Guilherme Kolling Se ainda resta alguma esperança à sobrevivência do Partido dos Trabalhadores (PT), ela a pelo dia 18 de setembro, quando ocorrem as eleições para o comando de diretórios municipais, estaduais e nacional. As tendências de esquerda do PT – insatisfeitas com os rumos do partido já antes do escândalo do mensalão – apostam em assumir o poder e dar uma guinada no partido, buscando a volta às origens, com uma defesa radical da ética e dos valores que formaram a sigla. 2a1b6e
“O PT vive sua mais grave crise histórica. Esses dias que antecedem o pleito são decisivos”, avalia o deputado estadual Flávio Koutzii, líder da bancada do PT na Assembléia Legislativa. “Tenho falado na imprensa diretamente para os militantes, porque nem todos perceberam a dimensão deste momento. Só a eleição direta pode dar uma mexida nesse quadro”, completa.
Waldir Bohn Gass, presidente do diretório do partido em Porto Alegre também aposta na militância para salvar a sigla. “É fundamental a insurgência da base, que ela assuma o PT para que haja uma redemocratização do partido”, aponta.
O chamado Campo Majoritário, ala moderada que comanda o partido há anos, sofreu um abalo com o envolvimento do ex-ministro José Dirceu e de toda cúpula – Genoino-Delúbio-Silvio Pereira e Marcelo Sereno – nos escândalos de corrupção e caixa 2. Todos caíram.
Para botar ordem na casa, foi chamado o ex-ministro da Educação, Tarso Genro, que assumiu o partido num mandato tampão. Ele é o candidato do grupo moderado para as eleições de setembro.
“O Campo Majoritário, direta ou indiretamente, é responsável pelo que aconteceu. Temos que mudar a co-relação de forças, reformular o PT. E o PED (Processo de Eleições Diretas) é a grande oportunidade para mudar a direção do partido”, afirma o ex-prefeito de Porto Alegre João Verle.
De fato, a crise pode ser a chance para outras tendências do partido chegarem ao poder. “Com certeza, se não tivessem sido expostos esses fatos envolvendo o PT, a reeleição do José Genoino seria um eio. Esse tsunami foi tão violento que deslocou as forças no partido”, acredita Koutzii.
Entre os candidatos de oposição, estão Valter Pomar, Plínio de Arruda Sampaio e os gaúchos Raul Pont e Maria do Rosário. Uma vitória da ala light, assumindo ou não o nome de Campo Majoritário (que Tarso falou que não existe mais), pode ser o estopim para uma debandada do PT. O racha deve afastar até quadros históricos.
“Já perdemos gente no início do governo Lula, na Reforma da Previdência, na definição do salário mínimo, na expulsão dos companheiros que formaram o P-SOL. Até os intelectuais que líamos se afastaram. Se a eleição for muito frustrante, pode provocar algumas perdas importantes”, aponta Flávio Koutzi.
O deputado estadual Edson Portilho tem a mesma impressão. “Pessoas descontentes com o rumo do partido já estão se desfiliando. E a continuar nesse ritmo, muitos militantes e dirigentes vão deixar o Partido dos Trabalhadores”, acredita. João Verle também prevê baixas, mas não aceita o “se perdermos, vamos sair”. “Isso não tem sentido”.
Quem destoa nesse ponto é o deputado Raul Pont, que evita falar em racha em caso de derrota. “Eu vou continuar militando no PT, construindo o partido, e defendendo que quem tenha algum envolvimento com corrupção ou malversação de recurso público, seja expulso e indiciado criminalmente”.
O presidente do Diretório do PT na capital gaúcha, Waldir Bohn Gass, por outro lado, chega a afirmar que, se houver vitória do Campo Majoritário e esta tendência comandar sozinha o partido, com um possível desânimo da militância, o PT pode não se recuperar mais.
Alguns já fazem comparações com outras siglas. É caso do deputado federal Chico Alencar (RJ). Desiludido com a reunião do Diretório Nacional, em 6 de agosto, ele afirmou que o PT vai virar um partido de massas sem identidade. “Um fenômeno parecido ao que aconteceu com o PMDB, que hoje serve para abrigar alguns políticos de nome, mas sem um programa”.
Um grupo de parlamentares federais, insatisfeitos com a orientação da liderança do partido, lançou o Bloco Parlamentar de Esquerda, que vai atuar com autonomia no Congresso.
Petistas pedem expulsão dos companheiros
Ninguém. Nem Delúbio Soares foi expulso do PT depois da reunião do Diretório Nacional, em 6 de agosto. Representantes do partido no Rio Grande do Sul cobram medidas mais fortes. “Chega de panos quentes! Há evidências devidamente comprovadas. Não consigo entender como ninguém ainda foi expulso”, ataca o deputado Flávio Koutzii.
“O PT está com seus valores em crise, é um patrimônio que pode ser destruído. As pessoas expressam dor, vergonha, indignação. E depois de um período de perplexidade, dirigentes petistas e quadros de expressão estão falando em fazer um corte nisso. Se não mudarmos a política, não resolveremos a questão. Queremos ganhar a direção do partido aqui e lá (no RS e no país)”, declara Koutzii, líder da bancada do partido na Assembléia.
O ex-prefeito de Porto Alegre João Verle também defende a saída de integrantes que cometeram atos ilícitos. “Falha no caráter é uma característica humana e o maior partido do país não ficou imune a isso. Agora devemos expurgar essas pessoas que ferem a nossa ética partidária, um ponto forte que ostentamos. Se isso não acontecer, vamos nos igualar aos demais partidos”, prevê.
Sete vereadores da bancada do PT na Câmara de Porto Alegre (Aldacir Oliboni, Carlos Comassetto, Carlos Todeschini, Margarete Moraes, Maria Celeste, Maristela Maffei, Sofia Cavedon) enviaram nota ao Diretório Nacional, na véspera do encontro de 6 de agosto. Eles se uniram ao coro dos que clamam pela saída de filiados comprovadamente envolvidos com irregularidades.
Outra voz dessa causa é o deputado Edson Portilho. “Não podemos comprometer 800 mil filiados, militantes que doaram a vida para a construção desse projeto, por irresponsabilidade e descompromisso de alguns dirigentes”, protesta.
“O PT é maior do que qualquer uma dessas pessoas. Se elas estiverem de fato envolvidas, que sejam expulsas, não importa que tenham 20 anos, 5 anos ou 5 meses de partido”.
As causas da crise
É consenso entre lideranças que o Partido dos Trabalhadores vive uma crise sem precedentes, que as denúncias devem ser apuradas e que os culpados devem ser punidos. Mas não há concordância sobre as causas, a origem do problema que afeta o PT.
O presidente nacional, Tarso Genro, analisou a conjuntura em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em julho. Além da questão histórica (o buraco que se abriu com o fracasso de experiências de esquerda pelo mundo), e a política econômica do país, que não teve o avanço esperado no governo Lula, o ex-ministro critica a tese do partido dono de uma moral superior aos demais.
“Esquecemos que qualquer organismo da sociedade civil, por mais vontades positivas que contenha, reproduz, sempre, algo da moralidade média da sociedade na qual este organismo está imerso”. Tarso apela para uma renovação, sem arrogância, para defender a democracia e continuar a construção de um novo projeto para o país. “Precisamos, no PT, de uma reforma política, programática e de métodos de direção”.
Outro ponto de vista veio também em artigo publicado na Folha. Duas lideranças gaúchas, o ministro Miguel Rossetto e o deputado Raul Pont, contestaram a tese da arrogância do partido, que teria uma moral superior a dos demais.
“Numa notável inversão, pede-se desculpas pelo PT ter tido no ado uma postura intransigentemente ética. Responsabiliza-se os paradigmas de esquerda e de igualdade fundadores da nossa identidade pelos fatos que, agora, são a sua negação. Numa espécie de autocrítica do outro, critica-se o que fez o PT ser diferente, sem criticar nada que o faz ficar agora igual ao deformado sistema político brasileiro”.
Os dois apontam que a crise tem como origem a ruptura com a tradição do partido, pela “fratura entre discurso e prática, o distanciamento das bases e dos movimentos sociais, a hegemonia da lógica eleitoral, a despolitização da política, as alianças não-programáticas e, especialmente, a auto-suficiência das decisões de cúpula”.
Pont e Rossetto falam claramente que as explicações sobre a crise devem partir do grupo que agiu em nome do PT, “mas sem compartilhar essas decisões com o conjunto do partido ou sequer comunicar-lhe suas deliberações, afogando uma história de 25 anos num lodaçal de suspeições”. A dupla afirma que “a história do PT não acaba assim”. E projeta um futuro “com um rigoroso ajuste de contas com o presente, para ter uma agenda radicalmente republicana, democrática e popular para o Brasil”.
Outro texto que teve repercussão, neste mea culpa público feito pelo PT, foi o do jornalista Marcos Rolim, publicado em Zero Hora. Ele aponta que “o partido foi substituído por uma máquina de poder capaz de legitimar práticas tradicionais como o aliciamento e a demagogia, o aparelhamento do Estado e o canibalismo interno”. Rolim denuncia a “omissão diante de casos de abuso de poder econômico em campanhas eleitorais e de indícios de enriquecimento ilítico. E conclui: Mais que criminosos, “são ladrões de sonhos”.
Esperança no futuro
Alguns petistas sonham com a volta por cima ainda no Governo Lula. O 1º vice-presidente da Assembléia Legislativa, deputado Ronaldo Zulke, aposta na mudança de rumo, a ponto de possibilitar que críticos hoje desiludidos com o presidente apóiem a reeleição. Na visão dele, seria necessário vencer três pontos do debate: a ética partidária, a política de alianças do Governo, e a política econômica. “Defendemos mais recursos para programas sociais e uma redução no superávit, que está exagerado. Outra medida é a redução drástica da taxa de juros, para estimular a criação de empregos e o crescimento econômico”, explica.
Sobre o papel do partido nesta empreitada, quem fala é o otimista Waldir Bohn Gass, presidente do diretório de Porto Alegre. “Se chegamos ao poder num governo de coalizão, tudo bem. Mas o PT tem que tencioná-lo para a esquerda. O partido deve ter autonomia, não pode ser o menino de recados da presidência, como era no tempo do Genoino”.
David Stival, presidente do PT/RS também acredita que o partido pode dar perspectivas positivas para sua base. “Todos os partidos erram. Devemos levantar a cabeça e resgatar os valores éticos e morais do PT”, sugere. “Temos que ser inflexíveis na punição dos culpados e retomar o programa do partido no Governo Lula, abrindo canais para a participação social”, aponta.
Stival lembra ainda a “experiência vitoriosa no Governo Olívio-Rossetto, com uma diferença abissal em relação ao Governo Lula. O Rio Grande do Sul é uma referência para o projeto do partido, e pode influenciar o PT nacional, o que não significa romper”, acredita.
Bonh Gass fala em brigar pela história do PT, também citando as experiência em Porto Alegre e do Governo Olívio. “Mostramos um novo jeito de governar, com uma participação social – Orçamento Participativo – que dá força e garante um controle do governo”, opina.
O deputado Ronaldo Zulke concorda que o PT/RS, pelo acúmulo de gestões importantes, é um capital político importante para o PT nacional. “Não é a toa que temos três candidatos gaúchos na disputa pelo Diretório Nacional”, lembra.
Olívio pode assumir o partido no Estado
Os setores mais à esquerda do Partido dos Trabalhadores continuam trabalhando para que o ex-governador Olívio Dutra seja aclamado presidente do Diretório Estadual, em setembro, quando ocorrem as eleições do PT.
A mudança no rumo da disputa pelo diretório gaúcho surgiu após a demissão de Olívio do Ministério das Cidades. Ele teve uma volta triunfal, sendo recebido por centenas de militantes, empunhando bandeiras do PT e gritando palavras de ordem.
Mas disse “que não tem vocações individuais”, sobre uma possível candidatura à presidência estadual do PT. Na semana seguinte, não descartava assumir o partido no Estado para a alegria de militantes como Maurício Zimmermann, da Juventude do PT, que foi recebê-lo no aeroporto. “O partido deve ser ‘salvo’ por figuras como ele”, acredita.
O deputado Raul Pont, presente na recepção, reconheceu que “o companheiro tem o respaldo da militância e representa o partido”. O vereador Adeli Sell estava tão entusiasmado que declarou que “a refundação do partido aconteceu aqui, nesse ato” (no aeroporto), e que Olívio deveria aceitar conduzir o PT estadual.
“Queremos construir um consenso em torno do nome de Olívio, que tem todas as condições para construir uma nova direção para o partido”, conta o deputado Ronaldo Zulke, da Democracia Socialista, uma das tendências que apóiam o ex-governador.
O deputado Edson Portilho também aprova a idéia, assim como os presidentes do diretório de Porto Alegre, Waldir Bohn Gass e do RS, David Stival, que considera Olívio um símbolo de honestidade.
Entre os sete candidatos, quatro já abdicaram em nome do ex-governador. Mas pelo menos um concorrente não ite renunciar, a não ser que haja consenso em nível nacional – e não há. É o deputado Estilac Xavier que deve polarizar a disputa com Olívio.
Estilac representa o PT Amplo e Democrático e outras três tendências na disputa pelo Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores. O deputado justifica que o partido deve usar o mesmo critério em nível nacional e regional. “Se não conseguirmos unificar o partido nacionalmente, porque adotar esse modelo só no pleito do Rio Grande do Sul?”, questiona.
Estilac ite conversar sobre uma possível renúncia apenas se houver chapa única ao Diretório Nacional. “Aí podemos discutir o plano local da mesma forma, mas antes de renunciar teria que falar com as tendências que represento”.
O parlamentar do PT revela que é do grupo que defendeu realizar as eleições do partido só em 2007, mas que foi voto vencido. “Acho que seria importante um encontro preparatório agora, quando indicaríamos para direção uma chapa de unidade política, para a transição do partido. Em 2006 não haveria clima, já que é ano eleitoral, por isso, o ideal seria 2007”, analisa.
Colaborou Helen Lopes