João Alberto Wohlfart Uma das questões relativas à atualidade mundial é a ascensão de Donald Trump à cadeira de Presidente do país mais rico e poderoso do mundo. É preciso questionar acerca do significado desta figura para o contexto mundial e para o cenário político e social da atualidade. Não é por providência divina ou por um acaso que esta figura é hoje presidente dos Estados Unidos, mas o fato está ligado a uma série de fenômenos típicos da atualidade. No presente artigo procuramos expor a ligação deste fato com o fenômeno do ódio cultural e racial tão intenso e tão difundido na atualidade. Para este novo milênio ainda nos seus começos esperava-se por um caminho capaz de engendrar uma nova humanidade e uma nova sociedade. Nestes tempos de globalização, as relações internacionais, os intercâmbios comerciais e culturais entre os diferentes quadrantes do planeta e a transversalização das questões globais mostram que a globalidade é mais forte que a especificidade das nações. Hoje os problemas e as questões, tais como ecológicas, econômicas e sociais são simplesmente globais, de forma que é difícil pensar num fenômeno meramente local. Do ponto de vista ético e histórico, a multiculturalidade e a interculturalidade superam a lógica de domínio imperial de algumas nações do mundo e de grandes corporações econômicas sobre múltiplas nações e povos. Nestes tempos de globalização é quase ridícula a divisão territorial entre países em fronteiras rigorosamente delimitadas. As fronteiras sempre foram abolidas por outra lógica no fenômeno das migrações. Muitos povos do mundo foram formados a partir de fluxos migratórios. Um exemplo típico deste fluxo migratório é a imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul, especialmente durante o século XIX. Quem escreve estas linhas também agradece a sua existência em função deste movimento migratório. A própria nação governada por Trump é historicamente formada por intensos processos de imigração. Na atualidade, as fronteiras deveriam ser mais abertas para permitir a livre circulação de seres humanos por outras nações, como um direito fundamental de todos de todos os seres humanos. Não é por acaso que o povo norte-americano conduziu à Presidência da República Donald Trump. É a expressão de um momento político, social e cultural global que estamos vivendo. Não é apenas no Brasil onde assistimos ao espetáculo de ódios raciais, machismos, homofobias, xenofobias, mas este é um fenômeno mundial. A xenofobia pode ser caracterizada como um sentimento de ódio contra quem é diferente, seja na etnia, na cor da pele, no sexo, na forma de pensar e na expressão cultural. No momento atual, os ódios tendem a criar situações sistêmicas de apartheid social e de maniqueísmo social. O ódio social é um fenômeno mundial e ele se expressa em vários níveis. Em nível mundial, é um motivo de divisão social e de exclusão social global. Acontece entre blocos continentais, entre nações e no interior de muitas nações e nas relações próximas entre as pessoas. Mas é particularmente um fenômeno global porque incide contra os fluxos migratórios que acontecem em todos os quadrantes do planeta. Não se trata apenas de um sentimento psicológico coletivo, mas com desdobramentos geoeconômicos, geopolíticos, sociais, culturais e religiosos. Vê-se em múltiplos espaços geopolíticos o fechamento de fronteiras para impedir a entrada de seres humanos e de culturas diferentes. Em muitos países surgem tendências políticas, com a formalização em partidos políticos, que tem como viés de atuação o ódio xenofóbico e a negação de outras culturas. No momento atual, Donald Trump é a personalização política universal da xenofobia. Até se escutou falar da construção de um muro entre Estados Unidos e o México, a ser pago pelo próprio México. O fenômeno se manifesta especialmente na declaração de recusa aos imigrantes provenientes do islamismo. Trata-se de uma tentativa orgulhosa de fechamento econômico, político, social e cultural daquela nação do norte e de negação de outros povos e nações. A xenofobia norte-americana carrega consigo a eliminação de relações geopolíticas bipolares e de transversalidade intercultural, quando aparecem novas formas de dominação econômica. Vê-se em muitos países do planeta seguirem os exemplos do mestre norte-americano nas ações políticas de sistemização da xenofobia. O fechamento de países ocidentais aos fluxos migratórios de povos orientais pode trazer consequências trágicas para eles mesmos. Seguramente, a nação liderada por Trump e outras que caminham para a mesma lógica, pagarão o preço por manifestações que vêm do próprio oriente. Todos somos cientes de atentados que aconteceram dentro da casa de grandes nações ocidentais, com impactos imprevisíveis. As nações que disseminam a lógica do ódio e expulsam de seus territórios quantos são diferentes, pagarão o preço ao serem odiadas da mesmas forma. As intensas correntes de ódio que estão se disseminando por todo o planeta, em esferas intercontinentais, continentais, nacionais e locais, carregam consigo a lógica perversa de autojustificação da própria condição cultural, e de consequente negação de quem é diferente. Trata-se da radicalização da identidade e da negação da alteridade, especialmente a étnica e a cultural. Parece que o homem branco de origem europeia optou pelo fechamento em si mesmo e pela negação do que é diferente. Com a Europa “invadida” por todos os lados, com a Alemanha caminhando para uma Islâmia, há reações típicas de ódio político e racial. No Brasil, a xenofobia já assume configurações sistêmicas. O governo golpista e usurpador, com as suas políticas de diminuição do Estado, esfacelou a nação brasileira e transformou o povo em objeto de ódio. No Brasil, há múltiplas expressões de xenofobia, nas modalidades conhecidas de ódio contra os negros, contra os indígenas, contra mulheres, contra os nordestinos, contra os moradores das periferias, contra as classes mais pobres. A xenofobia é sistêmica ao assumir dimensões de profunda interioridade, pois penetra nos rincões mais profundos da consciência social, e se desdobra em dimensões geopolíticas, econômicas e macrossociais. Uma análise mais aprofundada constata que se trata do ódio de uma classe dominante, numericamente pequena e com gigantesca força de dominação, contra a maioria do povo cada vez mais excluído das benesses do desenvolvimento econômico. Mas o ódio se aprofunda com a interiorização da posição da elite capitalista por parte do povo que reproduz e aprofunda o círculo xenofóbico contra os seus próprios semelhantes. Portanto, o povo negado pelo ódio, interioriza esta condição e se torna capaz de odiar-se a si mesmo, numa autonegação do próprio povo. Esta imensa massa popular é capaz ainda de idolatrar e afirmar os que os negam. Todos os dias assistimos a fatos novos motivados pela lógica do ódio e da xenofobia. Talvez de forma estratégica, os fatos da vida quotidiana se multiplicam numa tal rapidez para não ser possível assimilar a sua lógica. Enquanto não conseguimos compreender epistemologicamente um fato, outros já se desenrolam aos olhos de forma que nenhum deles é compreendido com profundidade, muito menos é assimilada a lógica global e o cenário completo do mundo atual. O fechamento das fronteiras proposta por Trump tem tudo a ver com acontecimentos locais. É visível a presença de imigrantes africanos, especialmente senegaleses, distribuídos em múltiplas cidades do Rio Grande do Sul. Na condição de negros e “vendedores ambulantes”, são objeto de violência policial, de cassetete, de prisões e de preconceitos sociais. Fenômenos parecidos são expressão de intolerância social, corporificada nas instituições jurídicas, que perseguem sistematicamente os que são os mais pobres e os mais fracos. O sistema jurídico dá uma legitimidade jurídica às mais variadas formas de ódio social e criminaliza os que são objeto deste ódio. A xenofobia dissolve a sistemática das relações sociais e transforma a sociedade numa massa de manobra e informe. A tendência é a transformação do povão em objeto de ódio por parte da burguesia dominante. O ódio sistêmico profundamente enraizado na estrutura social é completado com a dissolução por parte de organizações multinacionais e multilaterais globais, internamente legitimada e viabilizada pelo governo golpista e tentáculos de sustentação, do conhecimento, da ciência, da tecnologia e da engenharia brasileiras. Novamente, uma intensa ofensiva contra a educação, o conhecimento e a consciência política tenta rebaixar o povo a uma massa de ignorantes e concentrar toda a riqueza nas mãos da classe dominante. E o ódio social tem ramificações na criminalização dos movimentos sociais e na distribuição de armas entre a população. Priva-se o povo brasileiro de conhecimento e consciência crítica e se dá para ele armas para que faça uso da “legítima defesa”. Permitir o uso de armas significa permitir matar. Uma arma na mão representa um perigo para matar alguém. E se um mata o outro, e se se mata aquele que matou o outro, todo mundo deve matar todo o mundo e o homem se extingue. Como o povo foi rebaixado à condição de objeto de ódio, é legítimo que ele se mate entre si. As indústrias de armas e o sistema jurídico agradecem. É mais um efeito do fenômeno Trump que aumenta o investimento em armas e em guerras. Neste círculo, o ódio de um grupo dominante contra o povo, nas suas mais variadas formas de expressão, transforma o ódio ao povo pelo ódio do povo em relação a si mesmo. O aumento vertiginoso da violência nos centros urbanos e a multiplicação das mortes é consequência da política de desmonte do Estado e da distribuição das armas. Na história da humanidade houve intensos fluxos migratórios, motivados por diversos fatores. Basta lembrar a imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul. Isto ainda fica mais complexo quando pensamos nos diferentes movimentos culturais que entram na composição de uma determinada cultura. Os diferentes ódios sociais que configuram a xenofobia representam uma ameaça para a integração social nos diferentes círculos que caracterizam o sistema social. A xenofobia é um retrocesso antropológico, social e histórico. No momento em que, como humanidade, deveríamos dar os significativos na constituição de uma sociedade global, eclodem em todas as esferas planetárias expressões intensas de ódio. Novamente, e como nunca dantes, não nos amos em nossas diferenças. E nos fenômenos de ódio há uma clara combinação entre a dimensão econômica e social. Os que trabalham para a elite dominante, são odiados pela mesma elite que nega a si mesma na negação da sua diferença. 6y1a3y