Convidado para falar no Conexões Globais 2.0, evento que também integrou o Fórum Social Temático 2012, Gilberto Gil, compositor e ex-ministro da Cultura, fez uma exposição – quarta-feira, 25, na Travessa do Cataventos da Casa de Cultura Mário Quintana – complexa sobre a sociedade atual, tomando como referência a Primavera Árabe. Na sua fala, lembrou uma composição sua, Futurível, feita quando, em 1969, foi prisioneiro da Ditadura Militar, e que traz versos como: […] “Seu corpo vai se transformar/Num raio vai se transportar/ No espaço vai se recompor/ Muitos anos-luz além/ Além daqui”. Ou, mais adiante: […] “Seu corpo será mais brilhante/ A mente, mais inteligente/ Tudo em superdimensão/ O mutante é mais feliz/ Feliz porque/ Na nova mutação/ A felicidade é feita de metal”. Gilberto Gil é uma das antenas do povo brasileiro. A cultura baiana é sólida e líquida, e gasosa, claro. De Gregório de Matos a Castro Alves, de Jorge Amado a Glauber Rocha, de João Gilberto a Gil e Caetano, lá se vão quatro séculos de uma exuberância que mesclou Grécia e África, projeto que Alexandre, o grande, já havia tentado alguns séculos antes de Cristo. Lá não deu certo. Em Conexões Globais Gil dividiu o palco de debates com Vinicius Wu, coordenador do gabinete Digital do Governo RS; o jornalista Antônio Martins, do site Outras palavras, e, via web, de Madri, Olga Rodrigues, escritora e jornalista especializada em Oriente Médio. Gil trajava um conjunto de roupas claras e leves que, combinadas as suas humildes sandálias, mais seu inseparável Mac book, davam ao bardo nordestino um ar zen de mochileiro das galáxias, pronto para dividir suas idéias com o público que na tarde morna, quase fresca, empilhava-se na Travessa dos Cataventos para escutá-lo. A fala de Gil – na verdade, pensamentos falsamente avulsos, ou brain storm, como diria um velho publicitário – resumiu-se num discurso composto de frases curtas, que remetem a conceitos que, exceto uma citação de Heidegger, integram-se ao mainstream global e digital, e que ele define como a sua “filosofia barata, feita em casa”, diante da dificuldade em saber o que está dentro ou fora do sistema. Vejamos algumas pérolas: “os relatos são elaborados no próprio centro da luta. Foi assim em toda a história da humanidade. Os significados das lutas do ado flutuam no presente e projetam o futuro. Vivemos um processo fragmentário, um tempo acelerado e múltiplo. Há um choque de valores e paradigmas caem por terra. No caso da Primavera árabe – com suas imagens avermelhadas, difusas, dramática –, assistiu-se a uma adesão a plataforma ocidental em questões como democracia, direitos da mulher. Trata-se de um processo antropofágico em relação à cultura ocidental, pois, ao mesmo tempo, há uma associação e uma rebeldia contra ela”. E continua: “mundo quântico. Formações híbridas, revoltas fragmentárias. Minimalismo acelerador de partículas que virou a civilização. Proto-utopia, uma nova utopia. Revezamento das elites. O erro está em querer restaurar um mundo totalizante. Há um jogo global de xadrez jogado a muitas mãos. A internet pode se tornar uma atualização de conceitos. O sentimento de vários possíveis”. O mano Caetano, caso estivesse presente, talvez incluísse, ao final da fala de Gil, a singela e filosófica sentença: “ou não!” Depois de toda esta energia digital e barroca, Vinicius Wu, smartphone em punho, falou, entre outras elucubrações, sobre a “gaseificação” do poder, e da nova vanguarda, representada pelos hackers que, cumprindo a profecia de Marx, “são os coveiros do capitalismo”. Já Antônio Martins, entusiasmado, pregou uma jihad digital em prol da ética do bom jornalismo. Tudo sob o atento e reflexivo olhar do escritor e atual Secretário de Cultura do RS, Luis Antônio de Assis Brasil, que, sentado em sua cadeirinha, talvez procurasse relacionar aquelas falas com as dos personagens do século XIX de sua ficção. O contraponto vinha do outro lado do Atlântico, onde uma bela e contida Olga Rodrigues, limitou-se a fazer explanações pontuais sobre a Primavera Árabe, da importância da internet como ferramenta de resistência em regimes ditatoriais, das redes sociais para organizar e difundir mensagens para o mundo inteiro, salientando que no mundo árabe apenas 20 por cento da população tem o a web, “mas é sempre uma minoria que faz as coisas”. Ao final do debate, diante da possibilidade de hecatombe de todos os sistemas, devido ao excesso de velocidade, pelo menos virtualmente, Gil, sabiamente, ponderou que “a eternidade não se manifesta num momento, ocorre através dos tempos. A mobilização é permanente. A luta continua”. Ainda mentalmente conectado, o público ao deixar o local do encontro e seguir pela Rua da Praia, deparou-se com a vida analógica e prosaica de gente tomando a sua cervejinha, comendo batatinhas e outros petiscos. No dia seguinte, em Canoas, boa parte se juntou as outras seis mil pessoas que prestigiaram o show do baiano, o da Refazenda e seu abacateiro, afinal, Gil estava em Porto Alegre, terra onde nascem os melhores abacates do mundo. Ou não? Por Francisco Ribeiro 5e3t3p
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Um balanço das atividades encerra FST 2012 515hx
O debate promovido pela rádio Fórum – transmitido via web para 147 rádios de cinco continentes – na manhã deste domingo, foi à última ação do Fórum Social Temático 2012, em Porto Alegre e região metropolitana.
Em cinco dias, o fórum promoveu mais de 700 atividades – incluindo oficinas, shows de música –, atraindo milhares de participantes do mundo inteiro em torno dos temas Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental.
O debate final, no auditório do Memorial RS, reuniu políticos, representantes ligados ao movimento negro, idosos, ambientalistas e urbanistas que, durante pouco mais de duas horas, diante de um público pequeno, leram comunicados e deram informes sobre as suas críticas e principais reivindicações apresentadas no FST.
Roberto Jakubaszko, membro do GT de Comunicação do comitê organizador do FST, salientou que o objetivo do debate foi fazer um rescaldo do evento que, segundo ele, cumpriu satisfatoriamente as suas metas, preparando as propostas que serão encaminhadas a Cúpula dos Povos por Justiça Ambiental, evento paralelo a Conferência Rio + 20, promovida pelo ONU, que ocorre no próximo mês de junho, no Rio de janeiro.
Jakubaszko também destacou o êxito, durante o FST, de eventos como o Conexões Globais 2.0, que atraiu principalmente os jovens, e permitiu, via web, que os participantes interagissem com pessoas do mundo inteiro. “Isso é incrível quando penso na minha mocidade, onde o negócio era aprender datilografia e fazer concurso para banco”, brincou.
O arquiteto e urbanista Alan Furlan – conselheiro da região de planejamento 1 (centro de Porto Alegre), frisou, num documento, que na capital gaúcha o cadastro do programa de regularização fundiária do Demhab “contém 75.656 famílias inscritas. Isso representa, em expressão populacional, a quarta cidade do estado. São pessoas que vivem em habitações precárias, em ambientes segregados com forte estigma social. Corremos o risco de produzir mais uma cidade insustentável”.
Na mesma linha, o vereador Carlos Todeschini, do PT, salientou que Porto Alegre não pode ficar refém da Copa de 2014. “Parece que em nome dela, da sua realização no Brasil, por causa de alguns jogos em Porto Alegre, temos que aceitar tudo. A cidade tem outras prioridades”.
Por Francisco Ribeiro
Convivência pacífica e troca de experiências marcam o acampamento da juventude 37255d
Por Francisco Ribeiro
Fotos – Andressa Konzen
O Acampamento Intercontinental da Juventude, no Parque da Harmonia, recebeu cerca de três mil pessoas, a maioria estudantes universitários, de 19 a 25 anos, durante o Fórum Social Temático, que se encerra neste domingo.
São provenientes de todos os estados brasileiros e também da América Latina – argentinos, chilenos, costa-riquenhos, paraguaios, venezuelanos, uruguaios –, mais alguns poucos europeus, como espanhóis e até um russo, que durante cinco dias debateram temas concernentes ao Fórum, trocaram experiências em diversas áreas de atuação, namoraram e assistiram muitos shows.
Segundo Isabel Bretanha – funcionária pública responsável pela organização do acampamento – até a manhã de sábado, penúltimo dia do Fórum, não havia sido registrado nenhum incidente pelos 150 seguranças que patrulham a área: “o que prova o bom entendimento entre as pessoas, apesar da diversidade de comportamentos e opiniões políticas”, salientou. Para ela, a proibição de venda de bebida alcoólica na praça de alimentação “colaborou para coibir os excessos, tão comuns entre jovens”.
Quem entra no acampamento logo percebe que não se trata de um camping comum. O fotógrafo João Dias, ao fazer um plano geral, disse que pela associação de diferentes grupos de pessoas “tinha a impressão de estar diante de um mix de Woodstock de esquerda com feira hippie”.
Não chega a ser bem isso. Há muita música, mas não apenas rock. Ouve-se rap/hip hop, reggae, MPB, música latina, clássica. Também não há somente esquerdistas, como prova o coloridíssmo grupo underground evangélico do Ministério João 3: 16, uma espécie de cristão-hippies.
De resto, Organizações, coletivos, partidos políticos que desfraldam suas faixas, demarcando o seu território, sempre aberto a novas adesões. Há muita oferta de artesanato, botons, camisetas e, claro, muita disposição para uma boa discussão política. Tudo num ambiente limpo, organizado, cheio de banheiros químicos para que ninguém se aperte, pias para lavar roupa e louças. Muita oferta de comida a preços nem tão camaradas, e muitos preferem andar alguns poucos quilômetros e fazer compras nos supermercados.
Entre os brasileiros, chama atenção a quantidade de estudantes cariocas. E isso ocorre porque – sendo consenso que o FST é uma previa dos grandes debates que ocorrerão em junho, na capital fluminense, por ocasião da a Rio + 20 – as principais universidades públicas do estado do Rio de Janeiro – UFRJ, UERJ e UFF – atenderam as reivindicações dos seus acadêmicos, disponibilizando diversos ônibus para que viessem a Porto Alegre.
“Como estudante de geografia, os debates sobre as questões ambientais e desenvolvimento sustentável são fundamentais”, diz Danilo Santana, 24 anos, da UERJ, que tem tatuado no peito uma foice e um martelo: “isso é do tempo em que eu era um ultra, não é mais o caso”, esclarece, bem humorado.
Também da UERJ, Mariana Busch, 19 anos, estudante de Direito – integrante do Coletivo Levante! –, diz que veio ao FST porque é socialista e quer construir um mundo melhor: “o Fórum também é um ótimo espaço para dialogar com outros grupos, como indígenas, trabalhadores rurais”, acrescenta.
Já o chileno Gastón Urrutia, da Universidad del Bio-Bio, Concepción, Chile, salienta que a troca de experiências na área da educação “foi muito rica e servirá para traçar novas abordagens e ações na América Latina”.
A democracia tem que dialogar com os "indignados" 4k2l1s
Para o representante Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, Francisco Whitaker, a democracia representativa está em crise. Cita o exemplo dos financiamentos privados de campanha de Vereador a Presidente da República.
A pergunta que fica, conforme ele, é se os políticos representam aqueles que os financiam ou a população. “No Brasil a democracia sempre teve altos e baixos, com golpes durante todo o século 20, e sempre temos que recomeçar, mas assim mesmo vamos avançando”, afirma, otimista. Whitaker está participando do Fórum Social Temático, em Porto Alegre.
Whitaker lembra que os constituintes incluíram na Constituição de 1988 que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Um exemplo prático disso foi a campanha Ficha Limpa que em 2011 que recolheu as 1,3 milhão de s necessárias para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular. O projeto veta a candidatura de pessoas com ficha suja nas eleições.
O julgamento de três ações pedindo a análise da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) está no Supremo Tribunal Federal. A ação principal é da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que quer a legalidade de todos os pontos da lei, a fim de que ela seja aplicada sem restrições nas eleições municipais de 2012.
O PPS também entrou com uma ação para garantir a legalidade da norma no ponto que trata sobre a retroatividade, para atingir casos anteriores à edição da lei.
Segundo Whitaker, a democracia tem que ser de baixo para cima, com participação direta, referendo e plebiscito. “A população deveria decidir sobre assuntos importantes como energia nuclear, ou a indústria nuclear vai botar muito dinheiro mídia para parecer que tudo será uma maravilha.”
Por isso, acrescenta ele, “a sociedade em diversas partes do mundo não se satisfaz mais em só eleger políticos, mas quer participar de uma democracia horizontal. Estamos na geração dos indignados que ocupam as praças no mundo e começam a fazer propostas. É a sociedade civil querendo participar. A democracia horizontal acontece com a participação popular e não com oficialismos.”
Whitaker lembra que os indignados de Nova Iorque disseram que são 99% da população e o capital financeiro de Wall Street, 1%. Então, alguma coisa está errada. Na verdade, a população engajada, politizada, também é um 1% e sobram 98% que podem ser divididos em três:
“Um terço vive para comer e mais nada, outra parte tem tudo, o mundo dos consumidores vorazes que perguntam, para que um o mundo possível, se temos tudo neste? Sobra uma terça parte de jovens insatisfeitos, indignados que estão saindo nas ruas e reclamando. Por isso, o Fórum Social Mundial tem que mudar de estratégia.
Atualmente, nos reunimos em um pensamento único e saímos felizes das reuniões. Na verdade temos que dialogar com os insatisfeitos para trocar informações.
Pinheirinho: "Houve opção pelo enfrentamento" 6i1z5h
A operação policial de desocupação da área do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). Definida pela presidenta da República Dilma Rousseff como barbárie, na opinião do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, foi uma questão de método. “O método democrático busca ouvir, dialogar com a Justiça e os entes federados.
Os governos de São Paulo e de São José dos Campos optaram pelo enfrentamento armado, sem levar conta a necessidade de respeitar a dignidade das pessoas”. Carvalho esteve em Porto Alegre participando do Fórum Social Temático.
A operação policial de desocupação da área do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). Definida pela presidenta da República Dilma Rousseff como barbárie, na opinião do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, foi uma questão de método.
“O método democrático busca ouvir, dialogar com a Justiça e os entes federados. Os governos de São Paulo e de São José dos Campos optaram pelo enfrentamento armado, sem levar conta a necessidade de respeitar a dignidade das pessoas”. Carvalho esteve em Porto Alegre participando do Fórum Social Temático.
Segundo ele, o Ministério das Cidades há mais de ano vinha propondo ao prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury, do PSDB, uma alternativa. “Infelizmente, ele preferiu a opção militar e deu no que deu. Não se trata de contestar a decisão da Justiça, mas de dialogar com a Justiça que todos sabem é sensível a soluções negociadas que respeitem as pessoas.”
Dignidade
Para o Ministro, a questão central é se o ser humano é respeitado ou não. “As famílias carentes envolvidas na desocupação precisavam ser tratadas com mesma dignidade dadas àquelas que ocupam terras devolutas do estado e não são removidas”, afirmou.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que também esteve em Porto Alegre durante o Fórum Social Temático afirmou que vai pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma análise sobre o que chamou de “iniciativa desastrada de reintegração de posse do Pinheirinho”. Para o senador, não havia motivo para uma ação violenta “quando todos os caminhos indicavam a possibilidade de um melhor entendimento”.
A Polícia Militar cumpriu mandado de desocupação do Pinheirinho no domingo, 23 de janeiro, desabrigando um número de pessoas, que varia conforme a fonte da informação de seis mil a nove mil, no terreno que pertenceria à massa falida da empresa Selecta, do grupo do empresário Naji Nahas. Um efetivo de aproximadamente dois mil militares enfrentou os moradores. No dia 20 de janeiro, o Tribunal Regional Federal (TRF) havia suspendido a ordem de reintegração de posse do terreno, mas a Justiça estadual determinou a continuidade da ação.
Para Boaventura a esquerda deixou de pensar faz tempo 6l3p2d
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos afirmou que é fundamental mudar o ativismo político, a democracia e o desenvolvimento social para um modelo de autodeterminação. Um modelo ecologicamente sustentável que não é a economia verde. “O capitalismo nunca será verde exceto nas notas de dólar dos Estados Unidos”, ironizou. Para ele, alguns podem acreditar que tudo não a de uma utopia.
“No entanto, todas as utopias têm seu horário, que vem da crise, das oportunidades que as tornam possível. Esse é o horário das utopias realistas para a transformação do mundo. Nesse horário não podemos faltar”, disse Santos.
Para ele, as instituições democráticas já não satisfazem as aspirações dos cidadãos, mas existe algo mais do que isso. Entende que é um momento de crise profunda das instituições democráticas, que pode levar a uma nova forma de barbarismo, mas de oportunidades também. “Como construir esse novo momento não é fácil porque a democracia representativa virou as costas para as populações.
A esquerda social democrática esqueceu-se da distinção entre esquerda e direita. Assim, não nos surpreende que o anarquismo seja a única tradição europeia que ainda sobreviva no movimento dos indignados, que os movimentos dos indígenas e dos quilombolas nesse Continente nos perguntem qual a diferença entre esquerda e direita se ambas os golpeiam da mesma forma.”
Segundo Santos, o continente americano é o único local que se pode falar de socialismo no século 21. “Em nenhum outro Continente se fala disso hoje. Mas é também aquele Continente onde o DNA da esquerda continua sendo o extrativismo, a destruição da nossa terra mãe. Isso golpeia pequenos agricultores, indígenas e quilombolas e a destruição é cada vez mais grave e mais séria.
Portanto, temos que encontrar outro modelo e não pode ser de maneira leviana. Hoje 60% na economia do Equador, por exemplo, é do extrativismo. Não pode mudar de um dia para outro. Precisamos de uma nova teoria de transição.
Contra teorias elitistas
Não é a transição do feudalismo para o capitalismo, absorvido pelos movimentos de esquerda e teoria marxista.” Souza acredita numa transição do desenvolvimento insustentável para um modelo que não é de desenvolvimento, mas de autodeterminação dos povos a nível local, regional e nacional. Uma forma de defesa da globalização neoliberal.
Para isso, a sociedade terá várias tarefas pela frente, conforme ele. A primeira é um novo ativismo político do século 21, contra teorias elitistas de democracia. Para ele, a maioria esmagadora dos cidadãos é da sociedade civil não organizada, desprezada pelos movimentos sociais durante muito tempo.
“Os únicos espaços públicos que não estão colonizados pelo capitalismo financeiro são as praças, as ruas da Europa, do norte da África e Estados Unidos. Sabemos que neste momento a alternativa não é de partidos e movimentos sem o envolvimento das presenças coletivas nos espaços públicos para mostrar que a democracia em muitos países está nas mãos de falsos democratas. Portanto, temos que encontrar outras formas de refundar a democracia e o próprio estado.
A grande maldição da esquerda no século 20 foi transformar os militantes em funcionários. Por isso, temos que pensar na refundação dos partidos e da democratização interna dos movimentos sociais. Ou a democracia começa dentro dos movimentos sociais e dos partidos ou não começa nunca. A direita não precisa pensar porque o sistema econômico mundial pensa por ela, mas a esquerda tem que pensar e deixou de pensar já há algum tempo.”
Boaventura de Souza Santos participou do debate Os Sentidos da Democratização, na sexta-feira, 27, no teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, com a presença do governador Tarso Genro; ministro da Secretária-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; diretor geral do Le Monde Diplomatique e um dos construtores do Fórum Social Mundial, Bernard Cassen; representante Comitê Internacional do FSM, Francisco Whitaker, e o deputado estadual do PT, Adão Villaverde.
Livro mapeia a violência no campo 6z575f
Com a presença da ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos, foi lançado nesta manhã, no Memorial do Rio grande do Sul, a segunda edição do livro Retrato da Repressão Política no campo- Brasil 1962-1985, das jornalistas e pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ana Carneiro e Marta Cioccari, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Esta nova edição trás algumas correções e atualizações de dados, e introduz novas referências num trabalho que, em mais de trezentas páginas, torna público a violência, a censura e demais arbitrariedades perpetradas contra os trabalhadores do campo.
Para a realização do livro, as jornalistas – entre agosto e novembro de 2010 – fizeram um ampla pesquisa onde – além de contar com o apoio de uma rede de acadêmicos e pessoas ligadas aos problema fundiários – viajaram por todo o Brasil recolhendo depoimentos das vítimas, familiares, e outros testemunhos. O resultado, além de chocar pelas atrocidades apuradas, comprovou que a repressão no campo não ocorreu somente no período da ditadura militar.
Trata-se também, segundo a co-autora, Marta Cioccari, “de uma homenagem a saga de homens e mulheres que ergueram a bandeira da reforma agrária e lutaram pelos direitos dos trabalhadores da terra”. Agora, também patrocinado pelo MDA e pela Secretaria dos Direitos Humanos, elas darão continuidade ao trabalho publicando biografias individuais sobre os “heróis da luta pela reforma agrária no Brasil”.
Entre os homenageados, presentes no lançamento, estavam o cearense Francisco Blaudes de Souza Barros – filho de Pio Nogueira, um falecido líder camponês – e João Altair do Santos, filho de João Machado dos Santos, o João Sem Terra.
Blaudes, como é conhecido, sobreviveu ao conflito que ficou conhecido como a “chacina de Japuara”, ocorrida em Canindé, Ceará, em 1971, na qual foram mortos quatro agricultores. Para ele: “mais do que relembrar as injustiças, os sofrimentos, as humilhações feitas por latifundiários, jagunços, pistoleiros, e agentes governamentais da repressão, o livro também é um espelho de pessoas corajosas, um legado para as novas lutas de hoje”.
Já para João Altair dos Santos, cuja história do pai já foi retratada no livro A saga do João Sem Terra, de Carlos Wagner – a narrativa de um homem perseguido e torturado pela ditadura, cujo auto-exílio durou 25 anos –, este nova publicação ajuda a superar o trauma moral que, para ele, iniciou na infância, quando ainda não tinha defesas ou respostas. Santos conta que: “era proibido falar o nome do meu pai. Ele se escondeu no interior de Goiás, mudou de nome, casou novamente, assim como a minha mãe. Os dois já faleceram e, infelizmente, meu núcleo familiar original nunca mais se reagrupou”.
Presente também a oficina do FST – Direito a memória, a verdade e a justiça e o o as informações – que antecedeu ao lançamento do livro, a ministra Maria do Rosário salientou que o trabalho de Ana Carneiro e Marta Cioccari enfatiza lições de vida e trabalho, e que os camponeses, na luta pela terra e pela participação política, ainda não tiveram por parte do estado a atenção devida. Segundo a ministra:
“terra e poder sempre estiveram associados no Brasil. A repressão contra os trabalhadores rurais ocorre desde o período colonial. Este modo de agir, que persegue líderes sindicalistas, ainda esta em vigência, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, mas não só lá. São métodos que continuam a desafiar a democracia no Brasil. Mas não permanecerão. O povo também tem suas formas de enfrentamento. E o poder judiciário precisar ser mais efetivo em suas ações contra a impunidade”.
Por Francisco Ribeiro
A utopia do socialismo resiste através da Economia Solidária 4a4010
Coerente ao principal lema do FST, Um novo mundo é possível, a oficina proposta pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Educação e cultura na construção de uma economia solidária – realizada durante a tarde na Faculdade de Educação da UFRGS – atraiu cerca de 50 participantes provenientes de dez estados brasileiros. Trata-se, segundo os organizadores, de um número surpreendente, e mostra a força do movimento na sua luta para coletar um milhão e meio de s em todo o país para a criação, via Congresso Nacional, da Lei da Economia Solidária.
Durante a oficina o ponto crítico das discussões foi estabelecer uma relação entre educação e cultura, pois, afinal, como se vive uma economia solidária? “Autogestão, colaboração, e troca de conhecimentos, tecnologia, saberes e experiências entre os trabalhadores”, explicou uma das organizadoras do evento, a cientista social Rosana Kirsh, da Cáritas Brasileira.
Kirsh – que em 2007 apresentou uma dissertação de mestrado em Sociologia na Universidade de Brasília intitulada Incubação de empreendimentos da economia solidária e as implicações das relações de reciprocidade – salienta que a estratégia do FBES é “a implantação de uma sociedade socialista, via processo democrático, que tenha outros valores que não sejam o consumo desenfreado e a exploração, que estão destruindo o planeta”.
Para tanto, segundo Kirsh, a tática está em fomentar políticas públicas que incrementem uma educação e uma cultura que reforcem os valores coletivos, e a sustentabilidade na produção econômica: “no Brasil a autogestão é um sistema forte. Os casos de empreendimentos vitoriosos – associações e cooperativas, ou até mesmo empresas falidas que, uma vez assumidas pelos trabalhadores, se tornaram rentáveis – são inúmeros”.
Um desses exemplos é o singelo Grupo de beijuzeiras da Tapera Melão, de Irará, Bahia, narrado pela professora Andrea Marques, formado por típicas quitandeiras de uma comunidade quilombola que, organizadas, aram a fornecer beijus para a merenda escolar. Esta ação ocorreu dentro de uma política reforçar a territorialização cultural, agregando no cardápio alimentar pratos da culinária local. “Elas também souberam diversificar os beijus (panqueca de tapioca), oferecendo várias combinações de molhos e recheios, como o presunto, apreciadíssimos pelos estudantes”, salientou, com ar de gulosidade, a sorridente professora que, pela aparência, parece ser boa de garfo.
Tais coletivos, segundo a pedagoga matogrossense Marta Rodrigues, “são um bom exemplo de uma harmoniosa cadeia produtiva, sem exploradores ou explorados, que começa nos agricultores e termina nos estudantes, reforçando a interação entre educadores e educandos”.
Marta Rodrigues é uma cabocla forte, de coxas grossas, que, aos 36 anos, parece ter saído de um quadro de Cândido Portinari. Originária do MST, ela possui uma pequena propriedade rural no Mato Grosso, onde é professora, e integra a Associação dando às mãos, que reúne produtores rurais em prol da Economia Solidária. Orgulhosa, contou que, antes de vir para o FST, “pegou na enxada e capinou bastante, deixando tudo bonitinho para a sua volta para casa, a escola, os filhos e o marido”. Aqui, disse estar pronta para encontrar a presidente Dilma Rousseff: “a nossa identidade é a nossa força”, sentenciou, esbanjando energia, Marta Rodrigues, uma moderna camponesa brasileira.
Por Francisco Ribeiro
I da privataria pronta para sair do papel 675w36
Privataria Tucana, do jornalista Amaury Jr., com denúncias de corrupção nos governos do PSDB, não rendeu apenas o título de obra de não-ficção mais vendida do país. O livro que tem por objetivo, segundo o autor, ar a limpo este capítulo da história do Brasil, está sendo decisivo para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados.
Depois de afirmar que a I da Privataria tem “condições reais” de ser instalada, o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB/SP), que colheu as s necessárias para pedir a comissão, advertiu que as ruas e as redes sociais devem se mobilizar. Uma sugestão é de que sejam criados comitês regionais por centrais sindicais, sindicatos e associações da sociedade civil para manter o assunto na agenda e cobrar providências do Congresso. Ele previu que a decisão sobre a I não ocorrerá antes de março. As declarações foram feitas hoje (25), em Porto Alegre, após debate sobre o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., na sede do Sindicato dos Bancários/RS, evento incluído da pauta do Fórum Social Temático.
Protógenes entende que a postura de cobrança poderá definir a instalação da I destinada a investigar a suspeita de fraudes nas privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). O ex-presidente do Sindicato dos Bancários/RS, Jubelei Bacelo, e atual diretor da Federação dos Trabalhadores da Área Financeira, avisou que os bancários estão dispostos a participar do comitê. “Podemos nos mobilizar, realizar atos e montar banquinhas”, antecipou.
“Erro estratégico”
Duzentas pessoas lotaram o auditório do sindicato na tarde de quarta-feira. O que fez com que a organização do evento tivesse que instalar um telão em outra sala para acolher o público o restante do público. Outros cem internautas acompanharam o debate e formularam perguntas aos debatedores em uma sala virtual. Entre os convidados, além do deputado do PCdoB e do autor, também estavam o economista Luiz Gonzaga Beluzzo e a jornalista Maria Inês Nassif, ambos do site Carta Maior.
Beluzzo reparou que a “febre da privatização” nos anos 1980 e 1990 “nasceu da idéia de que o mercado é mais eficiente do que o Estado”. Notou que, antes de vender as empresas estatais, o governo federal as fragilizou, baixando as tarifas que cobravam e levando-as a tomar empréstimos no exterior. Tachou as privatizações como “um erro estratégico cometido por uma fração da classe dominante brasileira”.
“Poder de agenda”
Abordando o tema pelo viés do comportamento da grande imprensa, Maria Inês Nassif lembrou que, na década de 1990, a discussão sobre o assunto “foi interditada pela mídia neoliberal”, que acusava os opositores da desestatização de serem “dinossauros”. Acentuou que A Privataria Tucana “reintroduz um debate que foi interditado na época”.
Mesmo ressaltando o “poder de agenda” da mídia empresarial observou que, em alguns momentos, este bloqueio pode ser rompido. Como exemplos, citou o caso das Diretas Já – uma pauta que a imprensa de então “teve que engolir sem água” –, do episódio da reintegração de posse em Pinheirinho, em São José dos Campos/SP – cujas imagens de barbárie foram mostradas pela internet e “não precisamos da Rede Globo” – e o livro de Amaury Ribeiro Jr., um best-seller ignorado por quase todos os jornais, rádios e TVs mas com veiculação maciça nos blogs e sites.
Lista de Furnas
Para coibir a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, Amaury Ribeiro Jr. propôs uma nova legislação. Explicou que, atualmente, a lei brasileira só investiga lavagem de dinheiro após confirmar o crime que a antecedeu, o que impede o Estado de avançar na repressão. “É uma lei de segunda geração”, comentou. Indagado sobre o número de processos que está respondendo por conta do livro, foi sucinto: “Nenhum”. Também não sofreu ameaças de morte. Apenas ataques de alguns blogueiros. E do colunista Merval Pereira, de O Globo, há pouco entronizado membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Pereira disse que seu livro era “ficção”. Em troca, Ribeiro Jr. definiu o livro de Pereira, O Lulismo no poder, uma coletânea de textos, como “o maior encalhe editorial do mercado brasileiro”.
Ele reiterou que, de posse muita documentação, planeja um “Privataria II”. Proposta que ainda ganhará mais fôlego com a instalação da I. “Temos que contar a história do que aconteceu (nas privatizações)”. Mudando de tema, mas permanecendo na questão do desvio de dinheiro público, assinalou que “a lista de Furnas (com os nomes de políticos favorecidos com valores irregularmente entregues pela direção da estatal de energia elétrica durante o governo FHC) é verdadeira” e que “já existe um laudo da Polícia Federal que comprova isso”.
Por Ayrton Centeno e Sérgio Lagranha
Colaborou Carlos Matsubara
Fotos Ayrton Centeno e Sérgio Lagranha
ONGs debatem suas relações com o governo 5a1d2u
Nesta quarta-feira, entre os 33 grupos temáticos distribuídos, na parte da manhã, pelas faculdades do campus central da UFRGS, destacou-se o proposto pela entidade Fórum de ONG AIDS RS, que, na sala 25 da Faculdade de Economia, reuniu cerca de 20 representantes de ONGs de todo o Brasil – vinculadas a problemática da Saúde e, em especial, a AIDS – em torno do tema O paradoxo das relações entre as ONGs e os governos populares.
Em duas horas de exposições e debates, os representantes se posicionaram sobre a necessidade de um diálogo franco e aberto com o Ministério da Saúde e demais órgãos governamentais da área, para definir e implementar políticas públicas, sobretudo em relação a AIDS. Urge, segundo eles, a necessidade de uma mobilização nacional para a fixação de um marco regulatório coerente com aquilo que se espera ser uma política de saúde publica num governo popular.
Para Gérson Guimarães, do Instituto de Tecnologia Social de São Paulo, o paradoxo é que “após, em nível federal, três governos ditos populares, as políticas de prevenção a AIDS – a começar pela simples distribuição de camisinhas – estão muito tímidas. O atendimento ambulatorial, que ou a ser efetuado pelo SUS, caiu drasticamente”.
Segundo Guimarães, as ONGs precisam ter o aos canais governamentais de financiamento, pois prestam um trabalho essencial a população, principalmente aos que estão em situação de rua, e que, geralmente, não tem cartão do SUS: “as ONGs não burocratizam o atendimento. Além da prevenção – no caso da distribuição de camisinhas e da orientação para a prática de sexo seguro –, distribuem medicamentos, encaminhamentos ambulatoriais e, em casos extremos, hospitalização”.
Por Francisco Ribeiro