sessão com os três curtas-metragens 2p1q6v

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