AVENTURA: at 86 vai e volta da Patagônia 6z342f

Por Daiane Menezes P ode ser difícil arrumar um companheiro. Dar certo se ambos vêm com o pacotinho completo, ainda mais. Agora, imagine o quase impossível que é botar quatro integrantes de uma família recém formada rodando por 21 dias dentro de um at ano 1986. A idéia era sair de Porto Alegre e chegar até a Patagônia argentina, durante as festas de final de ano. Parece uma missão impossível? Carlos Stein, 48 anos, sua filha Marina, de sete, Naida Menezes, 40 anos, e seu filho Thales, de 13, encararam tal viagem – no tal atão. O destino era o Estreito de Magalhães. A grana disponível estava contada. A mochila virou armário, uma bandeja, a mesa em que preparavam parte das refeições. Na segunda semana, Marina perguntou: “Por que o almoço tem que ser sempre sanduíche?”. A resposta à enteada foi: “Está vendo algum fogão por aqui? (risos)”. Pneu furado O at, ao final da viagem, depois de várias manhas que fizeram a expedição ter outros rumos ou ritmos, do pneu furado a uma peça que não existia em lugar algum para ser trocada, virou quase um ser humano. “Agora ele está lá, descansando”, diz Carlos. A família saiu da capital gaúcha, cruzou o Uruguai e chegou em Buenos Aires de Buquebus, navio que faz transporte de ageiros e carros de Montevidéu até a capital argentina. A ceia de Natal começou mais cedo porque as cerejas, pêssegos e peras destinadas ao jantar não aram no controle fitossanitário da entrada da Patagônia. Como a regra era não desperdiçar, viraram lanche da tarde. Na Argentina, desceram pela Ruta 3. Entre Bahía Blanca e Viedma está o Rio Colorado. Abaixo dele, está a Patagônia. Marina ficou encantada ao ver milhares de pingüins reunidos em Punta Tombo. Neste parque, onde em cada arbusto mora uma família de pingüins, a temperatura alcançava 40 graus. Para chocar seus ovos, eles procuram o calor. ando Comodoro Rivadavia, o barulho dos ventos nas bombonas de água e gasolina que estavam no teto era tão forte que pararam em uma borracharia achando que o carro estava com problema nos rolamentos. Em Punta Tombos, uma família de pingüim embaixo de casa arbusto | Foto: Carlos Stein Cada vez mais ao Sul do Sul, no Estreito de Magalhães, o at ficou com as duas portas amassadas pelo vento. Além disso, o carro, estacionado em um lugar plano, mas sem o freio de mão puxado, foi deslocado. Nesta região, não se vêem casas em cima dos morros, como seria natural para procurar a melhor vista, mas nas baixadas para se proteger da ventania. Subindo pela Ruta 40, Naida ficou irada com o Glaciar Perito Moreno. Do mirante em que estavam enxergavam um paredão de gelo de 60m de altura com quase 2,5km de largura. Em El Calafate, a família comeu a fruta de um arbusto espinhoso que tem o mesmo nome do local. Há uma superstição que diz que todos aqueles que comem calafate, retornam. Carlos comeu na primeira vez que foi. Este ano, lá estava ele de volta. Glaciar Perito Moreno, um paredão de gelo de 60m de altura com quase 2,5km de largura | Foto: Carlos Stein Thales se impressionou com a imensidão dos Andes, no mirante que dá para o Monte Fritz Roy. aram o Ano Novo em El Chaltén. O albergue em que estavam tinha turistas de vários lugares, entre eles, espanhóis, alemães, italianos. Cada grupo comemorou segundo o horário do seu país, ou seja, a virada foi festejada muitas vezes. A ceia contava com frutas, bolos e vinho, nada de banquetes. Mas o que não teve preço foi aquela torre de babel cantando junto “I will survive”. Pelo menos a família em questão sobreviveu. A opção preferencial por albergues se deu porque, além de ser mais barato, têm cozinha para fazer almoço. Há outras possibilidades de hospedagem mais em conta, como residencial, hostel, hostal e albergo. Só cuidado para não pedir para dormir em um “Residencial dos Abuelos”, pois pode tratar-se de casa geriátrica. Não ter lugar reservado para dormir dá liberdade, mas pode trazer alguns inconvenientes. Marina, por exemplo, às vezes dormia antes de terem conseguido encontrar um local para pernoitar. O plano era ir até o Vulcão Lanin, mas a rota teve que ser mudada por causa da outra bucha de suspensão do carro que estragou. Em Bariloche conseguiram improvisar uma solução. Apesar deste contratempo, Carlos realizou um sonho ao cruzar com o Rally Dakar, em Neuquén, sem que nada disso fosse planejado. Desfilaram junto com as motos, triciclos, quadriciclos, side-cars, carros e caminhões. Marina abanava para todo mundo. “Nunca achei que eu ia me divertir tanto”, disse ela. O at tentando competir com um super caminhão que participou do Rally Dakar. As portas foram amassadas pelo vento do Estreito de Magalhães | Foto: Carlos Stein Como férias para crianças e adolescentes sem água não é férias, perto de Bariloche fizeram uma das tantas paradas para um banho. Esta foi no Lago Mascardi, formado por água de degelo. A lição número 1 para a gurizada foi a gentileza. Sem ela, não se resiste a uma média de 470km diários com tanta diferença de idade no banco de trás de um carro sem mordomias. A palavra foi onipresente nas conversas durante a viagem, tanto usada positivamente como ironicamente: “Deixa eu guardar essas coisas na tua mochila?”, pergunta Thales. “Não!”, responde Marina. Ele retruca: “Quanta gentileza…”. Ou então: “Pode escolher a cama”, diz ela. “Que gentileza!”, responde ele. Thales e Marina aproveitando o Lago Mascardi, com picos nevados da Cordilheira dos Andes ao fundo | Foto: Carlos Stein Para entreter a gurizada durante tantos quilômetros, músicas animadas, desenhos, jogos de “stop” (lembram disso? aquele que só precisa de um papel e uma caneta, uma letra é escolhida e temos que completar uma série de categorias com coisas que comecem com tal letra), e uma adaptação do jogo Imagem e Ação. Quem se interessar por fazer o mesmo roteiro, deve planejar a viagem com mais dias, dizem os aventureiros. Viajar com mais carros junto pode diminuir bastante o estresse. Levar barraca também pode ser uma boa idéia, já que há vários locais para acampamento no caminho e diminui o custo da viagem. Fora isso, atenção nas placas, uma caixa de ferramentas completa e bastante sorte para que não dê problema no carro em uma estrada de chão deserta, às 23h, também ajudam. Percurso realizado, saindo de Porto Alegre, ando pelo Uruguai e dando a volta na Patagônia As vantagens de fazer esse tipo de viagem com um at velho? “Não houve nenhum problema que eu não pudesse dar pelo menos uma tapeada para seguir viagem. Numa outra ocasião em que rodei com amigos quase a mesma distância com seis Land Rovers, cinco quebraram”, conta Carlos. Além disso, não sofremos achaque da polícia argentina. Já nesta viagem anterior, com carros 4×4, em todos os postos policiais tinham que desembolsar alguma coisa. Tampouco aram por rígida inspeção. Esqueceram do kit de primeiros socorros, mas isso nem foi exigido nos postos de fiscalização. Os pais de Marina e Thales acreditam que depois dessa viagem, eles devem conseguir resolver qualquer problema mais facilmente, além de melhorar o desempenho nas aulas de geografia. 6b4y3o