O truque do Janot para implodir a candidatura do Lula 635n63

Jeferson Miola O que poderia ser celebrado como sinal de normalidade institucional – os pedidos do Rodrigo Janot ao STF para abrir inquéritos das delações da Odebrecht – na realidade é apenas um truque do procurador-geral para [i] proteger o bloco golpista, em especial o PSDB; mas, sobretudo, para [ii] viabilizar a condenação rápida do Lula e, desse modo, impedir a candidatura do ex-presidente em 2018, isso se a eleição não for cancelada pelos golpistas. Janot seguiu fielmente Maquiavel: “aos amigos, os favores; aos inimigos, a lei”. Os golpistas, cujos indícios de crimes são contundentes, com provas de contas no exterior, jantares no Palácio Jaburu, códigos secretos para recebimento de dinheiro da corrupção e “mulas” para carregar propinas, serão embalados no berço afável do STF. Lula, sobre quem não existe absolutamente nenhuma prova de crime, foi denunciado por Janot e será julgado por Sérgio Moro, um juiz parcial, que age como advogado de acusação. Ele é movido por um ódio genuíno e dominado por uma obsessão patológica de condenar Lula com base em convicções [sic]. Janot entregou a este leão faminto e raivoso a presa tão ansiada. Os fatores que permitem prospectar esta hipótese da sacanagem do Janot são: 4g2g49

  1. as listas parciais divulgadas em 14 e 15/03/2017 implodiriam qualquer governo, quanto mais o apodrecido e ilegítimo governo Temer – implodiriam, mas não implodirão, porque estamos num regime de exceção;
  2. foram denunciados nada menos que: seis ministros [Padilha, Moreira Franco, Aloysio Nunes, Bruno Araújo, Kassab e Marcos Pereira] + os dois sucessores naturais do presidente em caso de afastamento do usurpador [Rodrigo Maia e Eunício Oliveira] + o idealizador da “solução Michel” para estancar a Lava Jato, atual presidente do PMDB [Romero Jucá] + o presidente do PSDB [Aécio “tarja-preta”] + quatro senadores da base do governo + cinco governadores + três deputados que apóiam Temer + três senadores da oposição + dois deputados de oposição;
  3. uma pessoa iludida poderia concluir: “é uma decisão corajosa e imparcial do Janot”; afinal, ele investiga personagens poderosos e, aleluia, inclusive o PSDB. Ilusão: esta é, exatamente, a manobra diversionista do Janot;
  4. os denunciados do governo golpista, todos eles, inclusive os sempre protegidos tucanos, têm foro privilegiado, e por isso serão investigados pelo STF, e não nas instâncias inferiores do judiciário [com minúsculo]. É verdade que Janot denunciou também golpistas sem foro privilegiado. Esses, porém, são as “genis” Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, já presos; e Geddel Vieira Lima, que já está no corredor do cárcere;
  5. o supremo [com minúsculo], demonstram estudos da FGV, é a instância mais lenta, mais politizada [eventualmente mais partidarizada, para não dizer tucana] e mais inoperante do judiciário. A primeira lista do Janot, por exemplo, entrou no sumidouro do STF há dois anos [em março/2015], e lá dormita até hoje, sem nenhuma conseqüência na vida dos políticos denunciados por corrupção;
  6. a composição ideológica do STF é aquela mesma que, agindo como o Pôncio Pilatos da democracia brasileira, lavou as mãos no processo doimpeachmentfraudulento, e assim converteu o supremo em instância garantidora do golpe de Estado que estuprou a Constituição para derrubar uma Presidente eleita com 54.501.118 votos;
  7. é fácil deduzir, portanto, qual será a tendência do STF na condução dos processos dos golpistas. Se esses julgamentos iniciarem antes de 2021, será um fato inédito.

A lista do Janot é um instrumento ardiloso da Lava Jato e da mídia para a caçada do Lula. Janot faz como o quero-quero, pássaro que grita longe do ninho para distrair os intrusos, afastando-os dos seus filhotes.
As instituições do país estão dominadas pelo regime de exceção que violenta a Constituição para permitir um processo agressivo e continuado de destruição dos direitos do povo, das riquezas do país e da soberania nacional.
O anúncio imediato da candidatura presidencial do Lula, abrindo uma etapa de mobilizações permanentes e gigantescas do povo, é a urgência do momento. É a garantia de proteção popular do Lula contra os arbítrios fascistas do regime de exceção e, ao mesmo tempo, fator que pode modificar a correlação de forças na sociedade.
O êxito dos protestos deste 15 de março, que levaram milhões de trabalhadores às ruas em todo o país, é um sinal positivo da retomada da resistência democrática e da luta contra o golpe e os retrocessos.
A democracia e o Estado de Direito somente serão restaurados no Brasil com a mobilização popular intensa e radical, e a candidatura do Lula é um motor para esta restauração.
Artigo originalmente publicado em http://www.facebook.com/jefmiola/posts/263773757365939
 

Uma tragédia anunciada 69g1u

João Alberto Wohlfart
A cada dia que a as intenções de fundo do governo golpista e usurpador Michel Temer ficam mais claras e explícitas. O desmonte em curso do Brasil se evidencia em todos os campos, numa ação combinada e organizada para que tudo venha abaixo ao mesmo tempo e num prazo de tempo menor possível. E o que está sendo desmontado acontece com tal intensidade que não poderá ser recuperado depois. A nação brasileira em sua totalidade, nos aspectos da vida econômica, social, política, intelectual e ecológica está sendo demolida.
Todas as ações do governo usurpador estão no caminho do desmonte de tudo o que foi conquistado a duras penas ao longo de anos, de décadas e de séculos. A mais evidente ofensiva é contra a Previdência Social, um sistema que proporciona desenvolvimento econômico e social e vida minimamente digna à população mais idosa do país. A alegação, legitimada por uma intensa propaganda veiculada pelos meios tradicionais, é de falência da Previdência, o que daria razão para que a mesma seja reformada. Mas, sabe-se a partir de fontes seguras que ela é superavitária e que nos últimos anos sobraram centenas de bilhões para serem repartidos entre as populações mais humildes. Mas a intenção de tal empreendimento é outra, a de canalizar os recursos para o sistema financeiro e concentrar a renda cada vez mais na mão de uma pequena elite dominante.
Da reforma da Previdência, o peso da crise recai diretamente sobre a classe trabalhadora que mais uma vez terá que pagar os pecados em função da ganância dos mais ricos que cada vez concentram mais bens e recursos. A ideia de fundo é tirar da população e concentrar nas mãos dos bancos e dos mais poderosos. Estão em andamento projetos que retiram direitos dos trabalhadores, arrocham cada vez mais os seus salários, os submetem a um regime de semiescravidão e os rebaixam inexoravelmente à pobreza e à miséria. Estamos vendo um processo de precarização do trabalho humano análogo ao regime de escravidão, o que inviabilizará qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico e social. Nesta lógica, o ser humano enquanto estrutura social está sendo rebaixado a uma coisidade geral a quem se destina apenas as migalhas para assegurar a força de trabalho social.
A ofensiva do governo usurpador vai muito mais longe. Além de retirar da sociedade a base material necessária para uma vida material minimamente digna, está privando o povo do conhecimento. A reforma do Ensino Médio, o sucateamento das Universidades Federais, o projeto Escola sem Partido, estão aí para inviabilizar qualquer tentativa de construção do conhecimento e da crítica. Soma-se a isto o lixo da televisão brasileira, especialmente os veículos e empresas oficiais, com a função exclusiva de imbecilização e mediocrização do povo brasileiro diante do espetáculo do desmonte. No momento atual, apesar de alguns movimentos organizados, o povo assiste ivamente aos desmandos do governo golpista legitimado pela ignorância do povo. Isto tudo converge naquilo que muitos intelectuais apontam para o tempo atual caracterizado como a era pós-conhecimento e da pós-humanidade. Não temos mais conhecimento, apenas um intenso movimento de manipulação das massas. E a ofensiva se aprofunda com a eliminação da ciência brasileira, o que abre o panorama para a ação da inteligência norte-americana e da mídia brasileira no desmonte de um projeto de nação no Brasil.
Se fosse apenas isto, ainda estaríamos num paraíso de maravilhas. Esta força ultraconservadora avança contra os direitos sociais, contra o Estado de Direito, contra a Democracia e contra a Constituição Federal. Estes fundamentos da sociabilidade e da liberdade já foram abolidos pelo poder usurpador de uma minoria capitalista que arbitrariamente impõe o seu projeto de dissolução da nação, numa velocidade e numa intensidade brutais de forma a inviabilizar qualquer reação por parte das bases organizadas. Nesta ótica, quem deveria ser guardião da Constituição Federal e da cidadania, o Supremo Tribunal Federal, transformou-se num partido de ultradireita, aliado do PSDB e de seus comparsas. Não se trata apenas da formalização do fim da Constituição Federal e das inúmeras conquistas de décadas e séculos, mas da diluição das relações sociais transformadas numa massa de manobra e numa coletividade sem inteligência.
Mas a tragédia nacional tem outros capítulos ainda mais cabeludos. Trata-se de uma ofensiva dominadora sobre o nosso território, especialmente através da venda de terras aos estrangeiros. Grandes extensões de terras são leiloadas no melhor estilo da financeirização e da especulação imobiliária, destinando este patrimônio à lógica do agronegócio, da monocultura, da mecanização agrícola, da lógica bancária e da exportação básica de grãos. A tendência desta aventura é a formação de gigantescos cinturões de espaços privados iníveis ao povo brasileiro e aos agricultores de nosso país que gostariam de um pedaço de chão para produzir e para viver. Sepulta-se eternamente o sonho da Reforma Agrária nunca realizado no país e ferrenhamente combatido pelos defensores da monocultura e do latifúndio improdutivo.
Um dos mais trágicos efeitos da ofensiva golpista é a ação destruidora em relação aos biomas brasileiros. Neste empreendimento, é atropelada a Legislação Ambiental, invadidas as reservas indígenas, abolidas Áreas de Preservação Permanente e destruídos os nossos ecossistemas. A grande vítima deste assalto a a ser o Bioma Amazônia, maior sistema de biodiversidade do Planeta, espaço geográfico ultracomplexo de maior concentração de água doce e fluxo de águas do mundo e maior santuário de riquezas naturais existente. A sua função e a sua ação no equilíbrio climático da biosfera e da atmosfera são fundamentais. Na contramão desta visão sistêmica de Ecologia, há ações devastadoras que aceleram cada vez mais a sua devastação com desmatamentos, mineração, monocultura, avanço da pecuária, privatizações e invasão por estrangeiros. Tudo indica que em função desta ofensiva teremos tragédias ambientais não apenas restritas ao espaço geográfico amazônico, mas com consequências trágicas para o equilíbrio ambiental e social de toda o Planeta.
Em todas estas questões, fica explícita a dissolução do Estado como agente de socialização e de regulação da estrutura social. Atualmente o Brasil é governado por uma corja de bandidos políticos que reduz o Estado a um instrumento de defesa dos interesses da classe dominante. A lógica é extorquir do povo trabalhador os recursos mínimos indispensáveis para uma sobrevivência digna para concentrá-los nas mãos dos mais ricos. Os beneficiados desta dádiva divina são o grande empresariado nacional e internacional, os latifundiários, os banqueiros, os evangélicos, os rentistas, os empresários da telecomunicação etc. A reforma da Previdência Social e trabalhista visa tão somente a retirada do universo social os recursos para concentrá-los na pirâmide mais alta da sociedade. Há um mecanismo financeiro e especulativo sistêmico que tira os recursos da base social e da base produtiva, os concentra em poucas mãos e no sistema financeiro, como razão principal da crise atual. A grande tendência desta aventura é o capital internacional e a internacionalização da agricultura.
O povo brasileiro fica excluído das políticas adotadas pelo governo golpista. Nesta lógica, a classe dominante por si só não vai assegurar o desenvolvimento econômico. Com a precarização da trabalho e com a não distribuição de renda, a economia do país vai recuar cada vez mais. A tendência atual é o desaparecimento das políticas públicas de justiça social e distribuição de renda, o que significa dizer que cada cidadão terá que se virar com as suas próprias forças. Uma pequena minoria dominante vai ter contas bancárias fartas para os melhores banquetes e manjares do mundo, enquanto uma grande maioria vai ter que se contentar com algumas migalhas que sobram das mesas dos ricaços. A tendência é a formação de uma massa social faminta a lutar desesperadamente pela sobrevivência.
Estamos diante de uma tragédia sistêmica da nação brasileira. Ela foi simplesmente destruída pelo golpe parlamentar e pela operação lava jato. Não temos diante de nós outro destino do que uma tragédia social porque o povo não vai receber de volta as riquezas que produz com o seu trabalho. Vamos assistir ao espetáculo do desemprego, da fome, da criminalidade em escala elevada, porque o povo vai ser sangrado e castrado em seus salários e direitos. Vamos assistir à precariedade avassaladora da segurança pública e o povo vai ter que voltar a saquear supermercados para saciar a sua fome. Em função das agressões aos biomas brasileiros, especialmente à Amazônia e ao Cerrado, abre-se o panorama de tragédias ambientais em escala imprevisível e com incidência social avassaladora. Ainda não basta a recente tragédia no Rio Doce, com consequências ambientais e sociais ainda desconhecidas. Com o golpe, o Brasil já é uma diminuta nação de fundo de quintal, sem nenhuma expressão internacional e sem contribuição para o mundo atual. Uma vez dissolvido o conhecimento, a ciência e a tecnologia, se transforma numa colônia informe para atender aos interesses econômicos internacionais.
O caos aqui apontado somente poderá ser evitado com intensas mobilizações sociais e com a destituição imediata do governo golpista. Se nada for feito a partir das bases adormecidas e silenciadas, o quadro da complexa biodiversidade brasileira se transforma em imensos desertos. A imensa sociodiversidade cultural brasileira tende a se transformar numa massa sem informação e sem conhecimento, e o território brasileiro será uma plataforma de fome e de miséria. Os abundantes solos agrícolas brasileiros, que poderiam receber uma Reforma Agrária capaz de alimentar a população mundial inteira, é objeto de especulação imobiliária, monocultura, internacionalização e intensa privatização. Nesta nova fase imperialista do capitalismo internacional, o povo brasileiro será cada vez mais alheio em seu próprio território.

Por um Estado democrático e transparente z25

Benedito Tadeu César
Intelectual e acadêmico da UFRGS, aposentado
Os deputados do PMDB estão repetindo a mesma cartilha. É o que se deduz de manifestações recentes do líder do governo na Assembleia e de um ex-presidente do partido na imprensa gaúcha.
Em artigos no Correio do Povo, no dia 18 de fevereiro, e na Zero Hora, no dia 28 do mesmo mês, os parlamentares classificaram de “´pseudointelectuais ideológicos” e de “academicistas ideológicos divorciados dos anseios sociais” todos os que ousam discordar das medidas de “modernização” propostas pelo governador José Ivo Sartori e acatadas inconteste pelos governistas.
O conceito de ideologia está ligado à ideia de distorcer a realidade para favorecer os interesses de determinados grupos. Assim, talvez o epíteto de ideológico se adeque melhor a políticos que defendem medidas sem serem capazes de comprovar sua real necessidade e eficácia.
Afirmam, os deputados, que “as propostas resultam de análise profunda”, que “as ações para resgatar o Estado do naufrágio foram debatidas Estado (sic) afora” e, ainda, que “uma pesquisa encomendada por entidades representativas do setor produtivo já revelou que 72,4% dos gaúchos aprovam o plano de Sartori”.
Onde está a “análise profunda”, que não foi apresentada sequer ao Legislativo? Onde estão os estudos dos impactos das extinções e das privatizações pretendidas? Quem os realizou? Onde estão as informações sobre as datas, as localidades e o número de presentes em cada debate realizado sobre as medidas?
Sem questionar os interesses que moveram o gesto dadivoso das entidades que financiaram a pesquisa, o que se pergunta, seguindo a metodologia recomendada, é se os entrevistados foram inquiridos, ao iniciar suas respostas, sobre o seu grau de conhecimento das competências e orçamentos das fundações e empresas ameaçadas.
Nenhuma dessas informações veio à luz, não obstante tenha sido encaminhado um pedido de diálogo ao governador, no dia 9 de janeiro, por meio de uma carta aberta encabeçada por 66 artistas e acadêmicos reconhecidos em suas áreas e que conta hoje com cerca de 1,5 mil subscritores.
Reafirmando que encaminhar reformas não expostas claramente à sociedade constitui postura ideológica, mantenho, como um dos signatários da carta aberta, nossa disposição ao debate democrático e renovo o pedido de divulgação dos estudos e de instalação de um fórum com representantes da sociedade civil para elaborar alternativas para o desenvolvimento do RS.
 

Trump e a xenofobia 6m716

João Alberto Wohlfart
Uma das questões relativas à atualidade mundial é a ascensão de Donald Trump à cadeira de Presidente do país mais rico e poderoso do mundo. É preciso questionar acerca do significado desta figura para o contexto mundial e para o cenário político e social da atualidade. Não é por providência divina ou por um acaso que esta figura é hoje presidente dos Estados Unidos, mas o fato está ligado a uma série de fenômenos típicos da atualidade. No presente artigo procuramos expor a ligação deste fato com o fenômeno do ódio cultural e racial tão intenso e tão difundido na atualidade.
Para este novo milênio ainda nos seus começos esperava-se por um caminho capaz de engendrar uma nova humanidade e uma nova sociedade. Nestes tempos de globalização, as relações internacionais, os intercâmbios comerciais e culturais entre os diferentes quadrantes do planeta e a transversalização das questões globais mostram que a globalidade é mais forte que a especificidade das nações. Hoje os problemas e as questões, tais como ecológicas, econômicas e sociais são simplesmente globais, de forma que é difícil pensar num fenômeno meramente local. Do ponto de vista ético e histórico, a multiculturalidade e a interculturalidade superam a lógica de domínio imperial de algumas nações do mundo e de grandes corporações econômicas sobre múltiplas nações e povos.
Nestes tempos de globalização é quase ridícula a divisão territorial entre países em fronteiras rigorosamente delimitadas. As fronteiras sempre foram abolidas por outra lógica no fenômeno das migrações. Muitos povos do mundo foram formados a partir de fluxos migratórios. Um exemplo típico deste fluxo migratório é a imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul, especialmente durante o século XIX. Quem escreve estas linhas também agradece a sua existência em função deste movimento migratório. A própria nação governada por Trump é historicamente formada por intensos processos de imigração. Na atualidade, as fronteiras deveriam ser mais abertas para permitir a livre circulação de seres humanos por outras nações, como um direito fundamental de todos de todos os seres humanos.
Não é por acaso que o povo norte-americano conduziu à Presidência da República Donald Trump. É a expressão de um momento político, social e cultural global que estamos vivendo. Não é apenas no Brasil onde assistimos ao espetáculo de ódios raciais, machismos, homofobias, xenofobias, mas este é um fenômeno mundial. A xenofobia pode ser caracterizada como um sentimento de ódio contra quem é diferente, seja na etnia, na cor da pele, no sexo, na forma de pensar e na expressão cultural. No momento atual, os ódios tendem a criar situações sistêmicas de apartheid social e de maniqueísmo social.
O ódio social é um fenômeno mundial e ele se expressa em vários níveis. Em nível mundial, é um motivo de divisão social e de exclusão social global. Acontece entre blocos continentais, entre nações e no interior de muitas nações e nas relações próximas entre as pessoas. Mas é particularmente um fenômeno global porque incide contra os fluxos migratórios que acontecem em todos os quadrantes do planeta. Não se trata apenas de um sentimento psicológico coletivo, mas com desdobramentos geoeconômicos, geopolíticos, sociais, culturais e religiosos. Vê-se em múltiplos espaços geopolíticos o fechamento de fronteiras para impedir a entrada de seres humanos e de culturas diferentes. Em muitos países surgem tendências políticas, com a formalização em partidos políticos, que tem como viés de atuação o ódio xenofóbico e a negação de outras culturas.
No momento atual, Donald Trump é a personalização política universal da xenofobia. Até se escutou falar da construção de um muro entre Estados Unidos e o México, a ser pago pelo próprio México. O fenômeno se manifesta especialmente na declaração de recusa aos imigrantes provenientes do islamismo. Trata-se de uma tentativa orgulhosa de fechamento econômico, político, social e cultural daquela nação do norte e de negação de outros povos e nações. A xenofobia norte-americana carrega consigo a eliminação de relações geopolíticas bipolares e de transversalidade intercultural, quando aparecem novas formas de dominação econômica. Vê-se em muitos países do planeta seguirem os exemplos do mestre norte-americano nas ações políticas de sistemização da xenofobia.
O fechamento de países ocidentais aos fluxos migratórios de povos orientais pode trazer consequências trágicas para eles mesmos. Seguramente, a nação liderada por Trump e outras que caminham para a mesma lógica, pagarão o preço por manifestações que vêm do próprio oriente. Todos somos cientes de atentados que aconteceram dentro da casa de grandes nações ocidentais, com impactos imprevisíveis. As nações que disseminam a lógica do ódio e expulsam de seus territórios quantos são diferentes, pagarão o preço ao serem odiadas da mesmas forma.
As intensas correntes de ódio que estão se disseminando por todo o planeta, em esferas intercontinentais, continentais, nacionais e locais, carregam consigo a lógica perversa de autojustificação da própria condição cultural, e de consequente negação de quem é diferente. Trata-se da radicalização da identidade e da negação da alteridade, especialmente a étnica e a cultural. Parece que o homem branco de origem europeia optou pelo fechamento em si mesmo e pela negação do que é diferente. Com a Europa “invadida” por todos os lados, com a Alemanha caminhando para uma Islâmia, há reações típicas de ódio político e racial.
No Brasil, a xenofobia já assume configurações sistêmicas. O governo golpista e usurpador, com as suas políticas de diminuição do Estado, esfacelou a nação brasileira e transformou o povo em objeto de ódio. No Brasil, há múltiplas expressões de xenofobia, nas modalidades conhecidas de ódio contra os negros, contra os indígenas, contra mulheres, contra os nordestinos, contra os moradores das periferias, contra as classes mais pobres. A xenofobia é sistêmica ao assumir dimensões de profunda interioridade, pois penetra nos rincões mais profundos da consciência social, e se desdobra em dimensões geopolíticas, econômicas e macrossociais. Uma análise mais aprofundada constata que se trata do ódio de uma classe dominante, numericamente pequena e com gigantesca força de dominação, contra a maioria do povo cada vez mais excluído das benesses do desenvolvimento econômico. Mas o ódio se aprofunda com a interiorização da posição da elite capitalista por parte do povo que reproduz e aprofunda o círculo xenofóbico contra os seus próprios semelhantes. Portanto, o povo negado pelo ódio, interioriza esta condição e se torna capaz de odiar-se a si mesmo, numa autonegação do próprio povo. Esta imensa massa popular é capaz ainda de idolatrar e afirmar os que os negam.
Todos os dias assistimos a fatos novos motivados pela lógica do ódio e da xenofobia. Talvez de forma estratégica, os fatos da vida quotidiana se multiplicam numa tal rapidez para não ser possível assimilar a sua lógica. Enquanto não conseguimos compreender epistemologicamente um fato, outros já se desenrolam aos olhos de forma que nenhum deles é compreendido com profundidade, muito menos é assimilada a lógica global e o cenário completo do mundo atual.
O fechamento das fronteiras proposta por Trump tem tudo a ver com acontecimentos locais. É visível a presença de imigrantes africanos, especialmente senegaleses, distribuídos em múltiplas cidades do Rio Grande do Sul. Na condição de negros e “vendedores ambulantes”, são objeto de violência policial, de cassetete, de prisões e de preconceitos sociais. Fenômenos parecidos são expressão de intolerância social, corporificada nas instituições jurídicas, que perseguem sistematicamente os que são os mais pobres e os mais fracos. O sistema jurídico dá uma legitimidade jurídica às mais variadas formas de ódio social e criminaliza os que são objeto deste ódio.
A xenofobia dissolve a sistemática das relações sociais e transforma a sociedade numa massa de manobra e informe. A tendência é a transformação do povão em objeto de ódio por parte da burguesia dominante. O ódio sistêmico profundamente enraizado na estrutura social é completado com a dissolução por parte de organizações multinacionais e multilaterais globais, internamente legitimada e viabilizada pelo governo golpista e tentáculos de sustentação, do conhecimento, da ciência, da tecnologia e da engenharia brasileiras. Novamente, uma intensa ofensiva contra a educação, o conhecimento e a consciência política tenta rebaixar o povo a uma massa de ignorantes e concentrar toda a riqueza nas mãos da classe dominante. E o ódio social tem ramificações na criminalização dos movimentos sociais e na distribuição de armas entre a população. Priva-se o povo brasileiro de conhecimento e consciência crítica e se dá para ele armas para que faça uso da “legítima defesa”.
Permitir o uso de armas significa permitir matar. Uma arma na mão representa um perigo para matar alguém. E se um mata o outro, e se se mata aquele que matou o outro, todo mundo deve matar todo o mundo e o homem se extingue. Como o povo foi rebaixado à condição de objeto de ódio, é legítimo que ele se mate entre si. As indústrias de armas e o sistema jurídico agradecem. É mais um efeito do fenômeno Trump que aumenta o investimento em armas e em guerras. Neste círculo, o ódio de um grupo dominante contra o povo, nas suas mais variadas formas de expressão, transforma o ódio ao povo pelo ódio do povo em relação a si mesmo. O aumento vertiginoso da violência nos centros urbanos e a multiplicação das mortes é consequência da política de desmonte do Estado e da distribuição das armas.
Na história da humanidade houve intensos fluxos migratórios, motivados por diversos fatores. Basta lembrar a imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul. Isto ainda fica mais complexo quando pensamos nos diferentes movimentos culturais que entram na composição de uma determinada cultura. Os diferentes ódios sociais que configuram a xenofobia representam uma ameaça para a integração social nos diferentes círculos que caracterizam o sistema social.
A xenofobia é um retrocesso antropológico, social e histórico. No momento em que, como humanidade, deveríamos dar os significativos na constituição de uma sociedade global, eclodem em todas as esferas planetárias expressões intensas de ódio. Novamente, e como nunca dantes, não nos amos em nossas diferenças. E nos fenômenos de ódio há uma clara combinação entre a dimensão econômica e social. Os que trabalham para a elite dominante, são odiados pela mesma elite que nega a si mesma na negação da sua diferença.
 
 

Uma sociedade sem respeito 5j6t6g

Jorge Barcellos
Doutor em Educação
A morte de Marisa Letícia Lula da Silva desencadeou nas redes sociais manifestações que levaram a demissão do neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis, da rede Unimed São Roque e da médica Gabriela Munhoz, demitida do Hospital Sirio-Libanês por divulgar dados sigilosos da paciente. Enquanto que Munhoz divulgou exames privados, Ellakkis afirmou  nas redes sociais “Tem de romper no procedimento. Dai já abre a pupila. E o capeta abraça ela”.  Ambos faltaram com respeito a primeira dama Marisa Leticia. Porquê?
O primeiro capítulo de No Enxame (Relógio D’Agua, 2016), obra de Byung-Chul Han sobre o sistema digital é intitulado “Sem Respeito”. Para Han, não nos damos conta da mudança radical de paradigma provocado pelo advento do digital e que tem modificado, segundo ele, nossas formas de convivência. Para Han, a modificação mais notável que o digital provoca nas relações interpessoais é a perda do respeito.
Respeito pressupõe o olhar distante, o contrário do estimulo do olhar  sem distância do digital. Respectare é o contrário de spectare: o primeiro exige uma consideração distanciada, o segundo é o estimulo ao voyeurismo do olhar. ”O respeito é uma condição fundamental da esfera pública. Onde o respeito desaparece, o que é publico decai” afirma Han. As manifestações de Ellakkis e de Munhoz em relação à Marisa Letícia são sintomas da desagregação de nossa esfera pública. Por esta razão nas redes puderam ser vistas demonstrações de repulsa aos gestos na publicação das imagens do Presidente Fernando Henrique recebendo, por ocasião, do falecimento de Rute Cardoso, respeitosas condolências, e, após, reciprocamente, quando o mesmo  consola Luis Inácio Lula da Silva. As postagens mostraram a indignação com o gozo de uma população reacionária com a situação de Marisa Leticia,  essa total falta de distância, que fez com que não houvesse qualquer traço de decoro médico nos protagonistas e em  milhares de comentários desrespeitosos que circularam nas redes.
Dizemos que o digital “abole as distâncias “ e não nos damos conta de que o efeito disso é justamente lesar o respeito. Nos templos gregos, o espaço do adyton era isolado e separado como técnica para gerar veneração e iração, respeito pela imposição de uma distância. Esse espaço se perdeu com o advento do digital, Ellakkis e Munhoz fizeram uma exposição pornográfica da sua vida privada e da primeira dama Marisa Leticia. Han lembra que para Roland Barthes, em sua obra “A Câmara Clara”, a vida privada é “essa zona de espaço, de tempo, em que não sou uma imagem, um objeto”.  Ellakkis e Munhoz privaram Marisa Leticia de sua esfera privada ao fazerem seus comentários e divulgando informações a que tinham o, transformando-na num objeto para o voyeurismo das massas reacionárias.
“O respeito está ligado ao nome” afirma Han. Essa cultura da indiscrição que o digital fomenta é antagônica a cultura do respeito, elas são, numa palavra, shitstorms (tempestades de merda) exatamente como vimos nas redes sociais e que incluíram, inclusive, que na sexta feira (3/2), a Corregedoria do Ministério Público de Minas Gerais abrisse uma investigação para averiguar a conduta do procurador da Justiça daquele estado, Rômulo Paiva Filho, que fez uma postagem nas redes sociais torcendo pela morte de dona Marisa Letícia, onde registrou  “Morre logo peste. Quero abrir logo o meu champagne!”.  Incapazes de respeitar o nome de Marisa Leticia, tais manifestações mostram a corrosão de todas as práticas que são nominais: a responsabiidade, a confiança, a promessa, tudo é definido, diz Han, a partir da fé no nome: “o digital, que cinde a mensagem e o mensageiro, a informação e o emissor, destrói o nome”, sentencia o autor de Psicopolitica.
As injurias de Ellakkis, Munhoz e Paiva Filho foram as que mais alcançaram projeção na tempestade midiática de injúria que cercou os momentos finais da morte de Marisa Leticia. Ela prova que o avanço do digital tem como característica  geração de uma cultura de falta de respeito e indiscrição só possível porque o veiculo dá vazão que ao que o afeto seja objeto de transmissão imediata, ao contrário, por exemplo, das cartas enviadas à redação dos jornais, cuja temporalidade é diferente porque, feitas a mão ou a máquina, são enviadas quando a excitação imediata já se dissipou, afirma Han.
Outro fator que impulsiona a cultura da falta de respeito e indiscrição promovida pelo digital é ausência de hierarquia entre receptor e emissor. Até agora, esta dissolução era vista de forma positiva pelos analistas, onde cada um é simultaneamente emissor e receptor de conteúdos: para Han essa dissolução é um problema “o refluxo da comunicação destrói a ordem do poder”, afirma. Essa tempestade de injúrias on-line carrega efeitos destrutivos quando há uma erosão das hierarquias. O poder está presente nos meios de comunicação e se manifesta quando o respeito é exercido, quando atribuímos valores morais e pessoais a pessoas e situações. O mundo bipolar das bolhas politicas on-line dividido entre petralhas e coxinhas é um mundo que mina a cultura do respeito,  incapaz que é de preservar valores.  Marisa Leticia foi desrespeitada nas redes sociais por adversários políticos que lhe atribuíram qualidades exteriores que não cabiam no momento em que vivia, adversários que queriam exercer sobre ela o um poder de sua fala, de estabelecer com ela uma relação assimétrica. Mas o respeito não é assimétrico, diz Han, é recíproco, isto é, é baseado numa relação simétrica de reconhecimento: você pode discordar de sua posição politica para valorizar a sua (assimetria), mas você deve ser capaz de reconhecer que ela e Lula merecem respeito num momento de dor pois somos todos …humanos (simetria).
Essas ondas de indignação que se espalham nas redes sociais, que criticam a tudo e a todos, que abolem o respeito em nome de seu voyeurismo de plantão redefinem a soberania política, afirma Han. Carl Schmitt definiu a soberania como o poder de quem define o Estado de exceção e sua tradução em termos acústicos seria a capacidade de criar o silêncio absoluto, de eliminar todo o ruído, de fazer calar os outros instantaneamente “Depois da revolução digital, teremos de reformular uma vez mais a definição de soberania de Schmitt: “É SOBERANO QUEM DISPÕE DAS SHITSTORMS DA REDE” (Han, p. 18).
As ondas de indignação que se teceram ao redor de Maria Letícia desejando sua morte foram eficazes na promoção de mobilização e atenção da direita. Seu caráter incontrolável e desrespeitoso, no entanto, deve-nos mostrar sua inadequação ao espaço público na sua incapacidade de conter-se a si própria em respeito a dor. Esta histeria coletiva não ite debate e nem dialógo e por isso deve ser rechaçada do espaço público “não constroem um nós estável que exprima uma estrutura do cuidado do social no seu conjunto”, diz Han.
 

A imoralidade da Lava Jato n1w3f

João Alberto Wohlfart
Em tempos de crise institucional e de ditadura como estamos vivendo atualmente, moralismos sociais são frequentes. A burguesia dominante padroniza um discurso que tem na negação da corrupção o referencial constante. Esta classe fala duramente contra a corrupção, mas é exatamente ela que a produz, a reproduz constantemente, e ao falar contra ela, a reproduz novamente. A classe burguesa dominante, intensamente apoiada pelas religiões, se apresenta a si mesma como imaculada e santa, sem pecado original, grita autoritária e cinicamente contra a corrupção, criminaliza os movimentos sociais e culpabiliza os movimentos sociais e o Estado como os responsáveis pela corrupção.
O viés de abordagem é mostrar o pecado dos que se apresentam como santos e perfeitos, mostrar a imoralidade dos que clamam pela moralidade social, a corrupção dos que duramente falam contra a corrupção. Neste círculo vicioso da cobra que morde o seu próprio rabo e do macaco que não olha o seu próprio rabo, é preciso apontar um duplo pecado: a burguesia fala contra a corrupção, mas é ela a protagonista principal; a burguesia fala contra a corrupção, mas ao apontar os pecados de corrupção, esconde os principais pecados de corrução que obedecem à lógica neoliberal capitalista.
No momento atual, a operação lava jato é o símbolo deste papel. Os seus articuladores, nobres juízes da corte do direito, liderados pelo moralista Sergio Moro, aparecem diante da opinião pública como os detentores da moralidade e como a aura imaculada diante de um país mergulhado em corrupção. Esta castíssima elite da perfeição e da moralidade, para os empresários dos meios de comunicação social, para a elite burguesa e para a opinião pública manipulada, está limpando o Brasil do pecado mortal da corrupção. Qual seria a razão do tão grande interesse por parte da burguesia dominante em eliminar a corrupção no Brasil?
A moralidade da limpeza na corrupção por parte da lava jato e o caráter imaculado da moralidade dos juízes que a comandam é apenas um aspecto do que efetivamente representam. O que vemos todos os dias na televisão sobre esta operação e os seus articuladores é apenas uma pequena ponta de uma organização infinitamente maior. As razões de sua existência e o fundo temático da pressão contra o Partido dos Trabalhadores e contra Lula são totalmente outros, sistematicamente escondidos pelos meios de comunicação social.
Contrariamente ao que difunde a grande mídia, com destaque na limpeza do país de toda a corrupção, a operação lava jato é um procedimento jurídico e midiático destinado a entregar as riquezas do Brasil aos interesses macroeconômicos mundiais. É o principal procedimento moral, jurídico e midiático pelo qual o Brasil é destituído de sua soberania e entregue de presente nas mãos dos magnatas do grande capital. Por este espetáculo jurídico midiático a a destruição dos principais pilares econômicos e políticos que sustentam a nação brasileira.
A operação lava jato é expressão de uma onda moralizante que varre o planeta e o Brasil. Os meios de comunicação social conseguiram difundir a ideia da corrupção generalizada, no sentido de evidenciar que todos os políticos, especialmente do PT são corruptos. Este fenômeno desdobrou-se em dois efeitos principais: a condenação da corrupção por parte do povo e a moralização social. Hoje o tema principal dos meios de comunicação social e das conversas entre as pessoas é a corrupção. Mas, paradoxalmente, há um grupo social que se considera como moralmente perfeito, isento da corrupção, e que generaliza a ideia de que todos são corruptos.
O paradoxo desta lógica está nos que condenam a corrupção, com um moralismo autoritário, mas são os que a produzem e a aprofundam cada vez mais. Nisto a lógica capitalista de produção e de acumulação é sistematicamente corrupta e corruptora. Disto resulta que os seus articuladores são eminentemente corruptos. Hoje no Brasil o poder mais corrupto e corruptor é aquele que deveria impedir a corrupção, o judiciário. Ele se apresenta como o suprassumo da moralidade pública e política, quando na verdade está podre e desmoralizado. As ações do judiciário, especialmente nas esferas mais elevadas, concentra as suas ações para construir uma sociedade elitista que exclui grande parte do povo do desenvolvimento econômico e social.
Vimos nos meios de comunicação social onde o senhor Sérgio Moro aparece como a referência da moralidade. Mas os atos jurídicos por ele liderados são desastrosos para o país. A operação lava jato já destruiu um pilar da economia nacional e fundamental para o desenvolvimento do país, além da perda de milhões de empregos. Além do significativo enfraquecimento da Petrobrás, foram destruídas muitas empresas e atividades integrantes do sistema do Petróleo e da engenharia. A tal da operação lava jato é um meio de dissolução da ciência nacional, da tecnologia nacional e da engenharia nacional. Sem estes pilares fundamentais, o país não tem conhecimento e se transforma numa colônia informe do imperialismo capitalista internacional.
Os moralismos aqui identificados, um artifício do qual a burguesia se vale para justificar a sua inocência e o seu poder de dominação, têm consequências trágicas. Não pode haver maior tragédia que a ruptura dos princípios democráticos orientados com o lema fundamental segundo o qual o poder político provém do povo e ao povo retorna. O projeto golpista rompeu com este princípio constitucional, jogou o povo brasileiro à deriva e fez da política um poder de dominação das elites dominantes para as elites dominantes. A legitimação deste jogo tem vários componentes, especialmente o paradoxo da autojustificação moralizante da burguesia dominante e a disseminação do ódio social sistemático e profundo contra as massas populares. A postura moralizante, especialmente disseminada pela casta do judiciário, trouxe como consequência a perda de direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, solapados pela onda golpista que faz retroceder o Brasil aos tempos da escravidão. A tendência é de que num tempo relativamente próximo os trabalhadores voltem à condição de escravos de um sistema moderno que se caracteriza pelo domínio absoluto do capital sobre o trabalho. A criminalização dos movimentos sociais e a perseguição aos seus líderes é outro ingrediente da onda destruidora promovida pela lógica golpista.
O fenômeno contraditório da moralidade burguesia capitalista, trapaceada pelo discurso anticorrupção, produziu uma demolição generalizada da nação. A religião tornou-se a grande aliada da moralização social e da produção de uma sociedade constituída por uma minoria justa e uma grande maioria de injustos e pecadores. Além de uma nova fase de domínio imperial neocapitalista sobre o Brasil, muito mais agressiva que as modalidades conhecidas anteriormente, com a entrega de presente das principais riquezas naturais do Brasil, a sociedade brasileira fica diluída numa espécie de massa informe sem inteligência política, portanto sem forças de reação e presa de manipulação imperial.
O mesmo fenômeno acontece no outro lado do mar, mas com forte incidência na ditadura brasileira, com destaque no fortalecimento do conservadorismo religioso como um ingrediente fundamental na manutenção do golpismo. Trata-se dos cardeais ultraconservadores que habitam a Cúria Romana, com explícita oposição ao Papa Francisco no bloqueio de qualquer reforma que possa transformar a velha estrutura monárquica medieval. No Brasil há cardeais católicos com o mesmo teor de ódio conservador, com decisiva atuação no fundamentalismo religioso e na legitimação do golpe. Quando impera semelhante conservadorismo religioso, outra coisa não há que o encobrimento de interesses e a legitimação de um sistema econômico estabelecido.
Uma das expressões mais evidentes dos moralismos jurídicos é o fenômeno da superlotação das prisões. As mortes registradas nos presídios nestas últimas semanas são a expressão da tensão social implícita a este sistema. O sistema econômico cria os criminosos, necessita deles porque há empresários que lucram na proporção direta com o número de detentos. O moralismo da sociedade burguesa precisa evidenciar as suas virtudes ao condenar e colocar na cadeia milhares de “criminosos” que não apresentam as virtudes burguesas. Mas a situação das prisões é o porão da sociedade que joga lá dentro o seu próprio lixo e a sua própria escória. Os porões da miséria nas periferias das cidades, a criminalidade social e o submundo das prisões constituem a relação social produzida pelo próprio sistema capitalista. Mesmo que a burguesia capitalista o negue e não queira para si esta condição, é o mais genuíno produto da sociedade burguesa.
A operação lava jato esconde a sua verdadeira finalidade e os interesses que representa. Numa primeira aproximação, é um espetáculo judicial que prepara o terreno para a entrega das principais riquezas do Brasil para o grande capital internacional. De forma invisível, está por trás da lava jato a perseguição internacional sistêmica contra a Ciência, a Tecnologia e a Engenharia brasileiras, pois elas representam uma ameaça contra a hegemonia do norte que faz de tudo para eternizar a incondicionalidade do seu domínio. Há também um sentido social na medida em que criminaliza os movimentos sociais, o povo das periferias das cidades e as lideranças sociais. Temos visto a constante perseguição contra as lideranças populares com o objetivo claro de eliminar as esquerdas e inviabilizar qualquer projeto popular.
Salve rede globo, salve lava jato e salve o castíssimo poder judiciário. As suas ações foram capazes eliminar milhões de empregos, souberam devolver ao país a pobreza e a miséria e conseguiram legitimar um governo golpista e usurpador. Salve poder judiciário e salve supremo tribunal federal: abdicaram de sua missão fundamental, dissolveram a Democracia e o Estado de Direito e permitiram que o país fosse entregue nas mãos de ladrões e assaltantes. Estamos nas mãos de raposas que comem as galinhas.
 
 
 

Engajamento social hoje, 20 anos depois 2j4e4d

Jorge Barcellos
Doutor em Educação
Completam-se no corrente ano, 20 anos da palestra de John Kenneth Galbraith (1908-2006) intitulada “O engajamento social hoje”.  Palestra inaugural sobre a política do senador canadense Keith Davey proferida pelo economista na Universidade de Toronto em 1997 foi publicada pelo Mais! no ano seguinte.  ados vinte anos, a questão colocada pelo economista sobre as razões pelas quais os governos estão abandonando os pobres continua com grande atualidade.
Galbraith foi um dos mais importantes economistas do século XX e defensor da participação do Estado para regular o mercado ao lado de John Maynard Keynes (1883-1946). Ele se interessa em descrever a posição política e os objetivos dos socialmente engajados “onde quer que vivam e como sejam chamados”. Ser socialmente engajado significa, em primeiro lugar, no texto de Galbraith, uma posição de defesa dos mais pobres. Por esta razão sua análise é sobre papel que devem exercer os socialistas na França, os socialdemocratas na Alemanha, os trabalhistas na Grã-Bretanha e à época, no segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1998-2002), o texto ilustrava o desejo da esquerda petista ainda não atingida pelo processo de corrosão do segundo governo Lula.
A colocação do problema de Galbraith sobre a responsabilidade dos governos frente aos pobres e o papel do intelectual cai como uma luva nos dias de hoje ”. Nesta época socialmente complexa e as vezes politicamente retrógrada, que posição devem assumir os socialmente engajados, e com que objetivo? ”. Galbraith não viveu para ver a ascensão de Donald Trump ou a emergência de Le Pen na França e veria com tristeza a política brasileira caracterizada pelo desmonte dos direitos sociais e por essa razão é rica as lições que tira de sua época para ilustrar a nossa.
Primeiro porque o sistema de mercado persiste como o sistema básico de produção de bens e serviços, hoje como há vinte anos atrás, como assinala o filósofo esloveno Slavoj Zizek, produz com tanta abundância que é possível enxergar sua imagem no imenso mundo do lixo que acumula “Nós, os socialmente engajados, não consideramos esse processo livre de imperfeiçoes”, assinala Galbraith, quer dizer, tanto em sua época como na atual, ainda que não há horizonte uma alternativa econômica, cabe ao intelectual a sua crítica do modelo de desenvolvimento.
Segundo, como Galbraith previu, a questão ambiental é o ponto de partida dos problemas do sistema de mercado já que os recursos naturais são cada vez mais escassos para todos. A sua previsão de que “a forte voz política que o sistema de mercado confere aos que possuem e istram o equipamento produtivo “ só se agudizou, isto é, determinados atores do sistema de mercado adquiriram cada vez mais forte voz política na década seguinte ampliou-se nos sucessivos processos de combate a corrupção, como o da Lava – Jato revelou.
Devemos aceitar a posição de Galbraith de que o sistema que está aí veio para ficar? Em parte não, se considerarmos que ainda há forças políticas sobreviventes que recusam o capitalismo como o diabo foge da cruz, herdeiros de uma tradição política de esquerda radical que comprovou que, ao menos na experiência brasileira, quando a esquerda busca apoio no mercado, ela perde sua natureza (vide o PT): Galbraith só podia falar do trabalhismo britânico em sua total aceitação, mas é possível falar do petismo brasileiro no mesmo sentido.
O ponto central do argumento de Galbraith vem em seguida: “a sobrevivência e a aceitação do moderno sistema de mercado foram, em grande medida, uma conquista dos socialmente engajados. Ele não teria sobrevivido sem nossas bem-sucedidas iniciativas civilizadoras”. O que isto significa? Para Galbraith, em sua forma original, o capitalismo é cruel e por isto é preciso que os sindicatos cumpram a sua função, a proteção aos trabalhadores e seus direitos “pensões para idosos, indenizações para os desempregados, assistência pública à saúde, habitação de baixo custo – uma rede de segurança, embora imperfeita, para os desafortunados “. Essa é ainda uma notável lição para avaliar os tempos que correm onde vemos o capitalismo em sua forma mais cruel ser adotada como política de estado: o fim de direitos dos trabalhadores, a reforma da previdência, a crise da rede de segurança propriamente dita no Brasil seriam a prova do fracasso do estado de bem-estar social, o contrário da visão de Galbraith, um sistema de mercado que está se tornando social e politicamente inaceitável a os largos.
A crítica de Galbraith é sua recusa à corrente de pensamento que afirma que qualquer atividade econômica deve ser convertida ao mercado, transformado em universal, onde a privatização é uma “fé pública”, argumento que continua atual.  Galbraith diz taxativamente que a “a questão do privado x público não deve ser decidida em termos abstratos e teóricos; a decisão depende sobretudo dos méritos de cada caso especifico”. O argumento cai como uma luva nas iniciativas privatizantes dos governos Luis Fernando de Souza (Pezão) no Rio de Janeiro e José Ivo Sartori no Rio Grande do Sul e medidas de novos prefeitos, como Nelson Marquezan Jr em Porto Alegre. Tanto Pezão quanto Sartori, por exemplo, incluíram em seu pacote de entidades a serem extintas, fundações ligadas a pesquisa, como a FEE no RS e o CEPERJ, no RJ, enquanto Marquezan realizou uma reforma extinguindo secretarias e órgãos como a SMAM, além de manifestar o seu desejo pelo fim dos cobradores de ônibus. Para Galbraith, estas iniciativas esquecem o mérito de tais instituições amplamente defendidos na sociedade: como planejar políticas públicas sem dados confiáveis? Como extinguir órgãos de grande importância e propor a extinção de trabalhadores como os cobradores do transporte público sem precarizar as condições de segurança da população?
Como economista, a posição de Galbraith de crítica contundente ao sistema de mercado salta aos olhos: “o mercado não tem desempenho confiável”, o que significa que é um risco para a sociedade o fato de que ele a da expansão à depressão em um curto espaço de tempo “gerando privação e desespero entre os mais vulneráveis”.  Daí a necessidade de intervenção do Estado para manter a economia em prosperidade e frear o ímpeto especulativo do mercado. Tanto no ado quanto hoje esta é uma questão de alta relevância, e de forma profética, dez anos antes de 2008, o economista avisava dos perigos da bolha do mercado de valores, dez anos antes da crise mundial.
Ter em mente o perigo dos excessos era, para Gaibraith, como monetarista, preocupar-se com o papel dos impostos e gastos e os comportamentos negativos do meio empresarial “o sistema é dados a excessos” dizia. Mas é possível formular que, também o Estado, nas mãos de financistas, é dado a excessos: não é o que se vê na política de privatizações do Rio Grande do Sul, este excesso de medidas de extinção de órgãos (FEE, TVE, entre outros) sob o argumento de redução de custos que está dilapidando o patrimônio gaúcho? Galbraith é enfático em defender medidas fiscais amplas e efetivas para promover o emprego porque seu foco não são os referenciais econômicos, mas o social, ele está preocupado com os efeitos das políticas públicas no campo social e vê neste tipo de medida um grande prejuízo social e fonte de aflição humana, numa palavra, o desemprego, e sugere, ao contrário, a promoção de “empregos públicos alternativos na recessão ou depressão”. Não é exatamente o contrário das políticas públicas em andamento no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, com suspensão de concursos públicos, demissões e sucateamento da máquina pública com consequente demissão de milhares de servidores?
Galbraith associa-se ao projeto keynesiano defendendo que, em épocas de recessão como a que vivemos, uma política de emprego garantida pelo governo como fundamental.  Seu lugar destinado ao intelectual é o da posição de crítica constante a partir de uma base (keynesianismo) comum. Ser socialmente engajado significa não apenas defender, à época, que o medo da inflação influenciasse excessivamente políticas públicas como ter coragem de revelar, com vinte anos de antecedência, uma estratégia que os governos teimam ainda hoje em esconder: “nos Estados Unidos esse objetivo [orçamento equilibrado] é no momento uma importante arma no ataque generalizado aos pobres”. Que o argumento do orçamento equilibrado seja questionado por um economista monetarista, já causa espanto: que ele defenda que o déficit fiscal temporário, ainda é mais surpreendente, é notável o quanto é possível, mesmo no interior do paradigma economicista, preservar o valor da defesa do social, o que não acontece atualmente nos gestores de politicas públicas.
Ainda que Galbraith estabeleça princípios para o engajamento político em economia, isto não significa a defesa do socialismo. Ele sabe que o sistema de mercado distribui desigualmente a riqueza e aceita isso: por isso além de um sistema de seguridade social para todos, Galbraith quer um imposto de renda progressivo porque os ricos sempre querem escapar de seus impostos e eles são necessários: ”não podemos esquecer o objetivo de uma distribuição de renda socialmente defensável: confortar os aflitos e afligir os confortados“. Não há nada que prove que avançamos nesse sentido: o governo atual em diversos níveis tende a ir na contramão desta afirmação: a nível federal, não reajusta a tabela do imposto de renda e vê os paraísos fiscais continuarem a receber fortunas dos políticos corruptos e parte do empresariado. A nível dos estados, as políticas públicas de venda da máquina pública reduzem mais empregos do que criam. Nunca fez sentido para aqueles com mais renda colaborarem com os mais pobres simplesmente porque a cultura de privilégios impera nos corações e mentes.
Por essa razão, a partir do pensamento de Galbraith, vemos que agimos justamente ao contrário do que se deveria com os recursos públicos, a todo o momento solicitado para financiar empresas privadas. Galbraith dá o exemplo notável – pela simplicidade – do que ocorria nos Estados Unidos, onde a televisão privada fora financiada por recursos públicos enquanto que as escolas públicas foram abandonadas; substitua televisão por sistema bancário e os efeitos será o mesmo no Brasil atua, a mesma anomalia que denunciava o economista. Galbraith reclama que em uma visita as universidades de sua formação em um estado rico e “BILHÕES DE RECURSOS eram para produções de televisão moralmente depravadas”, ora, as universidades americanas viviam exatamente como vivem agora as nossas, vítimas da política de corte de verbas. Defensor incontestável da educação, que deveria ser “disponível a todos”, isso nunca significou o paradigma de investimento somente na produtividade econômica – não é exatamente assim que é pensada a reforma do ensino médio no pais? – mas, ao contrário, simplesmente, para Galbraith o investimento do estado só pode ter um critério:  para aumento da “experiência de vida”.
Galbraith também criticou o ataque a Previdência que ocorreu durante dois anos nos Estados Unidos como “guerra dos influentes contra os pobres”. Sua posição de defesa dos mais pobres e crítica dos projetos de reforma é notável, é o que para ele define o intelectual socialmente engajado, o que inclui a defesa dos serviços públicos e segurança para os mais pobres. Essa agenda dos “socialmente engajados”, curiosamente, teve o mesmo efeito no Brasil para as classes médias que as políticas de bem-estar tiveram nos Estados Unidos: “como se poderia esperar, elas se tornaram mais conservadoras em suas atitudes e expressões públicas. ” Não foi exatamente a emergência de uma sociedade conservadora no Brasil o que vimos a partir dos movimentos de 2013? Não foi exatamente o cenário de uma classe média recentemente enriquecida resumida na cena do casal com a empregada doméstica nas ruas e que amplamente circulou nas redes sociais à época? “Agora eles veem a ajuda aos menos afortunados como uma ameaça a seus amplos e muitas vezes crescentes rendimentos”, afirma o economista. Não poderia estar mais certo do quadro brasileiro atual.
Aparentemente, a análise de Galbraith explica ainda hoje conflitos do desenvolvimento interno brasileiro, mas talvez seja de pouca serventia para a análise do contexto internacional, onde entendo que ocorram as maiores diferenças entre sua época e a atualidade.  Galbraith previa um cenário internacional onde as potencias econômicas estariam associadas não em bases econômicas, mas em defesa de uma política de proteção social e assistencial “a preocupação pelo bem-estar humano não termina nas fronteiras nacionais. Deve-se estender aos pobres de todo o planeta: fome, doença e morte são causas de sofrimento humano onde que sejam experimentadas”. Mas a realidade teima em contrariar as expectativas de Galbraith, principalmente com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e com a disparada da candidatura Le Pen na França: o pior do sofrimento ainda está por vir.
Nos Estados Unidos, uma extensa onda de manifestações já critica as medidas xenofóbicas do presidente americano, bem como o fim da política de assistência à saúde dos mais pobres. O sofrimento não decorre dos conflitos internos, como previa Galbraith, mas da defesa exasperada dos interesses do Estado-Nação: os EUA já autorizaram a construção de um muro com o México. Para Galbraith, tudo isso significa que os países dominantes ignoram de uma vez por todas o compromisso que devem ter para pôr fim aos conflitos, suas medidas, ao contrário, os incentivam. Nesse caminho, é justamente a instituição que Galbraith via como de maior valor para esse papel, as Nações Unidas, que é fragilizada, com cortes orçamentários anunciados entre as primeiras medidas do governo Trump. Para o economista, não poderia haver pior posição: o Estado Unido, como país rico, abriu mão definitivamente da obrigação absoluta de ajudar. O discurso da ajuda internacional foi finalmente substituído pelo discurso conservador que diz que não se deve ajudar aos outros, somente a nós mesmos. Não foi isso que reiteradamente Trump vem afirmando? O problema é que nesse caminho, perde-se os investimentos em educação dos EUA em outros países: ”no mundo inteiro não existe população alfabetizada que seja pobre; e não existe população analfabeta que não seja pobre”, diz Galbraith.
Galbraith acusa os processos de urbanização como os responsáveis pelos problemas de saúde e pelo papel do dinheiro no o aos serviços necessários; na civilização agrícola, diz, ao contrário, não havia desemprego e a assistência dava-se naturalmente. A urbanização faz nascer a necessidade de serviços públicos e ser “socialmente engajado” neste meio significa estar consciente dessas contradições e manter o compromisso com a defesa da mudança “Nós, e não eles[ os não engajados], estamos acompanhando a história. Mas também devemos estar conscientes de nosso papel”.
 
 

"Saneamento" neoliberal e o desmonte do funcionalismo público 2f3612

Andre Forastieri
“O Espírito Santo fez o dever de casa. O governador Paulo Hartung saneou o Estado. Equilibrou as contas públicas. É exemplo a ser seguido pelos outros Estados”. No ano ado esse era o discurso dos jornalistas, dos economistas, dos experts. Silenciaram nos últimos dias. Silenciaram também 87 pessoas, assassinadas desde a última sexta-feira.
A violência no Espírito Santo está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo estadual nos últimos anos. Como o crescimento da violência no Brasil – e do desemprego e do desespero – está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo federal desde 2014. Quando os arrochos nacional e local se somam, as vítimas se multiplicam.
O que os 10.300 policiais militares do Espírito Santo querem? É a PM com o mais baixo piso salarial do país, R$ 2460,00. A média do Brasil é R$ 3980,00. Eles não têm aumento há sete anos, e há três anos o governo estadual nem repõe as perdas da inflação. Os PMs também reivindicam a renovação da frota de veículos, a melhora das condições do hospital da polícia, e a compra de coletes à prova de bala, que estariam em falta.
É fácil de argumentar que não devia existir Polícia Militar, só civil. Mas vamos deixar isso para lá no momento, e reconhecer que o que os PMs do Espírito Santo pedem não é muito. É muito pouco: salário mais próximo da média nacional e condições mínimas para fazer seu trabalho, que é bem perigoso.
Em vez de negociar com a polícia militar, o governador pediu ao governo tropas do exército. Chegaram lá e tomaram tiros dos bandidos. Vitória segue paralisada, comércio e escolas fechadas, ônibus não circulam. Os turistas fogem das praias capixabas. Os corpos se acumulam no departamento médico legal, que não dá conta de tanta morte. A Polícia Civil está avaliando se adere à greve. E as esposas dos PMs seguem protestando nas portas dos quartéis.
Qual a proposta concreta do governo do Espírito Santo para a PM? Nenhuma. A questão é que se o governador cede aos PMs, terá que ceder aos policiais civis. E depois ao resto do funcionalismo.
O governador Paulo Hartung, do PMDB, começou essa política de arrocho já em 2015. Mesmo tendo os custos com funcionalismo bem abaixo do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Naturalmente não faltou dinheiro para outras atividades do governo – desonerações a grandes empresas, obras eleitoreiras etc. Foi louvado, e até considerado um bom candidato à presidência da República.
Tem outra questão. Se o governo começa a ceder às demandas dos funcionários do Estado, daqui a pouco vai ter que ceder às demandas da população que é atendida pelo Estado. Do povão em geral, que precisa de giz na sala de aula e merenda no intervalo, vaga e leito no hospital, paz para ir e voltar do trabalho, e outras coisas simples assim. E isso é exatamente o que os es do país, dos estados e das cidades se recusam a nos dar. Não que nada disso seria “dado”, porque que a gente já paga bem caro por isso tudo.
Nos últimos tempos ouvimos muito o argumento de que “o Brasil está quebrado” – o país, os estados, as cidades – o que exigiria medidas duras. “Herança Maldita” que exige cortar na carne, no osso. Nos salários, aposentadorias, direitos.
Na verdade, a conta é outra. O Brasil não está quebrado. O que o Brasil não pode mais se permitir é ter 99% dos brasileiros pagando muitos impostos, e o 1% dos brasileiros mais ricos pagando quase nada de impostos. Nossos milionários pagam pouco imposto de renda como pessoa física, pagam pouco imposto de herança, e como pessoa jurídica pagam também pouquíssimo imposto. Além disso as grandes empresas têm toda espécie de benefícios do Tesouro Nacional. Empréstimos de pai para filho do BNDES e BB, dívidas perdoadas, “desonerações” etc.
Ontem o Espírito Santo já contava 75 assassinatos, depois de três dias de greve da PM. Ontem o Itaú, o maior banco do Brasil, publicou o seu balanço. No ano de 2016, com a maior recessão que o país já viveu, o Itaú lucrou R$ 22 bilhões. Se esse lucro fosse taxado em 50%, ainda assim seria um belíssimo lucro. O que dá para fazer com R$ 11 bilhões? Escola, estrada, esgoto.
Esse é só um de muitos exemplos possíveis. Se o Brasil não der um presente bilionário às empresas de telecomunicações, como quer o governo, também teremos um bom dinheiro para pagar policiais, professores, enfermeiras. É a Lei Geral das Telecomunicações, que está para ser aprovada, e transfere para Oi e outras teles um valor tão grande, que nem se sabe exatamente quanto é. O governo diz que é R$ 17 bilhões, o Tribunal de Contas da União diz que é R$ 105 bilhões…
E por aí vai.
Ainda podemos botar na conta o tanto que se desvia na corrupção, que sabemos não é pouco. E o que se sonega, que sabemos que é muito. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, a sonegação de impostos no Brasil pode chegar a R$ 500 bilhões por ano. Para você comparar: o Bolsa-Família custa R$ 27 bilhões por ano.
A próxima vítima será o Rio de Janeiro. O estado está para um acordo com o governo federal que inclui um pacotão de arrocho para cima dos funcionários públicos do estado, inclusive policiais. Uma das exigências do governo é a privatização da Cedae, a companhia estadual de águas e esgotos, o que será feita por Pezão, vice de Sérgio Cabral…
As políticas de “austeridade” no mundo todo deram errado e estão dando muito errado aqui também. Em 2017 o Brasil não vai crescer nada. O que o poder público nos oferece são serviços públicos cada vez piores, chegando à insanidade de termos 87 mortos em quatro dias no Espírito Santo.
Na prática, os brasileiros pobres e da classe média sustentam as benesses dos brasileiros super ricos, a mamata dos sonegadores e a sujeira da corrupção. Então falta dinheiro para cobrir as necessidades básicas da população. Se a gente parar de sustentar os ricos, o Brasil equilibra as contas rápido.
E se além disso os ricos arem a pagar a sua parte, o Brasil rapidamente vai ser tornar… rico.
Vamos encarar a realidade: tem dinheiro de sobra para o Brasil ser um país melhor para todos. Esta é a única pauta que importa, a pauta que precisamos impôr a cada dia, e também a cada nova eleição. Basta cobrar mais imposto de quem pode pagar mais, o que nunca aconteceu. Bater forte na sonegação e nos sonegadores, o que nunca aconteceu. E bater forte na corrupção e nos corruptores, o que começou a acontecer – mas só começou e agora, pelo jeito, parou.
Na prática, o que está sendo feito pelos nossos governantes, e apoiado pelos economistas, colunistas, especialistas, é o contrário do que precisa ser feito. O Espírito Santo de hoje é o Brasil de amanhã. E a próxima vítima é você”.
 

Sobre (auto)elogios de um brioso magistrado de piso 346i3e

Eugênio Aragão
Ex-ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, advogado e Professor Adjunto da Universidade de Brasília.
 
Li hoje que o Sr. Sérgio Moro, juiz federal de piso no Estado do Paraná, fez distribuir nota com um elogio público do sorteio do Ministro Edson Fachin para a relatoria dos feitos relacionados com a chamada “Operação Lava-Jato“.
Eis o teor da nota, chocante pelo estilo burocrático e canhestro, indigno de um magistrado e surpreendente num professor com doutorado:
“Diante do sorteio do eminente Ministro Edson Fachin como Relator dos processos no Supremo Tribunal Federal da assim chamada Operação Lava Jato e diante de solicitações da imprensa para manifestação, tomo a liberdade, diante do contexto e com humildade, de expressar que o Ministro Edson Fachin é um jurista de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação eficiente e independente. Curitiba, 02 de fevereiro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal”.
O juiz de piso escreveu uma carta de recomendação. Como o destinatário declarado, o Ministro Fachin, dela não carece, conclui-se que o verdadeiro destinatário é o próprio Sérgio Moro. Tal impressão não é desfeita pelas referências às “solicitações da imprensa” ou ao autoproclamado caráter “humilde” da iniciativa, desculpas esfarrapadas para seu autor aparecer. Nem é preciso dizer que o juiz desconhece seu lugar. Inebriou-o a celebridade construída às custas da presunção de inocência dos seus arguidos e da demonstração pública de justiceirismo populista.
Com a simplicidade e sabedoria do sertanejo do Pajeú, meu pai, de saudosa memória, ensinou-me que não se elogia um superior na hierarquia funcional. Fazê-lo pode parecer sabujice ou soberba. Elogio se faz a subalterno ou, quando muito, a colega. Um elogio do Sr. Sérgio Moro ao Ministro Fachin nada acrescenta à condição dest’último, que é, ou não, um “jurista de elevada qualidade” independentemente da opinião do juiz singular, pois o Sr. Moro não é igual nem superior ao Ministro por ele elogiado.
Quanto às “solicitações da imprensa”, melhor seria que o juiz singular não as tornasse públicas, pois se já é feio um juiz receber tais solicitações – tecer juízos sobre ministros do STF -, muito mais feia é a sua avidez em atendê-las. Um magistrado de piso não existe para julgar, para a mídia, os magistrados de instância superior. Ainda que lhe perguntem, não convém que responda. Suponhamos, só para argumentar, que o Sr. Moro considere o Ministro Fachin um desqualificado; será que “toma a liberdade” e dirá isso à imprensa? Claro que não, a não ser que seja doido varrido. Logo, dizer que o Ministro Fachin é qualificado sempre levantará a dúvida sobre a sinceridade do juízo, carente de alternativa assertiva. Por isso, dizem os antigos: em boca fechada não entra mosca!
Quanto à humildade, quem deve qualificar nossas atitudes como tais são os outros. Autoqualificá-las é, por excelência, uma autoexaltação e, portanto, a negação da humildade.
Segundo disseminada sabedoria popular, conselho bom é para ser vendido, não dado. Mas este ofereço de graça ao Sr. Moro: fale menos e trabalhe mais discretamente. Fale nos autos. Evite notinhas. Não jogue para a platéia. Não faça má política, mas istre a boa e cabal justiça. Defenda a autonomia do Judiciário e não aceite ser pautado pela imprensa, que não o ama, apenas o usa e o descartará quando não for mais útil. Se não acreditar em mim, pergunte ao colega Luiz Francisco Fernandes de Souza, aquele procurador tão assíduo nas páginas de jornais durante o governo FHC, hoje relegado ao ostracismo de um parecerista em instância de apelação.
Um juiz não deve ser um pop star. Na esteira do velho Foucault, o Judiciário deve cultivar a timidez e o recato atribuídos pela revista VEJA à Sra. Marcela Temer. Isso vale a fortiori para a justiça penal. Seu objetivo pós-iluminista não é a exposição de um bife humano esquartejável em praça pública, mas a suposta “recuperação” do cidadão que cai em sua malha. No Brasil, mui distante da Noruega, isso é uma quimera, mas é também a meta, sem a qual nunca poderemos sonhar com a redução do elevado grau de criminalidade. O imputado exposto é um imputado destruído, sem nada a perder e, portanto, de difícil reacolhimento social, com ou sem culpa. Conduzido “de baraço e pregão pelas ruas da vila”, exposto à execração pública no pelourinho, é mais provável que se considere injustiçado e não consiga ver legitimidade na atuação do seu juiz. Dê-se o respeito, Sr. Moro, para que todos possam respeitá-lo (e não apenas os membros do seu fã-clube, com a cachola detonada pelo ódio persecutório). Juízos ostensivos sobre magistrados de instâncias superiores não contribuem para tanto.
É bom lembrar, por último, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que sobra tempo ao juiz Moro. Dedica-se o magistrado de piso a tertúlias com a imprensa, redação de notinhas, palestras no Brasil e no exterior, verdadeiras tournées de um artista buscando aplauso. Para tudo isso, recebeu, afora agens e, quiçá, cachês ou diárias, o direito reconhecido pela corte regional, de funcionar, com exclusividade, nos processos da “Lava-Jato”, sem qualquer outra distribuição. Em outras palavras, nós contribuintes estamos pagando por esse exibicionismo, sem que sejamos compensados com serviço em monta equivalente. No mais, fere-se, com essa prática de privilégio, o princípio do juízo natural, ao dispensar-se, esse juiz, da distribuição geral da matéria de competência de seu ofício. O excesso de trabalho, com certeza, não é motivo crível para tratamento tão excepcional. Antes pelo contrário: como, a todo tempo, parece se confirmar, no seu caso, o aforismo “cabeça vazia é oficina do Diabo”, melhor seria devolver-lhe urgentemente a jurisdição plena por distribuição aleatória, para que se abstenha de notinhas tão degradantes para a magistratura.

Marisa Letícia, Lula, a mulher e o Brasil – um depoimento y6kr

Benedito Tadeu César
Só tive poucos e rápidos contatos com Marisa Letícia Lula da Silva, todos na campanha eleitoral de Lula à Presidência da República, em 1989, na qual participei como coordenador da assessoria de planejamento.
O primeiro, quando pedi para Denise Paraná Santos (que depois escreveria a biografia Lula, um brasileiro) acompanhar Marisa em uma entrevista de TV e, depois, para comprar um terno para Lula participar do debate dos presidenciáveis na TV Bandeirantes.
Para que Marisa aceitasse dar a entrevista, que fazia parte de uma série na qual foram entrevistadas todas as esposas dos candidatos a presidente,  Denise teve que conversar muito com ela e garantir que ela deveria ser apenas ela mesma: uma mulher simples, com ideias próprias, que se dedicava prioritariamente aos filhos e ao marido e que não teria que necessariamente ter respostas prontas sobre como Lula governaria o Brasil ou sobre qual seria o destino da Rússia pós Perestroika (então em curso). Ao final da entrevista, a caminho dá loja onde comprariam o termo de Lula, Marisa disse à Denise que aquela tinha sido a primeira vez que ela tinha ido a uma entrevista sem que tivessem lhe enchido de informações e recomendações sobre o PT, o Brasil e o socialismo.
O segundo encontro ocorreu dias depois, quando fui à casa de Lula e de Marisa para dali acompanhar Lula ao debate na Band. Lula não queria vestir o termo que Mariza e Denise, a meu pedido, tinham comprado para que ele fosse ao debate. Lula afirmava que ele era um operário, um metalúrgico, e que, por esse motivo, não deveria usar terno. Marisa insistia que ele era um operário-metalúrgico-candidato-à-presidente-da-República e que um presidente da República, mesmo operário-metalúrgico, quando exerce o mandato presidencial ou quando fala ao país usa terno e gravata e não a camiseta suada do trabalho. Nada o convencia, entretanto. Ele dizia que o terno azul claro, ideal para contrastar com o fundo do cenário e as luzes do estúdio, fazia com que ele esclarecesse com um periquito. Marisa, então, foi até a cozinha e chamou a vó (na verdade a mãe do seu primeiro marido e vó apenas de Marcos Cláudio), que arrumava a louça, para que ela olhasse Lula, vestido a contra gosto no terno e na gravata, e desse seu veredito. A pressão de Marisa e da vó foram decisivas: Lula vestiu terno pela primeira vez em um programa de TV e, nem por isso, deixou de ser o operário metalúrgico que sempre foi – que continuou sendo durante os dois mandatos na Presidência da República e que é até hoje.