Paulinho da Viola celebra sua história em “Quando o Samba Chama” 1h2u4

Quem nunca assistiu Paulinho da Viola ao vivo, certamente, tem uma grata surpresa. Não unicamente pela figura calma, serena, quase tímida em palco, mas também pela beleza e simplicidade de sua voz que, além de afinadíssima, traz um acalento para a alma em arranjos complexos que, nesse soar, parecem tão simples. Parece impossível não trazer um pouco da própria história quando se assiste a um show desses, que revisita a própria história do artista, com suas parcerias e colaborações, assim como a sua construção como músico. 124gi

Foto: Samanta Flôor

O show, claramente, é uma celebração à vida. Uma celebração às origens e uma celebração aos que virão. A presença de Beatriz Rabello, sua filha, em palco, cantando lindamente e enfatizando como o Samba ainda é um ambiente prioritariamente masculino (e, ironicamente, mostrando que o palco só tinha ela de mulher) e seu filho violonista João Rabello, ao lado do pai o show inteiro, mostram que temos grandes músicos para perpetuar essa história.

Foto: Samanta Flôor

E quando se vê um show de estrutura simples no Araújo Vianna é quando o grande artista desponta. O cenário era praticamente um telão, por onde se aram imagens e animações (in memoriam) assinadas pelo parceiro de longa data, Elifas Andreato, que, assim como outros grandes nomes, como Zé Keti, Cartola, Monarca, Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus, foram exaltados como figuras enfáticas em sua carreira musical. A direção de arte não deixou em nada a desejar, não apenas enaltecendo tais figuras, mas sutilmente criando desenhos de luzes que nos mostram que também estávamos de frente a uma figura que já tem seu nome marcado na história do Samba.

Foto: Samanta Flôor

Paulinho da Viola e seu jeito discreto em palco revisitou não apenas amigos, mas histórias que nos remeteram a como as coisas funcionavam antigamente, inclusive desmistificando a tal competitividade da Portela e da Mangueira, contando que outrora (como até hoje) se visitava os barracões dos “adversários”. Sua interação com o publico é gentil e sutil, e sua gentileza em dividir sua história nos permite ter outra visão sobre o Samba.

Quem acha que esse jovem senhor de 82 anos está perdendo seu pique, por um setlist que, além de grandes sucessos, contava com muitas músicas menos conhecidas e muitos choros, não apenas se surpreende ao vê-lo fazer grande parte do show de pé, mas por nos brindar com um samba no pé no bis, em “No Pagode do Vavá“. Visivelmente emocionado desde que cantou “Para ver as Meninas” – mesmo seguida de “Argumento“, onde a plateia cantou em uníssono – fica claro como o público também é um elemento dessa trajetória, e que também merece ser lembrado e enaltecido.

Foto: Samanta Flôor

Parece impossível assistir a “Quando o Samba Chama” sem ser de uma forma afetiva. Não só pelo que Paulinho da Viola simboliza, mas porque sua arte e seu talento nos remete a isso.

Na minha história, certamente faltou “Coisas do Mundo, Minha Nêga”, mas na história dele, essa música ficou num disco ao vivo no ado. E talvez essa seja a beleza que a música como arte anda perdendo de muitas formas: permitir que as histórias se entrelacem e construam novas narrativas.

 

Fotos Samanta Flôor

 

 

 

 

 

Nação Zumbi trouxe Da Lama ao Caos de volta ao Opinião em Porto Alegre na noite de ontem 1h5l6q

Modernizar o ado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios os que destroem o poder bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro!
Todos os Panteras Negras
Lampião, sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia

Parecia impossível não se arrepiar ao ecoar das frases da abertura com “Monólogo ao pé do Ouvido”, dessa vez com o timbre mais intenso de Jorge du Peixe, quase inaudível com a plateia lotada cantando junto. Mesmo revisitada em muitos shows da Nação Zumbi, revisitar “Da Lama ao Caos“, álbum de lançamento de Chico Science e Nação Zumbi, trouxe quem viu o saudoso Chico Science e gerações que só ouviram falar para cantar, pular, vibrar e viver um pouco do movimento Manguebeat, na noite de ontem no Opinião. 

Os arranjos levemente mais pesados, alinhados ao timbre de Jorge Du Peixe, atenderam fielmente ao que se esperava do show, que não contava com nenhuma tentativa de cópia dos shows dos anos 90. Muito melhor que isso, a referência de que Chico Science permanece vivo se mostrou em algumas poucas frases e no chapéu de palha do cantor, morto num acidente de carro em 1997.

E quando o álbum comemora seus 30 anos, percebe-se que a Nação Zumbi segue em forma, seguindo seus conceitos de valorizar (e espalhar) a cultura pernambucana, ainda tão surpreendente aos olhos gaúchos. Não só por mencionar o companheiro de Movimento Mangue Fred Zero Quatro, do Mundo Livre SA, compositor de “Computadores fazem Arte”, mas também por ressaltar a parceria musical muito comum pelo Recife, enfatizando que o baterista é da Academia da Berlinda, banda que claramente também bebe da fonte do mangue. Mais que isso, o maracatu é reverenciado em diversos momentos do show, desde os tambores virarem frontmen, até a presença da indumentária, propagada ao grande público pelo clipe de “Maracatu Atômico“, que apareceu em palco inicialmente em “Salustiano Song” – música em homenagem ao Mestre Salustiano, do Maracatu-, ao lado da primeira aparição no show de Maciel Salú e sua rabeca, instrumento muito pouco mencionado por aqui e tão nordestino.

Com um bis de 5 músicas, sem saída de palco, com “Foi de Amor“, “Manguetown“, “Meu Maracatu Pesa uma Tonelada“, “Quando a Maré Encher” e “Maracatu Atômico“, o show durou mais de uma hora e meia e trouxe um suspiro de esperança com seus gritos de ordem e suas letras politizadas reflexivas, na ponta da língua de todas as gerações que estavam no show, que até esqueceram seus celulares no bolso e apenas viveram (e dançaram) o momento.