Bia Diamente assina o espetáculo de teatro-dança “As ArtesFísicas”, que estreia em outubro. As apresentações acontecem na Urban Arts (Rua Quintino Bocaiúva, 715), em uma temporada com oito sessões, a partir de 3 de outubro. Em cena, a atriz Dani Dutra e a bailarina Juliana Rutkowski, resignificam a arte física com sensibilidade. A pesquisa foi aos primórdios do circo, do universo da mágica e do cinema mudo, quando o imaginário da arte ainda estava ligado às expressões físicas do artista e a fala não tinha a sua importância. “A nossa proposta é resultado de uma livre inspiração atemporal e contemporânea nas artes do corpo”, explica Bia. “Inovamos sem abandonar o ado, pois, para mim, é importante criar homenageando. Gosto da ideia de agradecer aos que vieram antes e nos proporcionaram tantos saberes.” Tradicionalmente, os trabalhos de Bia são de duração confortável e para plateias pequenas, neste caso, 20 pessoas. Durante 35 minutos, Dani e Juliana constroem uma atmosfera íntima por meio de gestos precisos e jogos silenciosos. “O espetáculo busca o tempo físico da ação corporal, o jogo rápido e uma leve comicidade, tão difícil, tão exigente”, finaliza a diretora. As apresentações de Às Artes Físicas acontecem nos finais de semana dos dias 3 e 4, 10 e 11, 17 e 18, e 24 e 25 de outubro, às sextas-feiras, às 20h, e aos sábados, às 18h. Os ingressos serão vendidos no local, nos dias de espetáculo, uma hora antes, ao preço de R$ 20. Pessoas com mais de 60 anos, estudantes e classe artística têm 50% de desconto. Sobre a diretora Bia Diamante é carioca, e vive Porto Alegre há 16 anos. Sua carreira artística se completa em duas frentes: na construção de um entendimento singular na área da dança contemporânea e no ensino de educação somática. Em 2010, ou a integrar o projeto Descentralização da Cultura, da Prefeitura da Capital, dando aulas de dança no bairro Ponta Grossa. No mesmo ano, com um elenco formado por seis mulheres daquela comunidade, realizou, com financiamento do Fumproarte, o espetáculo À Sala. Em 2011, este trabalho recebeu o Prêmio Açorianos de Dança, na categoria “Estímulo à Criação”. Em 2013, dirigiu o espetáculo Sobre o Armário e a Atividade dos Objetos – estudo para natureza-móvel, que teve seis indicações para o Açorianos e venceu nas categorias “Melhor Direção”, “Melhor Coreografia” e “Melhor Iluminação”. Paralelo a este constructo estético em arte, há seis anos Bia é professora de educação somática do Grupo Experimental de Dança, do Centro de Dança da Secretaria Municipal de Cultura. As aulas têm como objetivo criar uma abordagem de preparação corporal para profissionais de dança e teatro. Sobre o elenco Dani Dutra é atriz e professora de teatro, graduada em Licenciatura em Teatro, pela UFRGS, e integrante do Grupo Barraquatro. É professora de Arte Cênica do Colégio João XXIII. Atuou nos seguintes espetáculos: “Boca de Ouro”, dirigido por Aline Sokolowsky (2013); “O Linguiceiro da Rua do Arvoredo”, dirigido por Daniel Colin (2012); “DANKE”, dirigido por Giselle Cecchini (2012); “Geocoreografia: Cidade Não vista”, dirigido por Diego Mac e Tatiana Vinhais (2011); “Projeto 1: Desejo” e “Projeto Picasso: Um Sonho”, ambos dirigidos por Júlia Rodrigues (2008). No período de janeiro de 2006 a dezembro de 2007, trabalhou com um grupo de jovens atores orientado pelo ator e diretor Roberto Birindelli. Juliana Rutkowski, bailarina formada no Curso Superior de Dança pela Ulbra, em 2007. Já trabalhou com diversos grupos, como Ânima, da coreógrafa Eva Schul (2010); Cia Teatral Falos & Stercus, do diretor Marcelo Restori (2010 e 2011); Necitra, onde pesquisou circo, teatro, dança (2011 e 2012); e Grupo Experimental de Dança (2008 a 2011). É professora de dança em escolas de Educação Infantil desde 2011, ano em que também ministrou aulas de Atividade Circense para crianças no Programa Integrado de Inclusão Social da Prefeitura de Esteio. Como bailarina, desde 2012, pesquisa teatro-dança com Bia Diamante, diretora com a qual realizou o espetáculo “Sobre o Armário e a Atividade dos Objetos – estudo para natureza-móvel”, apresentado na Capital em 2013. Por este trabalho, recebeu o Prêmio Açorianos de Melhor Coreografia. Em 2014, além de estar no elenco de “Às Artes Físicas”, também faz parte do espetáculo “100 Formas Para o Amor”, da Macarenando Dance Concept, dirigido por Diego Mac. Onde: Urban Arts (Rua Quintino Bocaiúva, 715) Quando: nos finais de semana 3 e 4, 10 e 11, 17 e 18, e 24 e 25 de outubro, às sextas-feiras, às 20h, e aos sábados, às 18h. Valor: R$ 20. Pessoas com mais de 60 anos, estudantes e classe artística têm 50% de desconto. Vendas de ingressos: no local, nos dias de espetáculo, uma hora antes de iniciar. 5a5h65
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Programação especial na Casa de Cultura Mario Quintana 465r4u
A Casa de Cultura Mario Quintana terá uma programação especial gratuita para festejar os 24 anos, de 21 a 28 de setembro (domingo).
As comemorações da mostra Pratas da Casa incluem oficinas, intervenções artísticas, apresentações e ensaios abertos de teatro e dança, espetáculos de música e mostras de cinema na Sala Norberto Lubisco.
Como destaque, a premiação aos vencedores do IV Festival de Esquetes da CCMQ e o show Pérola no veludo – Especialmente Lupi, de Mônica Tomasi e Nelson Coelho de Castro– na data do aniversário da Casa, 25 de setembro.
O nome Pratas da Casa se deve ao fato de reunir no evento vários artistas que ensaiam e fazem oficinas na CCMQ, escolhidos em seleções públicas ao longo desse ano.
Domingo, 21/9
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
20h – Espetáculo Anjo da guarda – Sala A2B2
Segunda-feira, 22/9
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
14h às 17h – Oficina Serdedentro – prática de teatro para atores e não atores – Sala Marcos Barreto
17h – Intervenção dos alunos da Oficina de Iniciação, Pesquisa e Criação em Malabares – 4º andar
19h – Oficinão aberto de Teatro em Ação Direta Levanta Favela – Sala Marcos Barreto
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
Terça-feira, 23/9
9h30 às 20h30 – Mostra de Cinema CineHibisco-sessão Bodoqe especial 10 anos do Coletivo Catarse – Sala Norberto Lubisco
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
16h – Pocket show do Feelings Group – coreografias criadas sobre trilhas de novelas – Teatro Carlos Carvalho
18h e 20h – Sarau no bar do Lupi – Teatro Bruno Kiefer – EXCEPCIONALMENTE R$ 10
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
20h – Apresentação do Grupo Experimental de Dança da SMC – Teatro Carlos Carvalh
21h – Oficina aberta Equilíbrio dinâmico, manipulação e malabares para atores, bailarinos e circenses – Hall 4º andar
Quarta-feira, 24/9
10h, 15h e 19h30 – Mostra de Cinema Coletivo Ideia Crônica Filmes – Sala Norberto Lubisco
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
14h às 17h – Oficina Serdedentro – prática de teatro para atores e não atores – Sala Marcos Barreto
15h – Ensaio aberto da peça No que você está pensando? – Teatro Bruno Kiefer
17h – Intervenção alunos da Oficina Hip Hop para todos – 4º andar
18h e 20h – Sarau no bar do Lupi – Teatro Bruno Kiefer EXCEPCIONALMENTE R$ 1
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
20h – Dois perdidos numa noite suja – Sala A2B2
20h – Concerto Ébano e marfim – Teatro Carlos Carvalho
Quinta-feira, 25/9
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
14h30 – Visita guiada com Traça Biblió
14h30 às 16h – Oficina infantil Mario Quintana em pixels – Sapato Florido
17h – Diversos Corpos Dançantes – Teatro Carlos Carvalho
17h30 – Palestra de Daniel Fraga sobre Michel de Ghelderode e o Teatro do Absurdo – C2
18h – Apresentações dos finalistas do IV Festival de Esquetes – vários locais
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
19h30 – Mostra de Vídeo Independente – Sala Norberto Lubisco
20h – Pérola no veludo, especialmente Lupi – Mônica Tomasi e Nelson Coelho de Castro – Teatro Bruno Kiefer
20h – Intervenção alunos da Oficina Ventre e Vísceras – Hall do Teatro Bruno Kiefer
20h – Cerimônia de premiação do IV Festival de Esquetes – Hall 4º anda
21h – Show de Carlinhos Presidente – Teatro Carlos Carvalho
Sexta-feira, 26/9
11h – Ensaio aberto do Fuzuê Teatro de Animação – Sala A2B2
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem
15h – Varal de fotos dos alunos da Oficina de Fotografia e Haikai – 4º andar
16h – Intervenção oficina Contato Improvisação – 4º andar
17h – Circologias de rua com Diego Deodato – Travessa dos Cataventos
18h – Ensaio aberto Não me toque, estou cheia de lágrimas-sensações de Clarice Lispector – Sala Cecy Frank
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
19h30 – Aula de Chacarera e tango – Sala Marcos Barreto
20h – Ensaio aberto de Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir – Teatro Carlos Carvalho
Sábado, 27/9
9h – Oficina das palhaças Lia e Maura – Sala Marcos Barreto
10h – Oficina de fotoshop – 4º andar
14h às 16h – Oficina Todos arão: escrevendo para a UFRGS e para o Enem – C2
16h – O gato de botas – Sala Cecy Frank
20h – Ensaio Aberto Encanto Zumbi – Coletivo Montigenti – Sala C2
20h – Ensaio Aberto Conexão Hip Hop Dance – Sala Cecy Frank
20h – Atividade de encerramento da oficina Corporeidade e Jogo no Trabalho do Ator – Sala Marcos Barreto
Domingo, 28/9
9h – Oficina das palhaças Lia e Maura – Sala Marcos Barreto
15h – Encontrão Batukatu – Sala Cecy Frank
16h – Espetáculo Chupeta e o bicho da cárie – Sala A2B2
17h – Apresentação Ibeji – Sala Cecy Frank
17h – Ensaio aberto do Coletivo Viralatas – C2
18h – Baile no Jardim – Grupo Experimental de Dança – Jardim
19h às 22h – Oficina 100 formas de amor – Sala Cecy Frank
20h – Espetáculo Quadra Milionária – A2B2
Shakespeare, 450 anos de reinvenção do humano 4m481y
Por Enio Squeff
Goethe tinha uma opinião muito além de lisonjeira sobre o “Dom Quixote”, de Cervantes; do alto de sua inegável autoridade estimava que se, por ventura, ou quem sabe, por desgraça, toda a literatura ocidental desaparecesse, mas só restasse a obra do espanhol, então, toda a literatura do Ocidente, “estaria salva”.
Talvez excluísse desta consideração William Shakespeare, cujos 450 anos de nascimento são comemorados em 2014. Goethe viveu o bastante e produziu o suficiente para os tempos de romantismo, de que ele também foi participante – mas muito dificilmente os mais jovens artistas de seu tempo, como Hector Berlioz (músico) e Eugène Delacroix (pintor), para citar apenas dois ses, do século XIX, negariam ao inglês uma parte essencial, não apenas na literatura, mas no pensamento do Ocidente.
Instada certa vez a comparar o dramaturgo português quinhentista, Gil Vicente, com Shakespeare, a professora e crítica brasileira Bárbara Heliodora – maior autoridade talvez na obra do dramaturgo e poeta britânico – negou-se a entrar nesse tipo de cotejo: “Shakespeare – disse – não é um autor a mais, é uma categoria”.
De fato, o romantismo – mais que outra escola ou estilo – parece ter revelado um Shakespeare que, no fim das contas, pode ser adaptado por todos os tempos e por todas as artes. Essa a categoria a que talvez se referisse Bárbara Heliodora, Nas incursões que fez à obra de Shakespeare, o compositor Giuseppe Verdi – nas palavras de Otto Maria Carpeaux – ombreou-se ao bardo inglês pelo menos numa ópera, “Otelo”. Especialmente na cena em que Desdêmona pressente a morte, ou seja, o seu assassínio injusto pelo personagem título, que é movido por um ciúme doentio e culpado, não há como não entrar no clima tristíssimo e definitivamente trágico do drama. Sem Shakespeare, Verdi não comporia a sua, talvez, melhor ópera (o “talvez” fica por conta do “Falstaff”, também baseado em Shakespeare, que Verdi iria criar no fim da vida). Mas a afirmação vale para todos os artistas que nele se inspiraram.
Pode-se interpretar o “Macbeth” do grande cineasta Roman Polanski como a resposta catártica à morte trágica de sua esposa grávida, a atriz Sharon Stone, perpetrada por um assassino psicopata nos EUA na década de 70 do século ado. Catarse, no caso de Polanski, pode ser uma resposta. Mas todos os artistas que se inspiraram em Shakespeare, de um modo ou de outro, assumiram-no, não apenas em seus dramas pessoais, mas na universalidade de sua visão de mundo.
Quem parece ter atentado de perto para esta característica foram, paradoxalmente, os ses. Hector Berlioz(1803-1869) que escreveria uma “sinfonia dramática”- na verdade um poema sinfônico, baseado no “Romeu e Julieta” – foi, quem sabe, o mais entusiasta deles. Aqui também se pode formular a hipótese de que pelo fato de ter encontrado numa atriz irlandesa, Harriet Smithson, que fez de “Ofélia”numa encenação do “Hamlet”, em Paris, um entusiasmo que se transformou num rumoroso caso de amor, pode ter favorecido sua iração sem limites por Shakespeare. Mas antes disso, Berlioz, que foi também um grande escritor, já desencava alguns ses – especialmente Voltaire – por ter ignorado o grande dramaturgo em sua viagem à Inglaterra. É da mesma linha o entusiasmo de Delacroix (1798-1893), um dos mais importantes pintores que antecederam o impressionismo francês. Não bastasse sua iração explícita pelo grande dramaturgo inglês, não foram poucas as vezes em que se valeu de Shakespeare para suas pinturas e gravuras.
Há toda uma linha de artistas shakespearianos que realmente confirmam a idéia de que Shakespeare é uma “categoria”. Contemporaneamente, há quem se lembre de Inokenki Smotuknovski – não pelo complicado de seu nome – mas por sua atuação memorável numa versão cinematográfica do”Hamlet”russo, filmado por Gregori Kozutsev na década de 60. Outro russo, mas compositor, Dmitri Shotakovitch, foi ameaçado com graves represálias por Stálin, quando adaptou Shakespeare a uma ópera denominada “Lady Macbeth no Distrito de Msensk”: a peça, como é presumível, resgatava a figura sinistra da peça de Shakespeare, mas ambientada num contexto ruinoso em plena URSS. Que Shakespeare se reportasse a uma assassina, tudo bem. Em plena União Soviética, porém, tudo mal. Pelo menos para os zelosos censores do período.
O fato, contudo, demonstra o alcance de Shakespeare – cuja dramaturgia não se limitou à cultura ocidental, muito menos à Europa. Machado de Assis rendeu-se várias vezes à literatura shakespeariana. Não há como desalinhar o grande romancista brasileiro do drama de Otelo para encontrar a gênese de seu “Dom Casmurro”, só para remeter a uma obviedade.
Na linha das categorias, aliás, há que alinhar Shakespeare com todos outros escritores da literatura ocidental do período em que o dramaturgo viveu. Arnold Ha (1892-1978), que escreveu uma alentada obra sobre a literatura e a pintura do período posterior ao Renascimento, pôs Shakespeare como a expressão típica do maneirismo – uma escola que ele localizava entre o classicismo renascentista e o barroco; e do qual ele extraía o fundamento para sua tese – de que o maneirismo – vale dizer, Shakespeare e Cervantes, mas também El Greco e Caravaggio, para só lembrar alguns – seriam os precursores da arte contemporânea. Por nosso ceticismo, viveríamos um novo maneirismo. Talvez seja isso.
Como nas peças de Shakespeare, os intelectuais, artistas, políticos e homens do povo, que saíram do grande cisma protestante e das guerras religiosas da Europa do século XVII, parecem ter sido exemplarmente “contados” nos palcos do grande dramaturgo inglês. Mas também por ele antecedidos. Compreende-se enfim, o alcance sem tempo nem lugar definidos de Shakespeare. Quando Kurosawa, o genial cineasta japonês, valeu-se do “King Lear” para um de seus filmes – ninguém estranhou. Shakespeare vale para a China ou o Japão atuais, como valeu um dia para a Inglaterra Elizabetana. Os maneiristas – mas especialmente Shakespeare – descreveram o homem ocidental num contexto existencial além do espaço e do tempo na sua descrença desesperada. Inclusive nas seguidas releituras feitas ao longo dos séculos dos dramas de Shakespeare.
Certa vez, Flávio Rangel, num diálogo que tivemos sobre as relações entre a música e o teatro, me lembrou que a interpretação recorrente, tanto no teatro quanto na música, era um desafio permanente a todos os diretores de teatro em todos os tempos. Citou como exemplo máximo o “Hamlet”. Como interpretá-lo no palco? A partir da idéia de um louco alucinado, um lúcido tresloucado pela existência, ou simplesmente um bobo a percorrer os corredores de seu castelo como pintou “Lady Macbeth”, o pintor Eugene Delacroix em uma de suas telas?
Flávio Rangel dizia não haverem “Hamlets”definitivos. Mesmo porque não há um Shakespeare definitivo.
Recentemente alguns especialistas insistiram sobre um aspecto da biografia não muito conhecida do grande escritor: sua vida secreta. Era católico e persistiu como tal até o fim da vida, assistindo missas nas florestas, encenando, assim, dissimuladamente, qual um ator, uma vida dupla num país em que o anglicanismo fundado por Henrique VIII e continuado por sua filha, Elizabeth I, não punha nenhuma dúvida em degolar católicos explícitos, conhecidos então como “papistas”.
O quanto isso foi importante para a sua obra é difícil conjeturar. Mas dias atrás tive a idéia do que são os dramas shakespearianos em todos os tempos e quadrantes da vida. Foi quando soube que o ex-presidente Médici deixou, em manuscrito, a intenção que ele e outros generais tinham de fazer o ato institucional número 5 – que eliminou a liberdade de imprensa e escancarou a ditadura sanguinário de 64, muito antes das manifestações que alguns historiadores pensavam ser a causa do fechamento do Congresso. O general presidente e seus iguais, os oficiais da ditadura, já intentavam um golpe contra a democracia – pura hipocrisia. Sem querer, remeti-me aos personagens pérfidos de Shakespeare – Iago, lady Macbeth, Ricardo III e outros. Ou seja, o grande dramaturgo não reinventou senão a verdade de nossa condição humana.
O que talvez nos consolasse, em parte, pelo menos na justiça restaurada, foi a ideia que me veio, então, à cabeça, na cena final de uma das versões filmadas de Otelo, quando tudo fica esclarecido, e a autoridade que substitui o doge de Veneza, dá a seus comandados a ordem de punirem Iago, por suas calúnias e crimes. Diz ele: “Prendam-no e o torturem para que se arrependa de ter nascido”. Só nisso os nossos tempos talvez discordem dos do grande dramaturgo. Os torturadores e criminosos da ditadura não precisavam ser torturados e mortos – mas bem que poderiam ser presos. Esta medida era algo que o grande Shakespeare não previa em suas tragédias: a prisão e não a morte para os assassinos.
Isso para só falar das tragédias – pois há as comédias. Para este gênero, porém, no Brasil de hoje, talvez pudéssemos encontrar algumas semelhanças resolutamente shakespearianas.
Shakespeare vive.
Marxismo e Rock 'n' Roll até domingo 2c6k2l
Trata-se de um texto forte, abarcando 22 anos de história contemporânea, enfocando temas como totalitarismo, dissidência, contracultura.
Não está muito longe à idade de ouro da contestação contra o sistema capitalista e, também, das manifestações de sua antítese, o dissidente comunista. Assim, 1968 é o ano ideal para situar esse dilema, pois nele temos: o maio francês, os protestos contra a guerra do Vietnã, a Primavera de Praga, flower-power, e Jimi Hendrix em sua glória.
Ao escrever, em 2006, a peça “Rock ‘n’ Roll” (que no Brasil teve agregados os termos marxismo e ideologia), Tom Stoppard, dramaturgo e roteirista oscarizado por “Shakespeare apaixonado”, idealizou, misturando história e ficção, um original caminho de volta para casa. Mas não se trata, embora contenha elementos ligados à vida pessoal do autor, de uma autobiografia.
Judeu tcheco, Stoppard tinha apenas dois anos de idade quando seus pais, em 1939, deixaram à pequena Zlin, na antiga Tchecoslováquia, fugindo dos nazistas. Depois de algum tempo em Singapura – onde o pai morreu combatendo os japoneses, e do novo casamento de sua mãe com um oficial inglês – o jovem Straussler tornou-se Stoppard, como o padrasto, e mudou-se para a Inglaterra em 1946.
Sessenta anos depois, já famoso (principalmente pela peça “Rosencrantz e Guildenstern estão mortos”), e com sotaque e postura que o fazem parecer um lorde inglês, Stoppard resolveu recuperar parte de sua própria história. A peça, situada entre Cambridge, Inglaterra, e Praga, Tchecoslováquia, engloba o período 1968-1990.
Jan, Max, Eleonor e Esme são os personagens principais da trama. Max, comunista de longa data, é um conceituado professor de filosofia. Sua mulher, Eleonor, é uma professora de grego clássico. Por fim, Esme, a filha do casal, uma adolescente de 16 anos, flower-child, espécie de hippie juvenil, que vive a sua viagem psicodélica.
A história começa em Cambridge, quando Jan, tcheco, aluno favorito de Max, comunica ao seu velho mestre que está de partida para Praga. Lá, a chegada de Alexander Dubcek ao poder, em janeiro de 1968, anuncia a sonhada combinação entre socialismo e democracia. Este movimento se tornou conhecido como a Primavera de Praga, uma declaração de ruptura contra a burocracia stalinista que se fazia ar por comunismo.
Então, se o clima é de abertura, de aproximação com o ocidente, que melhor forma de concretizar, culturalmente, isto, do que na música. As revoltas são jovens e o que pode representar melhor a juventude do que o rock’n’ roll? Assim Jan, armado com a sua centena de vinis, acha que pode arrombar a cortina de ferro.
Na bagagem, ao invés de livros, discos dos Rolling Stones, Velvet Underground e, claro, Pink Floyd, cujo fundador, Syd Barret, tal qual o deus Pan (a guitarra substituindo a flauta), povoa o imaginário maconheiro e lisérgico de Esme que acredita vê-lo tocar no seu jardim.
O sonho de Jan vira pesadelo quando em agosto de 1968 as tropas soviéticas do Pacto de Varsóvia invadem a Tchecoslováquia. Impedido de voltar para a Inglaterra, torna-se um dissidente, é preso e tem seus vinis destruídos pela repressão.
Mas ele é forte. E ao algoz Milan – o policial encarregado de perseguir a ele e ao seu amigo Fernando, outro dissidente – poderia contrapor os versos de Sapho, a poetisa grega tão cara a Eleonor, escritos há dois mil e quinhentos anos: “não me domes com angústias e náuseas”. Afinal, se o rock, segundo a ótica totalitária, é alienação e
decadência, também pode significar resistência. Foi o caso da Plastic People of Universe, banda de rock checa que tocava clandestinamente e teve seus músicos presos.
Essa é a história de Jan. Mas a dos outros personagens também poderia servir de fio condutor da trama como comprovam os desenlaces finais. Não há um narrador específico e os pontos de vista, apesar de ângulos ideológicos diferentes, são coerentes e revelam, sobretudo, maturidade.
Eleonor, a mulher de Max, trata um câncer no seio. Mutilada pós-operação, recusa o apelido de amazona, e tal como a poetisa Sapho, cuja verve ensina para a insinuante Magda, mistura feminismo e sentimentos aguçados, pois, como lembra ao marido: o seu corpo – sem um seio, ovário, ou outra coisa que as diversas cirurgias possam ter extirpado do seu organismo – não é nada sem a sua alma, persona. Ou seja, aquilo que ela acha que é.
Não estaria aí – nesse discurso angustiado, desesperado, o mais pungente da peça, onde a visão da essência precedendo a existência parece ser a última ilusão de alguém condenado – uma metáfora a ideologia marxista, ou, mais especificamente, aos avatares, como o stalinismo e seu caráter totalitário, que ela gerou? São estas contradições entre
ideais e práxis que terminam por abalar as convicções de Max e o fazem comprometer-se, seja pela libertação de Jan, seja assinando documentos de apoio à causa dos dissidentes tchecos.
Esme – ao contrário de Jan, Max e Eleonor – é uma folha em branco que, alienadamente, quer apenas entrar na corrente daquilo que considera o seu tempo, feito de rock, sexo e drogas. Sobreviverá, terá uma filha e, ao final, seguirá com Jan, amor de juventude, para Praga, cidade cuja redenção, 22 anos depois, parece se concretizar através do show dos
Stones, afinal: “it’s only rock’n’ roll (but I like)”.
Esta última cena, puro happy end, faz com que o texto de Stoppard represente uma luz no fim do túnel se comparado aos sombrios “Zero e infinito”, romance, de Arthur Koestler, e “As mãos sujas”, peça, de Jean Paul Sartre. Em ambas as obras de Koestler e Sartre, escritas nos anos 1940, transcende um mal-estar entre ideologia marxismo e lógica stalinista, sendo os heróis destruídos em nome desta última.
Apesar do parentesco, em parte, temático, este não é o caso de “Rock ‘n’ Roll” onde, exceto Eleonor, que não sobrevive ao câncer, os demais personagens têm a chance de amadurecer, rever suas posições ou defendê-las e tentar ser feliz, pois nem tudo precisa ser eternamente cinza e depressivo na chuvosa Inglaterra. Afinal, sartreanamente, cada indivíduo tem o direito de escolher seu caminho e engajar-se nele. É esta a liberdade
existencialista que panfleteia Stoppard.
Ao preservar todos estes aspectos, Luciano Alabarse e Margarida Peixoto fizeram uma adaptação interessante e segura. O cenário é despojado, amplo, perfeito para a evolução da trupe de atores. Eles vestem bem os seus personagens, destacando o veterano Carlos Cunha Filho, pela economia, perfeito como o velho Max, comunista de carteirinha.
A música, outro ponto alto da peça, serve de fundo para as emoções transmitidas pelos personagens. Nisso, destaque para a participação do multi-instrumentista Arthur Faria – tocando violão, piano e acordeão – encarnando uma espécie de Syd Barrett gaudério. E à inclusão de composições de Caetano Veloso – do seu exílio londrino – enriquece a
adaptação brasileira dando um toque tropical sobre o final dos anos 1960. Vale a pena conferir. (Francisco Ribeiro)
Marxismo, Ideologia e Rock’n’roll
Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307)
Quinta, sexta e sábado às 21h
Domingo às 18h
Um centro cultural para a Terreira da Tribo 611g6q
Vai sair a verba para construção de um centro cultural da Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Um convênio entre a Prefeitura de Porto Alegre e o Ministério da Cultura prevê um investimento de R$ 1,3 milhão, obtidos por intermédio de emendas parlamentares. 1i5u3l
Em março de 2008, ao completar 30 anos de existência, o grupo teatral conquistou o terreno na rua João Alfredo, 709, na Cidade Baixa, cedido pelo município em comodato para construção de uma sede definitiva.
O projeto do centro cultural da Tribo inclui espaço para pesquisa teatral, salas de aula, biblioteca e centro de referência do teatro popular, além de salas de exposição, projeção e local para o acervo do grupo.
Inscrições para a Oficina de Formação de Atores da Terreira encerram sexta 1x3r2s
Paulo Flores no Território Cultural da Terreira da Tribo.
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz está com inscrições abertas para a Oficina de Formação de Atores até sexta-feira. Com aulas diárias, das 14h às 18h30, a oficina tem 18 meses de duração. Começa dia 20 de abril, após as apresentações pelo interior e principais capitais do país do espetáculo de teatro de rua O Amargo Santo da Purificação. O encerramento será em outubro de 2010.
As aulas são realizadas na sede da Terreira da Tribo, na Rua Santos Dumont 1186. As inscrições estão sendo feitas no Território Cultural do grupo, que se instalou no terreno cedido pela prefeitura em 2008, no bairro Cidade Baixa. A sede definitiva será lá, na esquina da João Alfredo com a Aureliano de Figueiredo Pinto. Mas o local, por enquanto, não tem instalações viáveis para atividades em dias de frio ou chuva.
Na oficina há disciplinas de interpretação, improvisação, expressão corporal e vocal, história do teatro brasileiro, teoria e história do teatro ocidental e história do pensamento político. São disponibilizadas 25 vagas. Até à tarde de quarta-feira, havia 45 inscritos.
A seleção é feita levando em consideração capacidade de articular o pensamento, disponibilidade para o trabalho em grupo e condições físicas necessárias para o desenvolvimento do trabalho de ator. Os inscritos devem apresentar um monólogo para a banca examinadora na data combinada e ar por uma entrevista.
É preciso talento? Paulo Flores, fundador do Ói Nóis Aqui Traveiz, responde: “A gente não trabalha com talento, mas com a vontade e a pré-disposição para o trabalho em grupo, o que não é muito comum hoje em dia”. A maior parte dos inscritos tem de 18 a 25 anos, mas há interessados com mais de 50. A idade mínima é 16.
Votorantim patrocina Terreira da Tribo 3w4v50
O Instituto Votorantim vai financiar a “Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz”, em 2009. O grupo foi o único do Rio Grande do Sul selecionado entre mais de 2 mil inscritos Programa de Democratização Cultural, que a Votorantim promove desde 2006.
A seleção dos vencedores ( 16 projetos, num total de R$ 4 milhões) saiu em dezembro ado. O grupo gaúcho, que tem mais de 30 anos de experiência, vai receber R$ 300 mil para desenvolver o projeto “Teatro: Laboratório para Imaginação Social”, que inclui cursos de formação de atores, oficinas, apresentações e pesquisa de linguagem.
A proposta é levar teatro a 15 mil pessoas em oito bairros de Porto Alegre – Humaitá, Bom Jesus, Restinga, Partenon, Belém Novo, São Geraldo, Parque dos Maias e Guaiba.
Todas as atividades, inclusive as apresentações, serão gratuitas. Quinze “atuadores” estarão envolvidos no projeto.
Inédito no segmento empresarial, o programa de democratização cultural da Votorantim se propõe a financiar projetos que ampliem o o popular às produções artísticas.
POA em Cena: Um Inquisitor pra lá de chato 6gx2j
Adriana Lampert
Considerado um dos maiores encenadores do século 20, assinando montagens revolucionárias entre as décadas de 60 e 80, Peter Brook, aos 83 anos, investe cada vez mais fundo no teatro minimalista – a mesma vertente por onde Antunes Filho vem trabalhando no Brasil há alguns anos. Esse é um teatro muito difícil de acertar, pois exige gestos mínimos dos atores (que ocorrem somente quando indispensáveis), e trabalha com pouco cenário (no máximo uma cadeira e outro elemento), e mínimos efeitos de luz e som.
Difícil mesmo. Tanto é, que apesar do brilhantismo do diretor (Peter Brook), do talento do ator (Bruce Myers) e da excelência do texto de Fiodor Dostoievski, o espetáculo O Grande Inquisitor (com apresentações dias 14, 15 e 16 de setembro, no Teatro do CIEE) deixa muito a desejar para aqueles que esperam do teatro mais do que uma “conversa” com o espectador.
Impossível não ter vontade de cochilar, durante os 55 minutos em que Bruce Myers despeja o texto (praticamente na íntegra), retirado do romance Os Irmãos Karamazov, da obra de Dostoievski. Em cena, ofuscado por Myers, um ator (Lucas Fontoura, que substituiu Ismael Caneppele na noite de domingo, 14) faz nada mais, nada menos que o papel de Jesus Cristo, curvado em um banquinho, sem a menor presença cênica. Enquanto Fontoura espera o momento de se retirar, para a cena final do espetáculo, Myers caminha pelo cenário aproximando-se e afastando-se, ora do público, ora do ator-figurante, falando sem parar, em um tom de voz praticamente linear. No domingo, a platéia ainda aplaudiu em pé. (!)
Porto Alegre em Cena: A versão carioca dos estratagemas de Schopenhauer q2k3u
Adriana Lampert
Uma grande quantidade de texto diluída em linguagem televisiva no palco. Foi esta a fórmula que Vitor Lemos usou para dirigir o espetáculo A Arte de Ter Razão, com apresentações na Sala Carlos Carvalho, nos dias 05, 06 e 07 de setembro, dentro do 15º POA em Cena. Os atores Helena Varvaki, Isaac Bernat e Thais Tedesco apresentaram, de forma bem humorada, a história de moradores de um condomínio no Rio de Janeiro que defendem teses distintas a respeito da separação do lixo no prédio. Para isso, utilizaram alguns dos estratagemas do livro homônimo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
Argumentos e retóricas em cena, e nenhum vencedor no final do espetáculo, que é uma livre adaptação do grupo carioca para o livro de Schopenhauer. Através dos estratagemas, as personagens confirmam a teoria de que para vencer, nem sempre é necessário ter razão. Depende da forma como o argumento é colocado – e para isso, vale até provocar raiva no adversário, atormentando-o e fazendo-o perder vantagem.
A peça é simples, e segue em torno desta batalha, muito harmônica, entre os atores. O cenário e a luz são agradáveis e estão em equilíbrio com a proposta do espetáculo, que se desenrola de forma divertida em busca da verdade de cada personagem.
Em Cena: Crónica de José Agarrotado 2q731
José Agarrotado traz poesia extraída na fisicalidade dos atores
Adriana Lampert
Carismático, bem executado e emblemático, o espetáculo Crónica de José Agarrotado foi, sem dúvida, uma feliz atração do 15º Porto Alegre em Cena. Os espanhóis David Climent e Pablo Molinero, do grupo Los Corderos.sc, são ótimos atores/bailarinos que desempenham com excelência as difíceis performances do início da peça, que os levam à exaustão (objetivo do teatro físico) e antecedem as hilárias e sensíveis cenas seguintes.
Para uma platéia lotada, na Sala Álvaro Moreyra, os dois se desdobraram fisicamente, ocupando toda a caixa cênica, revestida de pouco cenário muito bem explorado. As cenas trouxeram situações criadas e dirigidas por eles próprios, abordando a incomunicabilidade entre o homem consigo próprio e/ou com os demais. Difícil não sair tocado do espetáculo, que é sincero e intenso do início ao fim.