A imprensa e a Lava Jato: quem vai botar o guizo neste gato? 40412c

O processo do MP para cassar a concessão da Jovem Pan por atentado à democracia, abre uma picada que pode dar na responsabilização dos grandes grupos de comunicação pela adesão e apoio incondicional à Operação Lava-Jato, cujos desmandos começam a ser desvelados. 4h5xd

“Esse é um capítulo que ainda não foi aberto, mas não há como fugir dele”, sentenciou Gilmar Mendes em entrevista recente à Record. A entrevista foi encerrada quando ele tocou no assunto.

Como a Rede Globo vai justificar centenas de manchetes no Jornal Nacional, ilustradas por um duto que jorrava dólares, baseadas em vazamentos ilegais de delações premiadas que, agora se esclarece, eram obtidas sob tortura psicológica?

O jornalista tem a prerrogativa de preservar a fonte para revelar informações  de interesse público.  Mas dois anos de manchetes baseadas em vazamentos ilegais?

O caso de Antônio Palocci é exemplar. Foi mantido na prisão até fazer uma delação como queriam os procuradores, com acusações sem provas (que ele agora desmente), e divulgada na reta final de eleição de 2018.

Os grandes grupos de mídia – Globo, Estadão, Folha de São Paulo, com  todos seus afiliados e apadrinhados – tem muitos esqueletos no armário.

Para ficar nos últimos 70 anos:  a campanha que levou Vagas ao suicídio, a tentativa de impedir Jango em 1961, o apoio ir aos militares em 1964, a farsa de Fernando Collor, “o caçador de marajás” em 1989, o “fenômeno Bolsonaro” em 2018…

Em todos esses episódios sombrios para a democracia encontra-se as nítidas digitais da chamada “grande mídia”.

Em nenhum deles, no entanto,  o engajamento foi tão entusiasta e declarado quanto na Operação Lava-Jato.

ada à limpo, a Lava Jato revela-se uma armação. Estou ansioso para ler o editorial do Globo justificando seu apoio incondicional à República de Curitiba;

Na novela, na I, no campo, nas cidades: a disputa pela terra no Brasil 1m4hh

Na novela da Globo, o conflito entre um coronel dono de terras e a viúva de um posseiro.

No  Congresso uma MI para investigar o Movimento dos Sem Terra.

Em diversos pontos do Brasil, o protesto dos indígenas contra o marco temporal para demarcação de suas terras.

No bairro do Santinho, em Florianópolis, a campanha dos moradores contra condomínio que vai tomar o terreno que eles usam como praça.

A questão da terra no Brasil, sua posse e seu uso, só está fora do noticiário dos grandes veículos de comunicação.

É a questão mais antiga, que remonta às origens do Brasil.

Antes de ser um território conhecido,  já era alvo de disputa.

A concessão de terras a súditos fiéis foi o principal instrumento do império português  para garantir o seus domínios.

Aí formou-se uma casta de proprietários de terras, que anda hoje vivem e se reproduzem à sombra do poder que sustentam e  que lhes garante os privilégios.

A ausência do tema no noticiário corrente revela a incapacidade dos meios tradicionais para abordar as questões que realmente importam.

 

 

 

 

Museu Ivo Caggiani: a memória sem fronteiras 2533x

O pronto acolhimento que o  Museu Departamental de Rivera deu ao acervo do historiador Ivo Caggiani,  revela a compreensão de que o importante é preservar uma memória, que transcende as fronteiras traçadas por guerras ou políticas.

A linha imaginária que separa os territórios de Brasil e Uruguai, entre Santana do Livramento e Rivera, foi o arremate de um processo de guerras e arranjos diplomáticos ao longo de séculos, para demarcar as fronteiras no extremo Sul.

O historiador Fernando Cacciatore tirou dessa vitória final da diplomacia, que se deu em Livramento/Rivera,  o título de seu brilhante livro “Fronteira Iluminada”.

Segundo  ele, a demarcação dos limites entre Brasil e Uruguai concluída em 1920 com a definição da linha imaginária entre Livramento e Rivera,  encerrou  500 anos de disputas entre Portugal e Espanha pelos territórios do Sul da América.

Diz o historiador: “Em nosso Estado, a saga de Tordesilhas, na verdade iniciada em 1421 com a primeira bula papal concedendo vantagens territoriais a Portugal, encerra-se 500 anos depois, mais precisamente em janeiro de 1920, quando são demarcados os limites entre o Brasil e o Uruguai, pelas ruas, avenidas e praças de Santana do Livramento e Rivera”.

Sim, aquela  fronteira é iluminada. Mas nos últimos dias deu um apagão pro lado de Livramento.

ELMAR BONES/ Jornalismo: a esperteza engoliu o dono 4m2s2q

O que está em crise não é o jornalismo.

O que está em crise é o modelo de negócios montado em cima do jornalismo.

O jornalismo padece de um efeito colateral dessa crise do modelo.

Esse modelo nasceu quando um espertalhão descobriu que, além de vender notícias, um jornal podia também vender anúncios.

Consta que foi um alemão no porto de Bremen, dono de um folheto que informava sobre o movimento de navios.

ou a ter duas receitas,  do produto (o folheto que vendia nas ruas) e dos espaços dentro do folheto, vendidos a comerciantes.

A combinação permitiu baratear o produto, ampliar a circulação, atrair mais anunciantes…

Bem aplicada, a fórmula construiu impérios de todos os portes ao redor do mundo, o modelo disseminou-se por mais de dois séculos.  Agora faliu.

A esperteza engoliu o dono, os anunciantes tomaram conta do negócio e contaminaram irreversivelmente o produto (o noticiário).

Já o dominavam completamente quando a internet chegou com a pá de cal. Com as redes sociais, o anunciante não depende mais do jornalismo para alcançar seu público.

E como fazer jornalismo num grupo cujo negócio é usar o jornalismo para fazer negócios?

O modelo ruiu. Soterrado nos escombros está o jornalista. Justamente no momento em que é mais necessário e na hora em que novos meios oferecem possibilidades como nunca.

Ele sobreviverá? Quem vai salvá-lo?

ELMAR BONES/ Renato Fonseca, o Divino (anotações para um perfil) 325266

Divino Renato Fonseca. Na primeira vez que nos encontramos chamei-o de Renato. Era elegante, simpático, gentil, mas achei que Divino era demais.

Era 1965, cheiro de ditadura no ar, ele era presidente do Clube de Jornalismo, que congregava os alunos curso  de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, meia centena de candidatos a uma profissão ainda dominada pelos chapas-brancas.

Nas primeiras conversas me dei conta: o nome Divino calhava naquele cara. Foi um dos meus primeiros amigos em Porto Alegre, um dos mais encantadores.

Certa vez, numa festa, um dos convidados bebeu demais e se exaltou, começou a gritar e a xingar todo mundo. Divino levantou da cadeira, contornou a mesa  e tentou acalmar o sujeito, que reagiu aos berros. Ele agarrou o cara pelo colarinho, deu-lhe uns três tapas e o jogou na cadeira. Deu as costas, saiu calmamente e veio sentar-se. O cara levantou e deu o fora.  “Que foi isso Divino?”.  “Ele estava abusando”.

Seu primeiro emprego, antes de sair da faculdade, foi como fiscal da Secretaria de Indústria e Comércio de Porto Alegre. Numa das primeiras operações de fiscalização encontrou irregularidades numa grande empresa, a multa era alta, o dono ofereceu propina, ele recusou,  foi ameaçado de morte se levasse adiante o processo. Levou o problema ao diretor e foi aconselhado a aceitar o suborno e evitar o pior. Registrou as notificações de multa e pediu demissão do emprego público.

Juca Kfouri lembrou o apelido que os colegas da Placar lhe deram: “O Dostoiéviski dos pampas”.  Seus textos eram lidos em voz alta na redação.

Na “História Ilustrada de Porto Alegre” ele foi o editor de texto. O projeto era uma série de fascículos, descrevendo a formação da cidade, desde a pré-história até o presente (1997).

Era uma operação complexa, com repórteres, pesquisadores, fotógrafos   Ele foi a indicação unânime para finalizar o texto, que precisava ser simples, claro e conciso. A redação vibrava com os títulos e as sacadas. O historiador Sérgio da Costa Franco, que era nosso consultor, devolvia os originais com elogios.  O Caco Schmitt, que chefiava a equipe até hoje se emociona. Sim, o nome Divino definia bem aquele cara.

NR: O jornalista Divino Renato Fonseca morreu no dia 10/12/2022, aos 80 anos.

Equipe que produziu a “História Ilustrada de Porto Alegre”, em 1997: da esquerda para a direita: Luiz Ávila, Divino Fonseca, Adelia Porto, Elmar Bones, Caco Shmitt, Sérgio da Costa Franco, José Antonio Czamanski, Rosana Carlessi, Ricardo Fonseca, Paulo Pingret e Clô Barcellos.

 

 

 

 

ELMAR BONES/ Prefeito brinca com fogo? a5hf

Tudo indica que o prefeito Sebastião Melo está brincando com fogo.

A audiência extraordinária na Câmara, na noite desta terça-feira, 23, não deixa dúvidas: a ideia de considerar o parque da Redenção como um ativo urbano e entregá-lo a uma gestão empresarial é explosiva.

Ainda mais com um projeto de estacionamento subterrâneo embutido. É um projeto tão inábil que não faz jus à inteligência do prefeito Melo.

Por isso, talvez, muitos militantes do movimento contra a concessão suspeitem que a Redenção é o “bode na sala” do pacote de parques a serem concedidos a investidores privados.  Nas negociações, o prefeito retira a Redenção e a o resto da boiada.

A audiência extraordinária, porém, mostrou que a situação pode fugir ao controle.

A emocionante mobilização dos usuários do parque da Redenção pode contagiar e gerar um movimento contra qualquer concessão de parque público.

O Calçadão do Lami, por exemplo, incluído à última hora no projeto, sem conhecimento dos moradores, já tinha vários representantes na audiência, que obtiveram da secretária Pellini a garantia de uma audiência lá no bairro, que não estava prevista.

Já dizia o velho Rosa: “Quando a esperteza é demais, engole o dono”

Por que não um teto de juros para a dívida pública? 4a3b5b

Em 2021, o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão (um trilhão e 960 bilhões) com juros e amortizações da dívida pública.

Representa um aumento de 42% em relação ao valor gasto em 2020, que por sua vez já tinha sido 33% superior a 2019.

Portanto, nos últimos dois anos, os gastos financeiros com a dívida federal quase dobraram. Apesar desses vultosos pagamentos, em 2021 a Dívida Pública Federal aumentou R$ 708 bilhões: de R$ 6,935 trilhões para R$ 7,643 trilhões.

Enquanto todos os outros investimentos necessários ao  desenvolvimento socioeconômico são deixados de lado, por falta de recursos, o Sistema da Dívida é intocável.

Recursos não faltam no Brasil.

Além de cerca de R$ 5 trilhões em caixa houve “Superávit Primário” em 2021, no valor de R$ 64 bilhões . Mas todo esse dinheiro está reservado para o rentismo!

O gráfico do Orçamento Federal Executado (pago) em 2021 evidencia o privilégio do Sistema da Dívida.

(Informações da Auditoria Cidadã da Dívida

ELMAR BONES/ Já está nos editoriais 3a6t3n

O maior desafio do governo Lula é rever o modelo econômico implantado a partir de 2016. Que modelo é esse?

Neoliberalismo é o rótulo genérico, mas ele tem muitas nuances. Numa delas, poderia ser chamado de neocolonialismo.

Ele vem de antes e vem de longe. Teve suas bases lançadas no governo Collor, continuidade nas privatizações do governo FHC, aprofundamento desde 2016, depois de um hiato petista que não abalou sua base ideológica.

Privatizações, desregulamentação, estrito controle dos gastos do governo, redução do Estado e dos serviços públicos, para abrir espaço aos negócios privados, que seriam o motor da economia e do desenvolvimento social.

Pelo mundo inteiro, a começar pela Inglaterra de Tatcher, esse modelo teve suas bases teóricas destroçadas pela realidade que produziu:  concentração de renda, desigualdade, estagnação econômica.  Mas seus defensores no Brasil desenvolveram um discurso que, com o “auxilio luxuoso” da mídia,  se tornou dominante: a receita ainda não foi aplicada inteiramente e mesmo assim já tem resultados, portanto, o que precisa é aprofundá-la.

De fato,  em seis anos desse regime, com uma pandemia no caminho, é fácil embaralhar os dados e valer-se dos indicadores macro-econômicos, devidamente sob controle, para mostrar que a economia está no caminho certo e que, portanto, é preciso manter o rumo e aprofundar o projeto.

Esse discurso já está nos editoriais. Indício do que vem pela frente.

   

 

ELMAR BONES / As façanhas de Eduardo 2n653s

O governador Eduardo Leite sofreu muitas críticas ao adotar para seu governo o lema “Novas Façanhas”, inspirado num verso do Hino Farroupilha, que é o hino oficial do Estado: “Sirvam nossas façanhas/ de modelo à toda Terra”.

Ele venceu. Difícil mensurar o tamanho da façanha de Eduardo Leite  neste 30 de outubro de 2022, ao quebrar um tabu político e um tabu social no Rio Grande do Sul: o homossexual declarado se reelege governador, num Estado machista que não dá segunda chance a seus governantes há quatro décadas.

E não foi uma vitória qualquer. Foi quase um milhão de votos de vantagem, numa eleição em que a  diferença na disputa nacional, entre Lula e Bolsonaro, foi pouco mais de dois milhões de votos

Eduardo Leite chegou a essa vitória por caminhos travessos. Já na primeira campanha disse que não seria candidato à reeleição.

Apresentou-se ao PSDB, seu partido, como candidato a candidato à Presidência da República. Perdeu a convenção, não aceitou a derrota.

Renunciou ao governo gaúcho para se dedicar inteiramente ao projeto presidencial e foi buscar abrigo para sua ambição em outras legendas.

Não deu certo, mas em função desse objetivo, Leite construiu uma aliança com o deputado Gabriel Souza, do PMDB, que seria candidato a governador, com seu apoio,  se o projeto da candidatura presidencial desse certo.

Deu errado, mas Eduardo Leite voltou sobre seus os e conseguiu a façanha de manter a aliança com  Gabriel Souza, numa chapa em que ele Eduardo estaria na cabeça, com o aliado na vice. O arranjo dividiu o PSDB e o PMDB do Rio Grande do Sul, mas prosperou.

Na hora do voto, ele quase perdeu a vaga do segundo turno para Edegar Pretto, do PT. Ganhou por pouco mais de dois mil votos e, aí, mais uma façanha: ganhou com os votos de Porto Alegre, onde fez seis mil votos a mais do que Pretto.

Na disputa com Onyx Lorenzoni,  no segundo turno, encontrou a condição ideal: candidato a derrotar o bolsonarismo, sem rechaçar Bolsonaro*, tornou-se opção obrigatória para seus principais adversários. O resultado aí está.

O sonho presidencial está de pé como nunca, mas ainda depende de uma façanha, talvez a  maior de todas: desatar os nós em que o Rio Grande do Sul está amarrado – dívida impagável, serviço público em colapso, investimentos congelados,  a economia patinando,  e os partidos que o apoiam em crise. Haja façanha!

*Nota da Redação: “…derrotar Bolsonao sem rechaçar o bolsonarismo”.

ELMAR BONES/ O voto em Lula 1e5f2c

O voto em Lula neste 30 de outubro se impõe não apenas para remover Jair Bolsonaro.

Tirar Bolsonaro é condição sine qua non, como ter que arredar um tronco caído na estrada em que se quer ar. Mas não é tudo.

O voto em Lula se impõe também pela necessidade de mudar essa política econômica, que entrega ao mercado a solução das questões sociais, do desenvolvimento da ciência e da preservação ambiental.

Esse projeto começou com o golpe de 2016, no qual Bolsonaro pegou carona.

Bolsonaro não representa esse projeto. Caiu de paraquedas nele, graças àquela facada. Se segura na carona do Guedes, o fiador. Agora se tornou incõmodo por seu primarismo, por seu isolamento que prejudica os negócios.

É preciso ter clareza disso porque o governo Lula só vai adquirir sentido quando mexer nas pedras de toque desse capitalismo selvo/financeiro em andamento.

Só uma cidadania consciente vai sustentar o governo neste momento,  quando todos os mecanismos do projeto neoliberal vão se mover para atacá-lo.

Os manifestos divulgados nos últimos dias pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, seguida de outras em outros Estados, são explícitos num ponto:  a importância da continuidade da política econômica que, segundo eles, vem tirando o Brasil da crise provocada pelo coronavírus.

O sonho desses grupos é se livrar de Bolsonaro e manter o projeto. Então, é preciso ter clareza que o voto em Lula não é só um voto contra Bolsonaro. É também um voto contra um projeto de Brasil-colônia, uma economia predatória, em benefício de poucos e prejuízo de muitos.