Boaventura de Sousa Santos Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles. Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições. Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência. A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas. Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva. Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional. Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns. – Ações afirmativas no o à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos. Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo. – Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais. Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo. – Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista. E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de I específica para investigar as fontes de financiamento. – A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar. Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais. Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos. * Sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de “Para uma Revolução Democrática da Justiça” (Cortez, 2007). Texto publicado hoje na Folha de São Paulo 67f6c
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Wal-Mart usa negros e mulheres para simular ações a favor de projetos sociais 49166x
Ricardo Patah, presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo
No dia 24 de junho, foi lançada uma carta compromisso patrocinada pelo Instituto Ethos, envolvendo a iniciativa privada e o governo para reduzir as desigualdades sociais no ambiente de trabalho.
A intenção de se reduzir as desigualdades sociais no ambiente de trabalho é boa. Tanto é que a União Geral dos Trabalhadores (UGT) encampou a iniciativa do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que a partir de 2004 colocou na Convenção Coletiva a obrigatoriedade de as empresas do setor de comércio contratar, pelo menos, 20% de negros. Só esse fato era razão suficiente para os representantes de trabalhadores serem convidados para o evento do Instituto Ethos. Não foram.
Quando soubemos dalista das empresas presentes, ficamos decepcionados. Pois vimos no evento apenas uma grande jogada de marketing social. Por que? Entre as empresas que am o documento estavam o BNDES, Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Bovespa, Banco Real, Itaú, Alcoa, Telefônica, HSBC, Magazine Luiz, HP do Brasil, Du Pont e, pasmem, a Wal-Mart.
Os negros, segundo dados divulgados pelo Ibope Inteligência, que pesquisa as 500 maiores empresas brasileiras, estão presentes em apenas 3,5% dos cargos executivos, quando são metade da população brasileira. As mulheres executivas ocupam 11,5% das vagas quando são 43,5% da população economicamente ativa do País. Há, portanto, um cheiro de farisaísmo no ar.
A ponto de o presidente Lula, envolvido no evento, ter declarado: “A baixa ascensão social da comunidade de negros mostra que há 30 anos não plantamos as sementes que precisavam ser plantadas”.
O presidente Lula está certo. Só que ao prestigiar o evento promovido pelo Instituto Ethos, com a presença da Wal-Mart, corre o risco de ter plantado uma boa semente em terreno árido.
O que nos assusta é o fato de ter sido uma reunião unilateral, para se tratar de assunto de tal importância. E no ambiente que criaram, cheio de pompas e circunstâncias, terem incluído uma empresa que é mundialmente anti-sindical, como é o caso da Wal-Mart.
É a mesma Wal-Mart que tem um manual para inibir seus funcionários de se sindicalizarem. Trata-se de “A Manager´s Toolbox to Remaining Union Free”, algo que poderia ser traduzido como “Procedimentos Gerenciais para Manter os Sindicatos à Distância”.
O manual ensina os gerentes a identificar os sinais de eventual início de organização dos trabalhadores dentro das lojas. Entre as indicações estão: “reuniões freqüentes nas casas dos empregados” ou ficar alerta para “trabalhadores que nunca são vistos juntos e que de repente começam a bater papo e a trocar idéias”. O manual traz, ainda, uma linha exclusiva para que os gerentes acionem os especialistas para interromper, na fonte, qualquer iniciativa de associação no ambiente de trabalho.
Pois bem, como levar a sério um tal evento, quando surpreendemos o Instituto Ethos patrocinando uma reunião unilateral de empresas e incluindo a Wal-Mart notoriamente anti-sindical?
Nos colocamos à disposição, como presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, das empresas que queiram discutir seriamente os procedimentos para se reduzir as desigualdades sociais no ambiente de trabalho.
Esperamos, por isso, ser convidados para a próxima reunião que com certeza o Instituto Ethos patrocinará. Para presentear, inclusive a Wal-Mart, com um exemplar da Constituição Brasileira e com uma cópia de nossa Convenção Coletiva, que a empresa não respeita.
(Obs.: o texto acima foi traduzido para o inglês e distribuído para a Associação dos Correspondentes Estrangeiros e da i-newswire.com, através de distribuição paga, para jornalistas norte-americanos e europeus)