Altair Martins autografa na Feira do Livro, nodia 17/11, às 17 horas. Foto de Santiago Martins/ Divulgação Geraldo Hasse 5b672q
Dois irmãos separados por brigas familiares se reencontram depois de 20 anos e empreendem uma viagem de carro de Porto Alegre a Buenos Aires. Esse é o resumo do livro Os Donos do Inverno (255 páginas, Dublinense, 2019), recém-lançado por Altair Martins, “um dos mais surpreendentes escritores de sua geração”, segundo o crítico José Castello. Martins tem 45 anos, é professor de literatura na PUCRS e já ganhou alguns prêmios com suas ficções marcadas pela dor de ser humano.
O caso deste livro é assim mesmo: os irmãos adolescentes tiveram uma briga de socos no dia do enterro do irmão mais velho, após o que cada um sai para seu lado e nunca mais se vêem até combinar a viagem ao Sul. Uma viagem maluca cujo objetivo é: levar os ossos do irmão falecido ao Hipódromo de Palermo, na capital argentina, onde ele exerceria sua profissão (jóquei) caso não tivesse a carreira interrompida pelo acidente. Os ossos vão num saco plástico dentro de uma caixa de isopor. Para evitar problemas na BR-116, descem por São José do Norte.
No terceiro dia, a grande aventura termina na corrida noturna de segunda-feira em Palermo. É uma ficção bem posta na pista pois contém elementos da realidade: o pai de Altair Martins era jóquei e empresta seu nome profissional (C. Martins) à personagem representada pelos ossos dentro da caixa de isopor. O irmão chamado Elias é professor de biologia e tem o dom de conversar com os cavalos. O outro, Fernando, é o motorista que trabalha com um táxi e costuma concordar com tudo o que dizem seus ageiros.
Viajando por um mil e tantos quilômetros ao longo da paisagem do litoral, os dois irmãos, mais o falecido, ream a época em que viveram, os três, no mesmo quarto, dividindo um beliche e uma cama, na cidade de Guaíba, hoje com 100 mil habitantes, mas na década de 70 pouco mais do que um bairro separado da capital por um mundaréu de água que alguns dizem ser rio e outros, lago. Na realidade, Guaíba pode ser uma figuração da Palermo de Porto Alegre, assim como Palermo poderia ser o Cristal de Buenos Aires.
Para compreender certas metáforas, não é preciso conversar com cavalos. O fato é que o autor desta resenha não se lembra de ter lido qualquer ficção que tenha cavalos de corrida como personagens. Por isso, se cogita até de realizar uma sessão de autógrafos no Hipódromo do Cristal, onde se encontram pessoas que conviveram com o C. Martins de verdade e talvez se disponham a apostar R$ 44,90 no livro de um escritor que ite fazer “ficção a partir de alguma realidade”. É o que fazem muitos escritores, embora não itam a mescla do vivido com o inventado.
Sem dúvida, não é preciso ser turfista, basta ser gaúcho para aceitar que um dos irmãos viajantes tenha o dom de entender-se com os cavalos. Sem nunca perder a mão, o autor esmera-se numa “tocada” capaz de restabelecer o clima da literatura conhecida, nos anos 1970, como o realismo mágico ou fantástico.
Segurando bem as rédeas de sua história, Altair Martins faz uma rica viagem ao Sul profundo, esse sul mítico que liga Porto Alegre às duas capitais do Prata. Uma viagem de resgate, de busca de identidades extraviadas. Sem dúvida, uma bela história que registra a travessia São José do Norte-Rio Grande, a agem por Santa Vitória do Palmar e Punta del Este.
Em Montevidéu, os irmãos reconciliados encontram um veterano que afirma ter trabalhado em Porto Alegre com Rubén Paz, quando este jogou no Internacional. O sujeito mora na Calle de La India Muerta, nos confins da cidade. A narrativa mistura fatos naturais a aspectos lendários. Em Colonia do Sacramento, um encontro mítico com a História com H.
Em Buenos Aires, por fim, parece perfeitamente natural que os cavalos falem com os hermanos visitantes e estes os compreendam, servindo tais façanhas como incentivo à reconciliação das sociedades latino-americanas separadas por pequenas barreiras e unidas por línguas parecidas. Por coincidência, no livro, os cavalos do Brasil, do Uruguai e da Argentina falam a mesma língua. Para ellos, no hay problemas.
Por que você não escreve um livro de ficção? acho que você essa vertente e não a usa. Bela matéria essa. Me lembrou os idos de 1969 quando um então meu chefe, me levou ao hipódromo em Curitiba. Se minha memória não me engana, ele inclusive ouviu alguma conversa nas baias. Éramos jovens.