Voltamos a viver tempos de personalidades autoritárias e, no extremo, de fascistas e fundamentalistas violentos. Nas redes sociais o fenômeno se alastra e, como uma onda, ou um tsunami, arrasta a todos para um campo minado e perigoso. Quem é e o que caracteriza a personalidade de atitude autoritária? São pessoas que se apresentam do “bem”, que não desconfiam que seu ponto de vista é apenas o ponto de vista de um ponto, achando-se portadores de alguma revelação ou verdade especial. Apresentam-se do “bem”, e por isso estufam o peito em atitudes preconceituosas, falando abertamente contra negros, homossexuais, índios e pobres, como se essas categorias de humanos encarnassem algum mal a ser combatido. Até pouco tempo o autoritário e intolerante estavam recolhidos ao armário da ignorância. Agora eles perderam a modéstia. Saíram do armário, com algumas frases prontas de algum outro autoritário inteligentinho, repetindo mantras de auto-justificação do tipo: “o politicamente correto não me representa”; “a esquerda usa negro, gays e pobres como massa de manobra”; os defensores dos direitos humanos são defensores de marginais”; “o politicamente correto é careta” etc. A personalidade autoritária ouve pouco e, se houve, não escuta. Escutar é se colocar em atitude de abertura e acolhimento da voz e apelo que vem do outro. O autoritário nega-se ouvir, e nega-se sobretudo escutar. Finge ouvir e escutar, mas vive um diálogo esquizofrênico com a solidão, colocando-se numa posição prévia eivada de pré-conceitos. Entra em qualquer ambiente e discussão com pré-conceitos que não se sustentam à luz da razão e, por conta disso, se alguém rebater, vai logo para o ataque pessoal. O autoritário que pouco houve e nada escuta, odeia e nega o diálogo, pois o diálogo desnudaria a sua insegurança e pretensão de já possuir o que só o diálogo verdadeiro pode descortinar: a verdade! O autoritário é cheio de verdade e vazio de dúvidas. Sem dúvidas, pra que dialogar? É por isso que o autoritário ataca não as ideias do outro, mas ataca a moral e a pessoa do outro. O autoritário e intolerante não quer só vencer o outro, pretende eliminar o outro. Ele se afirma na morte do outro enquanto outro, não lhe permitindo que se expresse como tal. Por isso que daria para dizer que a postura autoritária é infantil, e mais do que isso, doente. Saudável é manter o outro como outro porque é do outro que emerge e se constitui o eu. A morte do outro sempre será empobrecedora, medrosa e patológica. Desejar a morte do outro é o que há de mais genuíno do homem bárbaro. Vivemos tempos de volta à barbárie! A questão é: como tirar da barbárie para a civilização um homem que vive na civilização com os meios da civilização, desfrutando seus ganhos, mas negando-se a aceitar as regras do jogo civilizacional? Até onde a tolerância com o intolerante é saudável e faz parte do jogo democrático e até onde ela ultraa o limite do tolerável? A violência do autoritário se vence com dialética, com o diálogo, com a razão argumentativa, ou com as mesmas armas da ignorância que ele maneja? Se perdermos a esperança e fé na razão, já só um deus poderá nos salvar! 2r4m3t
Autor: comite 4u6u14
Ocupações das escolas: Nota do Movimento Mães e Pais pela Educação 4w555s
O Movimento de Mães e Pais pela Educação respeita a decisão autônoma dos secundaristas que ocupam as escolas estaduais e, em apoio a essa decisão, pede para que as famílias gaúchas não enviem seus(suas) filhos(as) para as escolas ocupadas até que o governo volte para a mesa de negociação e firme um acordo real, objetivo, e não essa enrolação que ele chama de proposta às reivindicações dos(as) estudantes.
Em nota, os(as) estudantes declararam que irão permanecer ocupando suas escolas. Portanto, a tentativa forçada de reinício das aulas poderá gerar conflitos que seriam evitáveis se o governo disp-se a dialogar concretamente e firmar um acordo concreto.
Em contraposição a essa atitude do governo, nosso movimento de mães, pais e apoiadores(as) já agendou reunião com o Ministério Público para ele intermediar a reabertura das negociações entre governo e estudantes, de modo que tenhamos uma solução pacífica e célere para as desocupações.
Nota do Movimento Mães e Pais pela Educação
Resposta ao documento Carta-Compromisso aos Estudantes e à Sociedade Gaúcha divulgado pelo governo em 09/06/2016.
SARTORI, QUEREMOS DIÁLOGO PELA EDUCAÇÃO!
Desde o início das Ocupações das Escolas Públicas Estaduais, nós, mães, pais e responsáveis, estamos acompanhando nossos(as) filhos e filhas. Fruto da mobilização deles e delas, enquanto estudantes, as ocupações fizeram vir à tona o estado de abandono de grande parte destas escolas e a precarização do ensino público em nosso estado, considerado hoje, um dos piores no país.
Enquanto mães, pais e responsáveis, por crianças e adolescentes estudantes, preocupa-nos o fato de existirem muitas escolas funcionando sem as mínimas condições e de que a grande maioria dos estabelecimentos não possui Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI), ameaçando a integridade física de estudantes e trabalhadores(as) em educação.
Diante dessas preocupações e constatações, construímos um movimento de apoio à luta por uma educação pública de qualidade no Rio Grande do Sul. Entendemos ser inconcebível que as escolas sirvam como depósito de estudantes, sendo prejudicados pela falta de atenção do governo que, somente esse ano, deixou de rear, através de decreto, cerca de R$ 2,2 bilhões, que deveriam ser investidos em educação, saúde e segurança. Ação que, em parte, é responsável – portanto – por esse estado de coisas.
A tortuosa busca de diálogo
Desde o início das Ocupações de Escolas, nós, mães, pais e responsáveis, buscamos canais de negociação com o Governo do Estado. E não fomos atendidos(as). Apenas na semana ada conseguimos iniciar debate junto à Comissão de Segurança e Serviços Públicos da ALRS, quando – finalmente – abriu-se um processo de diálogo junto ao Ministério Público, Governo e Judiciário.
Entretanto, essa abertura foi suspensa no final da tarde da última quinta-feira, 09 de junho, quando o Governo distribui Nota Pública em que não apresentou propostas concretas de atendimento às reivindicações dos(as) estudantes e fixou prazo de 48 horas para a desocupação das escolas. Naquele dia, o protesto pacífico de estudantes, em sua maioria menores de idade, foi recebido na Praça da Matriz, de maneira truculenta pela tropa de choque. Uma atitude poucas vezes vista antes na história do RS. O confronto só foi evitado pela postura dos(as) estudantes e nossa. Mas o fato demonstrou a indisposição do atual governo em buscar a solução não violenta do conflito.
Exigimos respeito aos direitos de todas as crianças e adolescentes
Diante dos fatos até aqui mencionados, seguimos abertos ao diálogo, repudiando qualquer tipo de violência, e solicitamos:
- À SEDUC: – A clara definição de prazos para a reforma estrutural de cada uma das escolas; – A garantia de nenhuma punição a estudantes que participam do movimento de ocupações; – A abertura imediata de diálogo entre estudantes, mães, pais e educadores(as) e órgãos governamentais, mediada pelo Conselho Estadual de Educação, para a revisão do currículo e de outros componentes curriculares e extracurriculares, tendo por base as demandas de estudantes, as legislações e planos educacionais;
- À SEDUC e ao Corpo de Bombeiros, a relação das escolas que possuem Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios, bem como quais as pendências às adaptações solicitadas pelo Corpo de Bombeiros;
- Ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), a realização de Auditoria, tendo como um dos focos a merenda escolar, pelo descumprimento por parte do Governo da aplicação do percentual mínimo estabelecido constitucionalmente e, como outro, o ree de recursos da educação para outras áreas;
- Ao Ministério Público (MP): – Sua intervenção para a reabertura das negociações entre estudantes, mães, pais e responsáveis, e Governo, bem como determinação de que nenhuma ação truculenta ocorra durante o desenvolvimento desta; e apuração dos casos registrados de violência de qualquer tipo contra crianças e adolescentes que ocupam as escolas ou participaram de atos públicos relacionados a estas;
- Ao Governo do Estado, a retirada do PL 44/2016 apresentado pelo Poder Executivo, e do PL 190/2015 (apresentado por deputado da base do governo Sartori), ambos em tramitação na Assembleia Legislativa;
- À Defensoria Pública a criação de uma Ouvidoria da Educação e a transparência dos dados sobre as denúncias recebidas.
Por fim, reivindicamos a formalização de uma Comissão entre mães, pais, professores(as), estudantes, órgãos governamentais e Ministério Público para acompanhamento dos acordos resultantes das negociações.
Movimento Mães e Pais pela Educação | POA, 11/06/16.
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Dilma sai das cordas 4e5i2c
Nas duas entrevistas concedidas na semana de 05 a 11 de junho por Dilma Rousseff, a presidenta afastada se apresentou com uma imagem completamente diferente da mantida durante o exercício pleno da Presidência da República. Muito mais solta, descontraída, falando de modo fluente e claro, demonstrando domínio dos temas tratados e, talvez de modo surpreendente, assumindo a iniciativa política e desafiando o governo interino.
Além de explicar ações tomadas por seu governo no plano da economia, como a redução e posterior elevação dos juros básicos da economia, indicando as pressões que sofreu para elevá-los novamente, além de elucidar as dificuldades que enfrentou com as resistências das elites empresariais para que elas usassem as isenções tributárias e os empréstimos do BNDES (subsidiados pelo tesouro nacional) para investir, gerar empreso e alavancar a economia, Dilma foi fundo na avaliação política, tanto do seu governo quanto do interino.
A presidenta mostrou-se disposta ao diálogo e, ao mesmo tempo, confirmou o perfil de alguém que não tem medo de enfrentar desafios. Afirmou que o processo do seu afastamento é um golpe parlamentar, criticou ministros do STF que “falam fora dos autos” e também a visão meramente criminalística de juízes e procuradores federais que, no afã de combater a corrupção, desestruturam empresas e as instituições do país.
Além de criticar a política externa e as ações internas do governo do seu substituto interino, deixou claro que o papel desempenhado pelo Brasil no cenário internacional desde o governo Lula, somado à descoberta do Pré-Sal, que torna o Brasil um dos maiores produtores mundiais de petróleo, e à criação do Banco dos Brics despertaram uma forte reação conservadora por parte de grupos de interesses internacionais e nacionais.
Saindo das cordas, Dilma tomou a iniciativa e partiu para o ataque. Afirmou que o “pacto da constituinte de 1988 foi rompido” e que a construção de um novo pacto só poderá ser feita por meio de consulta popular. Para sair do ime atual, “o povo terá que ser ouvido”, disse.
Devolvendo ao povo a soberania para decidir quem o governa e os rumos que imprime à política nacional, Dilma Rousseff propôs e comprometeu-se a realizar uma consulta popular, talvez um plebiscito, tão logo ela reassuma o governo federal, para que a população, por meio do voto, decida se quer que ela continue na Presidência da República ou se prefere que sejam realizadas novas eleições.
Encurralou, com esta proposta, o presidente interino, levando-o ao corner do ringue. Com apenas 11% de confiança popular, segundo as pesquisas de opinião pública divulgadas, Temer terá coragem para se submeter ao crivo das urnas? Registrará o ataque ou o ignorará solenemente?
A grande imprensa que se aliou ao movimento pela destituição de Dilma e que já se desencantou com Temer deixará ar em brancas nuvens a proposta de Dilma ou exigirá resposta de Temer? Como reagirão os senadores responsáveis pela votação do impeachment e, consequentemente, pela permanência ou não de Dilma ou de Temer na Presidência da República?
Veja aqui a íntegra da entrevista de Dilma Rousseff à Luís Nassif, na TV Brasil.
Veja aqui a íntegra da entrevista de Dilma Rousseff à Mariana Godoy, na Rede TV.
Meritocracia 6b6365
Meritocracia: eis uma palavra que temos ouvido bastante nos últimos tempos. Como conceito, a meritocracia tem sido usada, por um lado, para avalizar, no campo sociológico e ético, o neoliberalismo enquanto solução econômica e estrutural para o país; por outro lado, de forma complementar, a meritocracia surge ainda, reiteradamente, como argumento contra políticas públicas que almejem reduzir qualquer forma de desigualdade social.
Convidado para participar deste ciclo sobre Língua, Literatura e Autoridade, considerei que seria interessante usar o termo como objeto orientador de nossas considerações, pois me parece que poucas palavras têm mais força hoje, no ideário conservador e neoliberal, do que a noção de meritocracia.
Mas que noção é essa exatamente?
Procurando por uma definição de meritocracia pelo senso comum, encontrei, no site do Instituto Mises Brasil, uma matéria escrita, em 2015, por Joel Pinheiro da Fonseca, mestre em Filosofia pela USP (2014). O artigo de Fonseca, “Não é a meritocracia; é o valor que se cria”, serve muito bem à nossa discussão, visto que não só expõe sua visão (neo)liberal sobre o assunto, mas, em adição, parte exatamente do senso comum para tentar explicar (no caso dele, elogiosamente) o que é a meritocracia.
Fonseca inicia seu texto a partir de uma imagem, compartilhada nas redes sociais, em que se vê um homem velho sentado no chão, ao lado de uma bengala improvisada, pedindo dinheiro com a mão estendida. Nessa imagem, leem-se ainda os seguintes dizeres: “SEGUNDO A MERITOCRACIA QUE OS REAÇAS TANTO DEFENDEM ESSE HOMEM É POBRE PORQUE NÃO SE ESFORÇOU O SUFICIENTE”.
Essa crítica, posta na imagem, Fonseca nos afirma que ocorre porque alguns liberais defendem a ideia de que o mercado é gerido por uma lógica meritocrática. A desconstrução desse argumento, como o próprio Fonseca mostra, é muito fácil de ser feita. Ele diz: “[…] será verdade que o mercado premia justamente o mérito? Se for, caro liberal, então você está obrigado a defender que Gugu Liberato e Faustão têm mais mérito do que um professor realmente excelente e que realmente ensine coisas úteis.”
Para livrar-se desse problema, Fonseca defende duas ideias principais: (i) meritocracia não é algo inerente à lógica de mercado, mas, sim, um modelo de gestão (e não sem seus problemas e vícios internos, como o próprio autor ite); (ii) o mercado não premia o mérito, mas sim a geração de valor. Assim, um excelente professor é menos premiado do que Gugu ou Faustão pelo fato de que ele tem um alcance muito pequeno (algumas centenas de alunos por ano), ao o que essas celebridades teriam um alcance muito maior e gerariam muitíssimo valor para seus empregadores.
Apesar dessas distinções que Fonseca opera em seu texto, permanece uma confusão conceitual. Por um lado, ele diz que a lógica do mercado não é a de premiar o mérito, mas sim a de premiar a geração de valor. Por outro lado, usando uma comparação com a qual estamos dispostos a concordar (Gugu/Faustão vs algum ótimo professor), Fonseca faz um malabarismo com a noção do que é “mérito”, sem jamais definir o que seja. Ele inicia seu próprio texto exatamente nessa incerteza, dizendo: “Meritocracia é uma palavra bonita. Não. É uma palavra que remete a uma coisa bonita: que cada um receba de acordo com seu mérito, que em geral é igual a esforço, dedicação; às vezes se inclui a inteligência.”
Como Fonseca jamais define o que entende por mérito ou meritocracia, devemos tentar abstrair uma definição a partir do exemplo por ele usado. Na comparação entre Gugo/Faustão e algum excelente professor imaginário “que realmente ensine coisas úteis”, ficamos dispostos a concordar, pela ideia de excelência e utilidade, que o professor é mais meritório, ainda que tenha um menor salário. Fonseca cria, desse modo, uma equação que pode ser resumida da seguinte forma: a geração de valor é igual à qualidade do serviço/produto multiplicado por seu alcance. Assim, ainda que concordemos que o professor seja mais meritório do que os apresentadores de TV, visto que o serviço que ele presta tem melhor qualidade do que o daqueles, precisamos concordar também que a geração de valor dos apresentadores, no sentido financeiro, seja superior à do professor, pois dão muitíssimo mais lucro em virtude de seu alcance.
Com isso, Fonseca nos leva a crer que mérito, então, tenha a ver apenas com uma parte da equação, a qualidade do serviço ou do produto que oferecemos, sua excelência e utilidade. Se esse serviço ou produto não alcança ninguém (seja por indisponibilidade de oferta ou por falta de interesse em consumi-lo), nossa geração de valor será nula, mesmo que sejamos meritórios.
Assim, somos levados fazer a seguinte substituição:
de
geração de valor = qualidade do serviço/produto x alcance,
para
geração de valor = mérito x alcance.
Entretanto, com esse salto, ocultamos um problema conceitual, que também Fonseca oculta em seu texto. Explico.
Pensemos no exemplo de um artista cujas obras ontem eram ignoradas, mas hoje são descobertas como verdadeiros tesouros. Ontem, ninguém tinha interesse em comprar um de seus quadros; hoje, todos querem. Cada um desses quadros, enquanto objeto ível de ser possuído individualmente, permanece com o mesmo alcance, 1. Entretanto, para quem vende esses quadros, sua geração de valor é imensamente maior. Se o alcance não mudou, teria mudado então a qualidade?
Certamente não. O quadro permanece o mesmo. Suas qualidades são as mesmas. O que mudou foi o valor que atribuímos a essas qualidades. Logo, somos forçados a itir que mérito não é idêntico à qualidade de um serviço ou de um produto, mas, sim, ao valor que se atribui à qualidade daquele serviço ou produto.
Numa sociedade moldada pelo fetichismo, como a nossa, da noite para o dia, um produto ou serviço pode ter um enorme salto de valor, pois, mediante propaganda e manipulação da opinião pública, a percepção do que seja sua qualidade pode ser facilmente alterada. Ao mudar-se a percepção do que seja a qualidade desse produto ou desse serviço, muda-se também seu valor. A melhor acepção, portanto, que podemos dar à palavra mérito, dentro desse contexto, é a de valor.
É interessante, aliás, notar que mérito vem do Latim meritum, um derivado do verbo mereo, que indica a ideia de ser digno de algo. A partir dessa ideia inicial, mereo a a ter outras derivações de sentido, para expressar também o ato de receber algo ou mesmo de comprar algo. De mereo, herdamos a palavra meritum, que indica aquilo de que alguém é digno, por uma equivalência de valor. Você é digno de uma recompensa, de ter seu terreno, sua casa, ou o que for, por haver uma equivalência de valor entre sua pessoa e a coisa em questão.
Na equação que encontramos dentro do discurso de Fonseca, dissemos que a geração de valor (ou seja, o quanto de dinheiro as pessoas lhe pagam pelo que você faz) equivale ao mérito de seu serviço ou de seu trabalho (ou seja, o valor que se atribui a esse serviço ou trabalho) multiplicado pelo alcance que ele tem (ou seja, quantas pessoas pagarão por ele).
Ao dizer que a meritocracia é, na verdade, um modelo de gestão em que se premia o mérito de cada um, Fonseca parece dar a entender que ela é algo alheio à lógica do mercado. Devemos supor, então, que o mérito idealmente premiado na meritocracia seja diferente daquele encontrado na fórmula de geração de valor? Se é a geração de valor que orienta o mercado, como não seria também a geração de valor aquilo que a meritocracia premiaria? Mesmo quando se premia o mérito potencial de alguém, independentemente de seu alcance, não se faz esse prêmio justamente pensando no alcance que o trabalho desse indivíduo pode ter? Ou se um empregador premia um funcionário pelo alcance de seu trabalho, esperando qualificá-lo para melhorar a qualidade de seu serviço/produto, seu mérito, isso também não está inserido na mesma lógica descrita por Fonseca, que visa otimizar a geração de valor?
Para além do senso comum, o que Fonseca não nos diz é que o termo meritocracia foi cunhado em 1958 por Michael Young, em seu livro The Rise of the Meritocracy, a partir do termo latino meritum, que em Português nos legou “mérito”, e o termo grego κράτος (krátos), “força”. Apesar da adoção positiva que a palavra teve tanto em Inglês como em Português, é importante notar que ela surge, no livro de Young, dentro de um ambiente satírico, ambientado em uma sociedade distópica obcecada em identificar e premiar, desde cedo, por meio de uma educação especial, as pessoas mais inteligentes e esforçadas.
Pouco antes de morrer, em 2002, Young escreveu um artigo para o jornal The Guardian falando de sua frustração em ver como a ideia de meritocracia foi usurpada por pessoas como o então primeiro-ministro Tony Blair, que a usavam como um ideal a ser perseguido. A argumentação de Young nesse momento, já no fim da vida, era a de que, tomada da forma como foi, a ideia de meritocracia apenas serviu para fazer com que as pessoas que já detinham riqueza e poder se sentissem ainda mais legitimadas em recompensar-se tanto quanto possível.
A ideia do sociólogo inglês, que já era distópica em sua forma original, foi aproveitada de forma parcial e ainda mais distopicizante: adotou-se a recompensa do mérito e ou-se a alienar cada vez mais as massas de um o à educação e aos processos que selecionariam os mais inteligentes e esforçados. Reitero: mesmo se tivesse sido adotada do modo que Young a descrevia, a meritocracia era algo reservado para um futuro distópico. Adotadas a palavra e a ideia como foram, a realidade se tornou pior do que o pesadelo ficcional.
Sendo valor uma unidade subjetiva, dependente da opinião das pessoas, devemos entender a meritocracia simplesmente como o processo de reforço e manutenção de uma determinada ordem de valores. Os liberais, como Fonseca, acreditam que essa ordem de valores é imposta ao mercado por demandas racionais das pessoas, ignorando o poder que o mercado tem, por meio da publicidade, da propaganda, das formas de arte que ele próprio fomenta, de definir esses valores, bem como de levar as pessoas a tomar escolhas irracionais.
A meritocracia como a temos nada mais é do que o foco extremo em premiar cada um pelo seu mérito, entendido como valor dentro de uma equação de geração de valor, ignorando os processos pelos quais definimos esses valores. Mais do que isso, ousaria dizer que a meritocracia é exatamente o domínio da determinação de valores. No mundo meritocrático, aqueles que conseguem dobrar a opinião dos outros, que conseguem alterar a ordem de valores a seu favor, são exatamente os mais poderosos.
A meritocracia é o poder do valor.
Epílogo
A Grécia antiga foi um dos primeiros lugares no mundo em que alguém fincou uma pedra ou uma estaca no chão e disse: “este terreno é meu”. Esse acontecimento, aparentemente banal, dá origem a algo revolucionário: a partir disso, sugiram as primeiras cercas e a própria ideia de propriedade privada, ainda no neolítico, por volta de 9.000 anos atrás.
Esse o está intimamente ligado com o desenvolvimento da agricultura e com a necessidade de assentar-se em um lugar e protegê-lo, para cultivar a terra, em oposição à vida nômade de caça e coleta. Essa mudança de modo de vida, como aponta Joseph Campbell, ilustre estudioso de mitologia comparada, conduz também a uma mudança de modo de pensar, de concepção de mundo, de mitos e crenças que expliquem o funcionamento da realidade e o sentido da existência. Tais mudanças, como podemos esperar, efetuam-se no plano da linguagem, onde deixam marcas sensíveis.
Curiosamente, a mesma raiz de mereo, o verbo latino que nos legou mérito, também existe em Grego, onde dá origem, por exemplo, à palavra μέρος (méros), que designa a porção devida a cada um. Esse termo vem do verbo μείρομαι (meíromai), dividir. A mesma raiz dessas palavras origina também a palavra μοῖρα (moîra), que por vezes traduzimos por “destino”, “sorte”, “fado”, “quinhão” ou “lote”. A palavra μοῖρα refere-se à distribuição do destino individual dado a cada indivíduo. A tradução de μοῖρα por lote é especialmente interessante, por ligar a ideia de um destino dado também à ideia de posse territorial, pois chamamos um terreno cercado também de lote. Assim, lote pode se referir tanto à terra como ao destino que se tem. Essa tradução ajuda a evidenciar como o destino de uma pessoa está intimamente ligado à porção de propriedade que lhe é cabida, à sua μεριτεία (meriteía) – termo que designa a “distribuição de terra”. Quem não tem terra, por essa lógica, não tem destino.
Se compreendêssemos meritocracia pela acepção grega, teríamos a ideia de poder da propriedade privada. Seria apenas uma terrível casualidade se essas duas ideias, mérito e propriedade, não tivessem sempre andado de mãos dados na história da civilização ocidental. Afinal de contas, quem detém a terra detém também o poder e a capacidade de atribuir valor a cada coisa.
Referências
FONSECA, Joel Pinheiro da. “Não é a meritocracia; é o valor que se cria”. Artigo de 20 de outubro de 2015 para o Instituto Ludwig von Mises Brasil. Disponível em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2054. o em 20/05/2016.
YOUNG, Michael. “Down with meritocracy: The man who coined the word four decades ago wishes Tony Blair would stop using it”. Artigo de 29 de junho de 2001 para The Guardian. Disponível em http://www.theguardian.com/politics/2001/jun/29/comment. o em 20/05/2016.
__________. The rise of the meritocracy, 1870-2033: An essay on education and inequality. London: Thames & Hudson, 1958.
A conjuntura do impeachment e o (des)governo Temer 6m4m4i
Programa Entrevista Coletiva, na Rádio da Universidade (UFRGS), com Benedito Tadeu César, cientista político e coordenador do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, sobre o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o governo interino de Michael Temer.
https://soundcloud.com/benedito-tadeu-c-sar/entrevista-coletiva-d09-06-16
O Programa Entrevista Coletiva é um programa feito pelos alunos (neste foram todas alunas) da cadeira de Radiojornalismo III, do curso de Jornalismo, sob a coordenação da professora Sandra de Deus. Contou com a participação das alunas: Débora Sander, Mariana Somariva, Marihá Gonçalves e Nathália Lazzarin.
A Rádio da Universidade é a pioneira das rádios universitárias brasileiras e a pioneira na transmissão ao vivo pela internet. Opera na frequência AM 1080 e pelo site http://www.ufrgs.br/radio/
A Cultura do estupro está no Congresso: bancadas conservadoras e os mitos ligados ao feminino 231l5o
O risco de retrocesso de décadas que estamos vivendo nesse momento é imenso, preocupante e mesmo desesperador para quem, como eu, tem lutado para avançar ainda mais, e não ter de lutar pelo que já é e já foi conquistado. Fica muito claro como Ernst Bloch, o filósofo utópico ligado à escola de Frankfurt, tinha razão: “Junto a cada esperança, há sempre um caixão à espera”, dizia ele. O caixão carregado pelos machistas, misóginos, reacionários, moralistas, cínicos, tolos, inocentes úteis, todos descompromissados com os valores da justiça, da igualdade e da solidariedade.
Exemplo disso – em meio a uma enxurrada de exemplos, especialmente depois que o interino assumiu através de um golpe na democracia – é a posição da nova secretária das mulheres, Fátima Pelaes, do PMDB, convertida a uma religião conservadora desde um naufrágio no rio Amazonas, em 2002 (típico, aliás, que a pasta que já teve status de ministério “caia” de posição para uma secretaria “subordinada” a um ministério chefiado por homens). Ela apoia o Estatuto do Nascituro e brada, aos prantos, que “nasceu de um estupro”. Ela e sua mãe têm direito a viver como bem entenderem, a terem filhos concebidos no horror da violência, se assim o desejarem; qualquer pessoa tem direito de viver segundo suas crenças e disposições pessoais. Mas ela não tem o direito de impor tamanho retrocesso a quem quer que seja.
Além do Estatuto do Nascituro, estão em tramitação no Congresso Nacional outros projetos de lei que afetam diretamente a todas as mulheres do país. O PL 5069/2013, por exemplo, proposto pelo trevoso e sabidamente corrupto Eduardo Cunha, coloca obstáculos ao atendimento das vítimas de estupro nas instituições de saúde. Tal projeto obriga uma mulher agredida, fragilizada, violentada e machucada a primeiro ter de registrar boletim de ocorrência na delegacia, ar pelo exame de corpo delito para só então poder ter o direito a ser atendida em uma unidade de saúde! Estou falando de casos onde a interrupção da gravidez é legal, como nos casos de estupro, anencefalia do embrião ou risco de vida da grávida por condições de saúde desta. Por isso trata-se de um retrocesso, de tornar a legislação mais restritiva.
A concepção de mulher que está por trás desse tipo de formulação é misógina, pois a toma como potencial mentirosa, ladina e que tenta “enganar” as autoridades mentindo que foi violentada quando na verdade teria tido um “comportamento promíscuo” e “depravado” (como já li em um comentário nas redes sociais), além de descuidado, que resultou em gravidez. E o descuido é sempre dela, o homem que a engravidou sempre desaparece da equação.
A Lilith perigosa e demoníaca, ou a serpente pérfida do mal, são mitos que emprestam sentido a certas representações da mulher, até os dias atuais. O real, meus caros e caras, é arquetípico. Nessa perspectiva, existe uma estrutura psíquica universal, presente em qualquer lugar ou cultura, em diferentes contextos sociais. O que se repete são os conteúdos, uma vez que as formas mudam conforme variam as formações culturais. Carl Gustav Jung, o grande psicanalista, escreveu que partilhamos no inconsciente coletivo “imagens primordiais”, conteúdos recheados de sentidos que a humanidade desenvolveu em milhões de anos, e vamos á-las conforme nossas circunstâncias existenciais e pessoais. Essas imagens e figuras podem remeter a temas mitológicos, aparecer em contos e histórias, lendas populares e crenças: são os arquétipos.
Aparecem nas cartas do tarô, bem como estão presentes em nossos sonhos e devaneios. E sustentam nossas crenças: a morte é um arquétipo poderoso e assustador, e amos a vida assombrados por ele. A santa, a ‘puta’, a virgem, a bruxa, a fada, a sereia (arquétipos ligados à figura feminina), o herói, o sábio, o ditador, o mago, o louco (ligados à masculina) etc. A lista de arquétipos é grande e cada um deles tem a sua carga e o seu poder. Talvez, em algum momento da vida, nos identifiquemos com muitos deles. Lembrando que, para Jung, todos têm uma dimensão feminina e uma masculina, pois no inconsciente do homem existe a presença da anima (o sentido feminino) e no inconsciente da mulher existe o animus (o sentido masculino), portanto os arquétipos todos nos habitam, independentemente do gênero sentido e praticado. Toda essa riqueza criativa determinou, aliás, sua ruptura com o mestre Freud, por incompatibilidade teórica!
Mas voltando ao nosso assunto, muitos mitos são tomados como definidores reais das mulheres, em sociedades conservadoras que tentam avançar nas transformações culturais emancipatórias e voltadas à igualdade. A Lilith ladina e perigosa, que “seduz” o “pobre” homem que cai nos seus encantos… ela é um demônio ligado à noite e aos ventos, nas tradições judaica e islâmica, tida também como a primeira mulher de Adão, inclusive sendo acusada de ser a serpente que levou Eva a comer a maçã (mas mesmo Eva, feita de uma costela, mais dócil e dependente, leva a pecha de ter desencaminhado Adão…). A prostituta usável, mas pouco confiável e descartável; a “mulher de Atenas”, Amélia que tudo a calada (esta foi cantada por Chico Buarque); a mãe santificada, assexuada e que é puro afeto, doação e nutrição: nomeie aqui seu arquétipo feminino predileto!
As religiões são todas povoadas de mitos e arquétipos, e não há a princípio nada de mal nisso; mas começa a haver quando elas se misturam com a política e se infiltram no Estado. Por isso o Estado tem de ser laico, ou seja, assegurar a liberdade de crença e prática religiosa, mas ele mesmo não pode ter nada a ver com religião! Nenhuma crença baseada em religião deve se misturar na gestão do Estado. Este precisa assegurar serviços básicos como saúde, educação, assistência social e segurança, todos baseados em critérios humanitários, filosóficos (bioéticos), científicos e políticos.
Portanto, para embasar políticas voltadas à saúde da mulher, há que levar em consideração campos como a epidemiologia, a psicologia e demais ciências sociais, a medicina, a enfermagem etc. Jamais arquétipos religiosos tomados como realidade política, isso é o mais completo absurdo e fere o princípio da laicidade do Estado. Este é uma instituição política, no sentido de gestão da Polis, a sociedade que regula e gere. Cidadãs e cidadãos precisam participar dessa gestão na esfera pública democrática, eleger seus representantes para câmaras, conselhos e senados, em todos os níveis, controlando como esses legislam e implementam políticas públicas que beneficiem a população. Esta é sua obrigação, aliás; o resto é obscurantismo, ignorância e fanatismo, sendo impostos de cima para baixo em uma sociedade aturdida – como a nossa hoje.
A mulher agredida e estuprada precisa ser acolhida com competência, humanidade, respeito e se possível carinho (algo que ela vai precisar), mas se impossível, apenas os três primeiros itens serão suficientes. Projetos no sentido contrário têm o meu mais completo repúdio e irei às ruas contra eles tantas vezes quantas forem necessárias, até derrubá-los. Nossas anteadas sufragistas comeram o pão que o diabo amassou nas ruas, com a polícia misógina em cima delas; não vamos ter medo agora que as coisas já avançaram um pouco. Pouco mesmo, deviam ter avançado muito mais, mas pelo menos hoje temos mais respaldo das leis (e da intelectualidade que não desistiu de melhorar o mundo).
São cinco mil mulheres mortas por ano, treze por dia, segundo dados da cartilha lançada pelo PSOL “A Luta das Mulheres Muda o Mundo”, publicação da Assembleia Legislativa de Porto Alegre (disponível aqui). A cada três horas uma mulher é estuprada no Brasil. Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha, solidão… Um crime sempre sem testemunhas, se a palavra da vítima não vale nada, tende a ser cada vez menos denunciado e mais subnotificado, levando à impunidade que o retroalimenta. Ou seja: esses projetos misóginos são mais um crime contra as mulheres no Brasil. Convido a todos e todas, para dizermos NÃO! Para gritarmos em uníssono, BASTA DE VIOLÊNCIA! Nos encontramos nas ruas e nas redes, espero vocês por lá.
Manifesto conjunto do PPGEDU, Conselho da Faculdade de Educação/FACED e ANPED 5q95e
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Em defesa da Democracia, do Estado de Direito e da Educação O Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/PPGEDU e o Conselho da Faculdade de Educação/FACED, reiterando os posicionamentos expostos por esta Universidade e pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação em Educação (ANPED), manifestam preocupação com o agravamento da crise institucional no Brasil, que coloca em risco a ordem constitucional.
A luta contra a corrupção é parte de um processo amplo e tem efeito educativo na medida em que busque garantir a utilização dos recursos públicos em prol da coletividade e do bem comum. Diante disso, é fundamental aprofundar as investigações sobre possíveis crimes de corrupção de forma isenta, independente e imparcial, visando punir os responsáveis, coibir as práticas que lesam nossa nação e, sobretudo, representar um caráter pedagógico na construção de uma sociedade mais justa, democrática e fraterna. Ninguém, nem mesmo os agentes da Justiça, governantes ou parlamentares estão acima da Lei e todas as denúncias de corrupção devem ser investigadas.
Nesse sentido, compreendemos que o combate à corrupção não pode ser seletivo, tampouco pode se tornar um espetáculo midiático com a divulgação sistemática e seletiva de elementos processuais e de denúncias antes de sua devida investigação e conclusão. Igualmente, ninguém pode ser considerado culpado sem que assim o tenha sido declarado em um julgamento justo. Ações nesse sentido desrespeitam o direito de ampla defesa e o princípio da presunção de inocência, colocando em risco as liberdades individuais e os direitos políticos da democracia tão duramente conquistada. A democracia supõe o respeito às normas que regem a competição pelo poder político. Seja qual for a popularidade de uma autoridade eleita, o desrespeito às regras do jogo, por qualquer partido ou agrupamento político, mina e deslegitima a democracia. Assim, consideramos que o impeachment de um Presidente da República só é cabível no caso de crime de responsabilidade, devidamente caracterizado e comprovado. Impeachment por qualquer outro motivo é inconstitucional e constitui um atentado contra o Estado de Direito.
A Faculdade, em seus 45 anos de história, tem participado ativamente nos debates sobre as políticas públicas para a educação, gerando profissionais comprometidos com o desenvolvimento educacional do país. Da mesma forma, o Programa de Pós-Graduação tem uma trajetória de mais de 40 anos na formação de professores e de pesquisadores. Em sua história, a FACED e o PPGEDU têm se pautado pelo respeito à pluralidade tanto na organização de suas linhas de pesquisa quanto em seus temas de ensino e investigação. Esse posicionamento reflete o compromisso com um projeto de democracia em que se respeitam o livre direito de manifestação, as diferenças ideológicas, político-partidárias e religiosas, dentre outras que marcam uma sociedade tão desigual como a nossa.
Assim, não poderíamos nos calar neste momento em que a convivência pacífica e as garantias da civilidade correm risco. Instamos a todas as cidadãs, todos os cidadãos e todas as entidades representativas da sociedade, em seu compromisso com a democracia, a estarem alertas para impedir qualquer tipo de golpe, seja para derrubar um governo legitimamente eleito, seja no uso indevido do patrimônio público para promover e preservar a corrupção. Compreendemos que a crise política e econômica não pode ser analisada descolada dos problemas enfrentados pela Educação no Brasil. Tampouco a sua superação poderá exigir a renúncia aos avanços políticos e sociais do povo brasileiro expressos na Carta de 1988 e desenvolvidos em outras normativas e políticas desde então. Dessa forma, defendemos que a saída construtiva para a atual crise que paralisa o Brasil precisa respeitar integralmente a institucionalidade, os direitos constitucionais e os mandatos estabelecidos, na busca por alternativas que nos conduzam a um país melhor.
Porto Alegre, 28 de março de 2016.
Nota do Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas 636kx
O ministro Osmar Terra declarou guerra às drogas e fez sua primeira vítima: a verdade. Ao contrário do que declarou o ministro, os representantes do governo no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas nunca se manifestaram em favor da legalização das drogas nos 3 anos em que faço parte desse conselho. A retórica surrada e as propostas ineficientes da guerra às drogas talvez sirvam para Osmar Terra desviar a atenção do desmonte que vem fazendo no Ministério do Desenvolvimento Social afastando servidores concursados dos cargos de direção do ministério.
Como médico, decepciona ouvir do colega Osmar Terra, em pleno século XXI, a defesa da punição de usuários para prevenir os problemas que as drogas podem causar. A comunidade internacional e científica é unânime em considerar o uso de drogas um problema de saúde pública e social. No Brasil de Temer e Terra, arriscamos voltar no tempo e ver a política sobre drogas transformar-se em caso de polícia. Não é disso que o país precisa. Para falar sobre drogas, seja com nossos jovens, seja com adversários políticos, é preciso serenidade, verdade e uma defesa intransigente de mais, não menos, direitos para as pessoas e famílias que sofrem com as drogas: direito à tratamento e inclusão social.
Leon Garcia
Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas- substituto
Secretário-executivo do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD)
Narrativas em combate 6q482x
O debate político do nosso século é muito diferente do que chamaríamos de debate político em um ado não tão recente. Nem por isso ele é mais inteligente ou mais pobre do que antes – como explicar a atitude ridícula de fãs de Bolsonaros que pedem golpe militar com s na Avaaz? É uma atitude que seria má explicada com palavras como “burrice” ou “fascismo”, que são as primeiras que vieram à minha mente. Por outro lado, é uma atitude que seria bem explicada com a palavra “bizarra”. “Uma atitude bizarra” é uma frase que diz mais do que “é uma atitude fascista”, pelo menos em minha opinião.
Retomando o fio da meada, e pegando o gancho de “o que diz mais” e “o que diz menos”, volto à questão da primeira frase deste texto: o que há de novo no debate político do século XXI?
Uma resposta satisfatória poderia render um artigo acadêmico ou uma tese de doutorado, dependendo da inspiração do autor. Mas como não quero cansar o leitor, vou direto ao ponto: o que há de novo no debate político é ele estar acontecendo a todo instante, em todos os lugares, de todas as formas, apaixonadamente ou não. A internet tira o monopólio do debate político das rádios e televisões e o trás para as mãos do cidadão comum. Toda notícia é compartilhada com os amigos junto com opiniões, que podem ir do clássico binarismo “sim ou não” até textos bem elaborados. A política está na nossa vida a todo instante – a menos que na sua timeline as pessoas só compartilhem fotos de cachorrinhos, o que também é legal.
A internet tirou o homem das relações sujeito-objeto e o colocou em uma posição anterior a essa relação. Estamos constantemente em um meio, mesmo quando achamos que estamos nas “pontas”. A internet é uma navegação infinita para lugar algum, embora os navegantes saibam exatamente para onde não ir: aonde não temos liberdade para continuarmos no meio, i.é., na internet, lá não estaremos!
Por isso, o ambiente online é o ideal para o jogo democrático de “dar e pedir razões” (usando o vocabulário do filósofo americano Richard Rorty). No nosso contexto atual, com uma crise política que torna constantemente mais difícil a vida daqueles que já têm respostas elaboradas, vale a pena fazer um breve estudo empírico da discussão política atual nos meios de comunicação e no que chamamos de “mundo real” (podemos deixar para a outro dia a discussão sobre a ideia de que ainda há alguma oposição entre real e virtual). A seguir, um rápido balanço das principais narrativas políticas que estão em jogo e que aparecem frequentemente nas redes sociais: a narrativa da esquerda governista, a da esquerda liberal e a da direita raivosa.
A narrativa da esquerda governista fala que existe um golpe em curso no Brasil, que o governo Dilma está caindo por culpa de um conjunto de agentes que conspiram em conjunto: o judiciário, o Ministério Público, a Globo, os empresários, os políticos, a Operação Lava Jato, a classe média, etc. Montou-se, basicamente, uma teoria da conspiração baseada em um forte apelo emotivo e em uma chantagem velada. Nada é explicitado com clareza, mas parece que o PT ainda representaria uma resistência às “forças capitalistas” que agora se voltam contra o partido.
É interessante notar que uma corrente minoritária da esquerda, representada principalmente por PSOL e PSTU, defende justamente que não há golpe em curso no Brasil exatamente porque o PT faz parte das forças capitalistas citadas acima. A queda de Dilma seria uma consequência inevitável da luta por poder que se trava no país sem foco algum na representação política.
Por outro lado, uma esquerda que surge no Brasil de viés mais liberal (por favor, não me diga que você não sabe que existe liberalismo de esquerda) não faz essa oposição entre “bem” (PT) e “mal” (o resto). Para essa corrente, o PT é o único responsável pela sua destruição, e se quisermos ficar ao lado da população, devemos lutar para que essa destruição termine de uma vez. Pois foi o PT que aderiu às práticas de corrupção, que ofereceu cargos para partidos de direita, que contribuiu para a matança de índios e quilombolas, que colocou o exército em favelas, entre outros tiros de canhão nos próprios pés. Por isso, Dilma cai merecidamente, Temer assume como consequência constitucional, também sem legitimidade, mas tudo isso faz parte de um mesmo movimento de “limpeza geral” que começa na vontade popular. O ideal seria o povo decidir por si mesmo quem deverá governar o país até 2018, sem imposições políticas ou constitucionais. Para que não me chamem de “isentão”, já digo que me encaixo nessa corrente, e escreverei sobre isso futuramente.
Por fim, a narrativa da direita raivosa: “#ForaPT, fim do Bolsa Família, morte aos comunistas, cidadãos de bem contra o Fórum de São Paulo”. É uma narrativa bem pobre, religiosa como a governista: encontre um demônio, eleja seu Deus protetor e comece a pregar. No caso, o demônio seria o PT, o Deus seria algum Bolsonaro da vida e os anjos seriam os “cidadãos de bem”. É simples e tosco, mas tem força.
Com exceção da última narrativa, que sempre nasce perdedora, é interessante colocar lado a lado todas essas narrativas e apontar suas incoerências. Se formos um pouco hegelianos, poderemos dizer que a história irá decidir qual narrativa será a vencedora. Por enquanto, só nos resta discutir, discutir e discutir. Só assim abandonaremos o dogmatismo da história.
O Brasil pelo qual lutamos: a propósito de crucifixos em tribunais 63v24
O tema aqui em pauta – a presença de crucifixos em tribunais – pode não ter qualquer relação com a situação política atual no Brasil. Gostaria de mostrar o contrário, a partir de um comentário de uma decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Estão em jogo duas questões cuja discussão me parece fundamental para compreendermos e reagirmos ao quadro que tem como marco o governo interino presidido por Michel Temer: o Brasil que queremos vislumbrar e as formas de resistência a situações com as quais discordamos.
Em 2012, foi amplamente divulgada a decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que ordenou a retirada de crucifixos e quaisquer outros símbolos religiosos das salas dos tribunais no estado gaúcho. Foram assim atendidas as demandas levantadas pela Liga Brasileira de Lésbicas e outras entidades feministas. Foi uma decisão inédita, uma vez que a tendência dominante no Judiciário brasileiro ia em direção contrária ou simplesmente considerava o assunto como de menor relevância. Agora em 2016, com repercussão muito menor, o CNJ, acionado por certos grupos, entre eles a Arquidiocese de o Fundo, revoga a decisão de 2012, com base em argumentos já expostos em momentos anteriores.
O principal dos argumentos para a manutenção de crucifixos em recintos estatais – como tribunais ou plenários de parlamentos – é que eles representam o papel do catolicismo na formação da nação brasileira. Esse papel é algo inegável. Com aspectos positivos e outros nem tanto. De toda forma, justificar dessa maneira a presença dos símbolos é optar por uma visão que consagra uma parte do nosso ado para falar da totalidade de nosso presente. O papel social do catolicismo é algo que pode ser reconhecido e contemplado por meio de instrumentos como as políticas de patrimônio e os conselhos de direitos. Templos e festas católicas têm sido objeto de tombamento e outras formas de patrimonialização. Expoentes católicos, ao lado de outros atores da sociedade civil, têm participado como membros de conselhos na área social, educacional, de saúde, etc. Por essas razões, não há necessidade de manter crucifixos em lugares como parlamentos ou tribunais para dar o devido reconhecimento ao papel do catolicismo na sociedade brasileira.
Diante disso, o que significa sua presença nesses recintos estatais? Significa optarmos por uma certa representação acerca do que seja o Brasil. Esses símbolos afirmam que o Brasil continua a ser cristão. O problema não está na afirmação em si, mas no que ela não nos deixa enxergar. Pois além de ser cristão, o Brasil é muitas outras coisas, mas os únicos símbolos religiosos que ganham o privilégio de serem vistos em parlamentos e tribunais são os crucifixos católicos. Em outras palavras, o Brasil que é representado pelos crucifixos não se define pela diversidade, e sim por uma imagem pretensamente homogênea, que recorre a uma condição do ado – o catolicismo que fez parte da formação nacional – para definir o presente. O Brasil dos crucifixos em recintos estatais corresponde, pois, a uma imagem semelhante àquela que vimos quando nos foi mostrada a foto do ministério formado por Temer. Em ambos os casos, temos um retrato muito parcial do que seja o Brasil do presente. É lamentável que um país que queira abraçar a diversidade como valor fique preso a imagens tão parciais.
Outro argumento levantado pelos que defendem a permanência de crucifixos em recintos estatais é de que sua presença não implica em coação sobre as consciências individuais. Os críticos da existência de crucifixos apontam que eles podem influenciar as decisões de juízes, parlamentares ou jurados. Concordo que essa alegação só às vezes corresponde aos fatos. Ela me parece tão limitada quanto a suposição – mantida pelos defensores dos crucifixos – de que estes podem inspirar legisladores e julgadores ou consolar réus. Mas a impossibilidade de supormos uma coação generalizada não anula a possibilidade de cidadãos específicos expressarem seu incômodo e seu desacordo com a presença desses objetos.
É importante deixar claro que desacordo e incômodo podem se fundamentar em motivos e condições diversas. Temos visto coletivos de feministas, defensoras de direitos sexuais, associações de valorização do ateísmo e do agnosticismo se posicionarem, em nome de certa concepção de laicidade, contra a presença de símbolos religiosos em recintos estatais. Mas um posicionamento na mesma direção pode ser percebido em grupos e pessoas religiosas. Por exemplo, há protestantes ou evangélicos que estranham o privilégio a um símbolo católico. E mesmo entre católicos, há os que pensam que crucifixos ficam melhor em outros lugares e que em tribunais e parlamentos acabam perdendo o sentido e a sacralidade que deveriam ter. Seria muito importante que esses religiosos descontentes tivessem suas opiniões mais enunciadas e disseminadas.
Em suma, há vários motivos para fundamentar desacordo ou incômodo com a presença de crucifixos em tribunais e parlamentos. Fica então a sugestão: que os dissidentes e incomodados expressem suas opiniões. Mais especificamente: que isso seja feito nos próprios recintos onde estão esses objetos durante as atividades para as quais são previstos. Se você for um jurado ou um advogado, expresse sua discordância e peça para o crucifixo ser retirado enquanto atuar ali. Se você for convidado a estar em um parlamento, expresse seu incômodo e o transmita aos vereadores, deputados e senadores. Talvez a insistência propicie o que o CNJ e outras instâncias se recusam a decidir. Pois aqueles que fazem questão de ter símbolos religiosos em tribunais ou parlamentos podem trazê-los em seus corpos – como muitos católicos fazem com crucifixos. E assim a todos fica assistido um direito sem privilégios.
No quadro atual, a resistência aos argumentos que defendem a presença de símbolos religiosos em recintos estatais ganha novos sentidos. Ela significa a afirmação de um Brasil plural, com um futuro que não se limita a repetir o ado. Ela significa a afirmação de nossa capacidade crítica, exercitada diante do que nos incomoda ou contraria, a mesma capacidade que nos faz refutar a legitimidade das medidas de um governo que atua como se não fosse provisório.