Em cartaz nos cinemas da capital, Ratatoulle, Shrek e Harry Potter são “mania” entre as crianças e pré-adolescentes. Os filmes se caracterizam por histórias de seres (no caso rato, ogro e bruxo) que conseguem ser aceitos apesar das diferenças. Ratatoulle conta a história de um rato que sonha em ser um grande chefe e é desmotivado por seu pai, que considera impossível a aceitação do filho em tal posição entre os humanos. Shrek aborda o isolamento de um ogro por não se sentir aceito na sociedade em que vive, um império onde o rei exige que todos sejam belos e semelhantes a si para poder conviver e serem felizes. Por sua vez, a série de romances fantásticos Harry Potter, conta a saga de um menino que vive na casa de seus tios e é sempre maltratado e excluído da família. Ao ser itido na escola de magia e bruxaria, Harry Potter consegue criar seu ciclo de amizades, em que é irado e aceito, como nunca seria em sua família. O que chama a atenção é o fato de tais películas terem sido desenvolvidas em uma sociedade caracterizada por uma cultura consumista como a nossa, que transforma diferenças em barreiras dificilmente superadas. Os enredos destes filmes levam a algumas indagações sobre a realidade em que vivemos. Por que, justamente, neste cenário, são imaginados estes desfechos? Por que, tais filmes chamam tanto a atenção? Segundo o padrão social vigente, buscar-se-ia omitir a possibilidade de haver sucesso em meio às diferenças. O imaginário infantil deveria descrer em tal saída ou desistir da busca incessante pelo enquadramento nos padrões determinados para o tão sonhado “final feliz”. Refletindo sobre o tema das diferenças, pode-se pensar que a criação destes filmes rompe com a cultura estabelecida e, como arte, cria uma saída criativa para aqueles os assistem. Tal ruptura cai nas graças dos públicos infantil, juvenil e de seus pais, por enxergar nos filmes uma saída, quem sabe, para “sobreviver” em meio a uma sociedade de iguais, onde todos têm que ser esbeltos, ter famílias “perfeitas” ou casas lindas. Já que a nossa realidade não se assemelha em quase nada a tal “perfeição”, a possibilidade de ser feliz e de se aceitar com as suas diferenças é uma grande dádiva. Qual pai não gostaria que seu filho conseguisse tal proeza? Refletindo sobre o trabalho psicoterápico, estabeleço uma relação bem próxima dos filmes ao meu trabalho no consultório. Assim como ocorre nas histórias fictícias, em que as personagens conseguem modificar seus caminhos através das relações criadas, o mesmo se dá com os pacientes. Com a relação psicoterapêutica busca-se oportunizar a reparação das falhas, encontrando maior satisfação na própria realidade, refletindo mais e sendo autor de suas escolhas. Desta forma, enxergo com esperança os espaços que primam pela individualidade do ser humano. Os filmes em cartaz são uma esperança, pois plantam nos adultos de amanhã a possibilidade de irar o ser humano que apresenta-se singular, exercendo em suas vidas o tão aclamado livre arbítrio. 14612o