Fui à Redenção em solidariedade às “Mulheres contra Bolsonaro”, no sábado. Cheguei por volta das quatro, um sol ainda muito quente. A multidão já era compacta no vão central do parque, a partir do Monumento ao Expedicionário. Já não havia mais sombra disponível, não havia como escapar do sol inclemente, para a alegria dos ambulantes que vendiam água, refrigerante e cerveja. “Tio, ajuda, o bagulho tá bombando!”, gritava um deles ao celular, tentando contato com o distribuidor. Na caixa de isopor, as últimas latinhas de cervejas boiavam na água gelada. O distribuidor, pelo jeito, não atendia o telefone, “Ajuda, tio!”, gritava o vendedor erguendo o braço. Teve que ligar para a filha e quando ela atendeu, ele deu um chute na caixa, como um centroavante dando um toquinho para dentro do gol. “Filha, vai lá, diz pra mandar tudo o que der, tou lavando a égua aqui. Oh, dia!”. Falava ensaiando uma dança, levantando pó com as havaianas, enquanto um grupo com adesivos e cartazes cercava a caixa, pegando as últimas latinhas de cerveja. Uma banquinha ao lado vendia faixas, adesivos, botons…”Tem tudo aqui, só não tem Ele. Ele Nãããoo!”, berrava o rapaz sem camisa e as mulheres ao redor gritavam em coro e agitavam as bandeiras e cartazes. “Mulheres contra o fascismo” a enorme faixa estendida por cinco garotas em pernas de pau era fotografada e filmada. As garotas riam e abanavam… A senha “#ELE NÃO” estava em tudo – adesivos, bandeiras, cartazes, fitas ou mesmo rabiscada com tinta nos braços, nas costas, na testa ou numa simples folha de papel. Os municipários de Porto Alegre, em guerra com o prefeito, acrescentavam ao bordão dos adesivos um “Fora Marchezan”. Pequenos grupos faziam performances, encenações, cantos, malabares. Uma camiseta com a estampa da Mafalda bradava: “Fascismo Nunca”. No palanque Maria do Rosário puxava o coro, brandindo o punho como se desse socos imaginários:”Ele, Nããão! Ele Nãããõ!”. A massa compacta respondia agitando as cartazes do movimento e também de candidatos. Mas era só ali, na frente do caminhão de som, entre a calçada do parque e o Monumento ao Expedicionário, que havia faixas e cartazes de candidatos. Mesmo no palanque só discursaram candidatas mulheres – Fernanda Melchiona, Abigail e Maria do Rosário, Luciana Genro, falando mais como mulheres do que como candidatas. Miguel Rossetto candidato do PT a governador circulava falando com pequenos grupos, tirando selfies com correligionarios, mas não pretendia subir ao palco. “É das mulheres”. As estimativas falaram em 40 mil, 20 mil, 10 mil nunca se saberá. Uma coisa é certa: foi uma das maiores e mais emocionantes manifestações que a Redenção, palco de históricas manifestações populares em Porto Alegre, já viu. Saí de lá por volta das 18 horas, quando já se anunciava a caminhada até Largo Zumbi dos Palmares. Duas coisas me intrigavam: 261p3
- Na lateral do caminhão, onde discursou a deputada Maria do Rosário e outras oradoras, havia uma faixa em toda a extensão com o nome de BOLSONARO. O “NÃO” embaixo do nome, ficava fora da visão da maioria das pessoas que estavam atrás. A palavra Bolsonaro era atravessado por um risco, como um veto, mas numa foto ou num vídeo aquilo poderia ser facilmente confundido com um comício a favor do candidato. Um erro grave de comunicação.
2. O clima geral era de festa, de congraçamento, de celebração por terem conseguido realizar aquele ato grandioso, mais do que o sentimento de repúdio , apesar das “palavras de ordem” e os discursos contundentes, que poucos ouviram.
Vi, depois, que aquela majestosa manifestação popular, que se multiplicou pelo país afora, havia provocado um efeito oposto ao que pretendia: Bolsonaro cresceu e, principalmente, entre as mulheres. Haddad, seu principal oponente, caiu e viu aumentar sua rejeição entre o eleitorado feminino.
Mesmo que outras causas – as declarações arrogantes de José Dirceu, a divulgação da delação de Pallocci, a manipulação nas redes sociais – tenham influído na pesquisa, não há dúvida de que, como manifestação de repúdio, o “Ele Não” não alcançou seu objetivo. Foi ingenuidade, precipitação, voluntarismo?
Provavelmente, ainda é cedo para uma devida avaliação, mas o certo é que o movimento deflagrado pelas mulheres tem real potencial de revolucionar a participação política no país, embora tenha começado com uma frustração eleitoral.