Frente Gaúcha Escola sem Mordaça discursa na Câmara de Vereadores de Porto Alegre 56b33

Confira o discurso realizado na Comissão de Constituição e Justiça do PLL 124/2016 Escola sem Partido, pela Frente Gaúcha Escola sem Mordaça na Câmara de Vereadores de Porto Alegre no dia 26 de setembro de 2017, através da professora doutora Russel Teresinha Dutra da Rosa.     Bom dia sr. Vereador Pablo Mendes Ribeiro, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, demais vereadores, colegas professoras e professores, estudantes e servidores aqui presentes. Gostaria de entregar a moção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e um abaixo assinado com mais de três mil s contrários ao projeto de lei 124/2016, intitulado Escola sem Partido. Sou professora há vinte anos da Faculdade de Educação da UFRGS e estou aqui representando a Frente Gaúcha Escola sem Mordaça que, quando de seu lançamento no dia 31 de agosto de 2016, congregou 72 entidades e movimentos sociais representativos de diferentes setores da sociedade, além de educadores e educadoras, estudantes e demais membros da comunidade escolar, profissionais atuantes na cultura, na pesquisa, na comunicação, no direito, e em ações comunitárias. A Frente Gaúcha Escola sem Mordaça constitui-se como um espaço coletivo suprapartidário e plural, em defesa da democracia e da justiça social tendo produzido o manifesto, que também entrego aos senhores, o qual visa resguardar as conquistas dos movimentos sociais inscritas na Constituição Federal de 1988 e na legislação subsequente, e que pretendem reparar processos históricos socialmente excludentes, bem como prevenir a violação aos direitos humanos. Estamos aqui hoje para alertar esse parlamento para o fato de o Projeto de Lei 124/2016 censurar a liberdade de expressão e o o ao conhecimento, chegando no Art. 6º a prever a comunicação circular, eletrônica e por meio de cartazes fixados em salas de aula com o seu conteúdo, instaurando um ambiente de desconfiança da comunidade escolar em relação aos educadores. Vamos imaginar um comunicado dessa natureza afixado em consultórios médicos, já que existem profissionais negligentes e que cometem erros que podem levar pacientes à morte. Ou em empreiteiras, pois existem erros de cálculo e execução que levam prédios e pontes a cair. Ou em salas de diferentes empresas, como as de telecomunicações, ou em suas notas fiscais, pois existem sonegadores de impostos, ou em  parlamentos, pois existem políticos que se envolvem em esquemas de corrupção. Mas não lembro de ter lido em nenhum dos recintos citados, cartazes alertando a população acerca das proibições no exercício de cargos e profissões. O proposto nesta lei instaura um clima de desconfiança nos ambientes educacionais, contribuindo para animosidades e situações de difícil manejo pelas equipes escolares.  E tais medidas não encontram sustentação científica para os motivos apresentados a título de justificativa à proposição do PLL 124, os quais configuram-se como mera opinião, sem qualquer apoio do conhecimento acumulado acerca da educação brasileira. Ressalta-se ainda o fato de esse projeto de lei ser inconstitucional e levar ao descumprimento de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. O art. 1º do projeto de lei cerceia a emissão de opiniões de “funcionários, responsáveis e corpo docente de estabelecimentos de ensino” afrontando o inciso IX do artigo quinto da Constituição Federal da República, a qual afirma ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. O projeto de lei cita parcialmente incisos do artigo 206 da Constituição Federal da República desconfigurando e desrespeitando os seus princípios. Portanto, citarei o referido artigo da Constituição Federal da República de 1988. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o o e permanência na escola; Princípio que exige a promoção da equidade por meio da inclusão de narrativas e conhecimentos de grupos que tiveram historicamente os seus direitos subtraídos. II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; O pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas é garantido nas escolas públicas pelo o universal de estudantes e pelo ingresso de professores por meio de concurso público, os quais possibilitam a convivência de pessoas de variadas origens socioculturais com diferentes visões de mundo. IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)   Aqui é preciso mencionar que a precarização das condições de trabalho de educadores tem produzido a redução do interesse dos jovens pela carreira do magistério. E o PL 124/2016 no Parágrafo único do Art. 5º  prevê “A responsabilização mediante processo legal, civil e istrativo, impondo-se penas disciplinares de advertência, suspensão e multa.” Um projeto de lei que pretende subtrair direitos constitucionais de uma categoria profissional já muito desprestigiada e aviltada, inclusive pelo parcelamento de salários, que muitas vezes não atingem o valor do piso nacional, coloca em risco o direito à educação de nossa população. Cabe lembrar que o procurador da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, no parecer nº 459/17 apontou a inconstitucionalidade do PLL 124/2016. E o Supremo Tribunal Federal, em liminar de 22 de março de 2017, suspendeu a vigência de  lei alagoana, análoga à proposta no projeto em tela, pelo risco de suprimir o estudo de  tópicos da vida social. Tal supressão ameaça o cumprimento de outras regulamentações legais, como o inciso VIII do artigo oitavo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) que prevê “a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de ir respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia” e o inciso IX que indica “o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”. Essa mesma perspectiva é prevista na Lei nº 10.639 que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, complementada pelas diretrizes curriculares nacionais de 2004 (Resolução CNE/ nº 1/2004) e pelo Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288 de  2010). E também nas diretrizes curriculares dos direitos humanos (Resolução CNE/ nº 1/2012) e nas de educação ambiental (Resolução CNE/ nº 2/2012). Ou ainda o Parecer nº 126/2016 do Conselho Estadual de Educação sobre direitos humanos, o qual recomenda que nas escolas haja a “liberação da palavra” para que em um ambiente seguro e de confiança seja possível conversar sobre assuntos difíceis que digam respeito a violações aos direitos humanos. Outro aspecto destacado na liminar do Supremo Tribunal Federal e que também está previsto no PL 124/2016 é o inciso IV do artigo 2º o qual toma o “aluno como pessoa vulnerável na relação de aprendizado”, desprezando a capacidade reflexiva dos estudantes, o que indica  desconhecimento  da dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem, em que os alunos são  sujeitos ativos, como demonstrado pelas pesquisas do campo educacional. Por fim destacamos a manifestação do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas que por meio de carta, em 13 de abril de 2017, solicitou providências ao Estado Brasileiro em relação ao Programa Escola sem Partido, com medidas indevidamente restritivas que ferem o direito internacional e acordos dos quais o país é signatário, citando especificamente o Artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, e que protege a todos o direito à opinião, sem interferências, e o direito a buscar, receber, e partilhar informações e ideias de todos tipos, independentemente de fronteiras ou meios. O PL 124/2016, assim como a lei de Alagoas, no artigo 3º, proíbe toda e qualquer doutrinação política ou ideológica por parte de seus corpos docentes, es, funcionários e representantes, em que haja prevalência do ensino dogmático e ideológico de determinada corrente político-partidária. E no inciso I do artigo 4º coíbe toda e qualquer prática que, valendo-se de sua audiência cativa e rotineira com os alunos, vise a cooptá-los, convencê-los ou arregimentá-los para qualquer prática, ideologia ou partido político. Não são apresentadas definições que delimitem a alegada “doutrinação política ou ideológica”, ou o “ensino dogmático e ideológico” (Art. 3º), ou em que consiste o “ensino relacionado a questões sócio-políticas” (Art. 1º), ou “qualquer prática” (Art. 4º, inciso I). Esses termos genéricos são abertos à ampla interpretação, restringindo o direito de liberdade de expressão dos educadores no desempenho de sua profissão. E, de acordo com a medida cautelar do Supremo Tribunal Federal, a vedação genérica e vaga à “doutrinação” política e ideológica e à emissão de opiniões político-partidárias constitui restrição desproporcional à liberdade de expressão docente, a qual se revela excessiva e desnecessária para tutelar a liberdade de consciência de alunos. O ministro menciona ainda que é inegável o conteúdo ideológico de quaisquer temas de estudo, como as narrativas sobre o descobrimento do Brasil, que seriam produzidas com maior precisão histórica se designadas como conquista e colonização do território que hoje chamamos de Brasil, por exemplo. Portanto é parte do trabalho pedagógico  formar o aluno para identificar as múltiplas ideologias ou visões de mundo que estão por trás, inclusive, dos conhecimentos científicos. E mais, o estabelecimento de limites a direitos fundamentais por meio de expressões excessivamente genéricas tem um efeito inibidor, levando as pessoas a se abster de exercer direitos por receio de sanções istrativas, havendo o risco de aplicação seletiva para beneficiar ou prejudicar certas práticas ou grupos. Face o exposto, senhores vereadores, pedimos que arquivem o projeto de lei nº 124/2016, neste mês de setembro, para que a Câmara dos Vereadores da capital dos gaúchos demonstre um discernimento do qual possamos nos orgulhar e que nossas façanhas não nos envergonhem perante o país e a comunidade internacional. Russel Teresinha Dutra da Rosa Professora Faculdade de Educação UFRGS Coordenadora da Frente Gaúcha Escola sem Mordaça   5c2q6n

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