Governo tem R$ 2 bilhões para os quilombos 1a5i4i

O governo federal anunciou que tem mais de R$ 2 bilhões para aplicar nas comunidades remanescentes dos antigos quilombos (redutos de escravos fugidos), nos próximos três anos. O dinheiro será aplicado para facilitar o o à terra, melhoria de saúde educação e saneamento básico. Existem mais de 3 mil comunidades quilombolas no país, mas apenas 150 tem título de propriedade regularizado. As intenções, entretanto, esbarram em obstáculos para o ree de verbas. O Brasil Quilombola, principal programa para a área, gastou de janeiro a julho, menos de R$ 1,3 milhão dos R$ 71,5 milhões de sua dotação inicial para 2008. As crianças quilombolas apresentam os piores indicadores da situação da infância no País. 11,6% delas vivem em desnutrição, muito superior à média brasileira, onde 7% dos menores de 5 anos estão desnutridos. 43,8% da população remanescente de quilombos vive sem água encanada e 45,9% sem esgoto, enquanto que as médias nacionais são 91,23% de municípios com canalização interna e 95,22% com esgotamento sanitário. De acordo com a “Chamada Nutricional de Crianças Quilombolas Menores de Cinco Anos de Idade”, realizada em 2006 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, as comunidades “encontram-se em situação precária de vida, com péssimas condições de moradia e o a serviços de água e esgoto”. Em Nota Técnica, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que dos R$ 92,47 milhões de todo o Orçamento Quilombola 2004/2007, apenas 6,39% foram aplicados de fato. O programa principal, o Brasil Quilombola – sob a coordenação da Secretaria Especial de Promoção das Políticas de Igualdade Racial (Seppir) – gastou, durante os quatro anos, 32,27% dos R$ 150,26 milhões aprovados para a pasta. A gerente de Projetos para Comunidades Tradicionais da Seppir, Ivonete Carvalho, diz que, para ter o à maioria desses recursos, são necessários projetos originados e executados pelo poder público municipal. “O problema é que as prefeituras não detêm conhecimentos técnicos para elaborar projetos voltados para o público quilombola”. Segundo ela, outro grande entrave é o ritmo dos processos de regularização fundiária, que não está em consonância com as ações governamentais. “Leva tempo. Precisa do laudo que define o perímetro da comunidade, de um estudo antropológico, do documento de certificação”, enumera. Situação das Terras A demora na demarcação das terras e a falta de projetos das prefeituras impedem a construção de novas escolas, estradas e obras de saneamento. “Quando a terra está irregular, os órgãos aguardam o parecer técnico para realizar qualquer ação. Mas existem programas que não precisam do título da terra nem de mecanismos burocráticos. Independente das terras estarem regularizadas, políticas de saúde e educação deveriam chegar às comunidades”, completa Ivonete. E até agora, de acordo com o orçamento do Brasil Quilombola de 2008, deixaram de ser aplicados R$ 52 milhões em indenizações aos ocupantes de terras demarcadas, R$ 2,8 milhões em apoio do desenvolvimento sustentável, R$ 1 milhão em Educação e R$ 820 mil em Saúde. Para Maria Auxiliadora Lopes, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), a maior de todas as dificuldades é a falta de prédios escolares. Desde 1997, a Secretaria do Tesouro Nacional permite que haja construção de patrimônio público apenas “em territórios ocupados por comunidades quilombolas ou indígenas devidamente certificadas por órgão ou entidade competente”. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o tempo médio que leva o processo de reconhecimento das terras, que vai da regularização do território até a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, é de um ano. Já a expedição de título de propriedade para a comunidade depende da desapropriação, que na maioria das vezes é decidida na Justiça, em tempo indeterminado. Para as duas entidades, tanto o MEC quanto o Incra, a excessiva burocratização dos procedimentos é o que mais concorre para a demora no processo de regularização das terras quilombolas. A última verba reada pelo Ministério da Educação (MEC) para projetos exclusivamente quilombolas foi em 2006, quando R$ 8,8 milhões foram aplicados em formação de professores, distribuição de material didático e construção e equipagem de prédios escolares. Em 2007 não houve nenhum ree direto – o ano foi dedicado à elaboração do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Em 2008, o MEC ainda não reou nada. Os motivos apontados pela Secad são atrasos em s de convênios, falta de propriedade de terras para a ampliação física da rede de ensino e agora por causa da legislação eleitoral, que proíbe transferências de recursos do governo federal para Estados e prefeituras nos três meses anteriores às eleições. Um total de R$ 8 milhões só vai começar a ser aplicado a partir de outubro, em reforma e construção de escolas. Precariedade nas Comunidades Fora das grandes cidades, os grupos étnicos raciais que se autodenominam “quilombolas” reproduzem costumes e tradições dos que lutaram contra a opressão da escravidão. Apesar da grande representatividade – cerca de dois milhões de pessoas em todo o Brasil – as comunidades remanescentes de quilombos estão separadas por um abismo social e econômico que as colocam entre os piores indicadores sociais do País. O Incra estima que existam mais de três mil comunidades quilombolas, onde vivem aproximadamente 900 mil crianças. Ana Emília Moreira Santos, representante da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lamenta que esta população continua, como há décadas, à margem das políticas públicas. Segundo a representante, são necessárias articulações locais. “O governo até que quer ajudar, mas falta compromisso de quem está à frente. A relação mais conturbada é com a esfera municipal”, diz. Ana Emília é moradora da comunidade de Matões dos Moreiras, situada no município de Codó, estado do Maranhão. Formada por 55 famílias, cerca de 160 pessoas, Matões dos Moreiras está a 48 km da sede municipal. A estrada mais próxima está a 6 km de distância, e na época de chuvas, o o piora com a travessia do riacho Codozinho. Não existe saneamento. A água consumida pela população vem de cacimbas ou do açude construído pelos moradores. As casas são de alvenaria, também construídas pela população, com recursos da prefeitura. Eles vivem da agricultura familiar. A casa de farinha, a usina de arroz e a venda da palha são os meios de sustento. “Lá não tem escola. Nossas crianças têm aulas em um salão de festas construído pelos próprios moradores, a base de tijolo e o teto feito da palha do coco babaçu”, diz. São duas professoras, pedagogas pagas pelo município que am a semana na comunidade. Uma ensina 28 crianças de 1ª a 4ª séries e a outra cuida de 25 crianças de 3 a 5 anos. Os adolescentes que querem estudar em Matões dos Moreiras precisam aproveitar convênios feitos pela comunidade para formar turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ou então vão até a sede do município. Segundo ela, meninos a partir de 12 anos já ganham o mundo atrás de uma vida melhor. Eles não conseguem se manter longe da família só estudando e acabam nas lavouras, para o corte de cana. “As crianças e os adolescentes são o futuro das comunidades. Se a comunidade não tem nada para oferecer ao jovem, ele não tem motivos para ficar. Acaba indo embora, acaba se desviando. É tudo o que a gente não quer”, ressalta Ana Emília. É preciso “acelerar os processos” Estudos de caso e levantamentos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) confirmam a extrema desigualdade dos indicadores socioeconômicos quilombolas, comparados às médias nacionais e regionais. A situação dos quilombolas, assim como a de outras comunidades tradicionais (os indígenas, por exemplo), é desconhecida pela maioria da sociedade. Helena Oliveira, oficial de projetos de Proteção à Infância do Unicef, diz que os grupos são invisíveis aos olhos da sociedade e esta invisibilidade se apresenta nas políticas públicas quando crianças quilombolas não recebem uma educação contextualizada, precisam viajar de barco ou caminhar vários quilômetros para freqüentar salas de aula na sede de um município mais próximo. Ou quando o o para o pré-natal e o registro civil de nascimento são quase um sonho. “Alguns livros didáticos ainda mencionam as comunidades quilombolas como algo que existiu no ado na formação da sociedade brasileira. No entanto são comunidades contemporâneas a nós”, lembra Helena. Para ela, o preconceito e o olhar de estranhamento com essas comunidades ainda é muito grande. “Elas reúnem histórias e conhecimentos acumulados por séculos, mas para muitos são desconhecidos ou defasados”, diz. Segundo Oliveira, o impacto da negação dessas populações vai comprometer as chances do País alcançar os objetivos e metas do milênio, como a redução dos índices de mortalidade, analfabetismo, qualidade ambiental e pobreza. “O grupo mais afetado são as crianças e os adolescentes que, com elevados índices de distorção idade / série, reproduzem nas gerações seguintes os índices de desigualdade e exclusão”, esclarece. Para conseguir que o orçamento estimado chegue às comunidades, a Seppir vem traçando estratégias que visam agilizar a execução do orçamento. Além da criação da Agenda Social Quilombola, lançou edital para projetos e subsidia 12 comitês estaduais, formados por entidades jurídicas articuladoras, gestores municipais, estaduais e lideranças quilombolas. A Seppir prevê também cursos de capacitação para gestores e, junto com a Petrobras, a criação de 16 Centros de Referência Quilombola (CRQ), espaços de promoção atividades econômicas, culturais, sociais e religiosas. “Uma coisa é pactuar com um ministério, outra coisa é discutir a estratégia e ajudar a fazer. E é isso que nós estamos tentando: acelerar os processos”, diz Ivonete Carvalho. Em paralelo, o Unicef busca fazer uma pesquisa nacional nas comunidades quilombolas, em especial sobre a situação das crianças. Nessa pesquisa, com previsão para iniciar ainda em 2008, a entidade tem a intenção de conhecer a realidade cotidiana e propor alternativas que fortaleçam a preservação da identidade étnico-racial. A idéia é envolver crianças e adolescentes nesse processo, tornando-os agentes ativos e protagonistas na preservação da cultura local, para que seja assegurado o reconhecimento e o respeito às suas comunidades. Veja no site da ANDI: Nota Técnica nº 139 do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc): “Orçamento quilombola: entre o previsto e o gasto” Resumo executivo da “Chamada Nutricional de Crianças Quilombolas Menores de Cinco Anos de Idade”, realizado em 2006 Tabela com o Orçamento 2008 do Programa Brasil Quilombola (atualizado em Agosto/08) 6ra2u