Eles se reúnem toda terça-feira à tarde numa sala do térreo do prédio do porto na avenida Mauá. Nenhum deles tem menos de 70 anos. Intitulam-se os “cobras-mortas” da navegação gaúcha. A referência jocosa não é fluvial nem lacustre, tampouco hidroviária ou portuária. Quem os vê trocando farpas sobre aptidões, experiências, façanhas e preferências de fundo sexual, logo compreende o título que se dão. Todos são portuários aposentados e nos últimas semanas andam animados com as notícias de que o governo do Estado vai começar a quitar a gigantesca dívida dos precatórios que, no total, já chega a R$ 4 bilhões. Como “secretário” dos cobras-mortas, Ary Silveira da Rosa, que se aposentou em outubro de 1983, ocupa a única escrivaninha da sala, onde não há telefone, apenas um banco comprido e um cofre sem uso. A primeira ação foi aberta em 1978, inspirando 64 processos diferentes, com um total de 1005 beneficiários. “Mais da metade dos titulares dos processos já morreram”, informa Rosa. Também já não vive Ademar Caldas, advogado-cabeça do primeiro processo, que defendia 196 pessoas com diferentes reivindicações trabalhistas. Na trilha aberta pelos primeiros reclamantes, centenas de ex-trabalhadores abriram outros processos. A soma dos precatórios devidos pelo governo aos portuários inativos chega a R$ 160 milhões. Tudo devia estar pago porque já transitou em julgado. Poucos reclamantes receberam seus direitos, correspondentes a pequenos valores. O valor da maioria dos processos oscila de R$ 10 mil a R$ 30 mil. Alguns processos chegam a R$ 100 mil. “As tricoteiras do Palácio Piratini são nossas parceiras”, diz Rosa, referindo-se às senhoras que ficaram famosas fazendo plantão na frente do prédio do governo gaúcho. Como representante da União dos Portuários do Rio Grande do Sul, ele engrossou a comitiva que em janeiro de 2008 foi reclamar providências à governadora Yeda Crusius e, em julho do mesmo ano, sentou na mesa de negociações com a então secretária geral do governo, Mercedes Rodrigues. Vem daí a inquestionável autoridade de Rosa na “sala de audiências” do prédio do porto. Aos ex-colegas do DEPRC, ele oferece invariavelmente uma mensagem de esperança e otimismo: “Vamos confiar nas muié, uma hora o negócio sai…” Os cobras-mortas parecem não estar prestando atenção, mas recomeçam as brincadeiras ao ouvir a palavra “negócio”. Entre piadas, resmungos e gargalhadas, vai-se mais uma tarde de terça-feira às margens do Guaíba. (Geraldo Hasse) 3w1q28