Porto Alegre 253 anos: hora de refletir 1d6914

Porto Alegre, que comemorou 253 anos esta semana, é uma cidade que tem orgulho do seu longo histórico de planejamento urbano. Ainda no início do século XX, foi pioneira com um “Plano de Melhoramentos”. Em 1959, o Plano Diretor foi instituido por lei, muito anos antes da obrigatoriedade estabelecida no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). 245n2n

Em 2001, o Estatuto da Cidade estabeleceu que a revisão do Plano Diretor deveria ser feita a cada 10 anos. Um processo de revisão participativo, seguindo o mesmo procedimento de elaboração do plano original. Pouco depois, em 2004, encerrou-se o ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores na prefeitura de Porto Alegre, com a eleição de José Fogaça, hoje no MDB.

Até 1979, não era detectada a influência de forma significativa dos representantes do mercado imobiliário no planejamento urbano da capital gaúcha. Já nas alterações do Plano Diretor, em 1999, houve uma multiplicidade de atores, com a presença de representantes da construção civil e mediação da prefeitura. Por fim, na última revisão que alterou o plano em 2010 houve forte participação dos representantes da construção civil nas audiências públicas.

A nova discussão em relação ao Plano Diretor deveria ter ocorrido até 2020, mas não aconteceu. Claramente muda a tática dos empresários da construção civil e financiadores de campanhas eleitorais. Antes, eles vinham aumentando cada vez mais sua atuação nas audiências públicas do Plano Diretor.

Com uma política neoliberal, privatista, na prefeitura e maioria conservadora na Câmara de Vereadores, os projetos de interesse dos empresários foram encaminhados para o Legislativo, evitando o processo participativo dos cidadãos via Plano Diretor.

Em abril de 2019 foi aprovada a Lei Complementar 850, que tratava de uma das principais reivindicações dos construtores: alturas dos prédios e sem a revisão do Plano Diretor, como manda a lei. A Câmara de Vereadores aprovou a Lei Complementar 850 e o prefeito Marchezan Júnior sancionou.

No entanto, o Ministério Público Estadual entendeu que se tratava de uma lei de ocupação de solo. Por isso, deveria ocorrer um amplo processo participativo dos cidadãos porto-alegrenses. O MP entrou com uma ação civil pública, ajuizada em setembro de 2019, requerendo a anulação dos efeitos da lei.

Marchezan não conseguiu se reeleger, mas o novo prefeito Sebastião Melo (2021/2024-MDB) optou por fazer um acordo com o Ministério Público. O Projeto de Lei Complementar nº 035/21 foi apresentado na Câmara Municipal de Porto Alegre com modificações e engavetado.

Melo prometeu enviar o projeto de revisão do Plano Diretor à Câmara de Vereadores no segundo semestre de 2023, o que não aconteceu. No entanto, avisou, em entrevista ao site Sul21, que não iria se ater a discussões de altura dos prédios, como nas revisões anteriores. E a anunciou uma novidade que se definiu como fatiamento do Plano Diretor em regiões de Porto Alegre.

Centro Histórico

Em novembro de 2021, a istração Sebastião Melo começou o chamado fatiamento do Plano Diretor com o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE 23/21), que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico, aprovado pela Câmara de Vereadores. A meta era dobrar o número de moradores na região.

Para atrair investimentos, o projeto prevê a adoção de novos padrões para o regime urbanístico, novamente com flexibilização nas alturas e no potencial construtivo com a utilização do Solo Criado. Com isso a área construída poderá ser acrescida em até 1.180 mil metros quadrados.

O projeto era ambicioso, na área localizada junto à avenida Mauá, Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria, como arelas e esplanadas, na divisa com o 4º Distrito, entre as edificações e o Cais Mauá privatizado. Todos os planos foram estancados com a enchente de 2024.

Programa +4D

Também no final de 2021, o prefeito Sebastião Melo apresentou na Câmara Municipal, a mais nova proposta para desenvolver o 4º Distrito, que inclui os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O Programa +4D foi aprovado pela Câmara de Vereadores em 17 de agosto de 2022.

A área prioritária do projeto tem 267 hectares e vai da Estação Farrapos até a Rodoviária. O índice construtivo nessa área pode chegar ao máximo permitido hoje e terá regras diferenciadas de aprovação, desde que cumpra alguns dos 20 itens elencados pelo programa +4D. Quanto mais itens forem contemplados pelo projeto construtivo, maior e mais alto ele poderá ser.

O planejamento contempla quatro pontos com índice livre de construção, os chamados “marcos arquitetônicos”. Nessa região, nas proximidades do aeroporto, Estação Farrapos, Avenida Cairu, antiga sede da Gerdau e Rodoviária, não há limite para construir “edifícios icônicos” no entorno da rodoviária e do aeroporto. O Plano Diretor atual restringe tudo isso.

No entanto, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre está sendo prorrogada desde 2020. Agora, ou para 2027, pois até o final de 2026 está em vigência o convênio firmado entre a prefeitura e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) cujo objeto é a coordenação, por parte da agência da ONU, do projeto “POA 2030, Inovadora, Integrada, Resiliente e Sustentável”, que trata da revisão do Plano Diretor. O Pnud é intermediário dos contratos com consultorias que cobram milhões de reais para prestar apoio ao poder público municipal no regramento urbano da Capital.

Desde o momento que Porto Alegre ficou parcialmente submersa devido a enchente do Guaíba ficou claro que o Centro Histórico e o Quarto Distrito não são viáveis para prédios icônicos. O que deve ser implementado são técnicas inspiradas no conceito de cidade-esponja, que visa tornar as cidades mais resilientes e adaptadas às mudanças climáticas.

O objetivo é absorver, armazenar e purificar a água da chuva. Soluções com áreas verdes extensas, jardins de chuva, pavimentos permeáveis, telhados verdes, ecopavimento.  Ações que reduzem o risco de enchentes, com aumento da biodiversidade, melhora da qualidade de vida dos habitantes, combate à mudança climática, com a restauração dos ciclos naturais das águas urbanas.

Nada disso é discutido pela prefeitura de Porto Alegre. Ao que parece, os interesses das construtoras predominam e a mídia corporativa mantém-se em silêncio. Portanto, Porto Alegre chega a 253 anos precisando como nunca uma discussão séria sobre o desenvolvimento urbano sustentável do município com a reativação do Plano Diretor ou iremos sucumbir nas águas das próximas enchentes.