Emanuel Medeiros Vieira 2y2h3s

Emanuel Medeiros Vieira Natural de Florianópolis (SC, 1945), formado na UFRGS em Direito, 1969, participou ativamente da militân­cia estudantil. Escritor de romances, poesias e memórias, com vinte e três livros publicados, participou de mais de cinquenta coletâneas no Brasil e no exterior. Membro da AP (Ação Popular), esteve preso durante meses na OBAN (Operação Bandeirantes) e no DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), em São Paulo, seguindo posteriormente ao exílio. Foi vendedor de livros, editor, professor e redator de discursos. Seu romance “Olhos Azuis – Ao Sul do Efême­ro” (2009) -, foi contemplado com o Prêmio Internacional de Literatura, concedido pela UBE (União Brasileira de Es­critores).   Desterro Desterro cumpriu-me e cumpriu-se. O rio começava atrás de casa (como eu), e foi embora – afluentes. Vento sul, Campo do Manejo, Rita Maria, Rio da Avenida, Miramar, bala queimada, Catecipes, Praia do Muller, procissão do Senhor Morto, Cine Rox, gibis, Grupo Escolar Dias Velho, Chico Barriga D’Água, paixão camuflada pela menina da Rua de Cima – ela nunca soube.) Só enuncio: acumulo – sobrecarregado. O rio foi embora. Casa demolida, mãe na soleira da porta, pitanga no quintal, regata na Baía Sul, matracas, turíbulos, trapiche da Praia de Fora, gaita-de-boca, groselha, tainha frita, fogão de lenha, beliches, pé de amora. Perdeu-se o rio: não sei do seu delta. Perdi-me: tiro certeiro na gaivota. A rua pequena, era a maior do mundo – coração. Desterro inunda-me: outrora/agora.   Masmorras Clandestinidades, fugas na boca da noite Dormir cada dia num lugar Pensões, pulgas, esconderijos, dinheiro contado, pratos [feitos, uma pinga para o consolo provisório. Palavras apenas – e foi na carne que doeu. Tudo já foi ditado, mastigado, expelido. Foi? O Primeiro Interrogatório. O Segundo Interrogatório. O Quarto Interrogatório. O Décimo-Quinto Interrogatório (De manhã, de tarde, à meia-noite, às quatro da [madrugada). Choques elétricos, pau de arara, “cadeira do dragão”, [“telefones”, palmatórias. O verso de T.S.Eliot na cabeça: “As palavras se movem, a música se move Apenas no tempo: mas aquilo que apenas vive Pode apenas morrer. As palavras após a fala, alcançam [o repouso. (…) O corpo: não. Um bafo de morte na soleira da porta. (O processo, a burocracia, togas pretas, auditorias, fardas.) E um dia ir embora para plagas não conhecidas Um dia, voltamos. (Só restará o oblívio Alguém se lembrará?)   Exílio Um Atlântico nesta separação: batido coração segue as ondas de maio. Desterros além da anistia, para lá dos poderes. Velas ao vento, não bastam os selos, a escrita crispada. Queria os sinais da tua pele, vacinas, umidades, penugens, pêlos perdidos no mapa do corpo, o olhar suplicante, soluços. Jornadas: missas de sétimo-dia, retratos arcaicos. Outro exílio: sem batidas na boca da noite, armas, fardas, medos, clandestinidades. Sol neste retorno: casa, guarda-chuva no porão, caneca de barro, álbuns, abraço agregador, cheiro de pão, gosto de café, o amanhã junta os o dois nós da memória, um menino e o seu outro: estou melhor feito vinho velho. Pai Meu pai cavalgava abraçado à sua dor oculta. No crepúsculo: só – na soleira da porta, cadeira de balanço, boina, olhar azul. Antes do assobio da Inelutável foi para a montanha. Como um elefante em despedida quis morrer sozinho. Quando chegar a hora farei como meu pai: subirei a montanha,   Madona Senhora das horas inconclusas Senhora do torto parto do porto inalcançável Madona da ânsia infinita vã peregrinação Senhora do desassossego Conceda-me o bálsamo do olvido agem silenciosa travessia sem medo Senhora do inútil tempo – que continua queimando Senhora da veloz juventude Madona de todas as velhices Outorga-me o estatuto da ausência   Planalto O Planalto é sempre – nós é que amos. Ulisses, oráculo, reaparece (num tempo que não quer profetas), Penelópe só tece dúvidas, eclipsado o sagrado: mercantis propósitos – só. O Planalto é sempre – nós é que amos. A memória: nossa matéria – como lidar com tanto esquecimento? Carece preparar os rituais de retorno: suado feixe de carnes/emoções? (Qual a sua forma?) Aqui irrompeu o pranto, não a redenção. Expulsos do paraíso: vagamos. Rebanhos eletrônicos, restos de pompa, retóricas cartorárias, tecnocratas com dentes de ouro [– e celulares de última geração. O Planalto é sempre – nós é que amos. Mas cansou-me o pranto: O sol inunda esta manhã pão quente, cheiro de café torrado, o poema arranca algo do efêmero, fundo-me no esquecimento (Também somos feitos daquilo que perdemos.) Deus faz que me esquece: depois reaparece.   Hiroshima Na manhã dominical, a bomba de Hiroshima, a bomba, tão clara, exata, cirúrgica. Bomba geométrica, certeira. A bomba vem do céu, mas não é ave. A bomba vem de cima, mas não é Deus. Desce fumegante, a bomba não negocia, a bomba não conversa, célere, impositiva, acerta o alvo, cai, a bomba queima, a bomba dissolve, a bomba dilacera. Alguém nasce no ano em que ela cai, e pensa naquele 1945: a surpresa daqueles milhares de olhos, à espera do lúdico no matinal domingo, parques, igrejas, eios, visitas familiares, percebendo – sem tempo para a reflexão – a chegada da não-ave, emissária de Tanatos, que cai, cai, na paisagem limpa (cogumelos atômicos).   Homem diante do mar Homem diante do mar (instância interrogativa). Precária caravela. E finita: a vida Trapiche: o homem só contempla (desembarcado). No estatuto da memória: ele se interroga, nunca mais a ação. No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço. Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço. (Mátria: sou apenas um homem diante do mar.) Desterro: instante convertido em sempre. O homem desembarcado só pode viver de memória: [diante do mar. 631d4p

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