O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito vem a público manifestar seu veemente repúdio ao clima de intolerância e violência verificado neste período de eleições para a Prefeitura de Porto Alegre. No dia 17 de outubro, Plínio Zalewski, coordenador do programa da campanha do candidato Sebastião Melo, do PMDB, foi encontrado morto. Sem que tenha sido elucidada até o momento a causa de sua morte, manifestações públicas de pessoas que com ele conviveram registram o alto grau de tensão em que se encontrava o coordenador. Segundo estas manifestações, Plínio Zalewski viveu um clima de perseguição, com a invasão de seu Facebook, difamações feitas por integrantes do Movimento Brasil Livre/MBL e ameaças que foram, inclusive, denunciadas em ocorrência policial, além dos três processos judiciais movidos contra ele pelo candidato Nelson Marchezan Jr, do PSDB. Hoje, dia 25 de outubro, a deputada Juliana Brizola, do PDT, candidata a vice-prefeita na chapa de Sebastião Melo, registrou boletim de ocorrência, em função dos agressivos ataques verbais sofridos na Esquina Democrática, por parte de ativistas que a candidata afirma pertencerem ao mesmo grupo que difamou Plínio Zalewski. Além das agressões a pessoas, foram denunciados, durante a campanha eleitoral, um ataque com tiros ao comitê do candidato Nelson Marchezan Jr e uma invasão de integrantes da equipe de Marchezan Jr. à sede do PMDB. A escalada de agressões e violência vivida na campanha à Prefeitura de Porto Alegre expressa o clima de truculência de tipo fascista que vem crescendo no Brasil e do qual têm sido vítimas lideranças políticas, intelectuais, artistas, estudantes e outros cidadãos participantes de movimentos reivindicatórios no país. A memória histórica não permite que nos calemos frente à possibilidade de crescimento de forças e regimes fascistas em nosso estado e no Brasil. Por isto conclamamos todos os democratas a expressarem seu repúdio às atitudes e movimentos com características de cunho fascista e a se unirem em torno da defesa da democracia e dos valores da convivência pacífica e civilizada. Porto Alegre, 25 de outubro de 2016 Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito 2da2n
Autor: comite 4u6u14
O cinismo social 4p583e
João Alberto Wohlfart – Professor de filosofia
Pouco a pouco ficam claros aos nossos olhos a abrangência, os componentes, a estrutura e as intenções do golpe aplicado na Presidente Dilma Rousseff. O pano de fundo deste imenso espetáculo é um determinado modelo de racionalidade que se construiu ao longo destes últimos séculos e que na atualidade se tornou hegemônico e dominador. Trata-se do calvinismo social, do subjetivismo moderno, do individualismo burguês e da racionalidade econômica tecnocrática.
Estes componentes racionais se corporificam no sistema econômico capitalista que está adentrando em nova fase. Soma-se a isto uma onda global de reviravolta conservadora neoliberal, de fundamentalismos religiosos e políticos, de espetacularização da mídia e de judicialização da sociedade. Parece que se trata de uma reação do capitalismo internacional diante da última grande crise econômico-financeira que solapou as economias do primeiro mundo.
O que se vê na atualidade é de que o primeiro mundo e o centro geográfico do capitalismo mundial esgotaram as suas reservas naturais, minerais, aquáticas e energéticas. Soma-se a isto a soberania internacional e a condição de ator internacional que o Brasil construiu ao longo dos governos de Lula e de Dilma que assustou as nações hegemônicas do planeta, especialmente os Estados Unidos.
Estamos assistindo a uma nova fúria dominadora e conquistadora do capitalismo internacional. Trata-se de uma espécie de neocolonialismo, de neocapitalismo, de neoimperialismo no qual o território brasileiro está no epicentro deste movimento geopolítico global. Este movimento capitalista consiste simplesmente no roubo e no assalto das nossas riquezas naturais, como sabidamente o são o Pré-sal, o Aquífero Guarani, as águas da Amazônia, os solos agrícolas, os recursos energéticos etc.
Esta onda dominadora e conquistadora tem as suas representações internas. Há forças políticas e religiosas poderosas que favorecem a entrega de presente do país a esta fúria capitalista norte-americana, tais como o congresso nacional, o judiciário, os meios de comunicação social, os partidos de direita, as religiões neopentecostais, as alas conservadoras e fundamentalistas da Igreja Católica, o grande empresariado etc.
O golpe branco foi comprado por grandes corporações econômicas e por países do primeiro mundo. Esta é a razão pela qual a grande farsa nos é dogmaticamente ada como verdade absoluta. O que assusta neste golpe que avança de forma avassaladora e galopante é de que a sua ideologia penetrou na interioridade da estrutura social. O imaginário social está possuído e radicalmente dominado por esta mentalidade. O interesse capitalista avassalador penetra nas relações sociais de forma sutil e imperceptível, por um lado, e de forma extremamente violenta e dominadora, por outro. Na absoluta intensidade e totalidade, o que as pessoas pensam e falam entre si é o reflexo subjetivo da ideologia dominante. As conversas interpessoais representam uma espécie de vulgarização dos fundamentos filosóficos da racionalidade vigente e uma legitimação do interesse dominante. Parece que o povo está agradecendo a Deus por uma dádiva divina salvadora.
O cinismo social é uma das ramificações do golpe. Ele é necessário para dar legitimidade a todas as ações porque o povo precisa ficar anestesiado diante delas. O cinismo social se expressa em alguns jargões que se universalizaram e se dogmatizaram, o que revela a extrema superficialidade da opinião pública. Sabemos muito bem o que se fala contra Lula e contra o PT é a expressão da mentalidade antipetista induzida massivamente pelos meios de comunicação na mentalidade popular.
É muito comum que as pessoas falem contra a corrupção. O povo em geral quer ver estirpada a corrupção em nosso país. Mas esta postura é uma reprodução do discurso da televisão como o principal meio de informação das massas. Como a opinião pública apresenta aspectos contraditórios, os discursos contra a corrupção a reforçam e a absolutizam. O discurso contra a corrupção legitima os grandes assaltos capitalistas à nação brasileira e ao povo brasileiro. Neste movimento contraditório, o povo condena o que a televisão mostra como corrupção, e nisto legitima uma estrutura de corrupção infinitamente maior e mais complexa.
Este fenômeno contraditório pode ser mostrado com exemplos concretos. As intensas manifestações de 2013 seguiram com a eleição do congresso nacional mais corrupto e mais conservador no ano seguinte. Nas eleições municipais recentemente consolidadas foram eleitos traficantes de drogas, empresários com representativos patrimônios, defensores de regimes monárquicos etc. Venceu a negação da política, o que significa dizer que seremos comandados por empresários, por marqueteiros da comunicação e por um poder econômico invisível. A pretensão dos gaúchos de formar uma república rio-grandense é uma das expressões cínicas de orgulho e autossuficiência.
O cinismo social tem outro componente fundamental. Como expressão do liberalismo burguês, vemos hoje uma burguesia dominante que atribui a si mesma o mérito, a perfeição, a condição de sujeito social, os donos das riquezas, do território, das terras e do trabalho. Isto lhes dá o direito de odiar as classes excluídas, como os negros, os índios, as mulheres, os nordestinos, os trabalhadores e os que integram outras opções sexuais. Estes seres humanos absolutos e perfeitos, que nasceram isentos do pecado original, com a salvação eterna assegurada, com uma santidade implícita que não precisa do reconhecimento do Vaticano, são os eternos escolhidos e predestinados por Deus para gozar de sua beatitude. São eternos e absolutos santos na terra e nos céus. São os únicos não manchados pelo pecado, muito mais santos que os mártires e as virgens.
Esta santidade tem um paradoxo. Estes mesmos santos produziram e difundiram o ódio social atualmente infiltrado em toda a estrutura social. Este ódio social está dissolvendo e acabando com o povo. As ações do governo golpista de congelar os gastos em saúde e educação, de reduzir os salários e arrochar a previdência, de entregar as riquezas ao demônio, representam um massacre contra o povo brasileiro.
Entre o território brasileiro e os seus ecossistemas naturais, a nação brasileira e o povo, por um lado, e o sistema capitalista e o governo golpista, por outro, há uma cortina de fumaça que impede o conhecimento da realidade e estende sobre o país uma absoluta cegueira epistemológica. Ela é produzida pelos meios de comunicação social que imbecilizam e mediocrizam a população pela difusão do ódio contra Lula e o PT. Os meios de comunicação falsificam tudo ao dizer uma coisa, quando a realidade é completamente outra. O que duplica a cortina de fumaça, a absoluta cegueira e anestesia social, são as religiões neopentecostais e as tradicionais, inclusive a Católica.
Diante do desdobramento do golpe, é preciso questionar o papel da religião durante a história e na atualidade. A religião legitimou o patriarcalismo e o escravagismo ao invocar as bênçãos divinas sobre esta estrutura social. Batizou as castas sociais brancas e duvidou da dignidade da filiação divina aos negros e índios. As múltiplas ações de transformação histórica e social foram objeto de perseguição de todos os lados, nomeadamente pelo papado romano, pela elite capitalista, pelas alas conservadoras do catolicismo brasileiro etc. O nome comum às ações históricas libertadoras é conhecido muito bem na expressão “padres comunistas”.
O povo está cego. Não há mobilizações sociais diante de um conjunto de assaltos que se desenham aos nossos olhos. Na atualidade, ou se organizam intensas manifestações, ou será tarde para sempre. Depois que o país estiver entregue ao bandido, depois de vendermos a alma ao diabo, o povo será corroído até os ossos. Não teremos mais mínimas condições de convívio social, nem condições econômicas mínimas de sobrevivência. Enquanto isto, o povo é cínico, debocha ironicamente contra o seu próprio destino, e a fala contra Lula e o PT resulta na alienação social e na cegueira epistemológica que legitima o atual estágio de expropriação capitalista.
Diante deste cenário, as esquerdas estão esfaceladas e desorganizadas. No momento, não sobra mais nenhuma força de organização e transformação social. Na mesma direção, o povo brasileiro está petrificado, envolvido numa névoa ideológica de dominação capitalista, sem racionalidade e base política de ação coletiva. Enquanto isto, a suprema força de organização capitalista é sustentada por forças geopolíticas internacionais, pelo supremo tribunal federal e judiciário, pelo congresso nacional e ministério público, pela grande mídia e pela cegueira epistemológica do povo. De onde virão as forças de reação?
https://youtu.be/bjMzASRWFP0
Professores dos cursos de Artes da UERGS em Montenegro decidem aderir às frentes de resistência à alteração da LDB9394/96 assim como à PEC 241 6x5b6n
O calendário de mobilizações iniciará com paralisação geral das atividades da Unidade na segunda-feira dia 24 de outubro e encontros pontuais para debates e proposições ao longo da semana.
Prezadas e prezados alunas e alunos, colegas professoras e professores, funcionárias e funcionários da Unidade Montenegro-Artes/UERGS,
Nos últimos dias, fomos tomados de maneira abrupta por uma série de propostas de emenda constitucional (PEC) e medidas provisórias (MP) que afetam os mais diferentes tecidos da sociedade brasileira. Medidas tomadas de maneira aleatória, sem o devido debate popular e com a forte possibilidade de produção de efeitos escalonados ao longo dos próximos anos que, em sua imensa maioria, produzem um horizonte nebuloso e de enormes sacrifícios dos extratos mais vulneráveis da população. Todas essas questões estão em nossas pautas cotidianamente. No entanto, as Artes em todas as suas formas, foram alvo de um ataque noturno e gravíssimo: a mudança do texto da LDB 9394/96[i].
A lei de diretrizes e bases foi uma conquista de diversas associações, instituições, professores e alunos. No caso da arte, os avanços trazidos pela LDB 9394/96 são resultados de uma forte movimentação daqueles que entendiam a importância de garantirmos aos estudantes do ensino básico e médio aulas de Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, em suas especificidades e ministradas por professores com formação, também específica, em cada uma dessas modalidades em seus modos de pensar, criar e compreender as ações dos indivíduos em diferentes tempos e espaços através da arte. Os reflexos dessa decisão reverteram-se em fortalecimento e abertura de novos cursos de licenciatura em arte e garantia de atuação profissional para os seus egressos na escola, compreendendo as linguagens artísticas como conhecimentos legítimos e indispensáveis à formação dos indivíduos.
Com a alteração da lei temos um forte retrocesso de, pelo menos, 30 anos nas lutas pela garantia de o e reconhecimento da arte como forma de saber, presente em uma escola que se pretende lugar de construção, mobilização e movimento de conhecimentos que extrapolam a formação para o mercado de trabalho e que se compreende como lugar de compreensão e modificação do mundo em suas formações históricas, contradições e condições sociais e culturais.
Assim, como forma de marcarmos nossa posição na defesa dessas conquistas e da legitimidade de nossa área de atuação, nós, professores dos cursos de licenciatura em Arte da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, decidimos nos unir às manifestações que ocorrem nessa segunda, dia 24 de outubro, juntamente com outras universidades gaúchas e que, por sua vez, estão aliadas a frentes de resistência por todo o país.
Ao mesmo tempo, cremos na importância formadora que tem a participação de toda a comunidade acadêmica e, em especial, os estudantes, nessa luta. Propomos também que, a partir de terça feira, dia 25, comecemos uma semana de mobilizações com encontros de pelo menos uma hora a cada dia, para marcarmos o posicionamento de nossa unidade.
Sabemos dos prejuízos que o cancelamento de um dia letivo pode trazer ao nosso calendário, mas compreendemos que nesse momento há algo maior que exige nossa tomada de decisão. Pelo futuro das artes na escola, pelo futuro dos nossos cursos de formação, pela garantia da vida profissional de nossos estudantes e, acima de tudo, pela manutenção da Arte em toda a sua complexidade no ambiente escolar em todos os níveis de ensino previstos no texto original da LDB, optamos por marcar nosso posicionamento e, reforçamos, contamos com o apoio de toda a comunidade.
Essa não é uma pauta apenas dos professores de arte, mas de toda a sociedade que compreende que a escola deve mirar mais longe do que a mera reprodução de verdades absolutas e que o conhecimento crítico e criativo do ser humano é instrumento indispensável para qualquer menino ou menina que chega a essa instituição. Conhecimento esse que não é completo sem os saberes, problematizações e deslocamentos que a arte pode produzir.
cronograma:
Dia 24/10: 8h30 em frente ao ers, (Av. Alberto Bins, 480 – Centro) + 13h Campus Central da UFRGS + 18h30 Esquina democrática.
A partir do dia 25/10: ações pontuais na Unidade em Montenegro.
[i] “§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.”
Imagem da campanha Arte pela Democracia: https://fonsecamonoart.files.wordpress.com/2016/05/tudo0041-724×1024-1-724×1024.jpg
Por que tanta dor? 4p5z5e
Jorge Barcellos – Doutor em Educação/UFRGS
O suicídio de Plínio Zalewski Vargas aponta para a urgência de rever o modo como Porto Alegre faz política.
Conhecia Plínio Zalewski Vargas há mais de 30 anos. Sua trajetória política e intelectual impecável e seu humor caracterizavam um cidadão que amava a vida, sua família e a cidade. Seu suicídio precisa ter sentido, pensei imediatamente quando soube da tragédia. Fui pesquisar o assunto: na base Scielo encontramos 235 artigos a respeito do tema e não encontrei nenhum estudo que trate de motivações políticas do suicídio. Nenhum. Alguns apontam pessoas viúvas e aquelas ocupadas na agropecuária com um índice maior; outros apontam o aumento dos suicídios na população masculina para homens com menos de 40 anos mas as idades variam conforme os estudos; outros defendem como fatores determinantes o desemprego, o estresse econômico e a instabilidade familiar. Plínio não se enquadrava em nenhuma delas “O suicídio enquanto objeto de reflexão teórica apresenta-se como um universo avesso a classificações excessivamente constritivas” afirma Meneguel (2004).
Mesmo os estudos que associam o suicídio com depressão não encaixam no caso de Plínio ou os que optam por linhas de investigação menos formal, ditos “pós-modernos”. Moraes (2006) tentou identificar as características da mente suicida a partir da narrativa do filme “As horas” de Stephen Daldry que trata de pessoas com quadros depressivos em diferentes épocas. Mesmo a personagem Laura Brown, interpretada por Juliane Moore, opta por um suicídio por ingestão de comprimidos como forma de não sentir dor ou ferimentos, ao contrário de Plínio. No entanto, estudos apontam que pelo menos 10% da pessoas que cometem suicídio são aparentemente normais e os psiquiatras denominam de “autópsia psicológica” o diagnóstico a partir de depoimentos de fontes próximas.Os depoimentos de amigos nos jornais tem dificuldade de acreditar no que aconteceu.
Então como isso foi possível? A melhor hipótese que encontrei para mim foi a dada por Flavia Pinhal de Carlos e Marta Regina de Leão D’Agord em seu estudo “O lugar obsceno do suicídio”. Se o obsceno é o que não pode ser mostrado, a ideia é que o suicídio pode ter um lugar obsceno. Como na sexualidade, o obsceno é o “momento mítico, onde uma narrativa é criada para dar conta desse real inapreensível”. Fora de cena, o que não pode ser mostrado, o que não pode ser falado, a cena fantasmática é o que “distingue os registros do mundo e da cena”. Toda a vida de Plínio foi marcada pelo significante político, era o mundo da urbe e da civitas que davam os marcos de seu mundo: sua dedicação à cidade era sua forma de não sucumbir na vida e a defesa da civilidade era o anteparo que funcionava como um fantasma que não deixava seu mundo cair. Mas o mundo político que Plinio vislumbrou nas eleições era totalmente diverso, estava além da cena a qual estava acostumado, era, numa palavra, obsceno.
O obsceno é caracterizado por uma perda de distância e o excesso de proximidade de Plínio com os ataques políticos, a perseguição de que foi vítima, a suposta invasão a seu celular e seu computador e as ameaças a sua família lhe mostraram que algo estava fora do lugar, do jogo político “O obsceno é duplo, se encontra entre dois”, e no caso, entre Plínio e seus perseguidores. Como o obsceno, o que mais o afligia era que estes conflitos escaem, que escorregassem para sua vida privada, exatamente como veio a acontecer nos movimentos das redes sociais “O obsceno é aquilo ao qual se dá uma olhada e depois se rechaça”: não foi exatamente assim que reagiu Plínio ao vídeo que circulou nas redes e apontado como motivo de depressão e que provocou, para surpresa de seu criador, que se demitisse da assembleia, pois “exibiu o que o espectador não consegue ver, se nega a ver”?
Mas há diferenças. Enquanto as autoras tecem considerações sobre as relações entre suicídio, obsceno e o campo das artes, é preciso ver as semelhanças do obsceno com a política. Isso é fácil. Enquanto o obsceno mostra e força o olhar, a política seduz, busca convencer. Trata-se portanto, de um encontro possível, já que a política quer dar ao olhar uma direção. Ao vislumbrar a dimensão perversa da política, conflito no campo pessoal que seu olhar não pode apreender, que estava fora “do campo visível [que] trazem consigo o horror” como o olhar a morte e o sol e que “implica o desaparecimento do sujeito, na cegueira”. O que isto significa: que Plínio vislumbrou o lado obsceno da política, em maior ou menor grau, de um lado e de outro, algo foi colocado na cena da política que não poderia ali estar “como Édipo ao ver seus próprios olhos no chão”. Ao contrário do que defende seu diretor, o vídeo foi sim o disruptor de sua depressão: enquanto que para o cinegrafista o vídeo era gozo, o schaulust de que falam os autores, o gozo do espetacular, para Plínio era o horror, esse ultraamento de todos os limites, foi a visão obscena em que se transformou a política da capital que o matou, ela se transformou naquilo que ele não podia ver “O signo que conduz a vida, à existência, é o mesmo que conduz a morte (…) o evento fatal não é aquele que se pode explicar por suas causas, e sim aquele que, em um dado momento, contradiz todas as causalidades, aquele que vem de algum outro lugar (..) mas apelar para as causas a fim de justificar os meios é sempre um álibi: não esgotaremos dessa maneira o sentido, ou a falta de sentido, de um acontecimento” diz o filósofo Jean Baudrillard em Senhas (Difel, 2001).
A campanha política jogou com a vida de Plínio colocando-o numa “experiência silenciosa” (p.47) e ainda que a autora remeta a figuras da psicanálise, o que está em jogo é a “experiência limite” vivida pelo escritor, onde lhe faltaram imagens em que pudesse se reconhecer. Culpa do partido e do candidato que apoiava por não perceber a fragilidade de seu mais devotado apoiador; culpa do partido e do candidato opositor que permitiu que grupos radicais de extrema direita o apoiassem. Assim como o obsceno tem relação com o que ataca o pudor, Plínio viu uma política sem pudores, sem regras, uma dimensão que nunca havia visto e que não imaginava pudesse existir em tamanha intensidade. Como a obscenidade que exige uma vontade de mostrar, Plínio viu-se diante do horror de imagens e palavras que se dirigiam a ele e sua família “o obsceno seria o que permite jogar com a morte mediante imagens” dizem as autoras, quer dizer, estava tudo ali, a política colocada para ele mostrava tudo, expunha suas entranhas ao inesperado, as agressões à família “o que há de obsceno na política não é a pornografia de seus gestos, mas a relação com a sua morte que anuncia”.
Como pensar o encontro voluntário com a própria morte? Essa contingência que levou Plínio, essa confusão dos signos do mundo, do amor à política a recusa ao gozo do Outro repete estruturas apontadas por Ferreira (2012) ”quando algo falha, que o desejo não pode ser o desejo do Outro, quando alguém não pode fazer o seu desejo como o desejo do Outro, quanto isto falha, isto é fatal com respeito ao suicídio” (p.22). O suicídio de Plínio é o alerta a sociedade que, do jeito que a política está não pode ficar, o que está em jogo no campo simbólico de seu gesto é o grito de que nossas práticas políticas precisam mudar. Urgentemente. Seu ato é um significante para toda uma capital, estamos todos de alguma forma vinculados a sua trágica morte por nossas ações ou omissões. Seu ato é contra esta forma de fazer política caracterizada por disputa sem limites, ética e valores “Esse signo, contudo, não é para quem comete o ato, mas sim para os que ficam. Trata-se do signo da existência de alguém” (p.51). Nossos ódios via internet, nossa falta de debate de ideias, nossa falta de respeito, a tudo isto Plínio respondeu com seu silêncio, uma lição de amor à política como ela deve ser e que fez da única forma que encontrou “a ruptura absoluta, uma não mediação do outro, no silêncio”. Para Plínio, a política se tornou um horror que só dando esse o a mais, ando um horror mais fundamental – a morte – ele poderia se tranquilizar. Essa é a mensagem: precisamos urgentemente reformar a vida política na cidade, lição de um pai amoroso que queria um mundo melhor para seus filhos.
Para as autoras “o suicídio é um ato no qual por mais que se pretenda decifrar os motivos que levam a um sujeito a realizá-lo, este não está ali para ser interpelado”. Se para Plínio, como revela seu bilhete, sua inquietação é que ele não podia lidar com as consequências de sua ação – a tristeza da família e dos amigos – cabe aos sobreviventes lidar de alguma forma com os significados dela. Para mim, sua mensagem eterniza na nossa memória que vivemos tempos de uma política absurda e que isso tem de parar. Seu gesto molesta a todos nós e isso é bom, convoca nosso olhar, convoca o olhar dos candidatos e suas equipes e os obrigam a perguntar “porquê”: como afirmou Sebastião Melo, o candidato a que dedicou seu trabalho e amizade, sua morte não pode ser em vão. Mas em que sentido: ela precisa desvelar a tela que encobre o vazio e a agressividade de nossa política, ela precisa ser um apelo à paz nas campanhas políticas, um apelo à paz na vida nas cidades e em nosso modo de vida, que ele tentou tantas vezes cultivar com suas reflexões sobre convivialidade.
A volta do capitão Ahab e a caça aos países-baleia ou A III Guerra Fria chega ao Brasil no golpe 6r495u
Walter Morales Aragão – Professor de Filosofia
Há uma teoria na História Contemporânea a qual afirma que as bombas atômicas lançadas sobre o Japão serviriam mais para conter o avanço soviético sobre as ilhas do que para derrotar o combalido império nipônico de então (Vizentini, P. Da guerra fria à crise. Ed. da UFRGS). Assim, impediram a divisão em um Japão do sul e um do norte, de modo que o Pacífico tornou-se um lago do império estadunidense. Logo, foram mais o primeiro tiro da I Guerra Fria do que o último da II Guerra Mundial. Processos similares verificaram-se posteriormente e, hipoteticamente, agora em 2016.
Nos anos 80 e 90 do século XX, por exemplo, as chamadas Décadas Perdidas, viu-se inicialmente um avanço das lutas de descolonização, sobretudo na África, e de combate ao neocolonialismo, principalmente na América Central. Ambos os processo contavam com respaldo da URSS e de seu bloco de aliados. O neoliberalismo foi, então, um forte contra-ataque desenvolvido pelos países centrais do sistema capitalista mundial. Daí a plausibilidade de falar-se numa II Guerra Fria, após a distensão dos anos 60.
Com a auto-dissolução da URSS nos anos 90, abriu-se uma perspectiva que apontava para um largo período de domínio unipolar dos EUA. Mas já a primeira década do séc. XXI destacou um conjunto de países com grandes territórios, população e recursos naturais que aram a exercitar um certo “retorno ao Estado”, destoante da adesão total aos dogmas neoliberais. Eram os denominados “países-baleia”: a China, a Índia, uma Rússia em rápida recuperação, o Brasil e a África do Sul. Os quais aram a ser referidos pelo acrônimo BRICS e estabeleceram um sistema de consultas mútuas e alguma concertação política e econômica.
A continuidade e o aprofundamento da crise mundial econômica, agravada pela energética e pela ecológica, aumentaram a disputa por recursos básicos, naturais e agrícolas, realçando a importância da alternativa de um mundo multi-polar apontada pelos BRICS. Um novo esforço de contenção militar e disputa por recursos e influência a a ser desenvolvido pelos EUA e seus aliados do centro do sistema capitalista mundial, principalmente sobre a Rússia no Oriente Médio, na Ucrânia e no Leste europeu e sobre a China no Mar do Sul da China e na disputa de influência na África. Conjunto de fenômenos que configuram algo como uma III Guerra Fria.
Nesta síndrome de capitão Ahab, ou III Guerra Fria, em que é aberta uma caçada aos recursos dos países-baleia, é possível observar-se uma sinergia notável com acontecimentos na América do Sul, a exemplo dos golpes brancos em Honduras, no Paraguai e no Brasil e a reativação da IV Frota estadunidense para operações no Atlântico sul. Chossudovski e outros postulam, mais gravemente, a existência de indícios dos preâmbulos de uma III Guerra Mundial.
A ver, portanto, o final deste romance histórico com consequências práticas estruturais para a atualidade e o futuro imediato. Algo entre novas Cartagos que precisam ser destruídas pelo império dominante ou para Mobi Dick e o afundamento de Ahab enrolado em suas próprias cordas.
A morte de Plínio Zalewski e o 2º Turno em Porto Alegre 14t4d
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo – Sociólogo e professor da PUCRS
Conheci Plínio Alexandre Zalewski Vargas no final dos anos 80. Ele integrava na época a chamada Nova Esquerda, grupo político formado por ex-integrantes do PRC, entre os quais Tarso Genro, Marcos Rolim e José Genoíno. Convivi mais proximamente com ele quando fundamos o movimento PT Amplo e Democrático, em 1992, que defendia uma mudança radical na estrutura interna do partido, arejando e democratizando os espaços de poder com o fim das estruturas de tendências internas, a desburocratização e a ampliação do diálogo com a sociedade numa perspectiva democrática, superando os vícios de estruturas políticas ainda marcadas pela luta armada contra o regime militar e padrões marxistas-leninistas de organização. Não tivemos sucesso, e o próprio PT Amplo virou uma tendência.
Por essa e por outras acabei me afastando da militância partidária, enquanto Plínio, no final dos anos 90, desistiu do PT e foi primeiro para o PPS, depois para o PMDB.
Discordei e discordo das opções políticas dele, e durante a última década continuei apoiando candidatos do PT para diversas esferas de poder, considerando que o partido era a possibilidade mais avançada de democratização do Estado e inversão de prioridades na implementação de políticas públicas de distribuição de renda e o a direitos. Mas reconheço que Plínio sempre manteve a coerência na tentativa de construir um espaço político democrático no contexto do Brasil e do Rio Grande do Sul. Há muito havia revisto suas ideias, e seu pensamento era muito influenciado pela filósofa Hannah Arendt, muito mais próximo de uma social democracia.
Lembro que em nosso último embate nas redes sociais, algumas semanas atrás, ele acusava a campanha de Raul Pont de estimular a violência juvenil contra o patrimônio em manifestações, e dizia que isso era inaceitável. Eu contrapunha dizendo que, em que pese a necessidade de evitar a utilização da violência como método de ação política, o processo de destituição da Presidente da República, pelo grau de ilegitimidade que continha, havia aberto a porta para a degradação da disputa política democrática, retrocedendo no processo de institucionalização dos conflitos sociais, para o qual o PT havia contribuído.
Naquele momento, ele ainda acreditava que o adversário no 2º turno seria Raul. Se deu conta logo depois, talvez tarde demais, que o desgaste do PT e a divisão da esquerda em Porto Alegre apontava para o risco real de que ficasse de fora da disputa, que seria entre dois grupos que até então estiveram aliados na Prefeitura e no Estado, um deles, representado por Marchezan, buscando aproveitar a onda conservadora e dispensar as parcerias com o centro (parte do PMDB e PDT) para governar sozinho e com um projeto de poder para o estado e o país de absoluta exclusão da esquerda dos espaços políticos e da participação social na gestão pública.
Logo após a sua morte, sites da direita tem espalhado a notícia de que Plínio era um “comunista”, e com isso procuram justificar a ação do MBL de perseguição a ele. Ao contrário, Plínio foi um dos artífices do projeto político que levou à derrota do PT na prefeitura de Porto Alegre depois de 16 anos no poder municipal, com marcas importantes e internacionalmente reconhecidas como o orçamento participativo, amalgamando forças políticas do centro até a direta para a constituição de uma nova hegemonia política na cidade. Brilhante estrategista, Plínio é parte de uma geração que buscou incessantemente a boa política, e sua morte empobrece a política gaúcha.
Na sexta-feira ada, encontrei com Plínio pessoalmente, depois de muitos anos, para declarar meu apoio à chapa Melo/Juliana, e conversar sobre os rumos da campanha no 2º turno. Não imaginava que seria nosso último encontro. A serem comprovados os fatos até agora divulgados, que apontam para uma linha investigativa voltada para a comprovação do suicídio, justificado pela pressão exercida sobre ele, já que o monitoravam e ameaçavam por vários meios, teria o sentido de um recado. Que sejamos capazes de ouvi-lo, para nos darmos conta do que de fato está em jogo nas eleições em Porto Alegre.
Dívida e juros 533q39
Paulo Timm – Economista
Marx escreveu na obra O Capital (Crítica da Economia Política):
“(…) A única parte da chamada riqueza nacional que é realmente objeto de posse coletiva dos povos modernos é … a dívida pública”. (p.872)
“A dívida pública converte-se numa das alavancas mais poderosas da acumulação primitiva. Como uma varinha de condão, ela dota o dinheiro de capacidade criadora, transformando-o assim em capital, sem ser necessário que seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos inseparáveis das aplicações industriais e mesmo usurárias. Os credores do estado nada dão na realidade, pois a soma emprestada converte-se em títulos da dívida pública facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem dinheiro.” (p.872-873)
““(…) A dívida pública criou uma classe de capitalistas ociosos, enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros que servem de intermediários entre o governo e a nação. As parcelas de sua emissão adquiridas pelos arrematantes de impostos, comerciantes e fabricantes particulares proporcionam o serviço de um capital caído do céu. Mas, além de tudo isso, a dívida pública fez prosperar as sociedades anônimas, o comércio com os títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em suma, o jogo da bolsa e a moderna bancocracia.” (p.873)
Karl Marx. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Primeiro, Volume II, Capítulo XXIV. 12ª edição. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
Hoje tem reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o órgão colegiado que define a taxa básica de juros da economia brasileira, a qual, além de balizar o mercado financeiro, determina a disposição do Governo quanto à remuneração de seus títulos neste mercado.
A última reunião do COPOM manteve a taxa SELIC em 14,25%, nível mais alto dos últimos anos e que vem assim se mantendo desde 2012, à vista da retomada do ritmo inflacionário e persistência da recessão, conforme NOTA:
1. Os indicadores divulgados desde a última reunião do Copom forneceram evidências adicionais de estabilização recente da atividade econômica. Em particular, a medida de investimento nas contas nacionais mostrou o primeiro aumento após dez trimestres seguidos de queda. Há sinais de uma possível retomada gradual da atividade econômica, como os componentes de expectativas de índices de confiança, expectativas de crescimento do PIB2 para 2017 apuradas pela pesquisa Focus, e expansão da atividade industrial. 2. A economia segue operando com nível elevado de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.
(Notas da 201ª Reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil 30 e 31 de agosto de 2016)
http://www.bcb.gov.br/htms/copom/not20160831201.pdf
Nos dois últimos meses o ritmo da economia não demonstrou maior variação, resultando na previsão de queda do PIB neste ano na ordem de 3,2% – http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/08/mercado-melhora-previsoes-para-o-pib-de-2016-e-de-2017 – , mas os preços acusaram nítido refluxo, particularmente em setembro: IPCA = 0,08% – http://www.valor.com.br/valor-data/tabela/5800/inflacao. Alívio, depois do susto no mês de agosto. . Com isso, a permanecer a tendência, voltaremos, em 2017, ao nível tolerável da banda de metas com uma inflação anual em torno de 5.0% – http://www4.bcb.gov.br/pec/gci/port/focus/faq%2010-regime%20de%20metas%20para%20a%20infla%C3%A7%C3%A3o%20no%20brasil.pdf .
Não há certeza sobre o tamanho do corte dos juros SELIC. Uns apostam em 0,25%,outros em 0,50%, o que seria, neste caso, uma economia proxi de R$ 20 bilhões em um ano no pagamento dos juros da Dívida Pública, na ordem de R$ 4 trilhões, tragando quase metade da receita em impostos da União. Simplificando, para orientar os leitores mais leigos, os quais, entretanto, estão acostumados a calcular o peso dos juros sobre suas dívidas: Se os juros anuais estão em torno de 15% ao ano sobre R$ 4 trilhões, seu montante devido chegaria a R$ 600 bi e uma economia 0,5% nos juros significa os R$ 20 bilhões apontados. Tivesse ao Governo a coragem de dobrar este corte, para 1,0%, a economia chegaria a R$ 40 bi, evidenciando que aqui reside o fator principal do tão decantado déficit público, hoje debitado aos Gastos Sociais, mormente Previdência.
Dívida Líquida
Total da União (Interna e Externa)
Fonte MF – Base R$ bilhões.
Itens | 2002 | % PIB | 2010 | % PIB | Abril/16 | % PIB |
Dívida Interna Em Poder do Mercado | 558,9 | 37,54 | 1.603,9 | 41,28 | 2.670,2 | 44,96 |
Dívida Interna Em Poder do Banco Central | 282,1 | 18,95 | 694,0 | 17,86 | 1.297,6 | 21,86 |
Dívida Externa Líquida | 262,9 | 17,66 | 90,1 | 2,32 | 129,6 | 2,18 |
Dívida Total Líquida | 1.103,9 | 74,15 | 2.388,0 | 61,46 | 4.097,4 | 69,00 |
Fonte : www.ricardobergamini.com.br
Fonte: A série “Brasil 1994/2014” é de autoria de José Prata Araújo, economista mineiro. Veja outros posts da série no site www.mariliacampos.com.br, seção “Brasil 1994/2014”.
Execução Orçamentária União – 2016
www.dividacidade.org.br
Não se trata, aqui, de discutir a fundo as razões do alto montante da dívida pública da União, do déficit sobre o qual recai agora o peso da PEC 241, pretendendo limitar os gastos do governo por 20 anos, nem dos altos juros que alimentam lucros exorbitantes nos bancos nos últimos anos.
Apenas registrar, a bem da verdade, que malgrado uma má interpretação dos governos petistas, excessivamente permissivo sobre o déficit público, atribuído à inspiração keynesiana no manejo das contas públicas, e da expansão dos Gastos Sociais, não houve qualquer explosão de gastos governamentais em sua era 2003-2013. Por uma razão muito simples: Este gasto cresceu junto com o crescimento do PIB e do crescimento da Receita da União. A partir daí, sim, isto ocorreu, devido a três fatores básicos não percebidos a tempo de correção pela Pres. Dilma Roussef:
(1) queda no ritmo da atividade econômica, medida pelo PIB, com reflexos imediatos na receita de impostos, fruto, em grande parte da perda nos preços das commodities, resultado, por sua vez do menor dinamismo chinês que havia se tornado no principal parceiro externo;
http://blogs.worldbank.org/developmenttalk/commodities-mostly-continue-tumble?cid=EXT_WBBlogSocialShare_D_EXT
(2) valor excessivo dos subsídios às empresas, ditos gastos tributários, quando relativos à isenções fiscais, ou juros abaixo da SELIC, quando aplicados através do BNDES, os quais importaram o valor de R$ 20 bilhões anuais em cinco anos, na expectativa de, com isso, animá-las ao investimento, chegando estes dois valores somados, em 2016, ao patamar de R$ 291 bilhões nominais – http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,custo-dos-subsidios-do-tesouro-ao-bndes-chega-a-r-79-7-bi-em-4-anos-imp-,1561422
A EXPLOSÃO DOS GASTOS TRIBUTÁRIOS NO BRASIL OU O QUE DEIXAMOS DE ARRECADAR A TÍTULO DE ESTÍMULO AO CRESCIMENTO
http://www.proac.uff.br/cede/sites/default/files/TD64.pdf
Ano R$ milhões/2011-IPCA R$ milhões nom.
2004 36.945 24.211
2008 94.411 76.056
2012 145.977 145.977
2016 * … 271.006
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Fonte: IBGE; 1Demonstrativo de Gastos Tributários da Receita Federal do Brasil (2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011a); 2 Demonstrativo de Gastos Tributários – Estimativas 2008, Receita Federal do Brasil (2011b). Elaboração Própria
(*) file:///C:/s/gg/Documents/BRASIL%20DADOS/DGTPLOA2016FINAL.pdf
(3) elevação brutal dos juros a partir de 2013, com imediato resultado no custo da dívida pública. (acima assinalado)
Importa destacar que o elevado montante de recursos emprestados pelo BNDES a outros países, bem como os perdões de dívida a alguns países com baixo nível de renda, não teve impacto sobre a dívida pública, em razão de terem sido efetuados em moeda estrangeira sobre as reservas cambiais, embora tenham sido pagos em reais no Brasil. Ainda assim, é interessante visualizar o montante, por país, destes empréstimos vinculados à operação de empresas brasileiras nestes países, cujo montante parece alcançar US$ 500 bilhões, ao custo global de US $ 4,5 bilhões, a saber, desde que não haja calote dos tomadores:
A Venezuela, por exemplo, recebeu o subsídio mais gordo: US$ 1,4 bilhão em quatro operações. O país fez uma emissão de títulos em agosto de 2010, com prazo de 12 anos. Na época, já seguia a cartilha controversa de Hugo Chávez (falecido em 2013), como medidas intervencionistas no mercado interno e um discurso anti-imperialista na cena internacional. Por ser considerado um país arriscado, a taxa de juros da emissão foi de dois dígitos: 12,75%. Em dezembro daquele ano, o BNDES assinou um empréstimo, com prazo idêntico ao da emissão. A taxa, porém, foi bem menor: 4,45%.
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,creditos-do-bndes-a-paises-estrangeiros-embutem-subsidios-de-us-4-5-bilhoes,1705800
O cenário das Finanças Públicas não é, pois, animador e sobre ele recaem as preocupações governamentais, seja mediante tentativas de contenção de gastos públicos, seja pelo maior controle da dívida pública e juros.
Aliás, é por isso mesmo que se estranha o fato de justo neste clima de contenção os Bancos Oficiais – CEF e BB – venham a elevar as taxas de juros em várias de suas linhas de crédito, vindo a se tornar nas mais altas do mercado. Veja-se:
O crédito disponível para a compra de veículos, por exemplo, tem juros que chegaram a 27,06% ao ano na Caixa Econômica Federal, no final do mês de setembro. Essa taxa é a mais cara entre os cinco maiores bancos do país. O Banco do Brasil tem a segunda taxa de juros mais elevada, com 26,96% ao ano. Ao fiinal de 2015, essa taxa estava em 26,84% ao ano,na Caixa e 26,58% no BB.
A menor taxa dos cinco maiores bancos do País é a do Santander, que tem 23,33% de juros ao ano para financiamento de veículos. Em seguida vem o Bradesco (26,15% ao ano) e Itaú Unibanco (26,23% ao ano), que têm taxas bastante próximas.
Em relação ao rotativo do cartão de crédito, empréstimo tomado pelo consumidor quando paga um valor inferior ao integral da fatura, a Caixa (470,56%) e o BB (450,23% ao ano) possuem juros mais caros do que os do Bradesco (424,58% ao ano), porém mais baratos comparados aos do Santander (557,8% ao ano) e Itaú Unibanco (631,86% ao ano).
http://economia.ig.com.br/2016-10-17/banco-brasil-caixa.html
Alegam estes bancos que quando, em 2012, as instituições privadas elevaram suas taxas na tentativa de manter sua lucratividade, eles não o fizeram, razão pela qual, inclusive a CEF se transformaria na segunda maior instituição financeira do país, mas agora, tratam de se recompor.
Difícil entender, justo neste momento. Mais parece uma falta de articulação da área econômica que carece de um Presidente da República com maior apetite para arbitrar tais situações, tal como fazia FHC.
Vamos, entretanto, aguardar o fim da tarde, o fim do ano, e se Deus ajudar, o fim do processo recessivo de forma a abrir o ano legislativo de 2017 com novos cenários a serem levantados pela perspectiva eleitoral de 2018. Até lá, prendamos a respiração….
A PEC 241 e os modelos de Estado em disputa 1c4x6b
Lucas Coradini – Mestre em Sociologia, Doutor em Ciência Política e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
Muitas leituras ideologizadas sobre a PEC 241 têm transitado nas redes sociais, recheadas de simplificações e incorreções, disputando a narrativa de seu significado e projetando efeitos no cenário político e econômica do país nas próximas décadas. Demonstram, de início, a polaridade inerente às diferentes visões de estado presentes na política e na sociedade brasileira. Nem uma nem outra tese pode ser falseada sumariamente sem a compreensão de que representam, antes, a uma concepção política ou posicionamento de classe específico – por mais que se insista em negar que existam.
Sem a pretensão de afirmar se o projeto de emenda constitucional é “o remédio para os problemas do país” ou a “PEC do fim do mundo”, como iniciam a maior parte das análises, sugiro partir do problema objetivo: definir a premissa comum sobre a qual decorrem as diversas linhas argumentativas. Que seja: vivemos uma crise de arrecadação que inviabiliza a manutenção dos gastos públicos nos padrões atuais, o que, aliado ao cenário de recessão econômica, nos encaminha para o agravamento da dívida pública. Assim, precisamos voltar a crescer, gerar arrecadação e impedir o aumento do endividamento. Essa é uma premissa validada tanto por apoiadores quanto pelos críticos da PEC 241, ou pelo menos deveria ser.
O segundo ponto a ser definido – e discursivamente em disputa – é a origem do problema. Entender sua causa é um exercício necessário para não repetir os mesmos erros. Em regra, os defensores da PEC têm direcionado suas análises para os dados sobre o aumento dos gastos públicos, de forma isolada, culpando a política econômica do governo antecessor por um suposto de “inchaço” da máquina estatal. Outras vezes, colocado sobre o ombro do funcionalismo público o fardo do desajuste fiscal. O que tem sido questionado, uma vez que, proporcionalmente ao PIB, os gastos com a folha de pagamento do funcionalismo estão dentro de parâmetros normais e estáveis ao longo dos últimos anos. Ademais, a realidade mostra que há muito a avançar na prestação de serviços públicos, tanto em sua amplitude quanto na qualidade, o que demanda necessariamente investimentos. Um Estado que amplia a rede de prestação dos serviços públicos e desenvolve políticas de bem estar social tende a ter os seus gastos aumentados, naturalmente. E, ao fazê-lo, não exerce função outra senão a que a Constituição lhe confere. A disputa discursiva, nesse ponto, dá-se entre os que entendem desejável e necessário que o estado aja dessa maneira, para atingir níveis de desenvolvimento humano mais elevados e dar cumprimento ao preconizado na Constituição Federal de 1988, e aqueles que entendem que o Estado não deva exercer tal função, defendendo, por consequência, a reformulação da constituição – ou emenda.
Paradoxalmente, o governo que mais gerou arrecadação, superávit primário e reduziu a dívida pública do Brasil, foi exercido no período de maior investimento na área social e ampliação de serviços públicos. Basta verificar os dados da economia com Lula e Paloci, entre 2002 e 2010: recorde de 826 bilhões em arrecadações em 2010, índice 63,6% superior aos oito anos do governo FHC, e obtenção, pela primeira vez, de um volume de reservas superior ao montante da dívida pública. Mesmo período de criação de Universidades e Institutos Federais, de programas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular, Bolsa Família, PRONASCI, Programas habitacionais subsidiados como o Minha Casa, Minha Vida, entre outras políticas que implicaram em elevados investimentos. Somente para a educação, o orçamento ou de 18 bilhões em 2002 para 112 bilhões em 2014, um aumento de 223%.
O fato é que o atual problema fiscal não tem relação alguma com o investimento na área social, mas se deve a dois fatores: aos aportes realizados a bancos públicos entre 2010 e 2015, para realizar empréstimos com juros menores que a inflação para pequenas e médias empresas, e as desonerações fiscais, que geraram perdas de mais de quatrocentos e cinquenta bilhões em arrecadações. A expectativa era que o crescimento econômico dessa conta disso, mas o comportamento dos mercados não correspondeu ao esperado. Diferentemente das políticas de renda e emprego, que colocam o dinheiro na mão do trabalhador e o faz “circular” através do estímulo ao consumo, aquecendo e girando a roda da economia, as vantagens concedidas para a indústria, bancos e ao mercado financeiro não produziram os efeitos desejados, não retornando na forma de investimento, empregos e impostos. Com a crise econômica internacional, a crise política no Brasil e a constituição de um cenário de instabilidade institucional, a retração dos investimentos foi inevitável, gerando desempregos e diminuindo ainda mais a arrecadação.
Sem adentrar na polaridade pró-PT ou anti-PT, tão presente nesse debate, vale lembrar que o atual Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é o mesmo homem de confiança do governo Lula que à frente do Banco Central reduziu as taxas de juros de 25% em 2003 para 10,5% em 2010. E, em matérias de gastos públicos, não há coelho para tirar da cartola: o que Meirelles traz agora como proposta é uma reedição do que o então ministro Joaquim Levy já vinha tentando fazer, uma política de austeridade ao modelo do novo gerencialismo público. A receita de Levy, um pouco mais clássica, baseava-se no aumento de impostos para melhorar a arrecadação e no corte de gastos – e é bom lembrar que o corte em programas sociais iniciou ainda no governo Dilma. Levy fracassou apenas por que os projetos de aumento de impostos não prosperaram no legislativo, restando ao governo somente os desgastes que os cortes em programas sociais geraram. A diferença entre Levy e Meirelles é que o primeiro queria uma recuperação rápida de arrecadação através dos impostos, enquanto o segundo aposta numa recuperação de longo prazo a partir da volta da confiança de investidores e abertura ao capital internacional, sobre a qual também não há garantias. Em comum, o corte de gastos. Nenhuma das soluções agrada e, nesse ponto, demonstraram que as diferenças nas políticas econômicas de Temer e Dilma são menores do que parecem.
Limitar os gatos públicos, sabidamente, não é suficiente para gerar superávit primário. É preciso voltar a crescer e aumentar a arrecadação. E aí reside uma fragilidade do argumento favorável à PEC: achar que a recuperação econômica é possível apenas reduzindo gastos públicos. Seria possível alguma forma de desenvolvimento econômico sem investimento em educação, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico? Seria possível reaquecer o mercado sem nenhuma indução por parte do Estado? Depende da forma de desenvolvimento desejável, e aqui reside outra divergência conceitual que revela, ao fundo, modelos de Estado subjacentes aos discursos pró e anti PEC. Um focado na elevação da escolaridade da população, na inserção qualificada dos jovens no mercado do trabalho, no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, na distribuição de renda, nas políticas de valorização do salário mínimo e elevação do consumo. O outro, centrado na produção de commodities, abertura ao capital internacional, arrecadação através de concessões e privatizações, favorecimento dos setores empresariais e busca pela atração de investimentos à custa do redimensionamento do valor da mão de obra a níveis inferiores e afrouxamento das leis trabalhistas. O primeiro, que pode levar o país a outro nível de relação como o mercado global. O segundo, que o torna ainda mais dependente e vulnerável às oscilações do mercado externo.
A contenção dos gastos públicos é um imperativo irrefutável, um discurso que encontra eco na sociedade. Mas, se ao final de duas décadas – caso a PEC seja efetivada – os idosos brasileiros não tiverem o a um atendimento de saúde digno, ou nossos jovens não tiverem o à educação pública de qualidade, terá valido a pena o ajuste? Tendo a concordar com o historiador Leandro Karnal quando afirma que “não basta salvar o navio, tem que salvar também aos ageiros”, ou quando compara os efeitos da medida à “vitória de Pirro”, aquele que vence a guerra quando já não conta mais com seu exército. Há relativo consenso de que saúde e educação são áreas essenciais que não deveriam ser afetadas, e que um problema de legitimidade decorreria de um Estado incapaz de garantir tais serviços. Mas, da forma como é operado o orçamento público, sem a garantia dos mínimos constitucionais, estas áreas ficariam mais suscetíveis do que nunca à discricionariedade dos agentes políticos. E aí reside um grande problema.
Quem não queria ver uma classe política e um judiciário com menos privilégios? Quem não queria ver o fim dos super salários no serviço público, das polpudas verbas de gabinete, do auxílio paletó, auxílio moradia, apartamentos funcionais, motoristas, veículos oficiais, viagens internacionais, jantares com dinheiro público, entre outros descalabros? Quem não é favorável à diminuição dos milhares de CC’s que aparelham a máquina estatal? Pois nada disso mudará com a PEC. Se haverá um congelamento dos gastos na totalidade dos três poderes, continuarão sobre juízes e políticos a discricionariedade sobre o uso e ampliação de seus benefícios, e essa conta será paga necessariamente com os recursos que iriam para a saúde e educação. Ao menos, ficará cristalino o dano que causam à sociedade a cada privilégio mantido ou aditivado. O teto nos gastos poderia ter um efeito positivo, se contasse com o bom senso das altas castas do serviço público, mas o mais provável é que cortem dos hospitais e das escolas para a manutenção dos ganhos corporativos. Exemplo disso é que, ao mesmo tempo em que tramita a PEC 241, o Congresso Nacional negocia com o STF um aumento para seus magistrados, o que produzirá um impacto financeiro em cadeia nas carreiras com os salários mais elevados do funcionalismo público. Temos os magistrados e os políticos mais caros do mundo, uma contradição absurda.
Saúde e educação aparecem no centro das preocupações e dos debates, uma vez que encerram atividades essenciais do Estado que podem ser inviabilizadas pelo congelamento do orçamento por duas décadas. Em relação à educação, defensores da PEC afirmam que a pirâmide etária está se invertendo, e que a tendência demográfica é de redução do número de jovens nos próximos vinte anos, o que levaria a um aumento per capita do gasto educacional. Ao justificarem por esse prisma que a PEC não terá efeitos substanciais na área, acabam por revelar seus parâmetros de tolerância com os patamares atuais em que se encontra a educação brasileira, naturalizando os milhares de analfabetos, de jovens fora da escola, a elitização do ensino superior, a fragilidade da nossa produção científica e tecnológica, e o fato da ampla maioria dos professores do país não receberem o piso salarial nacional.
Ao mesmo tempo, esta tendência demográfica inutilmente utilizada para atenuar os efeitos da PEC na educação, aponta para o aumento da população idosa e, por consequência, da demanda por serviços de saúde e previdência social nos próximos anos. Nessa ótica, em vinte anos de gastos congelados, não há dúvida de que haverá uma diminuição da capacidade de atendimento da rede de saúde, afetando especialmente a população mais vulnerável que depende estritamente dos serviços públicos. Naturaliza-se também, assim, que os mais pobres possam não ter o a um atendimento digno de saúde no futuro.
Congelar gastos é amarrar investimentos, sufocar a possibilidade de expansão dos serviços em um país em que, hoje, estes não chegam a todos da forma universal como deveriam. Significa, de forma simplificada, nenhum professor a mais, nenhum médico a mais, nenhuma escola nova, nenhum hospital novo. Significa, em outras palavras, a manutenção da precariedade atual agravada pela degradação e sucateamento que os anos trazem.
Mas então, qual seria a solução do problema? Como aumentar a arrecadação sem prejudicar os serviços públicos prestados a maior parte da população? Uma resposta possível é o aumento de impostos. Mas não o aumento dos impostos sobre as classes baixa e média, que são as camadas que mais pagam impostos no Brasil, mas o aumento dos impostos sobre os super ricos, o 0,05% da população que, segundo dados do IBGE, ganha acima de 160 salários mínimos por mês. Esta pequena parcela da população possui um patrimônio de 1,2 trilhão, ou seja, cerca de 25% de toda a riqueza declarada pelos contribuintes no Brasil, e é a menos taxada no país. O imposto de renda no Brasil só é progressivo da classe baixa para a classe média, o que faz com que esses super ricos paguem apenas 6,51% de sua renda em impostos, enquanto um assalariado que ganha 5 mil por mês paga 27,5%. Isso é possível porque 65,8% dos rendimentos dessa elite são considerados isentos ou não tributáveis pela legislação brasileira, como ocorre com os dividendos e os lucros. Da mesma forma ocorre com os impostos de transmissão de grandes heranças, que aqui possui uma das menores taxações do mundo. E engana-se que acredita numa fuga em massa dos investidores a partir dessa taxação: os segmentos realmente produtivos não abandonariam um mercado de 200 milhões de consumidores tão facilmente.
O Brasil é o melhor lugar para enriquecer, ou melhor, para os ricos ficarem ainda mais ricos. E uma das formas de fazê-lo é emprestando dinheiro para o próprio governo através da compra dos títulos públicos, que pagam elevados juros. Mas afinal, quem são os credores do Brasil? Que dívida é essa que se coloca como prioridade em relação a investimentos e programas de promoção de bem estar social? Para ter uma ideia, as despesas com o pagamento da dívida pública (juros mais amortizações e refinanciamento) consumiram, somente no ano de 2015, a quantia de R$ 978 bilhões, o que corresponde a 45,11% do Orçamento Geral da União. No mesmo ano, para a saúde foram destinados apenas 3,98%, para a educação 3,73% e para assistência social 3,08% – apesar de todo alarde sobre os gastos pretensamente “excessivos” em programas sociais.
Assim, chegamos a uma terceira alternativa para a superação do atual quadro, para além do corte de gastos, e para além da taxação das camadas mais abastadas: rever a dívida pública brasileira. A auditora da Receita Federal, Maria Lucia Fatorelli, tem exaustivamente estudado e difundido essa ideia através do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. Segundo Fatorelli, o “Sistema da Dívida” tem sido um dos espaços de operação de um modelo corrupto, e os estudos realizados têm comprovado que há muito tempo o endividamento público deixou de ser um mecanismo de financiamento do Estado e ou a ser um veículo de subtração de recursos orçamentários e dilapidação do patrimônio pela imposição contínua de privatização de áreas estratégicas como petróleo, portos, aeroportos, estradas, energia, saúde, educação, comunicações, entre outros. Segundo Fatorelli:
Nosso endividamento nasceu junto com a “independência”. Para o que o mundo financeiro reconhecesse nossa independência, herdamos uma dívida que Portugal havia contraído com a Inglaterra para brigar contra a nossa independência. O valor era 3,1 milhões de libras esterlinas – na época, muito dinheiro. Em 1931, quando Getúlio Vargas assumiu, ele questionou o fato de haver tantas cobranças sem os respectivos contratos. Ele determinou que houvesse uma auditoria. O resultado foi impressionante: apenas 40% da dívida estava documentada. Não existia controle dos pagamentos, nem das remessas ao exterior. Isso permitiu o início de uma revisão e certamente ajudou na implantação dos direitos sociais garantidos naquele período. O período atual iniciou na década de 1970, quando a dívida externa era de US$ 5 bilhões. Durante essa década, esse valor se multiplicou por dez. Era algo totalmente sem transparência, e o que se dizia era que o crescimento da dívida ocorreu para financiar o “milagre econômico”. Em 2010, durante a I da Dívida, pedimos os contratos referentes à década de 1970. Apenas 16% da dívida estava explicada em contratos. Há uma grande suspeita de que boa parte desses 84% restantes tenha sido recursos que vieram justamente para financiar a ditadura. Imaginávamos que a maior parte dessa dívida era com o FMI. Mas, durante a I, fizemos um gráfico que mostra a natureza desses valores, de 1970 até 1994. O principal credor não era o FMI, mas, sim, os bancos privados internacionais. (Entrevista ao Sul 21, 16/11/2012).
Além de taxar as grandes fortunas, de criar impostos sobre a transmissão de grandes heranças e rever ou auditar a dívida pública, há ainda outras formas de melhorar a arrecadação sem precisar “cortar na carne”. Uma delas é combater a sonegação fiscal e repatriar o dinheiro sonegado. Somente entre os envolvidos na operação Zelotes – que inclui a gigante Rede Globo – estima-se que 8 bilhões em impostos tenham sido sonegados e remetidos para fora do país. Outra forma de ajustar as contas é acabar com o fundo partidário, que é a destinação de recursos do orçamento para partidos políticos, e que tem sido a razão para a existência de 35 partidos políticos no Brasil, hoje consumindo mais de 800 milhões anuais. A diminuição dos gastos em publicidade do governo também seria uma medida razoável em tempos de crise, mas contraditoriamente esse gasto aumentou recentemente. Apenas entre maio e agosto desse ano a Globo recebeu 15,8 milhões de rees federais, 24% a mais que no ano anterior. No mesmo período, o grupo Abril ou a receber 624% a mais do governo, e o grupo Bandeirantes 1.129%, segundo dados da própria SECOM, Secretaria de Comunicação do Governo Federal.
Enfim, há pelo menos dois caminhos possíveis para sair da crise: cortar da população ou cortar dos ricos. Nenhuma das alternativas é simples. A primeira poderá levar ao clamor popular, à insatisfação generalizada e agravar a impopularidade do governo. A segunda mexerá com interesses corporativos de grupos poderosos, formadores de opinião, cujo lobby no congresso é substancial. Grupos que veem no sucateamento da saúde e educação uma oportunidade de ampliar a oferta de serviços privados, por exemplo. O esforço do governo em aprovar a PEC 241 nos termos em que foi redigida demonstra a preferência em se indispor com o primeiro grupo, ao o que o segundo é capaz de gerar mais instabilidade política e não poupará esforços para enfrentar àqueles que se opõem a seus interesses. Ao fim, o governo Temer e os 366 congressistas favoráveis à PEC cumprem a agenda com a qual se comprometeram quando se aliaram a estes grupos, braços auxiliares no processo de impeachment e, por isso, e apesar de toda discussão suscitada na sociedade, fatalmente deverão aprovar a emenda.
Por que querem me condenar t545j
Luiz Inácio Lula da Silva – Ex-Presidente da República
Em mais de 40 anos de atuação pública, minha vida pessoal foi permanentemente vasculhada -pelos órgãos de segurança, pelos adversários políticos, pela imprensa. Por lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores, cheguei a ser preso, condenado como subversivo pela infame Lei de Segurança Nacional da ditadura. Mas jamais encontraram um ato desonesto de minha parte.
Sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente. Nunca fiz nada ilegal, nada que pudesse manchar a minha história. Governei o Brasil com seriedade e dedicação, porque sabia que um trabalhador não podia falhar na Presidência. As falsas acusações que me lançaram não visavam exatamente a minha pessoa, mas o projeto político que sempre representei: de um Brasil mais justo, com oportunidades para todos.
Às vésperas de completar 71 anos, vejo meu nome no centro de uma verdadeira caçada judicial. Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar.
Desde que essa caçada começou, na campanha presidencial de 2014, percorro os caminhos da Justiça sem abrir mão de minha agenda. Continuo viajando pelo país, ao encontro dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, para debater e defender o projeto de transformação do Brasil. Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social.
Nestes encontros renovo minha fé no povo brasileiro e no futuro do país. Constato que está viva na memória de nossa gente cada conquista alcançada nos governos do PT: o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, o novo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa de Aquisição de Alimentos, a valorização dos salários -em conjunto, proporcionaram a maior ascensão social de todos os tempos.
Nossa gente não esquecerá dos milhões de jovens pobres e negros que tiveram o ao ensino superior. Vai resistir aos retrocessos porque o Brasil quer mais, e não menos direitos.
Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito.
Jamais pratiquei, autorizei ou me beneficiei de atos ilícitos na Petrobras ou em qualquer outro setor do governo. Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma “organização criminosa”, e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que “não há fatos, mas convicções”.
Não descarto que meus acusadores acreditem nessa tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do “chefe”, evidenciando a falácia do enredo.
Percebo, também, uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições. Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES.
De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não aram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa.
ados dois anos de operações, sempre vazadas com estardalhaço, não conseguiram encontrar nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados. Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta.
Há 20 anos moro no mesmo apartamento em São Bernardo. Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios.
A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção -é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos.
Acusam-me, por exemplo, de ter ganho ilicitamente um apartamento que nunca me pertenceu -e não pertenceu pela simples razão de que não quis comprá-lo quando me foi oferecida a oportunidade, nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço. Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal.
Acusam-me de corrupção por ter proferido palestras para empresas investigadas na Operação Lava Jato. Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos?
Meus acusadores sabem que não roubei, não fui corrompido nem tentei obstruir a Justiça, mas não podem itir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia. Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública.
Tento compreender esta caçada como parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta. Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil.
É necessário frisar que nós, do PT, sempre apoiamos a investigação, o julgamento e a punição de quem desvia dinheiro do povo. Não é uma afirmação retórica: nós combatemos a corrupção na prática.
Ninguém atuou tanto para criar mecanismos de transparência e controle de verbas públicas, para fortalecer a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público, para aprovar no Congresso leis mais eficazes contra a corrupção e o crime organizado. Isso é reconhecido até mesmo pelos procuradores que nos acusam.
Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história. O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito. É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país.
Sobre hegemonia e a derrota ideológica da ex-esquerda no Brasil 4z1u6d
Bruno Lima Rocha – Professor de ciência política e de relações internacionais
Introdução
Ainda estamos de ressaca com o golpe branco recebido pela centro-esquerda. Reforço a dimensão da ressaca, pois além da mudança de regime à fórceps, insisto que o partido de governo (PT) abandonou – ao menos parcialmente – o parâmetro de comportamento e pretensão de operadores políticos que não eram reprodutores das piores práticas oligárquicas no Brasil. Centro-esquerda é a caracterização apropriada também porque ao abandonar o conflito social como forma primeira de obter conquistas coletivas, a coalizão do lulismo – com o PT à frente – fez tudo o que afirmou que jamais faria quando se constituiu como ampla força reformista parcialmente radicalizada no final dos anos ’70. Seguindo esta lógica, a crítica dos antigos partidos stalinistas seria correta em 1980. Se fosse para reproduzir o comportamento politico como se portara trinta anos depois, não haveria nem razão à época para fundar o PT. Bastaria para os veteranos militantes se juntarem ao MDB (como o faziam de forma clandestina, mas tolerada, o antigo PCB e o PC do B) e aos então ainda autênticos sindicalistas, compor a frente entre stalinistas e pelegos, respaldando o sistema federativo com Joaquinzão, Magri, Medeiros e outros pelegos históricos.
O inverso se dera no período da Abertura política (justificando a escolha pela fundação do PT) e após o golpe parlamentar (afirmando as razões para as críticas aqui contidas), caminhando a liderança histórica para a tenebrosa pinguela da saga orwelliana: “quatro patas ruim duas patas bom”. Nada disso é novidade e este caminho que hoje parece inexorável, começou a ser traçado em 2003, aprofundou em 2005 e mergulhou de cabeça na aliança política traçada pela direção petista ao final de 2010. Acreditavam os dirigentes históricos que bastaria se comportar como os “aliados” oligárquicos e fortalecer os laços políticos e empresariais, acomodando forças e distribuindo cargos e prebendas, a exemplo da quase totalidade dos gestores do Estado brasileiro. Deu tudo errado e ao contrário. Levanto aqui uma hipótese para esta tragédia. Começo pela equivocada e superficial concepção de “hegemonia”. Talvez este seja o conceito mais polissêmico e tautológico de toda a tradição contemporânea da esquerda. Quase todas as forças e formuladores o evocam, quase ninguém o pratica com profundidade.
Engana-se quem imagina o debate sobre hegemonia a ocupação de postos-chave por aliados ou correligionários. Como as instituições são muito mais fortes do que a conduta da maioria dos indivíduos, logo, um debate de hegemonia de longo prazo teria de, necessariamente, visar democratizar os órgãos de Estado (em três níveis de governo e distintos regimes jurídicos) que atendam função pública. E, simultaneamente, quebrar a espinha dorsal das instituições de Estado que operam o entulho autoritário ou são garantidoras de ordem e privilégio (como as forças policiais ou mesmo órgãos “independentes”).
Ao invés disso, a centro-esquerda entra com as duas patas no Poder Executivo e reproduz as piores práticas oligárquicas de sempre. Logo, a distribuição de certa melhoria material não veio acompanhada de elementos ideológicos de contestação, mas sim de reforço dos valores vigentes. Eis uma hipótese para a brecha que corroeu o apoio da ex-presidenta e, diante do desafio estratégico, seu partido opta em 2013 a seguir na aliança oligárquica ao invés de romper primeiro, apostando na reforma política com elementos de democracia direta.
O desmonte do Estado Social de Direito e a incapacidade de reação imediata
A brecha aumentou até entrar em metástase da nova direita (daí o viralatismo em sua versão coxinha e cibernético) e corroer a legitimidade do segundo governo Dilma Rousseff. Da corrosão ao cerco sobre o governo reeleito e a consumação do golpe institucional foram os lentos e seguros, dados pelos conspiradores, e com o aval e supervisão do Departamento de Estado do Império.
A corrosão sobre e da centro-esquerda conseguiu colocar em prática no Brasil o discurso da necessidade do austericídio e a contenção de gastos públicos. Esta agenda macabra está em andamento com a aprovação da PEC 241 em primeiro turno na segunda dia 10 de outubro e por maioria absoluta de 366 votos de deputados “convencidos” pelo governo Temer e 111 contrários, totalizando votos de centro-esquerda e do reformismo (legitimo) do PSOL. Esta votação é uma parte do rolo compressor por vir e, o momento do país é realmente grave. A urgência é tamanha que não cabe em um debate trivial e ultraa a dimensão tática das agrupações e as forças políticas na agenda eleitoral da subdemocracia, além do dia a dia da disputa de entidades esvaziadas ou conflito por migalhas de poder entre correntes político-sindicais ou estudantis. O problema é estrutural e é preciso compreender a etapa.
Estamos em um momento de desmonte do Estado Social de Direito, o que efetivamente implica em retirar direitos através de um já conhecido pacote de leis regressivas. A dimensão substantiva do golpe é visível, e mesmo quando corretamente é lembrado o fato de que a agenda regressiva já estava em andamento no segundo governo de Dilma Rousseff, a celeridade do andamento das pautas e o descaramento dessa montagem de maioria dá a entender que o governo golpista vai aprovar tudo o que quiser ou puder. Logo, reforçar a etapa de resistência, para que os direitos não regridam e seja possível garantir os direitos sociais conquistados a partir de 1988, ou antes com a regulação do mundo do trabalho, é algo consensual.
Mas, a etapa de resistência também implica em construir outro projeto popular, ultraando o pacto de classes e a ilusão de ocupar parcelas do Poder Executivo do Estado Burguês e Pós-Colonial sem ter condições de organizar um contragolpe ou avançar além da coalizão espúria com as oligarquias nefastas. Se não adentrarmos neste debate, fazendo uma profunda crítica e exigindo a correspondente autocrítica de quem ainda tem perfil e compromisso militante mas mantém os vínculos com o modelo anterior, simplesmente a possibilidade de gerar uma falsa hegemonia de centro-esquerda conciliatória é muito grande.
Etapa de Resistência e Crítica por Esquerda ao Lulismo: dois os fundamentais e concomitantes para reconstruir uma dinâmica social de luta popular e protagonismo de quem mais precisa e está lutando para sobreviver.
Resistência contra o golpe e crítica por esquerda ao lulismo
Para realizar a segunda parte do que foi aqui predicado, é necessário realmente aprofundar no debate e superar a superficialidade de uma política marcada pelo senso comum. Uma visão equivocada de hegemonia e guerra de posições é quando uma força política de centro-esquerda – ou seja, um partido que abdica de priorizar a luta e o antagonismo de classe – se contenta em ser coa do Estado Capitalista ao invés de criar anteparos para que os estamentos tecnocráticos consigam impor suas vontades. Ao confundir a indicação para postos-chave com a redefinição do aparelho de Estado pós-colonial, a centro-esquerda se torna ainda mais estatista, e como tal confunde – ou esquece – o interesse da maioria com a simples defesa do Estado pós-colonial tal como ele é ou está.
O Estado Latino-Americano, como um todo, é tanto pós-Colonial (portanto, racista e anti-ecológico) como Burguês (operando como defesa última do status quo). Entre o nacionalismo popular e a defesa de interesses de classe dominante, as elites dirigentes do Estado majoritariamente optam pela segunda, em detrimento da projeção de poder deste país, mesmo que tenha de cortar na própria carne, como na Operação Lava Jato a partir da Operação Pontes, bem debaixo do nariz da ABIN e dos sistemas de inteligência das Forças Armadas.
As escolhas do lulismo sempre foram no sentido da acomodação de forças e coalizão de classes, confundindo a guerra de posição com a disputa pela ocupação de postos-chave e as grandes linhas de política econômica, como na Nova Matriz de Guido Mantega. Ao fazer uma inflexão maior do modelo, durante o primeiro mandato de Dilma, o lulismo esticou a corda ao máximo, sem contar com um plano B, e abrindo da rebeldia popular de 2013, ao criminalizar esta luta e se posicionar ao lado de indefensáveis e indecentes aliados circunstanciais oligárquicos, tendo como pior exemplo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho (PMDB, mas ele próprio tendo cinco mandatos legislativos pelo PSDB do Rio). No Rio Grande do Sul, o ex-governador Tarso Genro viveu seu pesadelo Spartaquista, quando optou pela repressão política contra a esquerda a contrapor interesses da oligarquia local, com a RBS à frente.
2013 foi o ano da virada; ao não acompanhar a inflexão à esquerda da rebelião popular por mais direitos, o primeiro governo Dilma corroeu sua própria legitimidade, enterrada definitivamente nos primeiros meses do segundo mandato. Com a corda esticada e a Lava Jato em pleno andamento, a hegemonia superficial do PT e do lulismo só se verifica sobre a esquerda restante (incluindo a Frente Brasil sem Medo, o PSOL, a Coordenação Anarquista, as forças de orientação maoístas), isolando a luta social da luta ideológica. A hegemonia superficial mostrou-se falsa e a guerra de posições com maioria de mercenários provou-se frágil quando o modelo econômico comodificado começa a ruir.
Conclusão: um movimento em dois tempos
A meta substantiva do golpe já dado, agora está em marcha acelerada, embora sua versão embrionária já existia no fatídico e trágico ano de 2015, com Eduardo Cunha manobrando à vontade na Câmara dos Deputados. Agora a etapa exige resistência, mas reforçando a necessidade de fazer a crítica da superação ao lulismo e a falsa ideia de hegemonia superficial.
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