L. A. T. Grassi Engenheiro Quando escrevo, faz poucos minutos que foi aprovada em primeira votação, pela Câmara Federal, a PEC 141, também chamada PEC da Morte ou da Paralisia, que subordina aos interesses das finanças internacionais, o crescimento da economia e o resgate social brasileiros. É mais um lance da grande operação destinada a repor o Brasil na rota determinada pelo Império, executada interiormente pela vis e subservientes “elites” parlamentar, judiciária, policial, financeira e empresarial com o apoio da imprensa servil. Há poucos dias, foi a entrega do petróleo e, com ele, todas as expectativas de redenção da educação, da saúde e da previdência social. E antes, o processo que abriu caminho para tudo isso, o golpe travestido de rito legal enfeitado com missangas judiciárias e rotos véus pseudolegais. A consolidação do governo ilegítimo e do cumprimento de seus desmandos foi favorecido com a coincidência não tão ocasional com o período das campanhas eleitorais dos municípios. Essas próprias campanhas já tinham sido, com a “mini-reforma política”, reduzidas aos propósitos despolizantes dos novos poderosos (com o impedimento de verdadeiro debate político) e com a campanha midiática em favor dos “novos gestores”, com seu ícone máximo, o prefeito eleito de São Paulo. O processo eleitoral municipal ofereceu, além da distração, para o eleitorado, da preocupação com o grande desmanche nacional, o espetáculo de, mais uma vez, as esquerdas perderem a oportunidade de avançar para uma unidade, mesmo que provisória, em termos de prioridades comuns e tentativas de alianças que efetivamente fizessem frente ao avanço do retrocesso. No segundo turno, seguem as eleições municipais a ocupar o lugar privilegiado no debate político. Segue a disputa entre os defensores do “útil” com os que defendem a negação de voto a qualquer um dos candidatos da direita. Os graves e sucessivos acontecimentos nacionais ficam em segundo plano. Defendi, imediatamente após a vitória, em Porto Alegre, dos candidatos identificados com o lado golpista, que o mais sensato e politicamente oportuno seria um movimento unitário, suprapartidário, em favor de um voto nulo bem definido, politicamente, contra esse retrocesso que nos leva às piores previsões. Os dois candidatos e seus apoiadores representam exatamente a mesma reprovação e negação de todos os esforços, de todas as medidas, de todas as conquistas e de todas as expectativas vividas nos últimos treze anos. O processo do segundo turno poderia oportunizar a denúncia do que eles representam, as outras faces da tragédia política que vivemos e uma alimentação à retomada da mobilização e, de outra parte, das discussões e reflexões necessárias à qualificação da militância. O voto nulo poderia sinalizar, coletivamente, a oposição a cada uma das medidas já tomadas, ou por tomar, para destruir o projeto de um país mais inclusivo e menos injusto. As diversas fases do processo de impeachment oportunizaram, contra todas as dificuldades, ações e movimentos de mobilização e de conscientização (com todos os percalços, com os pequenos ganhos e com as grandes derrotas que ocorreram). Movimentos sociais despolitizados, atores políticos subordinados ao pragmatismo dos acordos e uma militância adormecida, quase toda uma geração encantada por avanços sociais efetivos e indicadores econômicos animadores, muitos desses atores ou segmentos foram despertados, a partir do movimento golpista, para um renascimento de participação e de reencontro com o protagonismo político. O susto do processo do impeachment, vestido de legalismo e alimentado pelo messianismo lava-jatista e pela mídia comprometida, trouxe à tona uma nova vitalidade da esquerda que já esquecera o que é luta social. Mas a mobilização através das manifestações de rua, de ocupações, de manifestos e de atos culturais, como debates, palestras, lançamento de livros, de comunicação pelas redes sociais etc, tudo isso, que pode e deve continuar, também apresenta seus limites. O “Fora Temer” pode ser ainda válido, mas não basta por si só. Nesse contexto, o movimento pelo voto nulo, como oportunidade de mobilização ganharia sentido de alimentar, em Porto Alegre e algumas outras cidade, uma nova fase da luta contra o golpe e, mais ainda, contra a operação mencionada inicialmente, de reocupação dos destinos nacionais por interesses externos. A essas alturas, já ficou bem evidente que a dita operação já obteve mais um êxito, ocasional ou não, ao menos em termos locais. O “grande debate”, a “grande luta” foi substituída pela disputa entre os “pragmáticos” e os “nulistas” (em evidente depreciação do que poderia até ser um debate instrutivo, se auto-limitado). E ganha destaque não o debate sobre a tragédia crescente, mas a comparação entre o grau de prejuízo local de cada um dos candidatos. Discutem-se seus currículos políticos, ideológicos, istrativos, suas biografias e até a herança paterna do pretensamente mais moderno. Coteja-se o grau de “populismo” ou de “elitismo” de cada um. Importam os apoios e a possibilidade de contradições nas chapas (em uma; a convivência entre o partido que fez o golpe e o que foi contra; em outra, entre o partido que quer se implantar no estado e o que já está implantado mas não na capital).. Supõe-se que o “menos pior” poderá mudar os rumos de uma política local que tem representado a projeção local dos desmandos estaduais e nacionais. Faz-se o prognóstico de que, sem os votos de esquerda, ganhará o “mais pior”, embora não haja nenhuma pesquisa que aponte o favorito. E se já houver esse favorito, não se sabe porquê os ditos votos de esquerda poderão inverter a situação. A essas alturas, mais uma vez as esquerdas (é sintomático que se as nomeie assim, enquanto se fala em “a” direita) estão conseguindo o consenso da desunião. Faltando uns vinte dias para o segundo turno, obviamente perdeu-se a oportunidade de um movimento unitário de resistência ao bloco biface que representa, localmente, todas as forças contra as quais a militância, movimentos sociais e muita gente que foi tocada pela gravidade do golpe foi às ruas, reuniu-se, comunicou-se, lutou e, acima de tudo, manteve as esperanças. Certamente, ganhe quem ganhar, mesmo seu projeto local não contemplará mais participação, gestão ambiental, qualificação da educação, política habitacional justa, política urbana não subordinada aos interesses especulativos, sistema de transporte coletivo adequado, redução da violência, atendimento a pessoas em situação de rua etc. Qualquer das chapas concorrente está longe de corresponder a essas expectativas. E no contexto da política de austeridade, de negação à participação e de privatização incentivadas pelo poder central, essa negação da democracia participativa será acentuada e demandará mais resistência, denúncia e oposição. Resta a expectativa de que, adas as eleições, a cidade volte a ser motivada por todos que lutam contra os golpes contra a educação, a previdência social, a saúde e, com toda a probabilidade dentro em pouco, contra outros atentados à legalidade democrática e aos direitos de cidadania. E que, mesmo os que votaram contra “o menos pior”, tenha ganhado ou não, possam voltar a incluir, nas lutas de nível nacional ou estadual, a luta por uma cidade que possa voltar a ser a cidade da esperança e do “outro mundo possível” que já foi um dia. Meu voto nulo tem esse significado. 6h2l4h
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Criança Feliz: uma nova condicionalidade para o programa Bolsa Família? 2s445z
Fernanda Bittencourt Ribeiro – Antropóloga e professora universitária.
Foi lançado na quarta-feira, 5 de outubro, o programa Criança Feliz já descrito como o “mais ousado programa social” do governo federal pós-impeachment1. O programa está vinculado ao Ministério de desenvolvimento social e agrário e foi proposto por seu ministro Osmar Terra, médico e deputado federal pelo PMDB. Compilando as notícias veiculadas até o presente na web, e que trazem, sobretudo declarações do próprio ministro, sabe-se que se trata de um “programa de estimulação precoce para o desenvolvimento de habilidades e competências nos primeiros anos de vida”. Sua principal referência é o programa Primeira Infância Melhor (PIM) criado no Rio Grande do Sul em 2003, quando Osmar Terra foi secretário de saúde. Para coloca-lo em prática pretende-se contratar cerca de 80 mil pessoas com ensino médio para fazer o atendimento presencial aos filhos de beneficiários do programa Bolsa Família, o que equivaleria a 4 milhões de casas. Serão os chamados visitadores que farão visitas semanais ou quinzenais às famílias, para acompanhar o desenvolvimento das crianças e contribuir para que “tenham um futuro melhor e ajudem suas famílias a sair da pobreza”. Para dar início ao programa, em 2016, serão destinados 80 milhões de reais e a previsão é de que seu pleno funcionamento custe 2 bilhões de reais ao ano.
A intenção declarada do governo com o lançamento deste programa seria afastar a acusação de que não se preocupa com a área social. Para este fim a preocupação com as crianças é normalmente bastante eficiente, pois a infância como uma causa, parece estar acima de diferenças ideológicas ou visões de sociedade. No entanto, especialistas em políticas públicas começam a chamar atenção para algumas escolhas que dizem respeito ao programa. Conforme o Centro de Referências em Educação Integral, até recentemente, as políticas públicas destinadas a crianças de 0 a 3 anos convergiam para o Plano Nacional de Educação. Elas sustentavam-se na ideia de que, independentemente de classe social, as crianças nesta faixa etária têm direito à creche com professores qualificados e infraestrutura de qualidade. Como uma política intersetorial, a educação infantil estaria articulada a políticas de saúde e de assistência social. Alguns especialistas consultados para a reportagem Novas medidas alteram foco das políticas educativas para a primeira infância2 manifestam preocupação com a possibilidade de que esta lógica de intervenção, centrada na educação, esteja sendo substituída pela assistência social. Em reforço a esta hipótese citam o enfraquecimento do Proinfância (Programa Nacional de reestruturação e aquisição de equipamentos para a rede escolar pública de educação infantil) cuja continuidade estaria ameaçada pelo fim do ree de verbas. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino (Undime) prevê que a medida provisória 729, recentemente aprovada pelo senado federal, acarrete para muitas cidades, a redução de até 50% dos recursos destinados às creches e crie uma situação de instabilidade e imprevisibilidade quanto ao valor das verbas. Esta medida provisória diz respeito ao programa Brasil Carinhoso que rea recursos para o funcionamento de creches que atendem, justamente, crianças cujos pais são beneficiários do Bolsa Família. Em acordo com a análise de Claudia Fonseca3 sobre dois “coletivos de pensamento” que disputam os rumos das políticas para a primeira infância, a orientação deste programa situa-se na perspectiva que prioriza a intervenção domiciliar com ênfase no estímulo cerebral, no lugar do reforço à qualificação profissional e a ampliação da oferta de creches que favorece a escolaridade e a inserção de mulheres no mercado de trabalho.
A estas leituras sobre a dimensão política dos modos de gestão da primeira infância, eu gostaria de agregar uma pergunta referente à especificidade do público-alvo deste programa e que a meu ver tem ado despercebida. A saber, as famílias beneficiárias do Bolsa Família. Minha pergunta é a seguinte: receber o benefício do Bolsa Família e ter crianças até três anos significará integrar compulsoriamente o Criança Feliz? Se assim for, é preciso considerar que este programa poderá significar também uma nova condicionalidade para o Bolsa Família. É isto mesmo? Não seria a primeira vez que o nome de Osmar Terra associa-se ao tema da compulsoriedade como modo de o a políticas públicas. É de sua autoria o projeto de lei que institui a internação compulsória dos usuários de drogas ilícitas, na contramão de outra perspectiva que vê na medida de internação uma alternativa individualizada e de exceção, jamais empregada de modo coletivo4. Em relação às designações “usuários de drogas ilícitas” ou “famílias que recebem o Bolsa Família” a compulsoriedade da internação ou da visita domiciliar indicam uma mesma tendência a tratar como um coletivo homogêneo, populações muito diversas. Quanto “as famílias que recebem o Bolsa Família” lembremos que participam de um programa de transferência de renda já condicionada à frequência escolar das crianças, ao cumprimento de cuidados básicos em saúde tais como o calendário de vacinação (para as crianças de zero a sete anos) e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e nutrizes. O possível acréscimo de condicionalidade representado pelo Criança Feliz, se confirmado, estaria também na contracorrente da discussão travada internacionalmente acerca da dispensa de condicionalidades em programas de renda mínima. Esta posição é defendida pelos que entendem que a um direito não deve haver a imposição de contrapartidas. Mas, independentemente deste debate controverso, a visitação compulsória de famílias beneficiárias do Bolsa Família com crianças até três anos, a meu ver, coloca em evidência um estereótipo generalista sobre a incapacidade das famílias pobres (e mais precisamente das mães) de criarem e educarem seus filhos de forma adequada. Aliás, este estereótipo serve para explicar muitos de seus problemas, desde a dificuldade de alfabetização das crianças até a violência social e a própria condição de pobreza. A dimensão tutelar da participação compulsória também contraria o processo de autonomização e empoderamento das mulheres identificado por estudos qualitativos que jogam luz sobre as vidas das famílias participantes do programa Bolsa Família5. Em que pese uma grande variedade de arranjos e diferentes dinâmicas familiares, estes estudos ressaltam o caráter generalizado da precariedade das condições de moradia, dos equipamentos públicos com que se conta, inclusive daqueles relacionados às condicionalidades do próprio Bolsa Família, a escola e o posto de saúde. Ressalta-se também as grandes dificuldades enfrentadas pelas mulheres beneficiárias para ingressarem no mercado de trabalho. Como observa Mercedes Rabelo em sua tese de doutorado, todas estas condições são fatores que obstaculizam a ascensão social, causam desestímulo às crianças e contribuem para a reprodução da pobreza6.
Finalmente, uma das notícias sobre o novo programa acrescenta-lhe uma dimensão simbólica que merece ser observada à luz do foco na intervenção domiciliar e pedagógica que o caracteriza. A saber, que a primeira-dama (sim, esta denominação ainda está em uso) atuará como sua embaixadora junto aos municípios. Logo após ter lido esta notícia, deparei-me com a capa da revista Piauí do mês de setembro. Nela, Caio Borges retrata a nova família presidencial à moda anos 50 e com todos os seus ingredientes: uma família de classe média, nuclear, branca, heterossexual, na qual a esposa dedica-se ao lar, ao cuidado das crianças e espera, alegremente, seu marido provedor voltar do trabalho. A justificativa de um “auxiliar presidencial” para a escolha da primeira-dama para o cargo foi a de que “ela é mãe e tem todos os predicados para ajudar nesta área”7. Este argumento me fez lembrar a velha aliança entre o médico e a mãe que marcaram a assistência social na Europa do século 198 e que tanto influenciou o ideal de uma “maternidade educada” característico das iniciativas de proteção à infância na América Latina, sobretudo no início do século 209. Associar ao programa Criança Feliz a imagem de uma maternidade “bela, recatada e do lar” e condicionar o o a uma política de renda mínima à participação no programa, soa-me como uma nova velha forma de tutela das mulheres/mães pobres em nome de um suposto “bem estar infantil”.
[1] <fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/07/20/michel-temer-lanca-programa-crianca-feliz-ao-custo-de-r-2-bilhoes-ao-ano/>
[2]<educacaointegral.org.br/noticias/novas-medidas-alteram-foco-das-politicas-educativas-para-primeira-infancia/>
[3] FONSECA, Claudia. Tecnologias globais de moralidade materna: as interseções entre ciência e política em programas “alternativos” de educação para a primeira infância. In: FONSECA, Claudia; ROHDEN, Fabíola; MACHADO; Paula Sandrine. Ciências na vida: antropologia da ciência em perspectiva. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.
[4] A questão das drogas em perspectiva: uma entrevista com Taniele Rui, Maurício Fiore, Heitor Frúgoli Jr. e Bruno Ramos Gomes. Áskesis, v. 3, n. 1, 2014. p. 250-263 < http://neip.info/novo/wp-content/s/2015/04/entrevista-a-questao-das-drogas-com-taniele-rui-et-al-aeskesis-2014.pdf>
[5] Política & Trabalho, n. 38, 2013 <periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/issue/view/1249>. Dossiê 10 anos do Programa Bolsa Família.
[6] RABELO, Maria Mercedes. Redistribuição e reconhecimento no Programa Bolsa Família: a voz das beneficiárias. Porto Alegre, 2011. Tese de doutorado em Sociologia, PPGS/Ufrgs <lume.ufrgs.br/handle/10183/36059>.
[7] < brasilpost.com.br/2016/09/01/marcela-temer-area-social_n_11820852.html>.
[8] DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1986.
[9] ROJAS NOVOA, María Soledad. Relaciones de género, instituciones de poder: tensiones em el saber sobre la protección de la infancia en America (1910-1930) < http://cdsa.aacademica.org/000-038/652>.
As estruturas não descem às ruas 4c1e6s
Paulo Timm – Economista
“Se erros foram cometidos devem ser corrigidos e não mais repetidos”
( Ex-senador E. Suplicy, ao comentar sua eleição recente para a Câmara de Vereadores de S.Paulo; foi o mais votado com mais de 300 mil votos)
1. Encerrado o primeiro turno das Eleições 2016 três observações se impõem preliminarmente: primeira, o grande vencedor deste pleito foi a rejeição de 40 milhões de eleitores, entre Abstenções + Nulos + Votos em Branco, ao que aí está, o que é um nítido alerta para a urgência de Reforma Política e Eleitoral; segunda, o PT levou uma surra, talvez mais por rejeição às suas práticas do que pela “revoada liberal”, tanto nas capitais como no Nordeste, devendo alertá-lo para uma renovação no discurso de suas lideranças no sentido de avaliar as razões internas para este refluxo e não apenas acusações a terceiros; terceira: o sistema pluripartidário, tão criticado por dificultar a governabilidade, está consagrado no país.
2. Quanto à derrocada do PT, fato mais marcante do pleito de 2016, não se deve falar nem em alvorada de um novo tempo, nem em crepúsculo da sigla. Nem invenção, nem reinvenção. Apenas percalços. Internamente, será muito difícil este Partido mudar sua dinâmica interna, com a acirrada disputa de correntes, algumas delas francamente principistas quanto ao caráter de “classe” do Partido, voltado ao cumprimento de missão messiânica, e quanto à sua vocação para a construção do “socialismo”. Externamente, no contexto político nacional, o PT, apesar de ter perdido milhões de eleitores e metade das prefeituras que ocupou em 2012, continuará a ser um grande partido. PMDB e PT, aliás, continuarão a ser os dois maiores Partidos no país – e por longo tempo. Quase “irreversíveis”. Se organizaram, ao longo do tempo, no vasto território nacional e detêm, ambos, importantes canais de controle do processo eleitoral. Voto não é apenas um apertar solitário de botão na calada da urna. É uma “rede”, sempre mais ou menos aprisionada à “interesses”. Não é fácil montar e manter isso. Fica aqui a lembrança para que se assista com atenção duas séries no NETFLIX: “Marselha” e “House of Cards”. Tratam do assunto.
3. Quanto aos outros Partidos, o PSDB, segundo em votos e controle de Prefeituras, mas “terceiro” na hierarquia simbólica, até pelo peso de seus grandes nomes, dentre eles o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a dupla José Serra/Aécio Neves, ambos ex candidatos à Presidência da República com 50 milhões de votos, e agora o Governador de São Paulo, já está com maior número de eleitores, mas ainda não conseguiu se organizar nacionalmente. O PSOL, em contrapartida, surpresa da vez, pela vitória relativa do deputado Freixo, que disputará, com desvantagem, com Marcelo Crivella o segundo turno na cidade do Rio, ainda é um fenômeno urbano, tipo PODEMOS na Espanha. Deverá até se consolidar como uma alternativa de esquerda mais consistente e sem os pecados do PT, mas, tendo saído de seu ventre, padece de vícios semelhantes, como a disputa interna marcada pela intolerância doutrinária, pela qual perdeu até ex candidata à Presidência em 2006, Heloísa Helena. Mas o PSOL não tem uma liderança popular de massas, não tem visão para a construção de um Projeto Nacional, não tem articulação com movimentos sociais e sindicatos, não tem envergadura no país para ocupar o vazio deixado pelo PT. Pior: terá, no máximo, duas Prefeituras…
4. Uma característica pouco notada destas Eleições Municipais 2016 foi a consagração de um conjunto de partidos com forte expressão eleitoral, além dos tradicionais PMDB – PT – PSDB , que dominam há mais de três décadas a vida pública do país. Ela é o resultado de duas medidas: a flexibilização para a fundação e funcionamento dos Partidos, sem qualquer cláusula de restrição, e do apoio financeiro do Governo, através, não só do generoso Fundo Partidário, cujo Orçamento já beira o R$ 1 bilhão, mas também ao subsídio que dá às emissoras de rádio e TV para custear a propaganda eleitoral obrigatória. O PSD, o PDT, o PSB, o PR , o DEM e o PTB controlarão entre 200 e 400 municipalidades cada um. Outro grupo menor, o PPS, PRB, PV, PSD e PCdoB , em torno de 100. Ora, isso revela uma diversificação partidária muito grande que está combinando opções de caráter ideológico com alternativas de interesses até pessoais. Debita-se à essa diversificação permissiva a ingovernabilidade do país e que agora estará se deslocando para “Prefeituras de Coalização”, agravando o loteamento de cargos e do Estado. Talvez. Mas há que se considerar, também, que este processo é uma porta à abertura de lideranças que, de outra forma, seriam sufocadas pelas oligarquias que dominam os partidos mais antigos e mais fortes. Nesse sentido, ainda que paradoxalmente, a diversificação partidária é uma válvula à democratização da vida pública e, por vias tortas, um dos mecanismo de reforma política no país.
5. É possível se falar em retrocesso da esquerda, à vista do fracasso do PT, nessas eleições, como consequência de uma onda conservadora que varre a América Latina? Depende do que se entende como “esquerda”, tal como o PT a empolgou. Certamente, os brasileiros disseram um rotundo “Não” ao discurso do “Nós contra Eles” do PT que acompanhou a estigmatização da classe média, tão cara ao empreendedorismo, à meritocracia e aos valores republicanos. Contudo, várias pesquisas continuam afirmando que os brasileiros almejam um modelo político-econômico com economia de mercado e forte intervenção do Estado como instrumento de regulação, promoção da cidadania e defesa dos mais vulneráveis, justamente o que os petistas diziam defender. Daí, aliás, os cuidados do Presidente Temer quanto às “Reformas” inseridas no seu “Ponte para o Futuro”, tão proclamadas, mas em rigoroso ponto morto. Não há clima na nação, nem no Congresso Nacional, para aventuras liberalizantes, ao gosto do novo PSDB de João Dória, Prefeito eleito de São Paulo. Sua vitória acachapante na quase totalidade das zonas eleitorais da cidade se, por um lado, consagra a tendência politicamente mais conservadora desta capital frente ao Rio, Porto Alegre e Recife, históricos redutos da esquerda, por outro, sugere a incapacidade do Prefeito Haddad para se firmar na periferia, com seus projetos urbanisticamente avançados. O espaço aberto foi ocupado pela astúcia tucana. E falando nos redutos históricos da esquerda, veja-se: o Rio, mantém sua tradição rebelde, ao levar Freixo para o segundo turno, Recife sustentou o próprio PT no segundo turno e vai disputar com outro candidato de esquerda e apenas em Porto Alegre e outras cidades de maior porte do cenário rio-grandense, percebe-se, mesmo um retrocesso da esquerda. Isso me lembra uma velha queixa dos maragatos, que combatiam em armas os chimangos, arautos da esquerda no Estado do RS, instalados no Palácio Piratini entre 1889 até 1930, inicialmente pela mão de ferro de Júlio de Castilhos, depois de Borges de Medeiros, depois Getúlio Vargas: “Não é por acaso que eles são autoritários…” Lembre-se, entretanto, voltando à cena nacional, que o PCdoB, aliado incondicional do PT, ou de 51 para 80 prefeituras, o PDT, outro aliado, embora mais vacilante, cresceu de 330 para 334, o PSB fez 414, as quais, somadas as 256 vitórias do PT perfazem 1/5 do total das municipalidades do país. O que não é pouco. Não carece de se falar em grande retrocesso da esquerda no país. Além dos resultados eleitorais, aí estão os movimentos sociais em inédito protagonismo, principalmente jovens estudantes. Estamos, sim, diante de uma nova realidade na esquerda brasileira frente à perda de hegemonia do PT e emergência de novos protagonismos aos quais deverá se articular, de uma ou outra maneira, o PPS, em nova rota, a REDE de Marina Silva, embora em declínio, e o próprio PV, sempre cioso de sua maior independência. Isso sem falar na esquerda peemedebista, à la Requião no Paraná.
Conclusão
ada a “tempestade” destas eleições – surpreendentes em todo sentido – , do impacto do Impeachment de Dilma, d aLAVAJATO, que daqui a pouco serena seu ímpeto deixando uma sequência de sentenciados em suas poltronas sob o controle de meras tornezeleiras eletrônicas, da brutal recessão econômica que o PT ainda se recusa a itir e de itir sua parcela de responsabilidade, voltaremos às ” estruturas”, marcadas pela presença, à esquerda, pelo PT e movimentos sociais e, oxalá, novos agentes, ao centro pelo PMDB, suas Prefeituras e amplas classes médias ao longo do país e , à direita, pelo PSDB, apoiado pela grande mídia e grandes fortunas. Elas, as “estruturas”, aliás, como diziam os estruturalistas teóricos em maio de 68, na Paris convulsionada, “não descem às ruas”. Mas estão lá…E se não aprenderem a conviver com um mínimo de civilidade republicana, não construiremos a democracia.
Com a recuperação do bom senso, daqui a pouco estaremos, todos, discutindo a sucessão presidencial de 2018.
Primeiras reflexões sobre as eleições de 2016 3w2zn
Algumas impressões e reflexões sobre o dia de ontem. Chamou-me a atenção o alto número de votos brancos/nulos e abstenções. Tudo leva a crer que de fato estamos nos aprofundando em um processo que traz duas faces: de um lado a criminalização da política, de outro a busca, ainda tateante, de uma nova política. Parte da juventude que foi às ruas em 2013, especialmente os grupos que iniciaram as Jornadas em Porto Alegre, São Paulo e depois outras capitais, representa a insatisfação com a democracia representativa e a velha política dos partidos, devem somar-se a esses jovens os secundaristas que ativamente se mobilizaram ao longo de 2015 e 2016. Nota-se nesta turma toda uma grande paixão política, uma vontade de construir uma ação política com P maiúsculo, mas que ainda não encontrou sua forma mais estável. Foi ao ver tais jovens em ação que fiquei feliz nos primeiros lances de 2013.
Por outro lado, no rastro aberto pelo início das Jornadas vieram as consequências de uma velha política que se disfarça no Brasil, mas que não tem nada de nova (a Revolução de 30 foi uma insurgência contra a “democracia” da República Velha, o discurso da política corrupta e generalizada favoreceu os militares, vistos como não políticos, e foi a ruína de Getúlio, Jango, JK e agora Lula): a construção da imagem de que a democracia é um engodo, de que políticos são dinossauros corruptos, que política, direito e moral devem todos ser a mesma coisa, e que a melhor leitura disto é o modelo de indivíduo atomizado e isolado, assim cada qual que se responsabilize pela própria desgraça. Tal imagem social é aprofundada entre nós pela forte investida religiosa fundamentalista no campo público.
Vejam que além do alto número de votos nulos/brancos/abstenções verificou-se uma grande dificuldade de as situações se manterem (o que atingiu o PT mas também o próprio PMDB). João Dória em Sampa foi eleito sob a aparência de não ser um político, o mesmo aconteceu com Sartori no RS (“meu partido é o Rio Grande”).
Vejo que se prepara cada vez mais no Brasil o terreno para uma Berlusconização do país. Alguém que não seja da política tradicional, que represente para a grande parcela da população, teleguiada pela mídia hegemônica, um salvador da pátria. Ontem foram os militares, hoje podem ser os juízes. Não me iraria se alguém como Moro ou Joaquim Barbosa for eleito Presidente do Brasil em 2018.
Para as esquerdas, o desafio é duplo. De um lado, deve resistir ao processo de criminalização da política e dos retrocessos sociais que podem vir daí, dos quais o pior, sem sombra de dúvida, é a descrença das pessoas em qualquer trabalho coletivo, comunitário e solidário, restando apenas a razão cínica, calculatória, egoísta e predatória, favorecida pela lógica do salve-se quem puder. De outro lado, a esquerda deve se reinventar, para além da dinâmica partidária, deve novamente ressurgir das bases, dar lugar para as novas gerações e suas novas gramáticas, saber dialogar com essas novas forças emancipatórias, não estabilizadas ou institucionalizadas. A nova unidade de esquerda deve vir desse processo das bases. Dificilmente virá de conciliações quase impossíveis entre os braços partidarizados da esquerda brasileira, mas deve ar também por aí. Este é o verdadeiro trabalho de reconstrução das esquerdas, que no Brasil devem sim trabalhar com o imponderável de 2018, mas sem deixar que este front paralise todo o resto, pois, sinceramente, penso que o “resto” é o que mais importa agora para a retomada de um projeto inclusivo, plural e democrático para o Brasil.
A sombra dos Lanceiros Negros 661652
Na madrugada de 14 de novembro de 1844, guerrilheiros comandados pelo ardiloso Francisco Pedro de Abreu, o Chico Moringue, surpreenderam um acampamento farroupilha numa curva do Arroio Porongos, entre Piratini e Bagé.
Deu-se, aí, não apenas um massacre dos soldados rebeldes, mas também o episódio mais polêmico da guerra. O alvo principal do ataque foi o Corpo de Lanceiros Negros, formado por mais de 100 ex-escravos, que foram exterminados. Um detalhe: eles haviam sido desarmados na véspera por seu comandante, o general David Canabarro. Coincidência ou traição?
Os mais respeitados pesquisadores da Revolução, como Moacyr Flores e Riopardense de Macedo, não têm dúvidas de que houve traição, um arranjo entre Canabarro e Caxias para resolver a questão dos escravos, que emperrava o acordo de paz. A dúvida, em todo o caso, persiste, uma vez que o único documento sobre o fato – uma carta de Caxias informando Moringue da combinação – não tem autenticidade comprovada.
O certo é que as contradições da Revolução Farroupilha em relação aos escravos não se esgotam neste episódio de Porongos. Elas estão, inclusive, impressas nas páginas do jornal O Povo, onde artigos de veemente doutrina republicana e libertária estão lado a lado com anúncios de fuga ou de aluguel de escravos.
Bento Gonçalves, Neto e outros chefes tinham escravos e os mantiveram durante a guerra. Segundo Abeillard Barreto, foi com a venda de 17 escravos em Montevidéu que Domingos José de Almeida pôde comprar a tipografia onde era impresso o jornal farrapo.
Parte da confusão deve-se ao fato da Revolução haver mobilizado ex-escravos como soldados, formando os famosos Corpos de Lanceiros Negros. Diz Moacyr Flores:
“Os chefes de polícia dos distritos desabafavam que não podiam mais efetuar o recrutamento, porque os homens livres fugiam para o lado legal; então, Bento Gonçalves prometeu liberdade aos escravos que se alistassem nas fileiras rebeldes… O alistamento de ex-cativos deveu-se, igualmente, à necessidade- farroupilha de formar uma infantaria de lanceiros, corpo utilizado com sucesso pelos imperiais. O homem livre sulino considerava indigno lutar a pé. Também era possível a um senhor ou seu filho escaparem do recrutamento mandando no lugar um cativo, que era alforriado para servir como soldado.
Os senhores farroupilhas cobravam pelos serviços prestados por seus cativos à República. Os negros que lutaram nas tropas sulinas jamais o fizeram em igualdade com os homens livres. Seus oficiais sempre foram homens brancos. Nas tropas farroupilhas, negros e brancos marchavam, comiam e dormiam separados.
O Império também libertou cativos para combaterem os farroupilhas e concedia carta de alforria e agem para fora do Rio Grande aos soldados negros que desertassem das fileiras farroupilhas.
Sobre os “legendários Lanceiros Negros”, muito se escreveu e muito pouco se sabe. Segundo Hélio Moro Mariante, a única referência oficial a respeito deles é uma minuta de janeiro de 1844, que fala da regularização do exército farroupilha e menciona “ … o Primeiro Corpo de Lanceiros a a denominar-se Corpo Auxiliar de Lanceiros, integrado pelas praças libertas dos de-mais corpos de cavalaria”.

Nem o número certo deles se fica sabendo. Wiederspahn diz vagamente que “eram estes soldados afro-brasileiros do Corpo de Lanceiros e de um Batalhão de Caçadores, unidades cuja criação se deve a uma iniciativa pessoal do então major João Manuel de Lima e Silva. O uniforme desses lanceiros era uma camisa vermelha e calça de brim bege, exaltados por Garibaldi como os melhores e mais destemidos cavalarianos”.
Em 1839, segundo Mário Maestri, dos 4.396 soldados das tropas de primeira linha farroupilha, 952 eram lanceiros negros, organizados em dois corpos. “Com a crescente dificuldade dos farroupilhas de arregimentarem soldados livres, a proporção de ex-escravos deve ter crescido ainda mais.” Outros autores afirmam que teria chegado a 600 o número de cativos engajados nas forças rebeldes. Restariam, quando foi assinada a paz, 200 ou 300. Mais de 100 foram assassinados em Porongos. Um ofício de Caxias, de 5 de março de 1845, sobre as condições da pacificação informa: “Os escravos que eles ainda conservavam armados foram entregues com suas armas e seu número não excede a 120”.
Diz Wiederspahn: “Canabarro acabaria entregando, depois, um contingente de cerca de 120 destes seus soldados ex-escravos, por ele apartados dos demais para serem encaminhados ao Rio de Janeiro, onde deveriam ficar confinados na Fazenda Imperial de Santa Cruz, inicialmente como escravos estatizados, depois alforriados com a condição de que não voltassem ao Sul. Valeu-se de um aviso imperial que prometera liberdade a todos os soldados republicanos ex-escravos que desertassem de suas fileiras e se apresentassem às autoridades imperiais”.
170 anos depois, a polêmica continua acesa

É ponto pacífico que os esquadrões de lanceiros negros, formados por escravos, foram importantes na Guerra dos Farrapos. Só do lado rebelde houve mais de mil guerreiros, que se engajaram na esperança (e com a promessa) de se tornar livres, mas também do lado imperial se formaram batalhões de escravos. Eles usavam lanças de três metros de comprimento e lutavam a pé ou montados (em pelo, quando havia cavalos). Finda a guerra, ganha pelo Império, poucos lanceiros se tornaram livres – caso dos que foram para o Uruguai sob a chefia do general Neto, que tinha uma fazenda lá. A maioria voltou ao regime escravo, só extinto pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888.
ados mais de 170 anos do fim da Revolução Farroupilha, permanece obscuro e polêmico o último episódio guerreiro, ocorrido no Cerro de Porongos, no atual município de Pinheiro Machado, a 350 km de Porto Alegre, na madrugada de 14 de novembro de 1844, quando já não havia mais combates e estavam todos esperando o fim das conversações de paz. A História o registra ora como “a surpresa de Porongos”, ora como “o massacre” ou “a traição”.

Em Porongos se concentrava o exército farrapo, sob o comando do general David Canabarro, que tinha nas redondezas os esquadrões dos generais Neto e João da Silveira. O outro general farrapo, Bento Gonçalves, havia se retirado das lutas depois de ferir mortalmente seu primo Onofre Pires num duelo de espadas. Enquanto isso, a algumas léguas de distância, perto de Bagé, o vitorioso presidente da província, general Luis Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias), dava as cartas em nome do governo do Rio de Janeiro.
Em resumo, o Império aceitava indenizar os fazendeiros, charqueadores e comerciantes por prejuízos sofridos durante a guerra, mas se negava a libertar os escravos que haviam lutado sob a promessa de ganhar a liberdade. Mais do que isso, exigia a devolução dos escravos pertencentes a fazendeiros legalistas. Pode então ter sido um negócio, uma troca? Naquele tempo, os escravos valiam dinheiro — cada “peça” custava 150 mil réis em leilões públicos e negociações particulares. Sem eles, os negócios não andavam.
Naquela madrugada de novembro de 1844, o acampamento dos lanceiros negros foi atacado pelo coronel Francisco Pedro de Abreu, o Moringue, posteriormente agraciado com o título de barão. Estava escuro, mas Moringue não errou o bote: tudo indica que ele tinha informações de dentro das forças farrapas. Uma de suas fontes era a mulher conhecida por Papagaia, personagem misteriosa da história, cujo papel nunca foi devidamente estudado. Ela chegara ao acampamento como companheira do enfermeiro João Duarte, mas mantinha encontros noturnos com o general Canabarro, que estava na barraca dela quando Moringue atacou.
Uma centena de lanceiros foi morta, outra centena aprisionada e os restantes fugiram, sem armas nem munição, pois o armamento havia sido recolhido na véspera sob a alegação de que os negros ameaçavam revoltar-se contra a indefinição de sua situação. Dias depois os remanescentes dos lanceiros farrapos foram liquidados numa batalha em Arroio Grande, a poucos quilômetros de Porongos.

Surpresa ou não, o evento foi esquecido por décadas, até mesmo porque após 1845 a Guerra dos Farrapos se tornara assunto proibido no Brasil. O primeiro a levantar o assunto foi Giuseppe Garibaldi, que havia liderado uma malograda marinha de guerra lançada contra Laguna, SC. Em suas memórias, organizadas pelo escritor francês Alexandre Dumas e publicadas em 1870, o revolucionário italiano elogiou a bravura e a destreza dos lanceiros negros chefiados pelo capitão Teixeira Nunes. “Nunca vi guerreiros mais valentes”, disse Garibaldi. Nem assim o tema prosperou.
O primeiro brasileiro a contar a história da revolução farrapa foi o cearense Tristão de Alencar Araripe, funcionário público no Rio que publicou em livro de 1880 a versão imperial do conflito. Em 1882, veio a resposta escrita por Joaquim Francisco de Assis Brasil, gaúcho de São Gabriel que estudava Direito em São Paulo, onde um grupo de subversivos havia fundado o Clube 20 de Setembro. Montados na data farroupilha, faziam propaganda do sistema republicano de governo.
Empatado o jogo, o assunto ficou em banho-maria até os primeiros anos da República proclamada em 1889. As lembranças sobre a Revolução Farroupilha enalteciam os heróis rebeldes e ignoravam a participação dos escravos, que serviam como vanguarda de batalhas ou davam golpes de mão em acampamentos inimigos. No final do século XIX, a questão dos lanceiros de Porongos estava resumida a duas alternativas contraditórias.
Para uns, em Porongos teria ocorrido uma emboscada imperial que pegou de surpresa um acampamento farrapo já sem disciplina; para outros, houve um massacre traiçoeiro que se consumou graças à ajuda dos chefes da tropa farroupilha. As duas alternativas são verossímeis.
O primeiro estudioso a buscar respostas concretas foi o jornalista-historiador Alfredo Ferreira Rodrigues em seu Almanak Literário e Histórico do Rio Grande do Sul, de 1899 a 1901. Mesmo tendo recebido cartas de ex-combatentes afirmando que Canabarro preparou o terreno para o ataque inimigo, Rodrigues se manteve na defesa do comandante farrapo. Depois, veio uma safra intermitente de livros a favor e contra os heróis farroupilhas:
1933 – Alfredo Varela, que escreveu mais de três mil páginas, deixando Canabarro mal
1935 – Aurelio Porto, que ou alguns anos no Rio pesquisando os documentos oficiais sobre a guerra dos farrapos
1936 – Dante de Laytano, o primeiro estudioso a reconhecer a importância sócio-econômica dos escravos na história rio-grandense
1938 – Tasso Fragoso, o primeiro militar a apresentar uma versão castrense do conflito
1944 – Walter Spalding, que tratou a rebelião como uma epopéia
1955 – Arthur Ferreira, outro historiador que preferiu uma narrativa militar
1961 – Fernando Henrique Cardoso, que estudou a presença dos negros na economia sulina
1975 – Claudio Moreira Bento, especialista em história militar, enalteceu os lanceiros negros
1978 em diante – Moacyr Flores, professor que estudou a fundo a revolução, tendo publicado mais de 20 livros, concluindo que houve uma trama para por fim ao conflito
1979 – Spencer Leitman, americano que estudou profundamente a presença dos negros na história
1981 – Henrique Wiederspahn, outro historiador militar
1984 – Tau Golin, historiador que abriu polêmica ao chamar Bento Gonçalves de herói-ladrão
1993 – Mario Maestri, historiador que dissecou a escravidão no Rio Grande do Sul
SÉCULO XXI
Ao longo do século XX, saíram outros livros sobre a revolta rio-grandense, mas as referências aos lanceiros eram quase sempre fragmentárias. A situação só mudou a partir de 2001, quando membros do Movimento Consciência Negra começaram a chamar a atenção para o silêncio em torno de Porongos. Para resumir a história, no século XXI foram publicados três livros de características distintas. O primeiro, lançado em 2005, expõe o assunto e não toma partido: os outros dois sustentam opiniões contrárias, mantendo acesa a polêmica secular.
“Lanceiros Negros” (JÁ Editores, 2006, 2ª ed., 140 pg.), dos jornalistas Geraldo Hasse e Guilherme Kolling, reconta a guerra e resgata a participação dos lanceiros, cuja memória ou a ser intensamente recuperada a partir de 2001.
“História Regional da Infâmia” (L&PM, 2010, com 342 pg), de jornalista e historiador Juremir Machado da Silva, faz uma revisão completa da polêmica antes de concluir que os lanceiros foram vítimas de uma traição armada por David Canabarro em conluio com Caxias.
“O Ataque de Porongos e os 170 anos de uma Farsa Intermitente” (Edigal, 2014, 70 pg), de Cesar Pires Machado, argumenta que o ataque de Porongos foi uma operação militar planejada por Caxias e executada por Moringue; e que as acusações desairosas contra Canabarro foram parte de um plano menor para terminar de desmoralizar os farrapos, que já estavam bastante divididos.
O general que gostava de bailes e parelheiros 136c16
O enigma do arroio Seival
As razões que levaram Antônio de Souza Netto a declarar o Rio Grande do Sul uma república independente do Brasil ainda provocam muita discussão.
Henrique Wiederspahn diz que “levantar a bandeira da República foi o único meio que os farroupilhas encontraram para dar alento à Revolução, depois de uma seqüência de insucessos”.
Outros autores consideram o gesto de Netto uma reação à “falta de garantias aos farroupilhas”, depois do episódio de Fanfa, quando não foi cumprido o acordo para rendição e Bento foi mandado para a Fortaleza de Santa Cruz. “Não notaram – diz Moacyr Flores – que a proclamação da República foi antes do combate do Fanfa.”
A proclamação foi em 11 de setembro de 1836.
A revolução ia completar um ano. Bento Gonçalves “assediava Porto Alegre com 900 homens”, tentando recuperar a capital que havia sido retomada pelo Império. Desistiu e iniciou a retirada na noite de 18 de setembro.
Quando tentava atravessar o rio Jacui, ficou cercado na ilha do Fanfa e teve que se entregar, foi preso no dia 4 de outubro.
“Netto, portanto, proclamou a separação da província no momento em que as armas revolucionárias eram vitoriosas e Bento Gonçalves teve sete dias, tempo mais do que suficiente, para receber um mensageiro.”
Flores conclui que Bento se deslocou de Porto Alegre para o interior exatamente para unir suas forças com as de Antônio de Souza Netto, “por causa da proclamação da República, longe de seus olhos e ordens”.
A derrota em Fanfa, neste caso, seria conseqüência e não causa da proclamação. Com isso, fica no ar a pergunta: “por que, então, Netto, amigo íntimo e leal a Bento Gonçalves, deu o golpe republicano, sem consultá‑lo?”
Na versão mais aceita, Netto teria relutado, alegando que era Bento quem comandava, mas foi convencido por Joaquim Pedro Soares e Lucas de Oliveira, emissários dos exaltados. “Na correspondência de Antônio de Souza Netto, não encontramos nenhuma referência sobre ideologia ou justificativa de seu ato. Seus ofícios e cartas relatam combates, solicitam armas e munições, pedem armamento, numa impressionante rotina militar”, constata Moacyr Flores.
Terras e parelheiros
Antonio de Souza Neto é um produto típico da cultura pastoril rio-grandense. Sua família tem origem no cruzamento de duas correntes da colonização do Rio Grande do Sul, ao tempo em que “a terra indivisa era retaliada em propriedades de léguas de extensão”.
Da Colônia do Sacramento veio a familia do pai. O coronel Francisco de Souza Soares, seu bisavô, estava entre os que se mudaram para Rio Grande quando Portugal entregou a Colônia aos espanhóis, em troca das Missões, em 1777.
A família da mãe veio de São Paulo. Descendia de Amador Bueno, “o paulista que não quis ser rei”. Estabeleceram-se em Vacaria, inicialmente. Consta que de lá saíram porque a estância foi atacada por índios. O historiador Paulo Xavier garante que foi apenas questão de negócio: cada hectare vendido em Vacaria permitia comprar dez hectares nas novas fronteiras do extremo sul.
Certo é que Salvador Bueno da Fonseca transferiu-se com os seus para os novos territórios que se abriam à ocupação portuguesa na região de Piratini. Teve dissabores no início, suas terras foram desapropriadas. Mudou-se, então, para Rio Grande.
Teotônia, uma de suas filhas seria a mãe do general Neto. Ela casou com José, neto do coronel Francisco de Souza Soares e que, por isso, desde mocinho nas carreiras de cancha reta, era chamado “Neto”. O casal teve onze filhos. Antonio, o último, nascido em maio de 1803, viria a ser o general Antonio de Souza Neto.
Cresceu numa estância. Morava na “várzea, à margem direita do São Gonçalo. Ia a cavalo até o o dos Negros, atravessava o rio numa canoa para ir à escola na Freguesia de São Francisco de Paula, povoação que deu origem à cidade de Pelotas. O historiador Paulo Xavier registra que “Neto viveu na estância paterna até os 25 anos de idade”.
José Neto, o pai, lutou nas primeiras guerras da Cisplatina. Pediu terras ao imperador como compensação pelos 25 anos de serviços. Seu comandante abonou o pedido. Pouco depois a família transferiu-se a para os campos do Piraí, hoje município de Bagé.
Desde moço, Antonio Neto, comprava e vendia gado em toda a região, “entrava constantemente em território uruguaio, levando e trazendo tropas”. Figura romântica, cavaleiro habilíssimo, tinha predileção por corridas de cavalo (tinha o melhor plantel de parelheiros da província) e um gosto especial por bailes. “Era boa pinta e um grande partido, disputado pelas moças”, registra Moreira Bento.
Em duas cartas, que a família ainda guarda, ele fala em bailes e de umas “bordonas” para a guitarra. As cartas são de 1859 , quando ele já tinha 56 anos.
“Bento Gonçalves e Antonio Neto tiveram renome como dançarinos exímios. Neto galanteador de estirpe não perdia festas. E de Bento Gonçalves murmuram as críticas que ele banalizava as funções de presidente enquanto bailarico ou arrasta-pé se apresentasse”, diz Lindolfo Collor.
Neto, ao que consta, superava Bento num quesito decisivo para um lidador pampeano – o cavalo. “Bento Gonçalves…perfeito centauro, manejando o cavalo como só o vi fazer o general Neto, modelo consumado de cavaleiro”, diz Garibaldi em suas memórias.
Sarmiento sustentou que o pastoreio no pampa garantia as mesmas condições dos cidadãos livres de Esparta ou Roma. O gado fazia o papel do escravo, sustentando a vida material, deixando tempo aos proprietários se dedicarem à política ou à guerra, o que frequentemente era a mesma coisa.
A campanha dividia-se em comandâncias militares, de que faziam parte todos os habitantes. As milícias eram tropas ocasionais, “surgindo ou dispersando-se com a mobilidade indispensável à guerra no pampa”.
Ter propriedade rural, charqueada ou comércio e se dispor a fardar e armar uma milícia – eram as condições para ser um oficial da Guarda Nacional.
Aos 25 anos, Neto era capitão de milícias, no comando de uma guarda da fronteira na região de Bagé. Quando o Brasil ocupou o Uruguai, na Guerra Cisplatina, ele foi chefe militar em Melo.
Era coronel, como Bento Gonçalves, quando iniciou a revolução. Assumiu o comando da 1ª.Divisão, com o posto de general. Meses depois, assumiu o comando geral do “Exército Farroupilha”, quando adoeceu o titular, João Manoel de Lima e Silva.
Não era “muito estratégico”, conforme Manoel Caldeira, cronista da revolução. Era homem de cavalaria, “senhor da espada, muito alto e apessoado, muito reservado, sério e reflexivo”.
A maioria dos autores diz que Neto fez a pregação revolucionaria na região da campanha. Um ano antes do 20 de setembro ele já era visto “ao lado do irmão José, engajando gente no movimento”.
“Aliciando elementos entre a tropa e civis, preparou uma marcha sobre a vila, desde o arroio Piraí”, diz o historiador bageense Tarcísio Taborda. Tomou Bagé praticamente sem resistência.
No início do século ado, quando enaltecer o caráter republicano e federalista da Revolução Farroupilha tornou-se necessidade política, a figura de Neto foi ressaltada, como “síntese do tipo rio-grandense”.
Era preciso abrandar a imagem que os brasileiros ainda tinham dos habitantes do Rio Grande do Sul. Silvio Romero, influente intelectual e crítico, dizia que os rio-grandenses eram “almas semi-bárbaras, egressas do regime pastoril”.

Neto provavelmente concentrava as melhores qualidades do “pastor guerreiro e livre” do Rio Grande do Sul. Lindolfo Collor, intelectual e político, avô de Fernando Collor, que participou ativamente desta construção política, o descreve como o “tipo integral de gaúcho, irradiante de simpatia e franqueza, verdadeiro gentil homem rural, que tanto estava à vontade nas refregas das batalhas como nos galanteios dos salões, dançando com o mesmo desempenho dos moços e sabendo como ninguém fazer-se agradável às senhoras”. E completa: “…homem de irradiante simpatia, irado e estimado”. “Sua presença causava entusiasmo entre os combatentes”, diz Walter Spalding.
“Vede o vulto de Neto, onde a estesia espontânea de um povo modela atitudes de desempenho e garbo”, exclama Rubens de Barcellos. E prossegue: “Quem mais rio-grandense do que esse Antonio de Souza Neto – grão-senhor campesino, galante e batalhador? Nem Bento, o generalíssimo, guerreiro gentil, se lhe avantaja no liberalismo, na bravura e no fascinante prestígio”. E mais: “Chefe espontâneo, general de nascença, é o homem resumo, representativo dum povo e expoente de uma época”.
“A gauchada segue Bento Gonçalves, segue Neto porque eles são as únicas energias de comando que conhecem e acatam, contemplando- se neles como resumos”, diz Barcellos.
Nos últimos anos quando a guerra estava perdida e só se buscava uma saída honrosa, Neto conseguiu se manter acima das intrigas e das disputas internas que dividiram os líderes do movimento.
Bento Gonçalves matou Onofre Pires num duelo pela honra. Mas ficaram as palavras de Onofre: “Ladrão da fortuna, ladrão da vida, ladrão da honra e ladrão da liberdade”. Ficou também sua fama de general azarado e seu autoritarismo.
David Canabarro “era taciturno, às vezes ríspido, quase sempre desconfiado – faltava-lhe sem dúvida aquela poderosa irradiação de simpatia tão viva e irresistível em Bento Gonçalves e Neto. Canabarro era um “soldado animoso e rude”, Neto “uma galarda figura de homem, na definição de Othelo Rosa.
Neto também sofreu uma derrota humilhante. Atacado de surpresa, teve que aproveitar a escuridão para fugir, diz a lenda que nem o poncho conseguiu levar. Mas sobre Canabarro pesa até hoje a suspeita do acordo com Caxias em Porongos, no ataque ultrajante.
Uma febre maligna 3012g
O general Neto mandou erguer seu próprio mausoléu no cemitério de Bagé, onde queria ser enterrado. Foi construído na Itália e transportado em blocos. Tem duas virgens esculpidas em mármore carrara e uma figura alada ao alto. Seus ossos levaram cem anos para chegar ali.
Neto morreu no hospital de Corrientes, Argentina. “Vitima de impaludismo contraído na região insalubre do o da Pátria”, registra o professor Antonio Rocha Almeida nas “Efemérides”.
Não é certeza absoluta que tenha sido febre. Há testemunhos de que ele foi ferido em combate. Podem ter sido as duas causas conjugadas. “Há referências a ferimentos, mas dentro da família sempre se falou numa febre”, conforme descendentes da família em Bagé.

“Ele foi ferido em Tuyuti”, segundo testemunho do psicanalista uruguaio Carlos Mendilaharsu, bisneto do general, neto de Maria Antonia, a filha mais velha dele.
O atestado de óbito não foi encontrado pela família. “Minha avó não sabia mas havia informação que sofreu um ferimento à lança, que infeccionou”, contou Mendilaharsu.
Tuyuti foi o maior confronte militar já ocorrido na América do Sul – 21.500 homens das forças conjuntas do Brasil, Argentina e Uruguai contra 24 mil das forças paraguaias. Quase mil homens marchavam sob o comando de Neto.
A Brigada Ligeira, de Neto, era a vanguarda das tropas brasileiras. Mas naquele terreno de banhados e pântanos em território paraguaio, as condições eram ruins para a cavalaria. Os cavalos estavam estropiados e sem alimento. Neto e seus homens ficaram na retaguarda.
As linhas de frente já davam combate. A cavalaria procurou um pasto para os animais combalidos, num escasso pedaço de campo, junto ao mato. De dentro do mato surgiram os paraguaios de Solano Lopez, de emboscada.
Neto e seus homens combateram, em retirada, até que chegaram reforços para repelir o ataque. “Acodem vários corpos para conter o inimigos que emergem do mato e os que avançam pelos boqueirões”.
Em seu minucioso livro sobre a Guerra do Paraguai, o general Tasso Fragoso descreve o ataque. Sessenta e dois oficiais e 657 soldados brasileiros morreram em Tuyuti. Foram feridos 179 oficiais e 2.113 soldados. Mas não menciona Neto entre os feridos.
No dia seguinte, 25 de maio de 1866, ele completaria 63 anos.
Os trinta e oito dias, entre Tuyuti e sua morte no hospital de Corrientes, no dia 1 de julho, não tem registro. A mulher e duas filhas que viviam em Montevidéo não puderam ir a Corrientes para o enterro.
Ele era casado com a uruguaia Maria Medina Escayola. Quando casaram ele já tinha 57 anos, ela andava pelos 40. Filha de uma família de políticos de Paysandu, no Uruguai, era instruída, gostava de literatura e teatro. Tiveram um noivado prolongado e cheio de “rusgas” como atestam as poucas cartas que a família ainda guarda.
Quando ele morreu, Maria Escayaola e as duas filhas – Maria Antônia, com cinco anos e Teotônia, com um ano incompleto – foram viver em Montevidéo. Teotônia casoau com o coronel Guillaume Gaillard, do Exército francês e foi viver em Nice, onde morreu em 1954.
Maria Antônia tinha olhos claros, que dizia serem iguais aos do pai. Além dos olhos, herdou dele o gosto por pratos comuns no Rio Grande do Sul –frango ao molho pardo e canja de galinha, por exemplo. Casou-se aos 16 anos com Domingos Mendilaharsu, advogado, bem mais velho.
Os Mendilaharsu tinham na sala um retrato furado a bala no famoso cerco de Paisandu. Era colorados. Neto lutara ao lado deles em 1865, defendendo Venâncio Flores, contra o ditador uruguaio Aguirre.
A maioria dos pesquisadores não se interessou muito pelas posses do general. Não eram pequenas, sem dúvida. Ao fim da guerra, quando emigrou para o Uruguai, ele deixou duas estâncias com os irmãos em Bagé. O agrônomo José Otávio Gonçalves, bisneto de um de seus irmãos, não sabe quanta terra eles tinham. Não era pouca. Duas gerações depois ainda era o suficiente para deixar os herdeiros ricos: “Meu avô tinha sete filhos, quando morreu cada um herdou 38 quadras de sesmaria*, diz ele.
No Uruguai chegou a ter 800 quadras espanholas (mais de 60 mil hectares) em Piedra Sola, Paisandu, Durazno e Florida, segundo Carlos Mendilaharsu. Metade o próprio Neto perdeu em demanda com arrendatários. O restante foi dilapidado pelo genro.
Apaixonado pela política, o dr. Mendilaharsu consumiu quase todas as terras herdadas por Antônia e a irmã, financiando jornais partidários. Chegou a senador do Uruguai, o que não impediu que a mulher recorresse à Justiça para salvar o que restava de seus bens. “Foi a primeira ação judicial de separação de bens no Uruguai”, diz seu neto Carlos . Quando ela morreu em 1949, o inventário revelou que , das terras do general, restavam menos de 20 mil hectares da estância La Glória, em Piedra Sola, departamento de Tacuarembó.
Único herdeiro, Carlos Mendilaharsu tratou de vender 17 mil hectares (“por motivos obscuros o governo queria desapropriar”) e dividiu o restante entre os filhos.
Com a bandeira do Império
Em novembro de 1865, o Exército brasileiro invadiu o Uruguai mais uma vez.
Na vanguarda das tropas brasileiras ia Brigada de Voluntários Rio-grandenses, com 1.200 homens sob o comando do general Neto.
Em março do ano seguinte, menos de um mês depois de assinada a paz com a República Oriental do Uruguai”, Neto já estava engajado na Guerra do Paraguai.
Em ofício ao ministro da Guerra, o general Osório dá conta das tropas que reunia para marchar contra o Paraguai: “No dia 6 de março, com o acréscimo recebido esse número subiu para 9.957, não incluindo mais ou menos 1.300 praças comandadas pelo general Antonio de Souza Neto, que se achavam na campanha oriental”.
“A 29 de julho de 1865, ordenou Osório que o general Neto asse o Rio Uruguai e se lhe junta-se com sua brigada de voluntários riograndenses, com 993 homens grupados em três corpos”, registra Tasso Fragoso.
O bisneto Carlos Mendilaharsu contou que foi o proprio D. Pedro II quem lhe mandou o estandarte imperial que seu exército de voluntários levava ao lado da bandeira tricolor dos farrapos.
Em 1930, sua filha Antonia tentou transferir os ossos do general que estava enterrado no cemitério de corrientes, para montevidéo. Fez um pedido ao governo argentino, mas não obteve autorização,
Adotou, então, uma solução drástica: mandou roubar os restos do cemitério de Corrientes e enterrou-os no jazigo da família no cemitério central de Montevidéo.
Em 1966, o governo gaúcho obteve autorização da família para transferi-los para Bagé, onde o túmulo vazio aguardava há 100 anos. Duas inscrições no mausoléu anulam o seu ado de dissidente farroupilha. Gravado no mármore, se lê:
Ele foi um dos quatro comandantes dos Farrapos que am o acordo de paz em Cerros Verdes* (*José Gomes Jardim, presidente da República, David Canabarro, comandante em chefe, Antonio de Souza Neto, chefe do Estado Maior e João Antônio da Silveira, comandante da 2ª.Divisão. A paz foi assinada em 28.02.1845). Mas no último encontro quando os chefes farrapos tomaram a decisão de depor as armas, foi o único que votou pela continuação da guerra. Depois, à frente de um pequeno exército particular (“mais de 300 homens, a maioria escravos libertos), atravessou a fronteira e foi viver no Uruguai, onde tinha grandes extensões de terra.
Dos chefes farroupilhas é, talvez, o menos conhecido e o mais mitificado. As informações sobre ele estão dispersas em vários livros e são truncadas. Há um manuscrito de Carlos Rheingantz sobre sua família em Bagé, que se extraviou no Museu D. Diogo de Souza. Também o professor Paulo Xavier ampliou a pesquisa sobre a genealogia do general. Está com o trabalho pronto à espera do editor.
Há divergências sobre a data do seu nascimento, não há certeza sobre a causa da morte e seu gesto mais importante – a proclamação da República Riograndense – ainda não foi devidamente compreendido. Ele era um revolucionário republicano, radical até o separatismo. Ou era apenas um caudilho platino?
No local onde Netto fundou a República Rio-grandense, no “Campo dos Menezes”, no atual município de Bagé, foi colocado um marco de concepção positivista: “Neste local, em 11 de setembro de 1836, travou‑se a batalha do Seival e foi proclama-da a república de Piratini.”
Na verdade, a batalha travou‑se a 200 metros do local e a proclamação foi no dia seguinte e noutro lugar a cinco quilômetros dali. Fora uma batalha sangrenta com mais de 100 mortos de cada lado. Neto colocou a tropa em forma e leu a proclamação.
A denominação República de Piratini denota a manipulação ideológica.
Foi usada depreciativamente por um funcionário do Império Araripe, para dar conotação de republiqueta. Mas foi, depois, adotada pelos positivistas gaúchos, por estar de acordo com sua concepção de “pequenas pátrias”.
Euclides Torres: “Herói ou vilão, ninguém queria Bento Manoel como inimigo” 3t5m1r
Neste setembro, quando se completam 180 anos da “República Riograndense”, um livro vai trazer à cena um dos personagens mais controvertidos deste período histórico: Bento Manoel Ribeiro.

Nas 320 páginas de O Caudilho Maldito (Martins Livreiro/Editora Edigal), o jornalista Euclides Torres mergulha nas conturbadas águas da história platina para entender o enigma do general, de feitos inegáveis, que o imaginário popular rotulou como trânsfuga, traidor e ladrão.
Decisivo no início da Revolução, Bento Manoel logo abandonou os farrapos e se tornou no seu mais temível inimigo, autor da prisão de Bento Gonçalves.
Depois voltou às fileiras farroupilhas para, em seguida, voltar a traí-los.
Em entrevista a Cleber Dioni Tentardini, Euclides Torres falou sobre o trabalho.
Por que o Bento Manoel?
Comecei por curiosidade pessoal e, depois, para saber de suas intervenções na história de Caçapava do Sul, minha cidade. Depois, por desconfiança de que nem tudo do que falavam mal dele seria verdadeiro.
Ficou com fama de traidor…
E velhaco, ladrão. E isso me chamou a atenção porque todos os milicianos da época ‘tomavam’ e ganhavam terras e gado. Muitos não perdiam a oportunidade de negociar com o Império, tornavam-se fornecedores das forças armadas, era um comércio garantido pra eles. Defendiam as fronteiras do Sul contra os platinos porque recebiam benesses em terras, onde fixavam gente. Então, em determinados momentos cada um desses estancieiros significava uma coluna com 800 milicianos na fronteira dispostos a lutar. (NE: Ele talvez tenha sido apenas o mais voraz?)
Mas era bom estrategista…
Veja a batalha da Ilha do Fanfa, em que ele prende o Bento Gonçalves. Meses depois ele prende o próprio presidente da Província a serviço do Império, o marechal Antero José Ferreira de Brito. Ninguém queria ter Bento Manoel como inimigo.
Um personagem desconhecido
Um personagem fascinante. Fala-se muito na conduta dele no Decênio Farroupilha, mas desde 1801 ele participa das guerras. Antes dos 40 anos, já era coronel, comandante de forças do império. Ele ficou conhecido na Corte como o general que vencia sem combater. Em 1822, com 90 soldados, ganhou dos uruguaios, que tinham 300 homens. Blefou. Simulou uma situação fazendo os inimigos crerem que ele estava em número bem maior. Cinco oficiais uruguaios foram enviados presos ao Rio de Janeiro. Ele poupou a vida e libertou os soldados da Banda Oriental com a promessa de que não pegariam mais em armas.
Ele era paulista, não é?
Nasceu em Sorocaba, em 1783. É descendente dos povoadores portugueses no Brasil, os Ribeiro de Almeida. Veio para o Rio Grande do Sul com cinco anos, acompanhando seu pai e um irmão mais velho, que eram tropeiros. O destino era Viamão. Viajou em um cesto, em cima de uma mula. Um ano de viagem, uma odisseia. Depois seu pai foi morar em Cachoeira do Sul, onde teve outros filhos. Ele foi morar em uma fazenda em São Sepé, de propriedade do alemão Adolfo Charão.
Aos 17 anos, alistou-se como soldado no regimento de milícias de Rio Pardo, em Caçapava do Sul. Já como alferes, casou com a filha do estancieiro mais rico do município. Em 1823, chegou a coronel. Como recompensa de suas vitórias sobre os uruguaios, recebeu grandes extensões de terra na região de Alegrete.
Elegeu-se deputado para a Assembleia Provincial, em 1835, junto com Bento Gonçalves, cinco anos mais moço que ele.
Era corpulento…
Era gordo, grande. Tinha fama de dormir em cima do cavalo. Provavelmente deixou uma descendência no Rio Grande do Sul bem maior do que seus sete filhos.
Era quase analfabeto, mas foi melhorando seu texto ao longo do tempo. Foi dono até de jornal em Porto Alegre, “O Justiceiro”, redigido pelo filho Sebastião Ribeiro, que estudou em São Paulo e praticamente ensinou o pai a escrever.
Onde ele estava quando os farroupilhas tomaram Porto Alegre, o 20 de setembro?
Ele não estava aqui, ou melhor, ninguém sabia onde andava, sempre arrumava um pretexto para não participar, mas avisava que estava sempre por chegar. Ou mandava avisar que estava doente.
Politicamente como ele seria definido?
Ele declarava apoio aos farroupilhas, mas era um entusiasta do Império. Dirigia-se “a meu amado imperador”. Em 1831, uma carta escrita em Montevidéu ao Império, denunciava que no Uruguai não se falava em outra coisa a não ser na ideia de separar a Província do Rio Grande e que ele, o coronel comandante do regimento de milícias Bento Manoel Ribeiro, era contra essa posição separatista.
No entanto, aderiu ao movimento… em que momento ele virou a casaca?
Em 1836 Porto Alegre está sitiada. É bombardeada. Bento Manoel muda de lado e a a apoiar os imperiais. O presidente da Província, José de Araújo Ribeiro, o nomeia comandante da armas. Vai ficar até março de 1837.
Ele justificava suas mudanças de lado?
Foi apelidado de “cangalheiro de Curitiba”. Cangalha é onde vinham atrelado os cestos no lombo da mula, onde ele viajou ainda criança com pai. Na realidade, havia uma enciclopédia de insultos: “Duas caras”, “Traidor, “Vira-casacas”, “Cangalheiro”, “Curitibano”. Curitiba era um engano das pessoas porque havia nascido em Sorocaba e nunca negou isso.
Era um homem do campo…
Cresceu em uma estância, aprendeu toda lida do campo, conhecia a campanha gaúcha como ninguém.
(NE: ele se dizia “gaúcho de Sorocaba”, mas o Apolynário diz que o termo gaúcho ainda não era usado naquela época…)
Havia um corpo de lanceiros negros sob suas ordens?
Ao contrário de outros comandantes, ele preferia índios guarani em sua coluna aos soldados negros. Ele gostava dos índios, inclusive criava alguns ‘bugrinhos’, como ele se referia às crianças indígenas. Tinha uma bronca do Rosas, que mandava matar os índios só por crueldade, mas ele não era assim. Matava, mas não era cruel. E seus soldados eram muito fiéis a ele.
Mas tem a famosa batalha do Sarandi, onde ele foi culpado pela maior derrota do exército brasileiro…
Na guerra pela independência do Uruguai, na Batalha de Sarandi, em 12 de outubro de 1825, ele comandou a maior derrota do Exército brasileiro, perdeu 470 homens e 600 foram aprisionados. Bento Gonçalves e Osório foram os que garantiram a fuga do Bento Manoel,com a gentileza do Rivera. Essa batalha de Sarandi, foi muito comemorada pelos uruguaios, inclusive com grandes bailes em Durazno, Foi nessa grande vitória onde os orientais ganharam ânimo para lutar por sua independência, que iriam conquistar somente três anos depois, em 1828.
O general uruguaio Rivera ajudou Bento Manoel?
Sim, Lavalleja mandou Rivera perseguir Bento Manoel mas só fingiu. Eles se perseguiam e se protegiam. Eram amigos, mas também mui amigos. Não dá para entender direito. Os oficiais dos inimigos eram respeitados, inclusive os mais graduados oficias do Império brasileiro presos no Sarandi participaram do famoso baile em Durazno, em homenagem a Lavalleja.
E a vitória?
Teve a tomada de Caçapava, em 1837, durante a Guerra dos Farrapos, que foi histórica. Os imperiais com 1.200 homens, inclusive os soldados sob seu comando. E, de repente, ele a para o lado dos Farrapos. Porque o novo presidente da província, marechal Antero manda Bento Manoel ar o comando das Armas para seu oficial imediato. Aí ele intercepta uma carta enviada pelo marechal Antero com a ordem de prendê-lo. O que ele fez? Preparou uma tocaia para prender o marechal antes. Essa agem é fantástica, em 1837. Ao mesmo tempo em que manda cartas aos superiores em Porto Alegre afirmando que está tudo bem, diz para o general Netto invadir Caçapava. Depois de prender o marechal Antero, Bento Manoel manda carta às forças imperiais em Porto Alegre avisando que o presidente da província estava preso sob ordens do Bento Gonçalves, que também estava preso. Portanto, o que acontecer com o Bento Gonçalves, acontece com o marechal Antero. Mandou que soltassem o general uruguaio Rivera, que estava em prisão domiciliar em Porto Alegre. E, mais tarde, depois que o Bento Gonçalves fugiu da Bahia, trocou a liberdade do marechal Antero por um oficial farrapo.

Há poucas referências na literatura sobre Bento Manoel?
Não, há muita. Mas também informações muito obscuras. Não se sabe o dia nem o mês em que nasceu, só o ano. Mais obscuros que os negócios dele com Rivera então, que financiou Bento Manoel para comprar o Cerro do Jarau. Ele ou da criança pobre que chegou só com as roupas do corpo para o chefe de umas das famílias mais ricas do Rio Grande do Sul. Quando morreu aos 73 anos, tinha gado que não dava para contar em mais de 60 mil hectares de campo, em cinco estâncias no entorno do Cerro do Jarau.
Ele foi decisivo também na tomada de Rio Pardo, outro momento importante da revolução…
Naquele momento Rio Pardo era a principal praça de guerra. Essa cidade esteve nas mãos dos Farrapos até abril de 1838, quando os imperiais tomaram o controle. Em abril de 1838, os farroupilhas investem novamente. E nessa investida, que ficou conhecida como o combate do Barro Vermelho, o Bento Manoel participa decisivamente. Foi uma grande vitória farroupilha. Na entrada de Rio Pardo os imperiais mandaram tirar as pontes de madeira para ninguém chegar. O resto era mato e água. O Bento mandou fazer uma picada de 800 metros, durante três ou quatro noites, e carregando terra e couros fizeram uma ponte em outro ponto do rio, e um aterro feito pelos corpos de cavalos magros, que mataram por serem fracos. O Netto e os outros oficiais com 1.200 homens tomaram Rio Pardo. Ali foi feita refém a banda imperial, do maestro Medanha, que depois tocou em Caçapava, em alguns bailes comemorativos dos Farrapos, e compôs o hino da República Rio-grandense. Só mais tarde é que o Moringue vai retomar Rio Pardo para os imperiais e libertar a banda sequestrada do Medanha.
Quem era o maior opositor do Bento Manoel entre os farroupilhas?
Ninguém confiava nele. Mas todos preferiam estar a seu lado nas batalhas.
Tem algum duelo histórico envolvendo esse personagem, como ocorreu entre Bento Gonçalves e o seu primo Onofre Pires?
Não, ele ganhava no grito. E quem foi prendê-lo, ele prendeu antes. E quem foi contratado para matá-lo, ele comprou. O “Dente Seco”, famoso capanga matador de Quaraí, foi contratado por 15 onças de ouro pelos Batistas, de quem Bento Manoel roubou campo e gado. Ao encontrar “Dente Seco” na sua fazenda, ele ofereceu 30 onças para o matador e salvou a vida.
Em que momento ele virou a casaca de novo?
Em 1839, ele começa a negociar a sua anistia com o Império. Não cumpre mais ordens dos Farrapos, está sempre ausente ou finge estar doente. Escreve para o Império pedindo anistia para parar de lutar e cuidar unicamente de seus negócios. A anistia chega mas no momento em que estão juntos o Bento Gonçalves, o Netto e outros oficiais. Ele lê e rasga o documento. Mas depois pede uma segunda via e assina. Era um artista. A frase emblemática da vida de Bento Manoel foi proferida pelo seu filho, Sebastião Ribeiro, ao amigo Sá Brito, nas ruas de Alegrete: “Lamento muito a atitude de meu pai ado a segunda vez para os farroupilhas e nem a água do rio Ibirapuitã vai lavar a honra da nossa família.”
E quando o Caxias chega ao Rio Grande, em 1843, onde está Bento Manoel?
Tentando ficar com a Presidência da Província e cancelar com a nomeação de Caxias, inclusive espalhando fofocas no Rio de Janeiro. Chegou a dizer que Caxias, com a metade de sua idade, era mais velhaco que ele. Mas não conseguiu. Caxias, sabendo de tudo, ganha a confiança de Bento Manoel só com vaidades, dizendo que não conseguiriam terminar a guerra sem a participação dele e essas coisas. Oferece bondades aos Farrapos, insiste que o inimigo era o Rosas, o que veio a se confirmam anos depois. Teve a ajuda do Bento Manoel para conseguir o acordo de paz que, na realidade, não foi assinado por ambas as partes porque o Império não reconhecia a República Rio-grandense como nação.
Bento Manoel chegou a lutar contra Rosas
Foi a última guerra dele. Já velho e doente, em 1851. Caxias chamou para comandar uma divisão das forças imperiais contra os argentinos de Rosas. Quando Caxias precisou se afastar para negociar com Urquiza, nomeia Bento Manuel comandante do Exército brasileiro. Aí, logo depois disso, ele morre.
A sessão final do golpe com nome de impeachment no Senado – epílogo da Operação Café Filho 12x5i
Bruno Lima Rocha
No final da manhã e início da tarde de quarta feira, 31 de agosto de 2016, o Brasil assistiu pela televisão aberta e por , a destituição da presidente Dilma Rousseff, com pouco mais de um ano e meio decorridos de seu segundo mandato. A traição teve como um dos pivôs o próprio vice, Michel Temer, eleito e reeleito junto à Dilma, com a bênção de Lula e da direção nacional do PT. Neste breve texto, trago algumas evidências, categorias e debates os quais entendo como urgentemente necessários.
Impeachment Consumado
Por 61 votos a favor e 20 contrários no Senado, o governo de Dilma Rousseff em seu segundo mandato foi encerrado. Assim, está consumada a dupla traição. A primeira derruba um governo eleito; a segunda traição é o preço que a ex-esquerda paga por confiar em oligarcas. Os entreguistas viralatas comemoram.
No momento da defesa da preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) esteve milagrosamente certo na analogia. Os golpistas parlamentares de 1964 comemoram. Auro de Moura Andrade sorri no inferno. Ranieri Mazzilli o cumprimenta ao lado de Lincoln Gordon (embaixador dos EUA no Brasil) e Castello Branco (marechal escolhido por Washington para assumir o cargo de presidente no Brasil). E, como em 1964, o povo não foi convocado a resistir. Em 1964, porque o populismo sempre rói a corda. Em 2016, porque o lulismo sequer consegue ou quer ser populista.
Discursando a favor da cassação dos direitos políticos de Dilma, a senadora Ana Amélia (PP-RS) deu o tom da distopia liberal conservadora: legalidade institucional para sangrar os direitos coletivos; esvaziar o exercício do Poder Executivo para que a maioria, apelando sempre para os intermediários profissionais. No “salve-se quem puder”, os grupos de interesses “prudentemente” devem ir tentando alguma vantagem mínima através dos arranjos institucionais dos Estados pós-coloniais.
No último ato, em uma manobra com o aval de Renan Calheiros, Dilma fica habilitada e preserva seus direitos políticos
Estamos diante de uma novidade. A cassação de direitos não obteve maioria absoluta, tendo 42 votos favoráveis, 36 contrários e três abstenções. Logo, não obteve a maioria absoluta de dois terços no Senado, sendo preservadas as possibilidades de exercício de funções públicas para a presidente deposta, mas não cassada. Logo, está instaurado um período de absoluta instabilidade política no jogo eleitoral-burguês brasileiro. Dilma Rousseff pode ser eleita para cargos públicos – há questão de compreensão e interpretação jurídica – e pode estar no páreo das disputas eleitorais abertas, além de poder operar como puxadora de votos em 2018. O lulismo perde, mas não perde tudo.
Com esta manobra, Michel Temer acaba de perder o governo de fato, ao menos em sua totalidade. Renan Calheiros tira do interino golpista a condição de governar, deixando o vice-presidente usurpador entregue ao PSDB. Esta condição de “governabilidade” dura até o ponto em que os tucanos devorarem suas plumas visando à eleição de 2018.
Não foi por falta de aviso: o epílogo da Operação Café Filho e a melancolia de centro-esquerda
A presidente deposta Dilma Rousseff foi “traída” por um oligarca, Michel Temer com origens no grupo político de Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo e golpista em 1964. Considerando sua trajetória no nacionalismo varguista, Dilma deveria saber onde estava se metendo. Consumada a farsa da farsa, a vitória da Operação Café Filho.
Dilma Rousseff se despede de vermelho; momento melancólico onde a ex-esquerda é destituída do Poder Executivo sem sequer arriscar uma plataforma de governo com o povo no protagonismo.
A aliança de golpistas pela via parlamentar com suspeitos da Operação Lava Jato veio através do rito e manto da “legalidade”, pela farsa jurídica e impeachment sem mérito. O pior da tradição do país dos bacharéis termina com as ilusões “legalistas” da centro-esquerda, ou da ex-esquerda.
Uma parte da análise da presidente destituída está correta: existe uma dimensão substantiva do Golpe, na agenda regressiva de direitos e um avanço repressivo sob um véu de “legalidade”.
Nada veio por acaso, incluindo a baixa capacidade de resposta. Os lulistas e afins rasgaram o manual da política e pactuaram com quem não presta sem fiar o pactuado com os oligarcas através de uma espada afiada pronta para ser desembainhada.
Enfim, se levaram um ditador positivista (Getúlio Vargas) ao suicídio em 1954, porque não destituiriam uma keynesiana de centro (Dilma Rousseff) para um cadafalso semelhante em 2016?! Apenas a criminosa ilusão e inocência política poderiam fazer crer o contrário.
Aplicando uma categorização do momento vivido
Categorizando: trata-se de uma disputa intra-elites, quando uma elite dirigente está sendo destituída do poder burguês – embora juridicamente legítimo – por um novo arranjo de posicionamento das elites políticas majoritárias e suas respectivas representações de classe dominante. O povo está desorganizado desde 2013, quando a rebelião popular não resultou em um projeto de maioria apontando saídas para além do jogo das urnas burguesas.
O governo que está sendo derrubado não é de esquerda, sequer é de centro-esquerda ou populista e tem no máximo, traços de nacionalismo autônomo. Com sua destituição, o modelo liberal-periférico vai se aprofundar após a posse definitiva dos interinos golpistas, reposicionando o Brasil no Sistema Internacional, aumentando o grau de subserviência e encurtando as margens de manobra.
No cenário doméstico, a meta estratégica de quem está golpeando e virando a mesa – por aplicar um impeachment sem mérito evidente – é destravar a liberdade absoluta de capital, transnacional de preferência, associado, nacional, diminuindo tanto o papel do aparelho de Estado na organização do capitalismo interno como também nas perdas de regulação e proteção sociais, trabalhistas e nos direitos de 4a geração.
Concluindo, consumado o golpe semi-parlamentarista, está aberto o caminho para uma ampla revisão constitucional no sentido à direita, aplicando uma agenda regressiva, de perda de condições de vida, retomando a restauração (neo)liberal da década de ’90 no século – a que foi ainda mais perdida do que a de ’80.
O debate estratégico que cabe fazer. Qual ‘lugar a ser construído’ as esquerdas vão escolher? Qual o ‘mal menor’ a centro-esquerda escolhe?
Diante desta melancólica derrota política e com a traição da traição, entendo que é necessário entrar em temas de fundo, em debates de tipo estratégico. De forma direta, cabe perguntar. Qual utopia a centro esquerda latino-americana escolhe ou escolherá a partir de agora? Vai seguir na aposta infundada no “aprimoramento das instituições” e esperar a cada 20 ou 25 anos um novo ciclo de virada de mesa por dentro do poder burguês compartilhado e sob a influência direta e indireta do Império?
Ou vai tentar ajudar criar um poder do povo organizado que, mesmo que convivendo em democracia indireta e representativa, vai estar de guarda alta e permanente para não deixar a mesa virar de forma tão simples retirando direitos conquistados?
Vale entender um pouco de estratégia para fundamentar a teoria e as escolhas políticas: “O objetivo finalista subordina o método segundo suas condicionalidades”, correto? Esse conceito operacional é de Golbery do Couto e Silva. Seria bom aprender como a direita se move para poder contrapor estes movimentos. No novo ciclo de golpes – agora brancos – na América Latina, temos Venezuela, Honduras, Paraguai, tentativas na Bolívia e Equador e Brasil. E como fica a resistência aos golpes?
Até quando os partidos eleitorais vão operar estritamente contando com o aprimoramento das instituições pós-coloniais ao invés de criar e ampliar instituições sociais decoloniais e populares?
Um balanço crítico e político das Olimpíadas do Rio 4x3tv
Bruno Lima Rocha – Professor de ciência política e de relações internacionais
Terminados os Jogos Olímpicos do Rio em 2016, entendo que é chegado o momento de realizar uma série de balanços e posicionamentos após o grande evento. Para este texto, aporto duas considerações, uma de ordem territorial, observando o ordenamento da mancha urbana, suburbana e favelizada do Rio de Janeiro e o quanto a realização de eventos similares não modificou a situação de violência policial, abandono de populações inteiras e a prática de racismo institucionalizado, disfarçado de “caos urbano”. Na sequência, faço um debate a respeito do modelo de desenvolvimento do esporte brasileiro visando o desempenho nos Jogos do Rio. A ausência de uma institucionalização do esporte de base sempre foi a mais visível de nossas características, e como tal, infelizmente, continua sendo.
Os Jogos Olímpicos da distopia midiática e o “caos urbano” no Rio
Vivemos as Olimpíadas no auge de um anticlímax político, econômico e social. É como que ao fim de uma realidade fabricada, despertássemos todos diante do anunciado pesadelo da quebra do pacto de classes. Mais do mesmo, os conglomerados econômico-midiáticos que venderam a ilusão, agora vendem a resiliência, ao invés da realidade. Lembremos.
Quando no longínquo ano de 2007, o Rio de Janeiro sediou os Jogos Panamericanos, o país vivia um ambiente político diferente. O estado fluminense era governado pelo ex-tucano Sérgio Cabral Filho, homem vinculado a grupos empresariais arrivistas no período lulista, como a Delta Engenharia e o Grupo X, de Eike Batista. Como base da aliança de governo de Cabral Filho, a presença do PT local e a pavimentação da aliança com a legenda de Michel Temer. As realizações do Rio vieram acompanhadas do lado mais bárbaro e sinistro do Estado pós-colonial brasileiro. Nos meses anteriores ao Pan, que quebrara recordes de superfaturamento nas obras e contratos emergenciais, o número de mortos pela ação violenta da Polícia Militar ultraara os do Iraque em plena guerra civil. Uma parte razoável destes dados macabros à época podem ser conferidos no domínio Rio Body Count 2 (http://riobodycount2.blogspot.com.br/).
Em outubro de 2009, se verificarmos as imagens registradas na 121ª sessão do Comitê Olímpico Internacional, veremos discursos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presença do prefeito Eduardo Paes (o mesmo, já no PMDB), do governador Sérgio Cabral Filho, à época presidente do Banco Central e hoje ministro da Fazenda do governo interino-golpista Henrique Meirelles, e do então ministro do Esporte, Orlando Silva, hoje deputado federal pelo PC do B de São Paulo. Esta representação da aliança entre a centro-esquerda, oligarcas e financistas marcou o segundo mandato de Lula e a eleição da sucessora do ex-sindicalista, em outubro de 2010.
Logo após a primeira eleição de Dilma e Temer, o país assistiu a um espetáculo midiático chamado “A Guerra do Rio”, com as câmaras de TV projetando a ocupação do Complexo do Alemão, iniciando com a fuga de traficantes da Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pelas redes de TV líderes (neste link é possível compreender o momento: https://www.youtube.com/watch?v=PDPMPesOaQg). O impacto de ver centenas de homens armados de forma ilegal, em plena luz do dia, dá uma impressão de excepcionalidade. Longe disso, pois se trata simplesmente do cotidiano vivido por mais de três milhões de pessoas apenas da Região Metropolitana do Rio. A “exceção” não é o fato, e sim a transmissão.
Com o acionar coordenado de mídia, tecnocratas do mundo jurídico-policial e agências de marketing digital a serviço dos ultra liberais, a frágil aliança de classes entre ex-reformistas, oligarcas, industriais e financistas foi rompida. Junto desta, podem estar indo para o ralo, tanto a diminuta soberania popular, assim como a maioria de nossos direitos trabalhistas e sociais. Eis as Olimpíadas da distopia.
Apesar do bom desempenho, ainda não temos um modelo de desenvolvimento esportivo
Antes de escrever estas linhas e durante a exibição das Olimpíadas, as quais acompanhei com intensidade, revisei meus escritos a respeito do mesmo tema. A ausência do Estado na promoção do esporte escolar como base para o desenvolvimento olímpico nacional. Ou seja, buscando incessantemente as estruturas de Estado como garantidoras do direito ao esporte como parte fundamental da cidadania, especialmente como parte do direito à infância e a adolescência. Se formos levar em conta este absurdo e os poucos centros de excelência para o desenvolvimento esportivo brasileiro, veremos que os “resultados” em termos de competição, resultam em verdadeiro “milagre” nacional.
O Brasil fechou sua posição nos Jogos do Rio em 13º – mesmo levando em conta o absurdo que é a contabilidade de ouros coletivos como equivalentes a ouros individuais. À frente do país estão, em ordem decrescente, EUA, Grã Bretanha, China, Rússia (desfalcada do atletismo), Alemanha, Japão, França, Coréia do Sul, Itália, Austrália, Holanda e Hungria. Nas sete posições abaixo do Brasil estão, Espanha, Quênia, Jamaica, Croácia, Cuba, Nova Zelândia e Canadá. Nas dez posições sequentes estão: Uzbequistão, Cazaquistão, Colômbia, Suíça, Irã, Grécia, Argentina, Dinamarca, Suécia e África do Sul; nas posições de 31ª a 40ª, estão: Ucrânia, Sérvia, Polônia, Coréia do Norte, Bélgica, Tailândia, Eslováquia, Geórgia, Azerbaijão e Bielorússia. Assim, dentre os 40 primeiros países, verificamos sete Estados nacionais sem modelo de desenvolvimento desportivo, sendo estes: Brasil, Quênia, Jamaica, Colômbia, Argentina, África do Sul e Tailândia. Como o que vale para o Comitê Olímpico Internacional (COI) é o número de medalhas de ouro, alguns países, como Jamaica e Quênia, se especializam em determinadas modalidades ou provas específicas de atletismo e a partir desta base modelam seu desempenho. Proporcionalmente em termos de recursos, instalações e número de praticantes de base, o Brasil foi muito bem, dentro das quadras, deixando para o momento posterior a mesma situação de incerteza e desespero fora dos locais de competição.
O mérito para tais resultados vêm das políticas de alto rendimento (incluindo a polêmica dos atletas “militares”, da abnegação de atletas dedicando-se ao profissionalismo e dos raros exemplos de confederações que têm centros de excelência, ligas profissionais e planejamento. Como modelo fechado, neste sentido, temos apenas a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), não sendo à toa a presença do cartola Carlos Arthur Nuzman na Presidência do Comitê Olímpico Brasileiro e que um dos seus dois sucessores na CBV , Ary Graça Filho, ocupe a Presidência da Federação Internacional de Voleibol (FIVB).
Sendo a CBV o modelo para o desenvolvimento de modalidades olímpicas no país, ressaltando que os esportes coletivos têm outra dinâmica dos individuais (como por exemplo, a necessidade de tipos e atributos físicos pré-condicionados para os coletivos), nota-se que o desporto se desenvolve apesar da ausência do Estado como formulador e implantando as políticas necessárias.
O ciclo de qualquer modalidade com ambições olímpicas é difusão, participação e competição (o que na gíria denomina-se no amadorismo ou nas divisões inferiores como “atleta federado”); partindo dos resultados desta última selecionam-se o alto rendimento e daí os programas de incentivo e permanência no desempenho ranqueado internacionalmente. Sem esta base, fazer do esporte brasileiro um direito de todas e todos é simplesmente uma missão em vida de treinadores abnegados, como o técnico de boxe da comunidade do Vidigal – zona sul do Rio de Janeiro -, Raff Giglio. De seu projeto, além das centenas de crianças que atendem aos treinamentos ao longo de mais de duas décadas, saiu um medalhista olímpico e outros dois selecionados em 2016. Já o aluguel de seu ginásio, após haver sido despejado, é pago com o mecenato de um ator global! Histórias como estas e absurdos institucionais correspondentes, mais que justificam o choro e a raiva de atletas de alto rendimento e os técnicos de base.
Apontando duas conclusões
Aponto, por fim duas conclusões deste texto. A primeira aponta para a injustiça estrutural da mancha urbana do Rio como um espelho das distorções do país. Cada cidade brasileira e sua correspondente Região Metropolitana; acostumaram a organizar grandes eventos e trabalhar com a possibilidade de atração turística sem com isso modificar a injustiça e a pobreza espacialmente dividida.
Já o modelo do esporte de base, ou pior, a ausência deste, simplesmente exaure as forças dos difusores das modalidades desportivas. Como resultado, além das narrativas típicas do capitalismo, onde se destacam os empenhos e valores individuais de superação, temos mais do mesmo. O Estado opera como modelo de acumulação e também atende, parcialmente, a alguns direitos sociais, todos incompletos. Como o direito ao esporte, infelizmente, trata-se do mesmo abandono e injustiça estrutural.
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E o povo onde fica? 4i3a43
Marino Boeira
Estará o povo brasileiro assistindo mais uma vez indiferente meia dúzia de pessoas decidirem seu futuro sem exigir que seja ouvido?
No dia 18 de novembro de 1889, Aristides Lobo escreveu no Diário Popular uma avaliação que ficou famosa sobre a proclamação da República por Deodoro da Fonseca, três dias antes:
“ O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.
Em outros momentos cruciais da vida brasileira, foram as elites que decidiram o futuro da Pátria e dos brasileiros, sem ouvi-los ou, quando muito, dizendo estar agindo em seu nome, como foi na Revolução de 30 ou no Golpe de 64.
Agora, novamente o País se encontra numa encruzilhada. Oitenta e um senadores, muitos dos quais nem sequer são conhecidos por uma boa parte dos brasileiros, que não sabem seus nomes nem suas ideais, se encaminham, a que tudo indica, para revogar uma decisão da maioria da população que, em 2014, elegeu Dilma Rousseff Presidente da República.
Um simples ar de olhos sobre os nomes dos senadores que vão este mês completar o processo de golpe parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff, cassando o mandato que lhe foi atribuído pelo povo, mostra o alta grau de comprometimento ético a que chegou o parlamento brasileiro.
Daqueles senadores que votaram pela issibilidade do impeachment no primeiro turno se destacam de uma forma negativa diversos nomes, começando pelo presidente da casa, o senador Renan Calheiros.
Na eleição de Fernando Collor para a Presidência foi o seu principal cabo eleitoral e depois porta-voz, a quem abandonou mais tarde em função das disputas eleitorais em seu estado, Alagoas. Já foi aliado de Lula e acusado de corrupção, renunciou à presidência do Senado em 2007. Agora, finge adotar uma postura mais distante da questão, mas é voto certo a favor do impeachment.
Seu ex-aliado político, Fernando Collor, hoje no PTC, dispensa apresentações.
No bloco dos senadores investigados pela justiça por corrupção e que se alinham entre os que pretendem retirar o mandato de Dilma, pontificam nomes como Romero Jucá, José Agripino e Fernando Bezerra Coelho.
O senador Zezé Perrella, envolvido no caso do helicóptero apreendido em Minas com uma carga de cocaína, protegido de Aécio Neves é outro que vota pelo impeachment.
Um dos casos mais representativos da falta de compostura de alguns senadores, foi mostrado pela imprensa na semana ada, quando o senador do PMDB, Hélio José, agraciado por Temer com o poder de nomear um diretor da Secretaria de Patrimônio da União, afirmou que era dono do serviço e “nomeava a melancia que quisesse”.
Hélio José ficou conhecido em Brasília como o Hélio da Gambiarra, desde 1995, quando ofereceu uma festa a políticos em sua casa e depois se descobriu que fizera um “gato” na rede pública de eletricidade. O senador, provando que não costuma ser fiel aos partidos, já foi até do PT, ou pelo PSD, depois pelo PMB, o folclórico Partido da Mulher Brasileira e hoje está no PMDB
Outras figurinhas carimbadas em Brasília por um conservadorismo exacerbado são Ronaldo Caiado e Blairo Maggi, inimigos de qualquer avanço na questão agrária do Brasil e por isso velhos inimigos do PT.
Dos senadores do Rio Grande do Sul, dois estão desde o início com votos definidos e não esconderam este fato: Ana Amélia, a favor e Paulo Paim, contra.
Resta saber a posição de Lasier Martin, embora por suas declarações adas, quando afirmou que Dilma não roubou, mas foi conivente, tudo indica que ficará ao lado do golpe.
Seu partido, o PDT< já expulsou um deputado que votou a favor do impeachment na Câmara, mas isso não deve tirar o sono do senador, que a rigor não foi eleito pelos trabalhistas. Seu partido tem outra sigla. Se chama RBS, a poderosa rede de comunicação que já teve três senadores entre seu quadro de funcionários: Zambiaze, Ana Améilia e Lasier.
O senador Cristovam Buarque, hoje no PPS, já foi no ado um quadro importante, primeiro do PT e depois do PDT . É apontado como criador da Bolsa Família, quando governador do Distrito Federal, foi ministro da Educação no Governo de Lula, mas durante sua trajetória política foi cada vez mais abandonando posições de esquerda e se aliando com o centro, o que serve para justificar seu voto a favor do impeachment.
Caso mais emblemático de uma clara traição à vontade dos seus eleitores é o da senadora Marta Suplicy, eleita pelo PT em 2010, que ocupou o cargo de Ministra da Cultura, de Dilma e que depois de ar para o PMDB, votou a favor da issibilidade do impeachment.
Certamente, além das vantagens de ar para um partido que, ao que tudo indica, vai herdar a máquina istrativa do Brasil, Marta de certa forma está se vingando de Dilma por ter sido a escolhida por Lula nas eleições de 2010, e não ela e ao partido que escolheu Haddad como candidato a Prefeito de São Paulo, preterindo novamente o seu nome.
Essa semana, seu ex-marido o também ex-senador Suplicy fez um apelo público para que ela lembrasse que representa os eleitores do PT no Senado, mas seu apelo certamente não vai modificar o voto de Marta.
E o povo, como disse Aristides Lobo, vai assistir mais uma vez bestializado, atônito e surpreso, sua vontade ser desconsiderada por estes senhoras e senhores, preocupados em defender apenas seus interesses, algumas vezes políticos, mas quase sempre pessoais?
As manifestações contra o golpe parlamentar das últimas semanas parecem ter sido movimentos pró-forma, destinados a marcar presença de grupos de ativistas, mas sem nenhuma força para modificar o que já foi decidido em Brasília.
Ao que tudo indica, o governo Temer vai se transformar de provisório em permanente, ganhando o status necessário para cumprir os objetivos a que veio: privatizar o que for possível, promover um forte arrocho salarial, fazer o ajuste financeiro que vai permitir que os grandes investidores continuem lucrando e acabar com os programas sociais que durante algum tempo asseguraram ganhos reais à população mais carente.
Tudo isso será feito com o apoio fundamental da imprensa monopolista, que promoveu o golpe e a quem cabe agora justificar para a população o tal ajuste econômico como uma medida necessário e que dará seus frutos no futuro. Futuro no qual, certamente, estaremos todos mortos.
O que fazer então?
Qual a tarefa das esquerdas nos dias escuros que se avizinham?
As propostas reformistas do PT e seus aliados se mostraram incapazes de abrir uma brecha no monopólio de poder que as elites brasileiras detém há décadas e só permaneceram vivas enquanto essas elites puderam usufruir dos principais ganhos que o surgimento de uma nova classe de consumidores trouxe para o País.
Quando o modelo econômico baseado no incentivo ao consumo se esgotou e uma crise internacional abalou as estruturas econômicas do País, essas elites trataram de se afastar do governo, seguindo o exemplo do que já estava ocorrendo em outros países da América do Sul.
Com o fim da proposta reformista do PT, talvez tenha chegado a hora de se voltar novamente a pensar no velho caminho revolucionário que aponta para a edificação do socialismo como única alternativa para o modelo do capitalismo dependente sob o qual vivemos.
No mundo inteiro, filósofos como Slajov Zizez, Alain Baldiou, Jacques Ricieri e Istvan Meszaros, levantam novamente a bandeira do socialismo, porque como disse este último filósofo, parafraseando Roxa Luxemburgo, a opção é Socialismo ou Barbárie.