João Alberto Wohlfart Os desdobramentos dos fatos relacionados ao golpe no Brasil desafiam a análise e o pensamento crítico. Um olhar retrospectivo no tempo cronológico de um ano identifica significativas mudanças na coalisão e na combinação das forças políticas e sociais. Isto significa dizer que toda a realidade está impregnada de seu contrário, e ela é movida por esta força que habita em seu interior. No artigo que segue faremos uma leitura dos fatos pelo viés da contradição de forças que move a sociedade. Partindo do fatídico dezessete de abril de 2016, quando os deputados autorizaram o golpe contra a presidente Dilma, com invocação de Deus, da moralidade e dos familiares, a elite dominante esmagava o povo destituído de liderança e de capacidade de reação. Muitos representantes da casa grande ocuparam postos importantes no governo Dilma em cujo interior se formou o golpe. Os que amplamente foram favorecidos por este governo deram o golpe e submeteram o país a um domínio patriarcal jamais visto na história. De um ano para cá houve uma ofensiva da direita política e da classe dominante numa velocidade e intensidade jamais vistas. Fomos tomados de surpresa por uma avalanche devastadora dos Direitos Humanos, da Democracia, das conquistas sociais, das riquezas nacionais e da própria organização social. A burguesia impôs a sua agenda de retrocessos e o povo se curvou diante desta ofensiva extremamente agressiva. Estas forças se organizaram de tal maneira que a sua ação fosse devastadora, numa organização criminosa que reuniu o congresso nacional, o judiciário, o Supremo Tribunal Federal, a mídia, o empresariado nacional e internacional etc. Numa ofensiva jamais vista, a elite conservadora foi às ruas numa multidão de milhões de pessoas para pedir o impedimento da Presidente Dilma. A grande mídia conseguiu difundir a ideia de que Lula e o PT são os principais corruptos e os responsáveis por ela. Diante de uma agenda de retrocessos conseguiram difundir a mentalidade antipetista e o ódio contra os seus principais líderes. Este discurso pegou de tal maneira que as pessoas, nas ruas, falassem intensamente contra a figura de Lula. Assistimos sem capacidade de reação a um conjunto de forças que vêm de cima e esmagam a sociedade. Todas as forças conservadoras historicamente atuantes no Brasil convergiram e impam de cima para baixo, sem dialogar com a sociedade, os seus interesses e a sua agenda. E nesta lógica acabaram com a Constituição Federal, com a Democracia, com os Direitos Sociais, com a Previdência social, revestidos da generosidade do espírito de entrega das riquezas nacionais e do perdão das dívidas de grandes corporações econômicas e dos bancos. Mas os ventos mudaram. A sociedade como um todo, a classe popular e a classe trabalhadora acordaram. As forças mudaram de sentido e agora elas vêm de baixo, da base social e do povo espoliado com os retrocessos do governo Temer. A greve geral do dia 28 de abril é um indicativo muito claro disso. Uma mobilização geral, organizada, integrada e intersindical, com paralização de quase todas as atividades e adesão de muitas categorias de trabalhadores, foi a maior greve geral já organizada neste país. Mesmo ironizando publicamente a greve, a base do governo Temer tremeu. Mesmo diante da avalanche de destruições que ruiu com a economia, a sociedade e os Direitos fundamentais, há uma intensa força que vem da base da sociedade. Grupos sociais dispersos soltaram a sua voz e se alinharam para lutar contra os retrocessos sociais. Uma novidade significativa do cenário da greve geral é a voz da CNBB, com posicionamento favorável às manifestações por parte de mais de 100 bispos. Pelo que tudo indica a Igreja Católica brasileira volta à profecia das décadas de 70 e 80 com um posicionamento social claro em favor dos explorados pelo sistema. Já há uma convicção mais ampla de que o governo Temer retira direitos, é extremamente corrupto e penaliza cada vez mais a população. Percebe-se uma força de reorganização das bases numa sucessiva intensificação dos movimentos para efetivar a manutenção das conquistas. As paralizações do dia 28 de abril e as manifestações do dia primeiro de maio são apenas o começo de um intenso movimento de mobilizações. Muita coisa que estava esquecida e não se sabia mais fazer foi reaprendida. É provável que os movimentos de base se intensifiquem cada vez mais e derrubem o governo ilegítimo que assaltou o poder. Depois de uma ofensiva ultraconservadora jamais vista na história do Planeta e que deixou a sociedade e a economia em frangalhos, vemos o ressurgimento de uma organização a partir das bases populares. A mobilização do dia 28 de abril aglutinou Sindicatos, trabalhadores, religiões, intelectuais, Universidades, políticos etc. numa força organizada para impedir a continuidade dos assaltos aos Direitos fundamentais historicamente conquistados. O importante é que o projeto golpista não vai continuar as suas imposições sem resistência e sem oposição. Chegou a vez das bases populares se organizarem e produzirem um movimento oposto de baixo para cima e derrotar os canalhas que golpearam o Brasil e a Democracia. O movimento intersindical que organizou as últimas mobilizações no Brasil é a primeira força sistemática contra o golpe e os seus retrocessos. De agora em diante, a tendência é de que, quanto maior a repressão policial e os ataques aos Direitos Humanos, maior será a resistência contra o golpismo. Já perdeu legitimidade o discurso da elite e da grande mídia acerca da moralização do país que seria promovida pelo governo Temer. Em contrapartida, está tomando conta a convicção coletiva da retirada de Direitos com as reformas trabalhista e previdenciária. Esta nova tendência da opinião pública deve desdobrar-se em novas formas de organização das bases contra golpes e violações. Um dos aspectos mais significativos é a ocupação das ruas e praças de nossas cidades. Milhões de trabalhadores ocuparam as ruas e soltaram em uníssono o grito contra o esfacelamento da nação brasileira levado a efeito por uma corja de bandidos políticos distribuídos em todas as esferas do Estado. As praças públicas de nossas cidades se transformaram em palco de aulas públicas sobre a realidade mundial e brasileira, sobre Democracia, sobre Direitos Humanos e sobre cidadania. A dispersão da grande massa popular se transformou numa organização social nas ruas e praças e num movimento de resistência aos ataques contra a soberania popular, contra soberania nacional e contra as conquistas históricas. O movimento golpista entrou em contradição. Mesmo com toda a sua força de destruição e de imposição dos interesses da classe capitalista dominante, produziu a contradição interna. O fortalecimento das bases a partir de sua capacidade de organização estabelece uma força que fará frente aos ataques golpistas que pretendem destruir conquistas históricas do povo brasileiro. Mesmo com o cassete nas ruas e a intensa mídia, os movimentos vão aprofundar cada vez mais a resistência, com a capacidade de derrubar as aves de rapina que aplicaram o golpe. 1j4m3y