Rafael Guimaraens na linha do bonde 2c1o1q

GERALDO HASSE 59661

Operando na fronteira entre o jornalismo e a literatura, Rafael Guimaraens descolou no ado de Porto Alegre mais um crime que lhe permitiu sobrevoar a linha (in)divisória entre a realidade e a ficção. Desde A Enchente de 1941, a recuperação histórica tem sido uma alternativa à falta de espaço para o jornalismo na  imprensa.

Com exceção de um ou outro trecho, o ex-repórter do Coojornal (editora alternativa que sobreviveu em Porto Alegre de 1974 a 1982) recupera com habilidade o caso do assassinato de uma mulher por seu próprio marido enciumado, crime praticado no fim da linha de um bonde na capital gaúcha.

O crime foi notícia de jornal em 1926. Bem explorado, não renderia mais do que um conto, hoje em dia. Esticado, daria uma novela. Nas mãos do Guimaraens filho de escritor e neto de poeta, virou um romance com potencial para se tornar roteiro de cinema ou TV.

Por conta de uma pesquisa que nenhum jornalista teria tempo de fazer nas atuais condições do exercício da segunda profissão mais antiga do mundo, o autor carrega a história de Eduardo-Dallila-Carlos para fora de Porto Alegre em busca das origens da vítima do homicídio.

Trata-se de um estudante de direito em São Paulo que participa da campanha civilista de Rui Barbosa em 1909 e se torna assessor do senador Pinheiro Machado (morto por uma facada em 1915 no Rio), após o que, já entrado na vida madura, é nomeado promotor de justiça em o Fundo, casa-se em Carazinho e acaba em Porto Alegre onde se dá o gosto de assediar mulheres casadas.

Verdade ou invencionice de escritor? Em nenhum lugar do livro está escrito que se trata de romance, dentro do qual há espaço para licenças eróticas como numa sequência das páginas 128/129, mas a trama faz lembrar narradores célebres como Truman Capote, o repórter norte-americano que gostava de contar histórias como o consagrador A Sangue Frio.

Para chegar ao “FIM DA LINHA – O Crime do Bonde”, o leitor precisa percorrer 266 páginas até o desfecho sangrento anunciado na capa, obra da designer Clô Barcellos, que impõe ao livro uma extraordinária qualidade gráfica. Companheira de Rafael e sócia-fundadora da Libretos, a missioneira usa a segunda orelha do livro (R$ 32 na Feira do Livro) para um libelo contra a opressão machista.

Curto e grosso, é um baita puxão de orelha, indício talvez de que a Libretos, ou Clô, ou ambas, podem estar engatilhando alguma coisa no âmbito da militância feminista.

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