Teatro: Última apresentação de Inimigos de Classe 525v4b

O público porto-alegrense, ou em trânsito pela capital, terá – neste domingo (11/03), às 18h, no Teatro São Pedro – a última oportunidade para assistir Inimigos de Classe, de Nigel Williams, dirigida por Luciano Alabarse. O texto, violentíssimo – originalmente ambientado numa escola pública da periferia da Londres de 1978, em plena efervescência do punk inglês – narra o microcosmo de um grupo alunos confinados numa degradada sala de aula a espera de sua nova vítima: o professor. Enquanto ele não chega fazem um insólito jogo: cada um deverá dar uma lição aos outros. O melhor leva um pote de geléia. Nada vai bem no ensino público do mundo ocidental. Entre 1978 e 2012, apenas uma constatação: tudo piorou. Crise de autoridade, professores desestimulados, alunos cada vez mais violentos. Drogas, ameaças, brigas, crimes, massacres. A escola não é imune a nada, e a violência está dentro dos seus domínios, de suas salas de aula. Ao perceber a atualidade do tema, Luciano Alabarse, que já havia dirigido a peça em 1988, topou o desafio de encená-la novamente: “o texto de Inimigos de Classe é mais relevante hoje do que na época em que foi escrito. Recentemente, foi montado na Bósnia, como um reflexo da educação pós-guerra. É um texto rico e se alguma coisa piorou foi à sociedade. E não se trata apenas de situações de periferia”, explica o diretor. Alabarse também salienta que a temática de Inimigos de classe transcende a falência da escola e a própria condição social dos personagens, e coloca algumas perguntas básicas como: “que mundo é esse? Que sociedade é essa que estamos oferecendo as novas gerações? E dentro destas questões a abordagem sobre a falência do sistema escolar público”. Inimigos de classe, em tempo real, narra cerca de 90 minutos da vida de Ferro (Marcelo Adams), Bola (Denis Gosch), Anjo (Eduardo Steinmetz), Colosso (Fabrizio Gorziza), Espinha (Gustavo Susin), e Portuga (Fernando Zugno). Todos vizinhos de um bairro miserável, de lares desestruturados onde grassa o desemprego, o alcoolismo, o abandono. Dos pais, ou do país, não herdaram nenhum tipo de orgulho ou esperança. Só há trauma e raiva. Não conversam, agridem-se através de diálogos onde, de cada dez palavras, sete são palavrões. E qualquer banalidade é motivo para desafio, mas não de afirmação, pois, a princípio, sabem que estão na merda e nela permanecerão. Qualquer sonho – como a lição de jardinagem proposta por Espinha, ou aula de culinária de Bola – é logo transformado em chacota, principalmente por Ferro, o líder alfa da turma. Bola e Ferro são os dois grandes oponentes em torno dos quais giram os demais. Isso não representa fidelidade, pois, ao contrário da trama desenvolvida em O senhor das Moscas, de William Golding, não se trata de um conflito entre civilização e o retorno a barbárie. Trata-se, em Inimigos de Classe, da atualização da segunda opção. No final, entre o choro do ensangüentado Bola, e o urro sofrido da animalidade de Ferro, contrapõe-se o desprezo moral e institucional representado na fala do diretor da escola. Não há esperança, pois, são inadaptáveis e furiosos e, sendo assim, como poderão servir ao sistema? Contudo, eles continuam a esperar o professor. Além de Golding, é possível ligar Williams – que além de romancista, dramaturgo, também é roteirista, tendo trabalhado na adaptação de sua peça no filme de Peter Stein – ao cineasta Ken Loach que, em 1969, através do filme Kes, fez um belo retrato da classe operária inglesa, contando a história de um garoto que faz da arte da falconaria uma escada para tentar escapar de uma vida com poucas perspectivas. Dá para fazer um paralelo entre o falcão de Kes e o gerânio de Espinha, ou a almôndega (um pudding no texto original) de Bola. Em contraponto: o orgasmo em quebrar vidraças, de Portuga; o desejo de sexo full-time de Anjo; o preconceito contra os americanos (racial no texto original) de Colosso; e o fetiche sanguinário de Ferro que, em sua aula de defesa pessoal ensina que: “é preciso deixar o adversário no chão, pisotear o estômago do inimigo”. Na livre adaptação proposta por Alabarse temos uma direção segura, e a convincente interpretação do grupo de atores, que vestem bem seus personagens. O cenário, apesar da atualização e regionalização do texto – cita-se, rapidamente, AIDS, informática, música sertaneja – mantém o décor dos anos 1970. A luz é correta e a trilha sonora, composta integralmente por canções de Tom Waits, cria uma atmosfera melancólica e lírica. Na apresentação de sábado, 10/03, a produção, através de parcerias, disponibilizou aparelhos – os mesmos utilizados em traduções simultâneas – para que pessoas com deficiência visual pudessem, através de uma áudio descrição, ter o ao conteúdo visual do espetáculo. Trata-se de uma bela iniciativa, afinal, alguém, ao contrário de Ferro e turma, precisava merecer um pote de geléia. Por Francisco Ribeiro 6xd45

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