Na chegada em o Fundo, durante a Jornada Literária na semana ada, o compositor e escritor Chico Buarque de Holanda deu uma entrevista coletiva. Falou que está compondo novamente, nada diretamente político, está pensando em “algo mais atemporal”, já tem quatro ou cinco canções, mas ainda não sabe o que vai ser. “Você quer que eu faça um sambão do mensalão, é isso? Pelo amor de Deus, não dá”. Essa foi a reação de Chico Buarque quando um repórter perguntou se a crise política atual vai influenciar o novo disco que ele está gestando. Revelou, mais uma vez, o temor de que a canção popular, como ele sabe fazer, seja um gênero musical do século ado, como foi a ópera foi no século XIX. Talvez ele não tenha mais o “élan juvenil que a música requer”. Os escritores presentes ao evento torceram o nariz, provavelmente consideram Chico um intruso na literatura. Os mais agressivos creditaram o prêmio a uma atitude marqueteira dos organizadores, pois Chico sempre dá mídia. O poeta Ivan Junqueira, presidente da Academia Brasileira de Letras, quando soube que a aglomeração no auditório era uma entrevista do Chico Buarque comentou: “Então, deixa eu ar ao largo”. Com as mulheres (grande maioria no evento) foi diferente. Chico foi alvo de ruidosa tietagem de avós, mães e filhas, de menos de 15 aos 60 e poucos. Paciente, deu autógrafos, recebeu beijos e abraços e posou para fotografias com as fãs. “Essa foto é para ela”, explicava a avó com a netinha no colo. “Ai, acho que vou chorar”, dizia a mocinha beijando o cartão com o autógrafo. A entrevista foi fraca. Era como se os repórteres, mais de vinte, estivessem constrangidos diante daquela figura pequena, desamparada na ampla mesa, segurando o microfone, disposta a responder perguntas. Mas o velho Chico não decepcionou. Música popular está sem espaço, sendo sufocada? Chico – Não vejo assim. Talvez exista um bloqueio na grande mídia, na tevê principalmente, que tende a uma certa homogeneização, mas as manifestações existem em todos os Estados, todas as regiões. Talvez a tevê seja hoje menos aberta do que já foi. O rádio…eu quando comecei a me interessar por música ouvia tudo no rádio, não só música brasileira, todo o tipo de música popular, americana, latina, sa, italiana. Talvez hoje a difusão seja mais difícil, mas as manifestações existem. Com relação ao governo? Chico – Bem, eu já disse, estou decepcionado. Não creio que o meu sentimento seja mais importante do que o sentimento de outras pessoas. Gosto do Lula, votei nele, mas não estou contente, a eleição dele foi importante para a democracia… estou triste, mas isso é tão importante quanto a alegria raivosa dos que nunca gostaram do Lula. E o novo disco? Chico – Estou querendo fazer música. Tenho feito isso, descansar da música escrevendo e descansar da literatura fazendo música. Como foi escrever Budapeste? Chico – O livro me custou dois anos de trabalho. Escrevia todos os dias, rasgando, jogando fora. Jogar fora também é escrever, é melhor, as vezes, do que escrever propriamente. Enfim, escapar de armadilhas, definir o tom, importante não perder o tom, comer, dormir, sonhar com o livro. Mas não havia disciplina, havia uma obsessão. Não teve sacrifício não. Não tenho grande prazer em escrever, gosto mais de ler. Diferença entre escrever e fazer música? Chico – Quando comecei escrever o Estorvo (NR: seu primeiro livro) já estava há um tempo sem escrever música. Precisava criar, comecei a pensar será que terei o que dizer mais com a música, de repente teria que encontrar outro instrumento. Talvez a música dependa mais de um certo elán juvenil…A literatura requer mais reflexão, menos arroubo. Talvez, então, inconscientemente, eu comecei a preparar a cama para trabalhar até mais tarde. Isso acontece com muitos compositores de música, de repente esgota e não conseguem criar mais. O público… Chico – Talvez a música popular seja uma forma do século vinte, talvez a música do século vinte e um seja outra coisa que não essa que eu sei fazer. Quais são as suas leituras, seus autores? Chico – Quem leio? Leio os contemporâneos. Tem escritor que não lê os contemporâneos, depois se queixa que não é lido, se nem ele, que é escritor, lê os que estão escrevendo, quem vai ler? Gosto de ler, leio o que aparece. Não tenho muitas amizades no meio, Rubem Fonseca, Veríssimo, uns seis ou sete. Já tive mais amigos entre os literatos, mas depois que comecei a escrever perdi alguns. A crise política inspira? Chico – Você quer saber se vou escrever sobre o mensalão, o sambão do mensalão…Pelo amor de Deus. Não, estou até meio parado, porque fiz uma operação no dedo, não estou conseguindo tocar violão. As quatro ou cinco letras que escrevi foram anteriores a essa crise, de qualquer modo não creio que o momento político seja inspirador, estou pensando em algo mais atemporal. va3h