Uma reportagem, duas sentenças A reportagem sobre Lindomar Rigotto foi publicada na edição 287 do JÁ, de maio de 2001. Duas ações foram movidas por Julieta Vargas Rigotto, mãe e herdeira de Lindomar . 1) Com base no Código Penal, pedia a condenação do autor da reportagem, jornalista Elmar Bones, pelo crime de calúnia e difamação. 2) Com base na Lei de Imprensa, reivindicava pena indenizatória, contra a empresa editora do jornal, por “dano moral”. As duas ações foram ajuizadas em agosto de 2001. Em 30 de julho de 2002, o juiz julgou improcedente a Ação Cível, por decadência de prazo. (Entrara depois dos 90 dias estabelecidos na Lei de Imprensa). A Ação Penal, contra o autor da reportagem teve manifestação do Ministério Público em 29 de novembro de 2002, em parecer assinado pelo promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores: “Do exposto chega-se à conclusão segura de que os assuntos foram abordados com evidente “animus narrandi”, sem qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado é indiscutível que os três temas estavam – e ainda estão – impregnados de interesse público. Nestas condições, considerando que o querelado se limitou a narrar, informar e comentar fatos revestidos de notório interesse público, não descendo às raias do insulto e da ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto, nem extrapolando os limites da liberdade de manifestação do pensamento e de informação (…) a solução absolutória é medida que se impõe como justa e adequada”. Em 17 de dezembro de 2002, a Juiza Isabel de Borba Lucas, da 9ª. Vara Criminal, deu a sua sentença: “Efetivamente analisando-se os três tópicos da reportagem conclui-se pela inexistencia de dolo no agir do querelado. Em nenhum momento o querelado tem por intenção ofender o falecido Lindomar Rigotto, filho da querelante, justamente porque reproduz agens destes documentos e depoimentos.(…) A meu sentir, não se afastou da linha narrativa e teve por finalidade o interesse público, não agindo com o dolo, a intenção de ofender a honra do falecido Lindomar Vargas Rigotto. Em sendo assim, seu agir não configurou qualquer das figuras tipificadas nos arts. 20, 21 ou 22 de Lei de Imprensa. (…) Em face do exposto julgo improcedentes as acusações contidas na inicial e absolvo o querelado Elmar Bones, com base no art. 386, III, do P”. Em 27 de agosto de 2003 o Tribunal de Justiça do Estado nega provimento ao recurso dos advogados de Julieta Rigotto, que pretendiam reformar a sentença de primeira instância, que absolvia o jornalista: “Impossível retirar da inicial os elementos constitutivos da imputação contra a honra alegada pela querelante, como a imputação de fato determinado e ofensivo a sua reputação que não fosse de conhecimento e interesse público…”, diz o relator, desembargador Aramis Nassif. O processo criminal, portanto, se encerra aí. O outro processo, na Câmara Cível, toma outro rumo, coincidentemente, depois que Germano Rigotto toma posse como governador do Estado (eleito em outubro de 2002). O Tribunal de Justiça acolhe um recurso, e derruba a decadência do prazo, alegando que a Constituição não acolhe esse prazo, estabelecido na Lei da Imprensa. Julga o mérito e, em 18 de dezembro de 2003, a Câmara Cível do Tribunal de Justiça condena a empresa Já Porto Alegre Editores. Vale a pena reproduzir alguns trechos do relatório do desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, acolhido por unanimidade: “Não há como se afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo(….).” “(…) Tem-se dito que a imprensa é inteiramente livre para informar os acontecimentos e emitir opiniões sobre todos os assuntos de interesse geral. No entanto, há que fazê-lo dentro dos limites constitucionais, de modo a preservar os direitos individuais, os quais só serão atingidos quando a notícia ou comentário extrapolar o contexto em que se inseriu, criando uma realidade artificial e atingindo determinada pessoa ou grupo de pessoas”. “Aqui temos um empresário da noite, como costumam dizer, vítima de um dos tantos assaltos que somos obrigados a presenciar diariamente, morto quando, imprudentemente, saíra em perseguição dos assaltantes, fazendo as funções da segurança estatal”. “Desse ato – não recomendável, mas heróico – fez-se ligação com outros dois que supostamente envolviam essa pessoa, quais sejam, uma I sobre a CEEE e a morte de uma bailarina, que ocorrera em seu apartamento”. “Nenhuma circunstância do primeiro fato, porém, autorizava a relação com os outros dois episódios, exceto o interesse sensacionalista, que, como se sabe, muitas vezes, confunde-se com o lucro (…)”. “O certo é que, naquele momento, o falecido fora vítima de um assalto, em que morrera tragicamente. Não tinha o órgão de comunicação o direito de macular a sua imagem e ofender os seus familiares e amigos, fazendo especulações sem nenhuma relação – esse o ponto fundamental – com o ocorrido”. “Vingança? Queima de arquivo? Mas como se fazer essa cogitação, nas circunstâncias em que ocorreu a sua morte?”. “(…) Ao misturar irresponsavelmente esses fatos, a imprensa criou uma imagem negativa do morto, que ainda não correspondia à realidade. Eis a sua transgressão. Afinal, inexiste ser humano tão honrado que seja intangível, nem tão desonrado que não possua qualquer dignidade a ser defendida”. “(…) Estabelecida a responsabilidade da apelada, quem poderia negar os danos morais sofridos pela autora, ao ter que ar, além da morte do filho, a onda de difamações contra sua imagem. Trata-se de lesão íntima que independe de qualquer demonstração, pois a teria sofrido qualquer homem médio (…)”. O valor da indenização foi fixado em R$ 17 mil reais. Em agosto de 2005, o juiz Giovanni Conti, autoriza a penhora de bens da empresa, para pagar a indenização. A empresa oferece seu acervo de livros, cerca de 15 mil exemplares, que não é aceito. Nesses circunstâncias, depois de várias tentativas e vários recursos, é autorizado o bloqueio de 20% das receitas brutas da empresa para garantir o pagamento da indenização. No dia 3 de agosto de 2009, um perito nomeado pelo juiz a a controlar as contas da empresa (notas emitidas, extratos bancários, controle de estoques) para garantir o pagamento da indenização, que hoje está em R$ 54.275, 89. No início de 2010, sob o argumento de que as receitas da empresa eram muito pequenas, o juiz suspendeu o trabalho do perito. Agora, um ano depois da primeira intervenção, autoriza bloqueio on line das contas pessoais dos sócios. 1m1q72
Um triste capítulo para o Judiciário.
Parabéns a vocês – e não se deixem levar pos esta tentativa de atemorizar o jornalismo livre e investigativo.
É uma grande pena este acontecido!Ele representa um retrocesso relativo ao patamar de liberdade de expressão que imaginava-se haver sido conquistado.