Cleber Dioni Tentardini Os servidores da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, ambientalistas e comunidade acadêmica têm feito uma série de questionamentos, desde agosto de 2015, quando o governo gaúcho propôs fechar a instituição responsável pela conservação da biodiversidade no Estado. De lá pra cá, sucederam-se manifestações e eventos em defesa da Fundação, mas o governo não consegue responder por que quer extinguir a FZB e qual o futuro dos acervos e das mais de cem pesquisas que estão em andamento. Agora, uma campanha pela reabertura do serpentário, a exposição de cobras do Museu de Ciências Naturais, promete mobilizar novamente a comunidade ambiental em torno da preservação do patrimônio da Zoobotânica. A ‘Comunidade RS’ criou uma página do Facebook para divulgar o evento marcado para a tarde de domingo do dia 21 deste mês. “Contamos com a sua participação neste dia de domingo, em uma manifestação pacífica para lembrar a direção da FZB que a comunidade está aguardando há quatro meses, desde janeiro, a reabertura do Serpentário, antes que caia no esquecimento por imposição da política do desmonte no RS”, registra em seu chamamento a Comunidade RS, formada por um grupo de simpatizantes às questões ambientais, que prefere o anonimato. Mobilizações começaram em 2015 A ideia de extinguir a Zoobotânica é mais antiga, mas ganhou força logo no primeiro ano do governo Sartori, em 2015. Há 21 meses, em 6 de agosto daquele ano, o então chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi, enviou à Assembleia Legislativa o projeto de Lei (PL) 300, com pedido de urgência para votação. Previa a extinção de três fundações: Zoobotânica, Esporte e Lazer (Fundergs) e Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps). O objetivo, segundo Biolchi, era “tornar a gestão mais moderna e eficiente”. Lá, começaram também as mobilizações em defesa da Fundação. No primeiro sábado de agosto daquele ano, cinco servidores estenderam faixas nas grades do Jardim Botânico. Foram programados piqueniques e abraços simbólicos à instituição, ao longo da avenida Salvador França. Primeira reação ao projeto de extinção /Cleber Dioni Tentardini O corpo técnico da Fundação reuniu-se na tarde daquele sábado para decidir que providências seriam tomadas. Reunião dos servidores da Fundação Zoobotânica / Cleber Dioni Tentardini A bióloga Josy Matos,presidente da Associação dos Funcionários da Zoobotânica, estava naquele grupo e lembra que foi feita uma lista com vários questionamentos para ser entregue à secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini. “Mas a reunião nunca aconteceu”, recorda Josy. O jornal JÁ resgatou aquelas dúvidas e procurou na última semana de abril o presidente da FZB, Luiz Fernando Branco. O ex-coordenador de bancada do PMDB no Parlamento gaúcho mostrou-se disposto a conversar, mas a assessoria de Comunicação da SEMA o desautorizou. Os questionamentos permanecem até hoje entre os funcionários. Secretária itiu que projeto era ruim A única vez em que os funcionários da FZB tiveram um diálogo com a secretária Ana Pellini aconteceu há 20 meses. E não foi bem um diálogo, mas um encontro relâmpago com a titular da SEMA, que teve de ser provocado pelos servidores. No dia 17 de agosto de 2015, amanheceram com megafone, tambores e faixas na entrada do prédio da Secretaria, na Borges de Medeiros,a fim de forçar um diálogo. Na entrada para o trabalho, Pellini viu-se obrigada a atender os manifestantes.E, para surpresa de todos, a secretária itiu que o projeto era ruim e não sabia quem tinha elaborado. “Vocês têm toda a razão, o projeto é ruim e temos de rever nossa posição”, afirmou a secretária em um megafone apoiado pelo professor Paulo Brack, da Ufrgs. “Como está, esse projeto não tem a menor condição de contribuir em nada para o serviço público, continuou. Ato pela retirada do PL que extingue FZB / Foto Rosana Senna Questionada pelo engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, presidente da Agapan, sobre quem fez o projeto, a secretária surpreendeu novamente ao dizer que foi elaborado dentro de um conjunto de outras medidas, mas que “foi um erro”. A declaração animou os funcionários da Zoobotânica e ambientalistas, que viram ali um sinal de que o governo poderia desistir do projeto. No dia 20 de agosto, foi realizada uma audiência pública para mobilizar entidades e universidades e reforçar o apoio à instituição. Audiência pública sobre a FZB / Foto Juarez Junior / Agência ALRS Para uma plateia de 800 pessoas, exprimidas nas galerias do auditório Dante Barone, do Legislativo gaúcho, falaram deputados, professores de universidades públicas e privadas, pesquisadores da Embrapa, Fepagro e Emater, analistas da SEMA e Fepam, representantes do Ministério Público e do Batalhão Ambiental da Brigada Militar. Um dos pontos de maior vibração foi o pronunciamento do professor Ludwig Buckup, cientista renomado e um dos fundadores do Museu de Ciências Naturais, em 1955. Auditório lotado para a audiência/ foto Juarez Junior /Agência ALRS No final daquela manhã, pela primeira vez desde que foi proposta a extinção, o governo do Estado recebeu uma comissão de apoio à Zoobotânica. Foi entregue ao secretário adjunto da Casa Civil, José Kliemann, e à secretária adjunta do Meio Ambiente, Maria Patrícia Mollmann, um documento em que pedia a imediata retirada do PL 300 e uma reunião com o governador José Ivo Sartori. O que nunca ocorreu. Foi entregue também um calhamaço com dois abaixo-assinados contendo 39 mil s e correspondências com demonstrações de apoio à Fundação de 800 instituições, sendo 18 de outros países. Comissão em defesa da FZB foi recebida pelo governo / Galileu Oldenburg / Palácio Piratini Exatamente uma semana depois, o governo do Estado retirou o pedido de urgência no Legislativo gaúcho. Funcionários da Zoobotânica em frente ao Palácio Piratini/ Caroline Ferraz/Sul21 As manifestações de apoio à Fundação Zoobotânica aumentaram ao longo de 2016, a ponto do próprio presidente José Alberto Wenzel fazer um apelo ao governador Sartori, durante evento no Palácio Piratini, em 22 de julho, para que repensasse a ideia de fechar a instituição. Mais tarde, Wenzel gravou outro depoimento. Manifestações de apoio no Legislativo / foto Marcelo Bertani/ Agência ALRS Uma semana depois, Wenzel foi afastado. Ligado ao PSDB, o ex-chefe da Casa Civil no governo Yeda, ficou oito meses à frente da instituição ambiental. Wenzel foi afastado por defender FZB/Divulgação No seu lugar, assumiu Luiz Fernando Branco, ex-coordenador de bancada do PMDB na AL e alinhado ao governo Sartori. Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 29 de julho de 2016. Luiz Branco (à esq.) com visitantes no serpentário, em 2016 / Cristine Rochol/PMPA Até aquele momento, o famigerado PL 300 estava propositadamente repousando havia meses numa gaveta do deputado Jorge Pozzobom, do PSDB, responsável por emitir um parecer da Comissão de Constituição e Justiça da AL sobre a legalidade do projeto. O futuro do patrimônio do Museu de Ciências Naturais, do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Parque Zoológico continuava incerto. Até que, no segundo semestre de 2016, o governo abandonou o PL 300 sem, no entanto, desistir de fechar a Zoobotânica. Apresentou um pacote de medidas, através de dois projetos de Lei,que incluiu a extinção de oito fundações estaduais, mais a Corag. O PL 246 autorizou a extinção das fundações de Ciência e Tecnologia (Cientec), de Economia e Estatística (FEE), a Piratini (TVE/FM Cultura), a do Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), e de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), além da entidade ambiental. Já, o PL 240, envolveu as fundações Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF) e a de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) Na madrugada do dia 21 de dezembro, os deputados aprovaram ambos os projetos. O primeiro, pelo placar de 30 votos contra 23, e o segundo PL, por 29 votos a 23. de votação com placar sobre PL 246 O ano de 2017 iniciou com problemas na segurança da FZB, que registrou invasões, depredações e tentativas de roubo de animais e equipamentos. No dia 10 de janeiro, mais indignação: é publicada no DOE a nomeação de seis pessoas para cargos comissionados na Zoobotânica, os chamados Ccs. Perguntas sem respostas Josy é representante dos funcionários da Zoobotânica Josy Matos reforça que a maior preocupação dos funcionários extrapola a ameaça de perder os seus empregos. “Como ficam as mais de cem pesquisas que estão em andamento e o que será feito do material genético sobre a biodiversidade gaúcha, questiona. O conhecimento acumulado aqui entre os pesquisadores é indispensável à preservação do meio ambiente no Estado e no país”, completa a bióloga. Apenas as coleções científicas do sexagenário Museu de Ciências Naturais, cuja a criação foi estimulada pelo botânico e padre jesuíta gaúcho Balduíno Rambo, somam 450 mil exemplares, entre plantas, animais e fósseis. Há o serpentário, único no Estado a fornecer veneno de serpentes cobras ‘locais’ para produção de soro antiofídico. Há o banco de sementes, o viveiro, a coleção de plantas vivas espraiadas por 36 hectares de outro sexagenário, o Jardim Botânico. Acácia Winter, tratadora de animais silvestres do NOPA, com alunos da Ufrgs/Divulgação Outra dúvida dos servidores refere-se ao Zoológico: Se dá prejuízo financeiro, qual empresa se interessaria a assumir a gestão e manutenção dos mais de mil animais do Zoo? E, por que o governo do Estado não levou em consideração a proposta de readequação do Zoo e do Horto, elaborada pelos próprios servidores? Uma gestão privada manteria funcionando o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que recebeu, em 2016,mil animais machucados, órfãos ou resgatados do tráfico? Ficam os questionamentos sem respostas, mais uma vez: 1. A FZB participa de grupos de trabalho criados pela SEMA para tratar de questões como controle de javalis e dos impactos de pombas em lavouras, e ainda de reservas biológicas como o Banhado do Maçarico, em Rio Grande. Quem a substituirá? 2. A Zoobotânica faz parte de vários Planos de Ação Nacionais para a conservação de espécies ameaçadas, integra o Comitê Nacional de Zonas Úmidas, responsável por definir as estratégias políticas de uso de áreas úmidas em atendimento a convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Como fica a participação do Rio Grande do Sul? Oficina do ICMBio na FZB do Plano de Ação Nacional para conservação dos répteis e anfíbios nos campos sulinos/Rosana Senna Oficina do ICMBio na FZB do Plano de Ação Nacional para conservação das aves nos campos sulinos/Rosana Senna 3. Por ser uma fundação de pesquisa, a FZB pode angariar financiamentos para as pesquisas através dos órgãos de fomento nacionais e internacionais, como ocorreu com o RS Biodiversidade, implementado de 2011 a 2016, com recursos de órgãos estrangeiros. A SEMA, por ser uma secretaria de Estado, não tem o a esses fundos. Quem irá executar as atividades, cumprindo os prazos e gerando os resultados estabelecidos nos contratos? 4. A Fundação executa o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, com prazo estabelecido pelo Ministério Público Estadual para ser concluído. Quem fará o trabalho? 5. Quem substituirá os pesquisadores da FZB, que foram excluídos dos Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos de Unidades de Conservação, Câmaras Temáticas, que atuam diretamente na gestão e na formulação de políticas públicas ambientais? 6. Como ficam os laudos paleontológicos obrigatórios em processos de licenciamento ambiental nas dezenas de municípios com potencial para abrigar sítios paleontológicos, atribuição exclusiva da FZB, conforme legislação? Recentemente foi renovada a parceria com o DAER para emissão de laudos a fim de executar obras perto de Santa Maria, famosa pelos fósseis descobertos. 7. Quem fará a atualização das listas de fauna e flora ameaçadas de extinção no Estado, instrumentos fundamentais para o planejamento, a gestão e o licenciamento ambiental? A lista de espécies da flora deve ser atualizada em 2018. É uma obrigação legal do Estado. 8. Através da Fundação são feitos convênios de cooperação com universidades e agências de financiamento à pesquisa, estadual e federal,por meio dos quais são mantidos atualmente dezenas de bolsistas de iniciação científica e de estagiários curriculares. Quem irá assumir a responsabilidade pelos contratos vigentes? 9. O corpo técnico e as informações científicas da FZB fariam parte do Sistema Integrado de Regularização Ambiental (Siram), que iria centralizar todas as informações ambientais para agilizar e qualificar o licenciamento ambiental no Estado. A Fepam, por exemplo, recorre aos técnicos da FZB na busca de informações que exigem um conhecimento mais específico ou para a construção de pareceres, termos de referência e instrumentos normativos. Há pouco, foi feito licenciamento de 35 linhas de transmissão da Eletrosul, bem como auxílio no zoneamento de parques eólicos. Por que encerraram o Siram? 10. Como fica a produção de soro antiofídico que seja eficiente ao veneno de cobras nativas do Rio Grande do Sul, se o Núcleo de Ofiologia de Porto Alegre, o NOPA, na FZB, é o único a extrair peçonha no Estado? E quem irá assumir o manejo das mais de 300 serpentes mantidas ali? 11. Sem a FZB, quem vai integrar os programas de qualificação junto ao setor produtivo, que busca agregar valor a produtos gerados com a adoção de ações ambientalmente sustentáveis? Os Butiazais de Tapes, por exemplo, que potencializam os usos do butiá para geração de renda à população. A Alianza Del Pastizal, que integra uma parcela expressiva da comunidade de pecuaristas no RS, e permite, através de parcerias com instituições internacionais, agregar valor à carne produzida no Pampa com conservação de campos nativos. 401o3b