Uma sociedade sem respeito 5j6t6g

Jorge Barcellos Doutor em Educação A morte de Marisa Letícia Lula da Silva desencadeou nas redes sociais manifestações que levaram a demissão do neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis, da rede Unimed São Roque e da médica Gabriela Munhoz, demitida do Hospital Sirio-Libanês por divulgar dados sigilosos da paciente. Enquanto que Munhoz divulgou exames privados, Ellakkis afirmou  nas redes sociais “Tem de romper no procedimento. Dai já abre a pupila. E o capeta abraça ela”.  Ambos faltaram com respeito a primeira dama Marisa Leticia. Porquê? O primeiro capítulo de No Enxame (Relógio D’Agua, 2016), obra de Byung-Chul Han sobre o sistema digital é intitulado “Sem Respeito”. Para Han, não nos damos conta da mudança radical de paradigma provocado pelo advento do digital e que tem modificado, segundo ele, nossas formas de convivência. Para Han, a modificação mais notável que o digital provoca nas relações interpessoais é a perda do respeito. Respeito pressupõe o olhar distante, o contrário do estimulo do olhar  sem distância do digital. Respectare é o contrário de spectare: o primeiro exige uma consideração distanciada, o segundo é o estimulo ao voyeurismo do olhar. ”O respeito é uma condição fundamental da esfera pública. Onde o respeito desaparece, o que é publico decai” afirma Han. As manifestações de Ellakkis e de Munhoz em relação à Marisa Letícia são sintomas da desagregação de nossa esfera pública. Por esta razão nas redes puderam ser vistas demonstrações de repulsa aos gestos na publicação das imagens do Presidente Fernando Henrique recebendo, por ocasião, do falecimento de Rute Cardoso, respeitosas condolências, e, após, reciprocamente, quando o mesmo  consola Luis Inácio Lula da Silva. As postagens mostraram a indignação com o gozo de uma população reacionária com a situação de Marisa Leticia,  essa total falta de distância, que fez com que não houvesse qualquer traço de decoro médico nos protagonistas e em  milhares de comentários desrespeitosos que circularam nas redes. Dizemos que o digital “abole as distâncias “ e não nos damos conta de que o efeito disso é justamente lesar o respeito. Nos templos gregos, o espaço do adyton era isolado e separado como técnica para gerar veneração e iração, respeito pela imposição de uma distância. Esse espaço se perdeu com o advento do digital, Ellakkis e Munhoz fizeram uma exposição pornográfica da sua vida privada e da primeira dama Marisa Leticia. Han lembra que para Roland Barthes, em sua obra “A Câmara Clara”, a vida privada é “essa zona de espaço, de tempo, em que não sou uma imagem, um objeto”.  Ellakkis e Munhoz privaram Marisa Leticia de sua esfera privada ao fazerem seus comentários e divulgando informações a que tinham o, transformando-na num objeto para o voyeurismo das massas reacionárias. “O respeito está ligado ao nome” afirma Han. Essa cultura da indiscrição que o digital fomenta é antagônica a cultura do respeito, elas são, numa palavra, shitstorms (tempestades de merda) exatamente como vimos nas redes sociais e que incluíram, inclusive, que na sexta feira (3/2), a Corregedoria do Ministério Público de Minas Gerais abrisse uma investigação para averiguar a conduta do procurador da Justiça daquele estado, Rômulo Paiva Filho, que fez uma postagem nas redes sociais torcendo pela morte de dona Marisa Letícia, onde registrou  “Morre logo peste. Quero abrir logo o meu champagne!”.  Incapazes de respeitar o nome de Marisa Leticia, tais manifestações mostram a corrosão de todas as práticas que são nominais: a responsabiidade, a confiança, a promessa, tudo é definido, diz Han, a partir da fé no nome: “o digital, que cinde a mensagem e o mensageiro, a informação e o emissor, destrói o nome”, sentencia o autor de Psicopolitica. As injurias de Ellakkis, Munhoz e Paiva Filho foram as que mais alcançaram projeção na tempestade midiática de injúria que cercou os momentos finais da morte de Marisa Leticia. Ela prova que o avanço do digital tem como característica  geração de uma cultura de falta de respeito e indiscrição só possível porque o veiculo dá vazão que ao que o afeto seja objeto de transmissão imediata, ao contrário, por exemplo, das cartas enviadas à redação dos jornais, cuja temporalidade é diferente porque, feitas a mão ou a máquina, são enviadas quando a excitação imediata já se dissipou, afirma Han. Outro fator que impulsiona a cultura da falta de respeito e indiscrição promovida pelo digital é ausência de hierarquia entre receptor e emissor. Até agora, esta dissolução era vista de forma positiva pelos analistas, onde cada um é simultaneamente emissor e receptor de conteúdos: para Han essa dissolução é um problema “o refluxo da comunicação destrói a ordem do poder”, afirma. Essa tempestade de injúrias on-line carrega efeitos destrutivos quando há uma erosão das hierarquias. O poder está presente nos meios de comunicação e se manifesta quando o respeito é exercido, quando atribuímos valores morais e pessoais a pessoas e situações. O mundo bipolar das bolhas politicas on-line dividido entre petralhas e coxinhas é um mundo que mina a cultura do respeito,  incapaz que é de preservar valores.  Marisa Leticia foi desrespeitada nas redes sociais por adversários políticos que lhe atribuíram qualidades exteriores que não cabiam no momento em que vivia, adversários que queriam exercer sobre ela o um poder de sua fala, de estabelecer com ela uma relação assimétrica. Mas o respeito não é assimétrico, diz Han, é recíproco, isto é, é baseado numa relação simétrica de reconhecimento: você pode discordar de sua posição politica para valorizar a sua (assimetria), mas você deve ser capaz de reconhecer que ela e Lula merecem respeito num momento de dor pois somos todos …humanos (simetria). Essas ondas de indignação que se espalham nas redes sociais, que criticam a tudo e a todos, que abolem o respeito em nome de seu voyeurismo de plantão redefinem a soberania política, afirma Han. Carl Schmitt definiu a soberania como o poder de quem define o Estado de exceção e sua tradução em termos acústicos seria a capacidade de criar o silêncio absoluto, de eliminar todo o ruído, de fazer calar os outros instantaneamente “Depois da revolução digital, teremos de reformular uma vez mais a definição de soberania de Schmitt: “É SOBERANO QUEM DISPÕE DAS SHITSTORMS DA REDE” (Han, p. 18). As ondas de indignação que se teceram ao redor de Maria Letícia desejando sua morte foram eficazes na promoção de mobilização e atenção da direita. Seu caráter incontrolável e desrespeitoso, no entanto, deve-nos mostrar sua inadequação ao espaço público na sua incapacidade de conter-se a si própria em respeito a dor. Esta histeria coletiva não ite debate e nem dialógo e por isso deve ser rechaçada do espaço público “não constroem um nós estável que exprima uma estrutura do cuidado do social no seu conjunto”, diz Han.   4s304

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