Livro de psicanalista gaúcho ajuda a lidar com medos 692e2

O psicólogo e psicanalista Julio Cesar Walz lançou a quarta edição revisada do seu livro Aprendendo a Lidar com os Medos – A Arte de Cuidar das Crianças. A obra, com 170 páginas, permite entender melhor o universo infantil, o seu imaginário, o desenvolvimento psíquico, as relações entre pais e filhos, professores e alunos. “O cuidar das crianças é e sempre será uma questão de saúde publica. Quem efetivamente deseja melhorar sua relação com as elas deve entender e exercitar seu papel de intermediador entre a realidade psíquica e a vida da criança”, resume. Essa intermediação, segundo Walz, são pontes criadas durante o cuidar que devem auxiliar a criança a lidar com os medos, facilitando, por exemplo, seu desenvolvimento cognitivo. A obra pode ser adquirida na Livraria Cultura – www.livrariacultura.com.br.   Confira alguns trechos da entrevista com o autor:   Por que escolheu o medo como assunto do livro? Na verdade, ele me foi solicitado pela editora Sinodal, de São Leopoldo. Aceitei o desafio porque o medo é um tema importante na vida. E diria mais. Boa parte de nossas ações e pensamentos nascem com o medo ou o provocam. E, apesar dessa centralidade, não é fácil falar ou escrever sobre ele. Ao me propor a tarefa de um livro, queria apresentar um texto ível, com um toque literário e uma boa fluência, além de instigar a curiosidade do leitor. Um dos objetivos deste trabalho está em ajudar os adultos, inicialmente os pais e os demais cuidadores, a cumprirem o papel de intermediadores entre a realidade psíquica e a vida da criança, para que ela, durante o seu crescimento, não venha a sofrer de excessos no seu desenvolvimento psíquico. Essa intermediação é o que chamei de construção de pontes através do cuidar. Não que o medo deixe de existir. Ele apenas deixará de inundar a mente da pessoa. Medo em excesso estagna a vida. Qual a função do medo? O medo é uma emoção muito primitiva e faz parte da condição da vida biológica, tanto nos animais como nos seres humanos. Ele organiza direta ou indiretamente grande parte de nossas ações. Dentre as emoções, o medo é aquela que consegue produzir ações físicas imediatas como resposta de proteção, de ataque ou fuga: aumento da pressão arterial, dos batimentos cardíacos, etc. Por isso, é inevitável que qualquer ser humano sinta medo. Ele é fator de proteção. Mas como o ser humano também é um ser da cultura ou da linguagem, o medo acaba tendo um desenvolvimento que, muitas vezes, não condiz com a sua origem ou objetivo. Ou seja, o medo, que tem um caráter protetor, de avisar do perigo, de nos colocar em posição de alerta, acaba tendo manifestações desproporcionais, que não condizem com a realidade. Então, o medo vira uma experiência de fantasmas. Um medo sem nome. Sobre esse fundamento construí este livro. Como diferenciar o medo normal do patológico? Precisam ser avaliadas três variáveis deste medo, que são intensidade, duração e efeitos orgânicos. Quanto à intensidade, o medo será patológico se aparecer de forma desproporcional em relação à realidade psíquica ou à vida e estiver restringindo a liberdade de viver e crescer; quanto à duração, deve ser verificado se ela é desproporcional, ou seja, quando a pessoa, ao cessar a fonte do medo, ainda o sente da mesma forma; e os efeitos orgânicos são aqueles sintomas que afetam o humor, o corpo, a cognição ou a atividade motora. Assim, o medo patológico é aquele que gera uma restrição importante na vida e que tenha uma duração muito acentuada, por longo tempo. Como os pais podem se preparar para auxiliar os filhos a lidarem com seus medos? Na verdade eu usei o termo cuidar ao invés de preparar, mas cujo resultado, claro, seria de preparar. Os adultos cuidadores têm uma tarefa preciosa e fundamental: ajudar na construção de pontes mentais entre a saúde psíquica, a realidade do crescimento e a vida de uma criança. Por quê? Uma criança não tem condições, sozinha, de dar conta da vida e do viver. Ela necessita de um adulto que a proteja dos excessos comuns ao cotidiano. E uma das dimensões a ser cuidada em uma criança é o medo, que eu destaco dois, os quais são decisivos e inerentes ao desenvolvimento humano e nos acompanham ao longo de toda a vida. O primeiro medo é a ansiedade de separação. A separação gera um vazio, um hiato que precisa ser preenchido com palavras e ações. Nela se podem construir novos mundos, novos horizontes, novas experiências. Quando uma criança sai do colo e começa a engatinhar, sua percepção do espaço aumenta. Na separação também deixamos total ou parcialmente mundos para trás. Ela revela ao infante a dinâmica das perdas e dos ganhos. Quando o medo da separação é muito intenso a vida tende a ficar paralisada ou, usando uma figura bíblica, a pessoa transforma seu viver em uma estátua de sal. O segundo medo é a ansiedade de castração. Lá pelos três ou quatro anos, repentinamente, a criança pergunta algo do tipo: “pai, tu vai morrer? Ou, “pai, quando eu tiver 15 anos tu vai ter 50?”. Aqui a criança começa a mostrar sua percepção da diferença e adquire a noção de causa e efeito, ou melhor, de que as coisas começam e acabam. Às vezes elas dizem: “então não quero crescer, se não tu vai morrer, mamãe”. Algumas crianças começam a segurar a evacuação ou deixam de fazê-la por longo período. Ficam com medo de irem junto, descarga abaixo, com as fezes. Elas até perguntam aonde vai o cocô. Pois bem, eu disse antes que os adultos são convocados e têm a tarefa fundamental de auxiliar na construção de pontes mentais, justamente para ajudar na proteção contra os excessos que podem paralisar a vida. A escola também deve auxiliar a criança a lidar com os medos? Se a escola entender seu papel de cuidadora, poderá realizar auxiliar ainda mais nessa tarefa de mediação simbólica, através do convívio, da continência, do cuidado básico com o novo de cada dia e ano para os alunos. Também poderá colaborar na elaboração natural das restrições que a escola solicita ao aluno e às famílias. Claro que no tema dos medos a base já virá de casa, por se tratar de uma experiência emocional muito primitiva. 1f3362