Ele escreveu mais de 400 livros que venderam milhões de exemplares e foram traduzidos para diversos idiomas – o dinheiro foi todo doado para obras de caridade. Trabalhou de forma incansável pelos pobres. Ficou famoso mundialmente, mas manteve até o fim a humildade. Esse é Francisco Cândido Xavier, o Chico, ícone do espiritismo no Brasil, eleito o “Mineiro do Século” pela população de seu Estado. Dono, sem dúvidas, de uma grande biografia, já publicada em livro e que em breve deve ser levada às telas de cinema. Antes, a história chegou aos palcos. Teve estréia concorrida na terça-feira, 31 de agosto, no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, a peça “Um Homem D’Outro Mundo”, inspirada na vida e obra de Chico Xavier. Em cartaz até o final de outubro, deve cumprir depois temporada pelo país, incluindo Porto Alegre. É um espetáculo que conta agens emblemáticas da trajetória de Chico, como a descoberta da mediunidade, o encontro com seu guia espiritual Emmanuel, a primeira matéria que o Jornal O Globo publicou sobre ele, em 1935, revelando seu dom da psicografia, e até o registro de sua morte, que ocorreu no mesmo dia em que o Brasil conquistou o pentacampeonato, em 30 de junho de 2002. O momento é registrado logo na abertura, lembrando o desejo do médium de desencarnar num dia em que o povo estivesse feliz e preocupado com outro acontecimento. Logo entram em cena os atores comemorando o título da seleção, enquanto cantam a primeira canção da peça. Músicas originais vão ilustrando os acontecimentos da vida de Chico, o que, acompanhado por histórias de personagens por ele retratados – a mulher da sociedade fofoqueira, o esposo infiel, a criança mal-educada – am a mensagem de seus livros e dão grande agilidade ao espetáculo. Até para expressar o que o médium pensa de temas como aborto, eutanásia e sexo, utiliza-se o artifício de um programa de entrevistas, em que o convidado é Chico Xavier. “Não queria uma peça pesada, dogmática. A proposta era fazer um texto que transmitisse o conteúdo divertindo o público”, explica Ivens Godinho, diretor e autor do espetáculo. Gaúcho, radicado no Rio há 35 anos, ele conta que evitou fazer qualquer apologia à crença ou religião. “Não é uma peça espírita”, resume. Na prática, retrata virtudes e mazelas humanas, sempre com muito humor. Respeitosa, a platéia resiste a dar gargalhadas quando se está falando do ícone do espiritismo. Mas o público não contém o riso em cenas como a em que Chico é levado a um prostíbulo por um amigo, a mando de seu pai. Ao chegar no local, surpreso e tímido, ele é convidado pela dona do estabelecimento a rezar. Logo a função da noite é encerrada para que todas as meninas façam a oração com o ilustre visitante, revoltando os clientes da casa. O ícone do espiritismo é representado com grande desenvoltura por Alexandre Teves. Com mais experiência de palco como cantor do que ator, ele estudou gravações, entrevistas e vídeos do médium, obtendo uma bela performance, tanto na imitação da voz e do sotaque mineiro, como nos trejeitos, que ganham força também pela bela caracterização do figurino. Outro ponto forte do espetáculo são os números musicais. Além de Teves, Alexander Zimmer, Carla Nascimentto, Jerusa Castellucci, Lozano Raia e Luana Farajk cantam as diversas músicas com grande competência, entusiasmando a platéia – uma das performances mais belas é a canção que conta a história da cortesã espanhola Lola. Tudo isso vem intercalado por textos de grandes autores que Chico psicografou, como o jornalista Humberto de Campos e os poetas Augusto dos Anjos e o português Bocage. O resultado é um trabalho que empolga a espíritas e não-espíritas, não só pelos ensinamentos da vida de Chico, mas também pela humanidade de seus personagens e pela leveza do texto. Vivência com Chico Autor, diretor e produtor de “Um Homem D’Outro Mundo”, Ivens Godinho vem gestando a idéia de um espetáculo sobre Chico Xavier há anos. Bem antes disso, ainda na sua infância, conheceu o médium mineiro, a quem visitaria diversas vezes ao longo de sua vida. Como revela o programa da peça, os pais de Godinho, Ivandel e Iolanda, viajavam todos os anos à cidade de Uberaba (MG), onde Chico viveu. “É um personagem que percorreu o imaginário de minha infância”, conta o diretor. E marcou fatos de sua vida adulta. Após a morte, seu pai escreveu uma carta para a mãe Iolanda através do médium – o texto, guardado como relíquia, foi ampliado para servir de pano de fundo do cenário de “Um Homem…”, trabalho de George Bravo e Letícia da Hora. A peça é um momento especial na carreira de Godinho, que desde 1971 vem atuando nos palcos cariocas, onde trabalhou com diretores consagrados, como Ziembinski, o francês Claude Regy, Pernambuco de Oliveira, Luiz Antônio Martinez Correa, Aderbal Freire, Maurice Vaneau e Ary Koslov. Também como ator, participou de espetáculos importantes como “Chiquinha Gonzaga”, “Um Bonde Chamado Desejo” e “Ópera do Malandro” e de filmes como “Pra Frente Brasil” e “Se Segura Malandro”. Mais informações sobre “Um Homem D’Outro Mundo” em www.chicoxavier.kit.net 5u1tn