Guilem Rodrigues da Silva Resistente à ditadura, foi refugiado político em Montevidéu durante dois anos, sendo o primeiro asilado da América Latina na Suécia em 1966. Condenado à revelia em 1968, participou ativamente dos trabalhos de solidariedade à América Latina em Lund – Suécia, sendo eleito vereador e Juiz do Tribunal de Contas do mesmo município. Escritor de 15 livros, escritor de letras de canções, tradutor de peças teatrais para o Teatro Real de Estocolmo, tradutor de vários filmes do português para o sueco e vice-versa, e tradutor de poemas do francês para o português. Detentor de inúmeros prêmios na Suécia e na França, entre os quais ”Pour l´ensamble de ses oevres poétiques” Université de La Sorbonne e ”Medaille de la Academie des Arts Sciences et Lettres” em Paris, recebeu da Prefeitura de Rio Grande (RS) o título de Comendador da Ordem de Silva Paes. A jaula Hoje é o aniversário da solidão Sem alegria nas faces maceradas As roupas da prisão rasgadas Em seu mundo de doze metros De distância por doze de largura E um longo corredor ao sol Sol que nasce às três horas E morre às quatro horas Hoje faz aniversário a solidão Sem alegria nas faces da tristeza Ninguém na Ilha das Flores Atreve-se cantar à liberdade Inúmeros olhos famintos Esperam que o vento sopre O vento é livre Ninguém pode obrigá-lo a confessar Nem pode ser torturado Mesmo que sopre da esquerda O tétrico alfaiate chega O indescritível alfaiate Que procura fazer uma veste De prisioneiro para o vento… (música de Georg Riedel, o compositor vivo mais conhecido da Suécia) Claros sonâmbulos da noite Mulher amada, nós os que saímos Te queremos mais do que tu pensas Na ausência Temos seguido de perto Tuas tristezas Tuas poucas alegrias Na distância Temos estado presentes Dormindo duramente em cama alheia Nunca nos acostumamos Aos arames farpados das fronteiras À falta dos sabiás e das palmeiras Saudade é para nós mais que palavra bela Contém inverno céu cinzento branca neve Olhares esculturados nas janelas Somos claros sonâmbulos numa noite longa Voltando sempre à tua cama Mas ao chegarmos perto Quase tocando teu seio Manhã estranha nos desperta Em leito alheio Ainda e sempre em viagem Mulher amada Nós os que saímos Não te amamos menos Do que os que ficaram Com desesperada raiva Mudas minhas mãos Meus pés dormem inquietos Gélido fogo sobe em minhas pernas Consumindo meus joelhos Procuro pensar nos pássaros Acuso-os de terem deixado de cantar É fim de agosto O verão na Suécia foi miserável O fogo continua sua escalada É como se eu afundasse Nun desses lagos gélidos da Lapônia Recordo Veríssimo Gato preto em campo de neve Meus joelhos não existem mais Joelhos surdos insensíveis Golpeio meus reflexos A culpa é minha Ninguém espera quinze anos Seria impossível parar Esse ar de carros sobre mim? Carros de combate Carros de eio Barcos de guerra Barcos à vela Uma vela se acende Para quem? Para mim? Quem morre em Rio Grande? Quem morre em Lund? E esse malito gelo que sobe Eu subi por muitas escadas da vida Senti muitas mortes Chorei muitas prisões AQUI ESTOU MALDITOS! PRETENDO ESCULTURAR EM GRANITO IMPERECÍVEL MINHA RAIVA MEU GRITO PARA QUE TODO AQUELE QUE AR POR ESTAS RUAS DO EXILIO POSSA LER SOBRE O CRIME COMETIDO EM NOSSAS ALMAS Sobre o Brasil minha pequena (para minha filha Zoyra-Lya, nascida no exílio) Sobre o Brasil quero contar-te minha pequena a terra bem amada cheia de paz de sol e de beleza onde uma generosa natureza desenhou rios vales e montanhas No Brasil minha pequena São todos felizes Ali há justiça trabalho pão e escolas A miséria e o analfabetismo já não existem pertencem ao ado Nenhum estudante desaparece nas cidades Não há mais presos políticos e reina a liberdade As companhias estrangeiras não são mais proprietárias dos nossos enormes recursos naturais já não há mais golpes de estado nem torturas e em suas casernas e quartéis os nossos generais esqueceram há muito os atos institucionais Para ti minha filhinha que nasceste no exílio e brincaste na neve longe de nossa Pátria eu escrevo estes versos cheios de esperança oxalá quando os leias no entardecer dos meus anos não mais sejam quimera nem vã utopia mas se eu te minto perdoa quero apenas que durmas embalada em meus sonhos 2t1k24
(escrito no duro ano de exílio de 1968)
Variações sobre um tema brasileiro
I
Quem te encontrará entre essas pedras
Para quem será teu sonho areia úmida
os em tua busca
Donde ninguém lembra tuas pisadas
Para ti as balas
Que te buscaram na morte
Para ti o medo da noite
Soturno açoite
Donde a inenarrável dor se esconde
Ah! E quando voltares teu olhar
Morto estará o deus da tua esperança
Para ti o inverno
Esperavas algo diferente em tua ânsia?
II
Como um fantasma
As recordações te buscam
Sorrindo às vezes
Chorando às vezes
A luta na fronteira
As lágrimas na estação
Eu que nunca vi meu pai chorar
Eu o recordo
Entre o milharal frondoso
Para cada melancia
Ele tinha um nome
Para cada arbusto
As laranjas douravam nossa existência
Até o dia quando os defensores da Pátria
Escureceram o sol
Proibiram a chuva de acariciar o milharal
Obrigaram-nos à inércia
E nós
Pobres seres
Vimos nosso sorriso ser encarcerado
III
Tu que estavas presente
Quando os uniformes marcharam
Tu que gritaste teu desespero
Tu que levantaste tua mão
Como bandeira
Foste atingido por cem balas
Que perfuraram tua alma
Nesta noite agora e aqui
Ponho teu nome
Na praça mais bela
Da minha terra natal
De maneira que ninguém
Esqueça teu sacrifício
Nem o teu nome
Tu meu amigo de infância
Ainda hoje
Ouve-se o teu riso contagiante
Nas ruas de Rio Grande
Eu sou teu poeta assassinado
Lembras-te de mim em teu céu?
A morte veio no mês de março
Pela noite
Quando ninguém esperava
Quando as crianças dormiam
E com angústia mantinham
A fome em suas mãos
Nos campos dormia o trigo
Embalado pela suave brisa
As estações de rádio
Estavam povoadas de botas militares
Tu e eu estávamos despertos
Lembro-me bem
Mas quem foi assassinado nessa noite
Foste tu?
Fui eu?