Coalisão legitima ataques ao califado 5a1n5s

José Antônio Severo A coalizão de países da região do Golfo Pérsico que estão se alinhando ao governo do Iraque para atracar as fortificações e comboios do chamado Estado Islâmico (EI) está dando a conformação da aliança política das monarquias arábicas que se compõem com Estados Unidos, França e Austrália para fustigar os extremistas que estão infernizando a vida das populações civis no Levante. A coalizão é integrada, além dos ocidentais, por aviadores da Arábia Saudita, Jordânia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Esses governos, chefiados por monarcas sunitas, dão legitimidade religiosa à essa aliança. As potências ocidentais estão pisando em ovos, procurando evitar que a emenda saia pior que o soneto: uma ação desastrada, como é comum ocorrer quando se metem naquela região, pode, em vez de aglutinar uma aliança, produzir uma onda de apoio aos jihadistas se for constatado que eles estariam sob pressão de exércitos de apóstatas, como dos xiitas de Bagdá, dos alauítas de Damasco e dos sufistas de Ancara. Sem falar dos “cruzados”, como apresentam os ocidentais. É significativo que os mais demonizados sejam os descendentes dos antigos francos que lideraram as Cruzadas e o Reino de Jerusalém, no Século XI, hoje chamados de “nojentos ses”. Para dar uma demonstração inequívoca de que os descendentes do profeta Maomé que ocupam os tronos das monarquias do Oriente Médio estão efetivamente  combatendo os fanáticos e consideram o EI uma heresia, a esquadrilha dos reis do golfo que voa ao lado dos F-22 norte-americanos e dos Rafale ses, tinha entre os pilotos duas figuras emblemáticas: na esquadrilha da Arábia Saudita voava o príncipe Khaled bi Salmann, filho do príncipe Salman bin Abdulaziz, herdeiro do trono de Riad; no comando da esquadrilha dos Emirados estava nada menos que uma mulher, a major Marian Al Massour. Mandar uma mulher dar umas bordoadas num jihadista é a maior humilhação a que se lhes pode submeter. (Também aí uma dúvida: Marian, que vem de maria, não é nome muçulmano tradicional). Portanto, uma novidade e que vai pegar bem junto às feministas do ocidente. Para as operações terrestres, por enquanto, as potências ocidentais (EUA, França e Alemanha) estão armando os curdos, que também são sunitas. Ou seja: sunitas combaterem sunitas é aceitável. O que não se pode ainda é mandar para o front as tropas xiitas do Exército de Bagdá. O governo central do Iraque tem de esperar observado de longe enquanto seus vizinhos sunitas soltam seus aviões sobre o EI. As bombas sunitas são aceitáveis; as xiitas são apóstatas. O novo governo iraquiano está procurando uma composição com as tribos sunitas para só depois recrutar sunitas para seu exército. Até lá, as tropas que protegem Bagdá, compostas por xiitas, apenas observam os acontecimentos esperando novas ordens do seu governo. É por isto que Barak Obama diz que a guerra será longa. A única forma de resolver de forma satisfatória é deixar que a crise seja debelada pelos próprios sunitas. Qualquer interferência será desastrosa e servirá apenas para acelerar o recrutamento de jihadistas. O que pode ser feito no Exterior é evitar, sempre que possível, que nos fanáticos se desloquem para engrossar os contingentes do EI. Segundo informações, há 30 mil homens em armas, 15 mil estrangeiros, o que não significa que todos esses estejam indo do Ocidente. A maior parte é árabe de lá mesmo, naturais dos reinos da coalizão. De fora são jovens recrutados em madraças na Europa Ocidental, Estados Unidos, Canadá, Rússia (em ex-repúblicas transcaucasianas da antiga União Soviética), Balcãs e Austrália. Também há gatos pingados de toda a parte onde haja muçulmanos sunitas, porém são lutadores individuais que chegam ali por conta própria. Os demais são sírios e iraquianos desertores dos exércitos nacionais dos dois países ou simplesmente rebeldes políticos. Essa posição moderada de Obama, sugerindo que a guerra civil se limite aos crentes sunitas, também limita o território da luta, embora não se possa descartar que outros extremistas provoquem atentados e confusão fora da região do conflito. Neste caso, a Rússia corre maior perigo que a Europa Ocidental, pois os fanáticos muçulmanos dalí são mais perigosos e numerosos do que os emigrantes árabes no Ocidente. Para o presidente Vladimir Putin, também é melhor que os jihadistas estejam combatendo Bashar Assad. Nos próximos dias essa questão terá contornos mais definidos. Por enquanto há apoio, aceitação ou simples expectativa dos demais países da ONU. 2i3255

O brasileiro seduzido pelo grupo extremista Estado Islâmico 4b4v4j

José Antônio Severo  
Apareceu o primeiro brasileiro nas fileiras do Estado Islâmico, aquela força multinacional que invadiu o Iraque e a Síria para restabelecer o califado de Bagdá, extinto pelo grão mongol Hugalu, em 1258. Abu Qassen Brazili, que tinha o nome cristão de Brian de Mulder, cidadão belga filho da brasileira Rosana Rodrigues, natural de Antuérpia, na Bélgica, é que defende as cores da camiseta canarinho nas hostes de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do movimento sunita que tem como meta estratégica restabelecer as antigas fronteiras do império Abássida, que começavam no Irã, abarcando todo o oriente médio, o norte da África e a Península Ibérica.
Brian é um caso bem típico de descendente de imigrante, vidrado na cultura de seus ancestrais, no caso de sua mãe brasileira, doente por futebol, falante em português, que tentou a carreira da bola, mas não deu no couro. Deprimido, aos 17 anos de idade foi cooptado pelos muçulmanos belgas e trocou Jesus Cristo por Maomé e Deus Pai por Alá. É o que conta sua genitora Rosana, desesperada, esperando saber a qualquer momento que seu menino explodiu e esfarelou-se como homem bomba. Entretanto, pelo menos enquanto estiver em Alepo (Síria), onde ficou sabendo que ele está não explode, pois ali se espera que ele seja um combatente convencional, de arma na mão.
A Bélgica é o maior celeiro de jihadistas ocidentais. Estima-se que no Levante estejam 300 belgas combatendo ao lado dos extremistas islâmicos dos países muçulmanos tradicionais.
Essa história do califado é importante porque nela está a origem desta guerra contemporânea, que se perde nos confins da idade média ocidental, mas coincide com o apogeu da civilização árabe. Com a destruição do califado os árabes foram dominados pelos mongóis e, a seguir, pelos turcos, só recuperando sua independência política depois da Primeira Guerra Mundial, ando por uma transição colonial europeia bem curta, é verdade, se considerarmos que os ses e ingleses controlaram aqueles estados por menos de 50 anos, tempo ínfimo numa história que já mais para mais de um milênio de submissão forçada.
A origem dessa briga é a destruição da dinastia omíada, xiita, com sede em Damasco, que comandava o mundo muçulmano. Não é por acaso que os restauradores do califado marcham sobre a capital da Síria procurando recuperar a mística da conquista histórica do califado de Bagdá.
Tudo começou em 750. O líder sunita al-Mansur, unindo as tribos do deserto e seus senhores da guerra, caudilhetes do Levante, destronou os descendentes do sheik Ali, marido da filha de Maomé, Fátima, e fundou o califado, ou seja, seu império. Autodenominou-se califa, que é um sinônimo de rei no sentido muçulmano, chefe de estado e da religião, como a rainha da Inglaterra ou o imperador do Japão, que são chefes de estado e chefes das igrejas nacionais.  Construiu sua capital, Bagdá (que significa “A Cidade da Paz”) nas proximidades da antiga Babilônia e deu curso ao extermínio dos fatimídias, impondo a hegemonia sunita e criando a guerra irreconciliável até hoje. Nunca houve convívio entre sunitas e xiitas. A regra é a submissão dos derrotados.
No entanto, nos últimos séculos, sunitas e xiitas árabes foram abafados sob a hegemonia turca. A hostilidade sectária parecia adormecida, pois o poder do estado estava em mãos de outra facção, a dissidência sufista de Istambul, que não é nem uma coisa nem outra. Tudo isto, uma questão de mil está abalando a cabeça do meio brasileiro Brian.
A questão é que o califado não é, como muita gente pensa, um grupo homogêneo, com liderança e comando centralizado, algo que lembrasse as brigadas internacionais da Guerra Civil espanhola. Além disso, para quem vê de fora, tampouco é uma luta nacional de árabes contra ocidentais ou, mais ainda, rebeldes contra governos de seus países. De fato, é um conflito interno de sunitas contra as demais facções muçulmanas, sem distinção de fronteiras, entremeado por rivalidades internas dos dois de todos os lados.
Por isto há tanto receio dos países europeus e dos Estados Unidos de botar a mão nessa cumbuca. Na resistência ao ocidente, que poderia ser um fator para unir a todos contra um inimigo comum, o proselitismo remete à Idade Média. O porta voz do califado, Abu Muhammad al-Adami, ao desafiar Barak Obama, por exemplo, denominou o presidente americano de “mula dos judeus”. Isto tem um significado que pode surpreender, porque ao chamar Obama de “mula” ele não está se referindo ao simpático híbrido que tanto contribuiu para o transporte no Brasil colonial, mas evocava uma expressão do dialeto árabe da Mauritânia usado na região do al-Graheb, hoje aportuguesado para Algarve, para denominar os cristãos que viravam a casaca, oferecendo-se para se converterem ao islamismo nos tempos da dominação moura da Península Ibérica. Esses “muçulmanos-novos” eram denominados “mahalati”, de onde surgiu a palavra “mulato”, usada pelos muçulmanos da África sub saariana para chamar os filhos de brancos com pretos, no tempo das navegações, comparando-os a ao estranho animal resultante dos cruzamentos de cavalos com jumentos, sem sentido pejorativo. Portanto, ao chamar Obama de “mula dos judeus” está dizendo que o presidente norte-americano, um cristão, está se ando para o judaísmo religioso. Portanto, é uma “mula”.
Por outro lado, os líderes ocidentais estão relutantes em armar os exércitos de Bagdá, porque o novo governo, controlado pelos xiitas, favoreceria a unidade dos sunitas contra o governo legal do Iraque. A estratégia é obrigar o governo a formar uma coalização com sunitas antes de atacar o califado. Isto é tão difícil quanto apoiar o presidente Assad, da Síria, da seita alauíta que, com o apoio dos cristãos locais, está enfrentando o califado com objetivos puramente sectários, sem motivações da guerra fria. Putin manda armas para Assad resistir, pois assim os jihadistas chechenos ficarão no Levante, deixando os russos em paz por algum tempo.

Um califado desafia o ocidente 543r8

José Antonio Severo
A degola de mais um ocidental pela faca afiada de Jiad John, como se chama o degolador do Estado Islâmico da Síria e Iraque (ISIS em inglês) é mais um o de reforço à campanha para atrair tropas terrestres ocidentais para o sub-front da guerra civil árabe no Levante.
Com isto, os combatentes do califado querem fortalecer o fantasma do inimigo externo ainda bem viva, evocando uma unidade milenar para combater os odiados “franjs”, ou os cruzados,  que,  vindos de toda a Europa cristã, tomaram e ocuparam por mais de 100 anos a atual Palestina no início do milênio ado.
A morte de dois americanos teve força para levantar o clamor da opinião pública nos Estados Unidos, mas não o suficiente para Barak Obama mandar seus Boinas Verdes para lá.
O assassinato ritual e público pela internet de um inglês objetiva mobilizar a David Cameron, o primeiro ministro britânico, que também faz corpo mole enquanto corre para estancar a onda separatista da Escócia.
A verdade é que as opiniões pública norte-americana e britânica (de todo o Ocidente, diga-se) pedem ações contundentes contra os jihadistas, mas também não apoiam o reinício da guerra formal com a participação de soldados em terra.
Aviões e bombinhas, tudo bem. Não mais que isto.
Os líderes anglo-americanos estão em palpos de aranha, pois essa questão do califado é bem mais complexa e nebulosa do que se vê a olho nu.
Assim como foi no caso do Talibã no Afeganistão, armado pelos norte-americanos para combater os soviéticos no âmbito da guerra fria, também o ISIS é um saco de escorpiões, aranhas cobras e todo o tipo de bichos brabos e peçonhentos. É complicado meter a mão dentro dessa cumbuca.
Algumas pistas se podem tirar da própria imprensa da Arábia Saudita, a nação mãe da guerra santa atual, iniciada ainda na Primeira Guerra, insuflado pelo arqueólogo inglês T.E. Lawrence,  pelo primeiro rei Faiçal, príncipe de Meca, sacerdote mor do islamismo waabita, descendente direto do Profeta Maomé e guardião dos lugares sagrados, e que deu seu nome ao País, Saud.
Vou transcrever algumas partes de uma matéria do jornalista saudita Rasheed Abu-Alsamh, muito esclarecedora desta confusão, e que deve ser lida cuidadosamente porque naquele país é muito arriscado escrever com todas as letras.
Ele fala do que se diz em Riad (que ele escreve Jiad) sobre o exército do ESIS:
“É a velha esquizofrenia da qual muitos sofrem aqui. De um lado há aqueles que dizem que o Estado Islâmico é uma invenção dos EUA, apontando para o fato de que alguns deles, de fato, tiveram treinamento militar dos americanos e britânicos na Jordânia no ano ado. É claro que esse treinamento foi dado levando-se em consideração serem eles parte da oposição supostamente mais moderada ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad. Infelizmente esses elementos se juntaram ao Estado Islâmico que, com sua matança indiscriminada de minorias religiosas e muçulmanos xiitas e mesmo de sunitas, se mostrou bem extremista”.
Este é um lado da confusão: muitos jihadistas foram criados pela CIA e pelo M5.
Por outro lado, dizia outro jornalista árabe saudita, o colunista político Saad al-Dosari, do jornal Arab News: “A coisa preocupante é que nós, sauditas não parecemos estar longe de tudo isto”, e acentua que as células dos terroristas do califado recrutam no país jovens para formar nas milícias, muitos com apenas 15 anos, e levam para o Iraque para se incorporarem às tropas.  Ele destaca, também com cuidado, pois está mexendo em casa de marimbondo, que o monarca saudita é ambíguo: “O rei saudita Abdullah durante uma cerimônia em que novos embaixadores no reino lhe apresentavam credenciais, disse a eles, num discurso, que a ameaça do Estado Islâmico tinha de ser levada a sério. Caso contrário eles iriam chegar às portas da Europa em um mês e às portas dos Estados Unidos dentro de dois meses. Mas não ouvimos quaisquer planos dos sauditas de usarem seus caças F 16 para bombardear as posições dos terroristas do Estado Islâmico no Iraque, como alguns comentaristas norte-americanos têm pedido”.
O jornalista Abou-Alsamh lembra que os estados do golfo têm interferido nos conflitos regionais, lembrando dos ataques dos aviões dos Emirados contra Trípoli, na Líbia (ele não fala do apoio do Qatar aos Hamas, na guerra contra Israel, há semanas) e vêm conversando com o Irã, que é o arqui-inimigo dos sauditas na geopolítica regional. Inclusive viu-se uma cena impensável até então, que foi a visita do chanceler iraniano a Riad para conferenciar com o ministro do Exterior saudita, príncipe Saud al-Faiçal, a fim de articular ações conjuntas relativas ao Estado  Islâmico.
Vejam como é essa briga de foice no escuro: sauditas e iranianos são inimigos na crise síria, porque o Irã apoia Bashar e os sauditas financiam e armam os rebeldes; Já os dois países teocráticos se aliam para combater o califado, pois o ESIS pretende, reabilitando o califado de Bagdá, derrubar a todos os demais regimes (que eles chamam de fronteiras artificiais). Então, eles podem atuar em todos os países da região e do mundo.
Isto não é tudo, como diz o jornalista Abou-Alsamh: “Mas todos estão bem cientes da duplicidade do regime sírio em suas relações com o Estado Islâmico, que combate, mas, ao mesmo tempo, compra seu petróleo e lhe vende armas”. Isto mesmo: a Síria financia o ESIS comprando o petróleo iraquiano que caiu em poder do califado na região de Mossul. Com este dinheiro os jihadistas compram armamentos, de quem? Do governo sírio de Bashar al-Assad, que sabe que tais armas serão usadas contra ele, mas também contra as demais oposições que lhe fazem guerra.
É por isto que Obama hesita e que Cameron não quer mandar seus “Tommies” mais uma vez para os desertos do Levante. Então os jihadistas chamam Jiad John para degolar mais um para fazer a opinião pública empurrar seus líderes para o front. Claro, com as grandes potências em campo a guerra ganha novas proporções e vai correr mais dinheiro. No outro lado do Mar Negro, quietinho, Vladimir Putin espera com as barbas de molho espera o momento em que será também arrastado para o mesmo lado os demais ocidentais, quando seus muçulmanos chechenos se apresentem para entrar em campo. Só depois disso muita gente vai entender que não se pode analisar o oriente médio pelo modelo da antiga e extinta guerra fria. Será interessante ver os russos se alinhando com os europeus para conter os muçulmanos dentro de suas próprias fronteiras, como prevê o rei Abdullah, insuflando a guerra no Iraque para que os fanáticos deixem os subúrbios de suas capitais para irem se martirizar nas areias do deserto no Levante.
 

Faixa de Gaza: "Quem é o inimigo?" 4b5v6k

Todos têm a sua própria opinião para explicar os massacres cometidos pelo Estado de Israel em Gaza. Enquanto nos anos 70 e 80, se via nisso uma manifestação do imperialismo anglo-saxónico, hoje muitos interpretam-no como um conflito entre judeus e árabes.
Debruçando-se sobre este longo período —quatro séculos de História —, Thierry Meyssan, consultor junto a vários governos, analisa a origem do sionismo, as suas reais ambições, e determina quem é o inimigo.
A guerra, que prossegue sem interrupção desde há 66 anos na Palestina, conheceu uma nova agudização com as operações israelitas “Guardiões dos nossos irmãos”, seguida de “Rochedo de Firmeza” (traduzido estranhamente na imprensa ocidental por “Borda protetora”).
À vista, Telavive —que escolheu instrumentalizar o desaparecimento de três jovens israelenses para lançar estas operações e “arrancar o Hamas pela raiz” afim de explorar o gás de Gaza, conforme o plano enunciado em 2007 pelo atual ministro da Defesa [1] — foi surpreendido pela reação da Resistência. A Jihade islâmica respondeu como o envio de foguetes de médio alcance, muito difíceis de interceptar, que se somaram aos lançados pelo Hamas.
A violência dos acontecimentos, que custaram já a vida a mais de 1.500 Palestinos e 62 israelenses (embora os números israelenses sejam submetidos à censura militar e estejam provavelmente diminuídos), levantou uma onda de protestos no mundo inteiro. Além dos seus 15 membros, o Conselho de Segurança, reunido a 22 de julho, deu a palavra a 40 outros Estados que entenderam exprimir a sua indignação diante do comportamento de Telavive e da sua «cultura de impunidade». A sessão, em lugar de durar as 2 horas habituais, durou assim 9 [2].
Simbolicamente, a Bolívia declarou Israel «Estado terrorista» e revogou o acordo de livre-circulação que o abrangia. Mas, de um modo geral, as declarações de protesto não foram seguidas de uma ajuda militar, à excepção das do Irã e simbolicamente da Síria. Ambos apoiam a população palestina via Jihad islâmica, ramo militar do Hamas (mas não o seu ramo político, que é membro dos Irmãos muçulmanos), e a FPLP-CG.
Contrariamente aos antecedentes (operações “Chumbo Fundido” em 2008 e “Coluna de nuvem negra” em 2012), os dois Estados que protegem Israel no Conselho (os Estados-Unidos e o Reino-Unido), fizeram vista grossa à elaboração de uma declaração do presidente do Conselho de segurança sublinhando as obrigações humanitárias de Israel [3]. De fato, para lá da questão fundamental de um conflito que dura desde 1948, assiste-se a um consenso para condenar no mínimo o recurso de Israel a um emprego desproporcionado da força.
No entanto, este aparente consenso mascara análises muito diferentes: certos autores interpretam o conflito como uma guerra de religião entre judeus e muçulmanos; outros vêem nela, pelo contrário, uma guerra política segundo um esquema colonial clássico.
Que se deve pensar a propósito?
O que é o sionismo?
A meio do século XVII, os calvinistas britânicos agruparam-se em torno de Oliver Cromwell e pam em causa a fé e a hierarquia do regime. Depois de terem derrubado a monarquia anglicana, o “Lorde protetor” pretendeu permitir ao povo inglês conseguir a pureza moral necessária para atravessar uma tribulação de 7 anos, acolher o retorno de Cristo, e viver pacificamente com ele durante 1.000 anos (o “Milénio”). Para conseguir realizar isto, segundo a sua interpretação da Bíblia, os israelitas deviam ser dispersos pelos confins da terra, depois reagrupados na Palestina e aí reconstruir o templo de Salomão. Nesta base, ele instaurou um regime puritano, levantou em 1656 a interdição posta aos israelitas de se instalarem em Inglaterra, e anunciou que o seu país se comprometia a criar, na Palestina, o Estado de Israel [4].
Tendo a seita de Cromwell sido, por seu turno, derrubada no final da «Primeira Guerra civil inglesa», os seus partidários mortos ou exilados, e a monarquia anglicana restabelecida, o sionismo (quer dizer o projeto de criação de um Estado para os israelitas) foi abandonado. Ele ressurgiu no século XVIII com a “Segunda Guerra civil inglesa”, (segundo a nomenclatura dos manuais de História do secundário no Reino-Unido), que o resto do mundo conhece como a «guerra de independência dos Estados-Unidos» (1775-83). Contrariamente a uma ideia feita, esta não foi uma ação empreendida em nome do ideal das Luzes, que animou alguns anos mais tarde a Revolução sa, mas sim financiada pelo rei de França e encetada por motivos religiosos ao grito de “o Nosso Rei, é Jesus!”.
George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, para citar apenas estes, apresentaram-se como os sucessores dos partidários exilados de Oliver Cromwell. Os Estados-Unidos retomaram, pois, logicamente o seu projeto sionista.
Em 1868, em Inglaterra, a rainha Victoria designou como Primeiro-ministro, o judeu Benjamin Disraeli. Este propôs-lhe conceder alguns direitos aos descendentes dos partidários de Cromwell, de maneira a poder apoiar-se sobre todo o povo para estender o poder da Coroa no mundo. Sobretudo, propôs aliar-se à diáspora judia para conduzir uma política imperialista da qual ela seria a guarda-avançada. Em 1878, ele fez inscrever «a restauração de Israel» na ordem do dia do Congresso de Berlim sobre a nova partilha do mundo.
É sobre esta base sionista que o Reino-Unido restabelece as boas relações com as suas antigas colonias tornadas Estados-Unidos, no seguimento da “Terceira Guerra civil inglesa” —conhecida nos Estados-Unidos como a «guerra civil americana», e na Europa continental como a «guerra de Secessão» (1861-65)— que viu a vitória dos sucessores dos partidários de Cromwell, os WASP (White Anglo-Saxon Puritans- inglês para: «Brancos Anglo-Saxónicos Puritanos»-ndT) [5]. Uma vez mais, ainda, é erradamente que se fala deste conflito como uma luta contra a escravatura quando 5 Estados do Norte a mantinham, na altura, também.
Até quase ao final do século XIX o sionismo é, pois, apenas um projeto puritano anglo-saxónico, ao qual só uma elite judia adere. Ele é fortemente condenado pelos rabinos, que interpretam a Torá como uma alegoria e não como um plano político.
Entre as consequências atuais desses fatos históricos, temos de itir que se o sionismo visava a criação de um Estado para os israelitas, ele é também o fundamento da existência dos Estados Unidos. Portanto, a questão de se saber se as decisões políticas, de conjunto, são tomadas em Washington ou em Telavive tem apenas um interesse relativo. É a mesma ideologia que está no poder em ambos os países. Além disso, tendo o sionismo permitido a reconciliação entre Londres e Washington, colocá-lo em causa é o mesmo que atacar esta aliança, a mais poderosa do mundo.
A adesão do povo judaico ao sionismo anglo-saxão
Na historiografia oficial de hoje, costuma-se ignorar o período dos XVIIo-XIXo séculos e apresentar Theodor Herzl como o fundador do sionismo. Ora, de acordo com publicações internas da Organização Sionista Mundial, este ponto é igualmente falso.
O verdadeiro fundador do sionismo moderno não era judeu, mas cristão dispensionalista. O reverendo William E. Blackstone foi um pregador americano, para quem os verdadeiros cristãos não teriam de ar pelas provações no final dos tempos. Ele pregou que estes seriam levados para o céu durante a batalha final (a “ascensão da Igreja”, em Inglês “the rapture”). Na sua opinião, os judeus travariam esta batalha e sairiam dela, ao mesmo tempo, convertidos a Cristo e vitoriosos.
Foi a teologia do reverendo Blackstone, que serviu de base ao apoio incondicional de Washington para a criação de Israel. E, isso, muito antes do AIPAC (o lobby pró-Israel) ter sido criado e ter tomado o controle do Congresso. Na realidade, o poder do lobby não resulta tanto do seu dinheiro e da sua capacidade de financiar campanhas eleitorais, mas mais desta ideologia sempre presente nos EUA [6].
A Teologia do arrebatamento por muito estúpida que possa parecer é, hoje em dia, muito poderosa nos Estados Unidos. Ela representa um fenômeno na literatura e no cinema (veja-se o filme Left Behind, com Nicolas Cage, que será exibido a partir de outubro).
Theodor Herzl era um irador do magnata dos diamantes Cecil Rhodes, o teórico do imperialismo britânico e fundador da África do Sul, da Rodésia (à qual deu o seu nome) e da Zâmbia (ex-Rodésia do Norte). Herzl não era judeu (no sentido em que não praticava a fé do judaísmo -ndT), e não havia circuncidado o seu filho. Ateu, como muitos burgueses europeus do seu tempo, ele preconizou primeiro a assimilação dos judeus por conversão ao cristianismo. No entanto, retomando a teoria de Benjamin Disraeli, ele chegou à conclusão que a melhor solução era envolvê-los no colonialismo britânico, criando um Estado judaico no atual Uganda ou na Argentina. Ele seguiu o exemplo de Rhodes quanto à compra de terras e na criação da Agência Judaica.
Blackstone conseguiu convencer Herzl a juntar as preocupações dos dispensionalistas às dos colonialistas. Bastava, para isso, encarar a criação de Israel na Palestina e multiplicar as referências bíblicas a propósito. Graças a esta ideia bastante simples, eles conseguiram fazer aderir a maioria dos judeus europeus ao seu projecto. Hoje, Herzl está enterrado em Israel (no Monte Herzl), e o Estado colocou no seu caixão A Bíblia anotada que Blackstone lhe havia dado.
O sionismo nunca teve, pois, como objetivo «salvar o povo judeu, dando-lhe um lar», mas sim fazer triunfar o imperialismo anglo-saxónico envolvendo nisso os israelitas. Além disso, não só o sionismo não é um produto da cultura judaica (no sentido de fé, tradições, costumes etc..), como a maioria dos sionistas nunca foi judaica, enquanto a maioria dos israelenses sionistas não são judeus. As referências bíblicas omnipresentes no discurso oficialista israelense, não refletem o pensamento da parte crente do país e são destinadas, acima de tudo, a convencer a população dos EUA.
Foi neste período que se criou o mito do povo judeu. Até então, os judeus consideravam-se como pertencendo a uma religião e itiam que os seus membros europeus não eram os descendentes dos judeus da Palestina, mas sim populações convertidas no decurso da história [7].
Blackstone e Herzl fabricaram artificialmente a ideia segundo a qual todos os judeus do mundo seriam descendentes dos antigos judeus da Palestina. Portanto, a palavra judeu aplica-se não apenas à religião dos israelitas, mas designa também uma etnia. Ao basearem-se numa leitura literal da Bíblia, eles tornaram-se os beneficiários de uma promessa divina sobre a terra palestina.
O pacto anglo-saxão para a criação de Israel na Palestina
A decisão de criar um Estado judaico na Palestina foi tomada em conjunto pelos governos britânico e norte-americano. Ela foi negociada pelo primeiro juiz judaico no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Louis Brandeis, sob os auspícios do reverendo Blackstone e foi aprovada tanto pelo presidente Woodrow Wilson, como pelo primeiro-ministro David Lloyd George, na esteira dos acordos franco-britânicos Sykes-Picot de partilha do “Próximo-Oriente”. Este acordo foi sendo progressivamente revelado ao público.
O futuro Secretário de Estado para as Colónias, Leo Amery, foi encarregado de enquadrar os antigos membros do “Zion Mule Corps” (Corpo sionista de transporte com mulas) para criar, com dois agentes britânicos Ze’ev Jabotinsky e Chaim Weizmann, a “Legião Judaica” no seio do exército britânico.
O ministro das Relações Exteriores(Negócios Estrangeiros), Lord Balfour, enviou uma carta aberta a Lord Walter Rothschild comprometendo-se a criar um «lar nacional judaico» na Palestina (2 de novembro de 1917). O presidente Wilson incluiu entre os seus objetivos de guerra oficiais, (o n ° 12 dos 14 pontos apresentados ao Congresso a 8 de janeiro de 1918), a criação de Israel [8].
Portanto, a decisão de criar Israel não tem nenhuma relação com a destruição dos judeus da Europa, sobrevinda duas décadas mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial.
Durante a Conferência de paz de Paris, o Emir Faiçal (filho do xerife de Meca, e mais tarde rei do Iraque britânico) assinou, a 3 de janeiro de 1919, um acordo com a Organização Sionista, comprometendo-se a apoiar a decisão anglo-saxônica.
A criação do Estado de Israel, que foi feita contra a população da Palestina, foi, pois, também feita com o acordo dos monarcas árabes. Além disso, à época, o xerife de Meca, Hussein bin Ali, não interpretava o Alcorão à maneira do Hamas. Ele não pensava que «uma terra muçulmana não pudesse ser governada pelos não-muçulmanos».
A criação jurídica do Estado de Israel
Em maio de 1942, as organizações sionistas realizaram o seu congresso no Hotel Biltmore, em Nova Iorque. Os participantes decidiram transformar o «lar nacional judaico» da Palestina em “Commonwealth Judaica” (referindo-se à Commonwealth com a qual Cromwell havia substituído brevemente a monarquia britânica), e autorizar a imigração em massa de judeus para a Palestina. Num documento secreto, foram especificados três objectivos: “(1) o Estado judeu englobaria a totalidade da Palestina e, provavelmente, a Transjordânia; (2) o deslocamento das populações árabes para o Iraque e (3) a tomada em mãos pelos judeus dos sectores do desenvolvimento e do controlo da economia em todo o Médio-Oriente”.
A quase totalidade dos participantes ignorava, então, que a «solução final da questão judaica» (die Endlösung der Judenfrage) tinha justamente começado, secretamente, na Europa.
Em última análise, ao o que os britânicos não sabiam como haviam de satisfazer quer os judeus, quer os árabes, as Nações Unidas (que então tinham apenas 46 Estados-membros) propam um plano de partilha da Palestina, a partir das indicações de que os Britânicos lhe haviam fornecido. Deveria ser criado um Estado bi-nacional compreendendo um Estado judeu, um Estado árabe, e uma área “sob regime internacional especial” para istrar os lugares santos (Jerusalém e Belém). Este projeto foi aprovado pela Resolução 181 da Assembleia Geral [9] .
Sem esperar pelo resultado das negociações, o presidente da Agência Judaica, David Ben Gurion, proclamou, unilateralmente, o Estado de Israel, imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos. Os árabes do território israelense foram colocados sob lei marcial, os seus movimentos foram restringidos e os seus aportes confiscados. Os países árabes recém-independentes intervieram. Mas, sem exércitos devidamente constituídos, foram rápidamente derrotados. No decurso desta guerra, Israel procedeu a uma limpeza étnica e forçou, pelo menos, 700.000 árabes a fugir.
A ONU enviou como mediador, o conde Folke Bernadotte, um diplomata sueco que salvou milhares de judeus durante a guerra (2ª guerra mundial). Ele descobriu que os dados demográficos, fornecidos pelas autoridades britânicas, estavam falseados e exigiu a plena implementação do Plano de Partilha da Palestina. Ora, a Resolução 181 implicava o retorno dos 700. 000 árabes expulsos, a criação de um Estado árabe e a internacionalização de Jerusalém. O enviado especial da Onu foi assassinado, a 17 de setembro 1948, por ordem do futuro primeiro-ministro, Yitzhak Shamir.
Furiosa, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 194, que reafirma os princípios da Resolução 181 e, além disso, proclama o direito inalienável dos palestinianos a voltar para suas casas e a ser indenizados pelos prejuízos que acabavam de sofrer [10].
Entretanto, Israel, tendo prendido os assassinos de Bernadotte, tendo-os julgado e condenado, foi aceite no seio da Onu com a promessa de honrar as resoluções. Mas, tudo isso não ava de mentiras. Logo após os assassinos foram anistiados, e o atirador tornou-se o guarda-costas pessoal do primeiro-ministro David Ben Gurion.
Desde a sua adesão à Onu Israel não parou de violar as resoluções, que se acumularam na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança. Os seus laços orgânicos com dois membros do Conselho, dispondo do direito de veto, colocam-no à margem do direito internacional. Tornou-se um Estado offshore, permitindo aos Estados Unidos e ao Reino Unido fingir respeitar ambos o direito internacional, enquanto o violam a partir deste pseudo-Estado.
É absolutamente errado pensar que o problema colocado por Israel só envolve o Médio-Oriente. Hoje em dia, Israel atua militarmente em qualquer lugar do mundo, sob a capa do imperialismo anglo-saxônico. Na América Latina, foram agentes israelenses que organizaram a repressão durante o golpe contra Hugo Chavez (2002) ou o derrube de Manuel Zelaya (2009). Em África, eles estavam presentes, por todo o lado, durante a guerra dos Grandes Lagos, e organizaram a prisão de Muammar el-Qaddafi. Na Ásia, eles dirigiram o assalto e o massacre dos Tigres Tamil (2009), etc. Em todos os casos, Londres e Washington juram não ter nada a ver com tais assuntos. Além disso, Israel controla muitos meios de comunicação e instituições financeiras (tal como a Reserva Federal dos Estados Unidos).
A luta contra o imperialismo
Até à dissolução da URSS era óbvio para todos, que a questão israelita destacava-se na luta contra o imperialismo. Os palestinianos eram apoiados por todos os anti- imperialistas do mundo – até os membros do Exército Vermelho japonês — que vinham bater-se ao seu lado.
Atualmente, a globalização da sociedade de consumo, e a perda de valores que se lhe seguiu, fez perder a consciência do caráter colonial do Estado hebreu. Somente os árabes e muçulmanos se sentem postos em causa. Eles mostram empatia com o sofrimento dos palestinos, mas ignoram os crimes de Israel no resto do mundo, e não reagem aos outros crimes imperialistas.
No entanto, em 1979, o aiatola Ruhollah Khomeini explicava aos seus fieis iranianos, que Israel não era senão como uma boneca nas mãos dos imperialistas e o único verdadeiro inimigo era a aliança dos Estados Unidos e do Reino Unido. Por ter enunciado esta simples verdade, Khomeini foi caricaturado no Ocidente e os xiitas foram apresentados como heréticos no Oriente. Hoje em dia, o Irã é o único Estado no mundo a enviar maciçamente armas e conselheiros para ajudar a Resistência palestina, enquanto os regimes sionistas árabes debatem amavelmente, por vídeo-conferência, com o presidente israelita durante as reuniões do Conselho de Segurança do Golfo [11].
Thierry Meyssan
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[1] «A extensão da guerra do gás no Levante», por Thierry Meyssan, Al- Watan/Rede Voltaire , 21 de julho de 2014.
[2] « Réunion du Conseil de sécurité sur le Proche-Orient et l’offensive israélienne à Gaza » (Fr-«Reunião do Conselho de Segurança sobre o Próximo-Oriente e a ofensiva israelita na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 22 juillet 2014.
[3] « Déclaration du Président du Conseil de sécurité sur la situation à Gaza » (Fr-«Declaração do Presidente do Conselho de Segurança sobre a situação na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 28 juillet 2014.
[4] Sobre a história do sionismo há que reportar-se ao capítulo correspondente, («Israel e os anglo-saxões»), do meu livro A Terrível impostura 2, manipulações e desinformações, Edition Alphée, 2007. Os leitores encontrarão lá numerosas referências bibliográficas .
[5] The Cousins’ Wars : Religion, Politics, Civil Warfare and the Triumph of Anglo- America, Kevin Phillips, Basic Books (1999) (Ing-«As Guerras dos Primos: Religião, Política, Guerra Civil e o Triunfo da Anglo-América, por Kevin Philips»- ndT).
[6] Veja especialmente American Theocracy (2006) (Teocracia Americana), de Kevin Phillips, um notável historiador que foi conselheiro de Richard Nixon»
[7] Uma síntese dos trabalhos históricos sobre este assunto: Comment le peuple juif fut inventé (Fr-«Como o povo judeu foi inventado»-ndT), por Shlomo Sand, Fayard, 2008
[8] A formulação do parágrafo 12 é particularmente enigmático. Assim, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, o emir Faisal evocou-o para reivindicar o direito dos povos anteriormente sob o jugo otomano à autodeterminação. Ele ouviu responder que teria uma escolha entre uma Síria colocada sob um ou sob vários mandatos. A delegação Sionista argumentou que Wilson se tinha comprometido apoiar a Commonwealth(comunidade) judaica para grande surpresa da delegação norte-americana. Em última análise, Wilson confirmou, por escrito, que se devia entender o ponto 12 como um compromisso de Washington para a criação de Israel e a restauração da Arménia. «Os quatorze Pontos do Presidente Wilson», Rede Voltaire, 8 de janeiro de 1918.
[9] « Résolution 181 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 181 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 29 novembre 1947.
[10] « Résolution 194 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 194 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 11 décembre 1948.
[11] “O presidente de Israel falou perante o Conselho de Segurança do Golfo em fins de novembro”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Dezembro de 2013.
Thierry Meyssan Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Bento Gonçalves: esse herói desconhecido 5j6v6h

Por Cleber Dioni Tentardini

Hoje, 23 de setembro, completa 221 anos de seu nascimento. Em julho aram-se 162 anos de sua morte. O mais famoso monumento em sua homenagem, em Rio Grande, chegou aos cem anos no dia 20. E o general farrapo permanece uma figura intrigante.
O personagem virou mito de um período histórico que faz parte do folclore riograndense. Suas façanhas viraram lenda, mas sua história ainda é desconhecida.
Nenhum dos mais de 500 livros sobre o conflito narra a vida de Bento Gonçalves no Uruguai, onde casou, criou os filhos, foi fazendeiro e capitão de milícias. Durante 15 dos 58 anos de vida. Pelo menos a metade da vida adulta. Historiadores apenas pincelaram a agem de Bento pela uruguaia Melo, onde, depois, residiu o maragato Gaspar Silveira Martins. Ali, do outro lado do rio Jaguarão, Bento foi espião dos chefes luso-brasileiros, mas mantinha estreitas relações com a oligarquia castelhana. Foi até prefeito distrital, com direito a voto à cabresto.
Além do charque, que outras razões teriam levado um coronel da Guarda Nacional e um de seus melhores comandantes nas fronteiras do Sul a se voltar contra o Império. O fazendeiro abastado e senhor de escravos era simpático à monarquia, mas nutria convicções republicanas nos gabinetes maçons e na Assembléia Provincial, ao lado de liberais como Padre Chagas e Mariano de Matos.
O que moveu um pai de seis filhos pequenos e dois recém saídos da adolescência a sacrificar o convívio com a família e quase todas as suas posses para lutar contra aqueles com quem um dia ombreou nos campos de batalhas? Militar ardil, arquitetou uma revolução sem medir as consequências? Que influências tiveram em sua formação as guerras de Napoleão e a bandeira libertária do caudilho Artigas.
Bento Gonçalves foi acusado de assassino, ladrão e contrabandista. Submeteu Porto Alegre ao maior sítio de sua história, provocando bombardeios e racionamento de comida, mas se tornou patrono do Regimento de Cavalaria da Brigada Militar, o corpo policial que o general combateu na sua origem.
Sua morte, dois anos depois do fim da guerra, foi silenciada. Nem a Cúria Metropolitana registrou. O Riograndense foi o único jornal que ousou noticiar, timidamente.
Seu inventário foi realizado só dez anos após a morte. Deixou aos oito filhos 33 escravos com idades entre um ano e meio e 60 anos; 700 reses, 24 bois, 15 novilhos, 30 cavalos, 22 potros, 8 éguas, 270 chucras. Bens de Raiz: 3.746 braças de campo no Christal. Quinhão e meio mato à margem de Camaquã. Casa, tafonas e outros.”
Nem herói nem ladrão,
um homem de seu tempo

O historiador Tau Golin publicou um livro com o título Bento Gonçalves – o herói ladrão, em que chamou o líder farrapo de contrabandista e proprietário de escravos.
Golin criticou a ligação de Bento com as oligarquias e afirmou que ele não fez jus ao título de herói popular, “como um personagem para ser cultuado pelo povo rio-grandense”, porque as suas ações apenas procuraram preservar os seus privilégios e os de outros latifundiários. “Como conseqüência de seu projeto de sociedade, a partir de um liberalismo farroupilha antagônico à democracia, alienou o povo material e espiritualmente, submetendo-o à exploração e ao espólio”, disse.
E citou Moacyr Flores, historiador e professor da PUC gaúcha, para classificar o líder farrapo como simpatizante do absolutismo monáquico. “Nunca foi republicano, segundo Moacyr Flores, “e deixou de ser liberal ao assumir a presidência sem convocar ou permitir que reunisse a assembléia constituinte e legislativa.”
Alguns historiadores disseram que Bento não foi herói nem vilão, apenas um homem de seu tempo. O escritor Fernando Sampaio criticou Golin por ele ter descontextualizado as atividades de Bento como estancieiro e produtor de charque, sendo que a mão de obra disponível e barata era a escrava.
Sobre o contrabando de gado, Sampaio alega que essa prática era uma atividade social revolucionária, para fugir dos impostos. “Era uma atitude que ou a ser protegida entre os nacionais, ou entre a elite dominante local, contra a autoridade colonial e estrangeira”, destaca.
Existem documentos que demonstram que ao tratar da paz com o Império, Bento conseguiu que o barão de Caxias aceitasse as exigências da República Riograndense, relativas aos revolucionários negros. Consta que ele afirmou: “se o tratado de paz não assegurar a alforria dos ex-escravos revolucionários, continuaremos a guerra, para que não voltem aos grilhões os negros que há tantos anos lutam pela liberdade da América”.
O parágrafo 4º do acordo de paz de Ponche Verde, previa que ficariam livres todos os cativos que lutaram ao lado da República Riograndense. Mas fica a pergunta: até que ponto os farroupilhas combateram a escravidão negra quando não estava em jogo a arregimentação de homens para as manobras militares? A professora Margaret Bakos, da Faculdade de História da PUCRS respondeu: “Naturalmente, os senhores não desejavam libertar os negros porque significavam trabalho, capital, prestígio social e poder político”.
Para juiz, anarquista e demagogo
O baiano Rodrigo da Silva Pontes foi colega de Bento na 1ª legislatura provincial. Na época da revolução, era juiz de direito em Rio Pardo. Membro do Partido Conservador, ele classificou os liberais republicanos de anarquistas, demagogos, provincianos e de caráter duvidoso. Em seu texto-depoimento*, escrito no RJ, em 1844, por ordem de D. Pedro I, o magistrado informa que o desejo de ser proclamada uma república separada do Império fazia parte do imaginário político de uma facção dos sul-riograndenses que se reuniam em sociedades secretas para promoverem a conspiração, entre eles Bento Gonçalves.
Ele acusa Bento de conspirar contra o governo e coloca em dúvida sua capacidade de tomar decisões. “O astuto Bento Gonçalves procurava aliciar pessoas de boa fé para o partido de Lavalleja (…) o coronel desobedeceu as ordens de guardar neutralidade”, diz Silva Pontes.
Criticou a absolvição de Bento, acusado de contrabando de gado, e da pensão de um conto e duzentos mil réis concedida ao coronel, o que “apenas estimulou os desejos ávidos do caudilho, aumentou a influência dele na Província e ministrou aos propagadores do espírito de rebelião mais um poderoso argumento deduzido das simpatias do governo central pelo primeiro cabeça da facção.”
Silva Pontes diz que as correrias no Estado Oriental lhe deram a posse de cabeças de gado em um número suficiente para recuperar a fortuna perdida, mas Bento tinha sempre o mesmo gênio dissipador do caráter perdulário. (SEGUE)
(* O Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do RS e Memorial do Judiciário do RS transcreveram as 84 tiras de papel almaço escritas de ambos os lados e lançaram em 2006 o livro Memórias Históricas da Revolução Farroupilha).