Uma multidão tomou as ruas centrais de Montevidéo na manhã desta quarta-feira para a acompanhar o cortejo fúnebre de José “Pepe” Mujica, o ex-presidente uruguaio que morreu aos 89 anos, na terça-feira. 1k1r17
O cortejo se deslocou da sede do Movimento de Participação Popular, na praça da Independência, até a Assembleia Legislativa, na região central da capital uruguaia. Muitos militantes vestiam camisetas com a frase de Mujica: “No me voy, estoy llegando”.
Dos alto dos prédios e das calçadas, as pessoas aplaudiam e jogavam papel picado. O presidente Yamandu Orsi decretou três dias de luto oficial.
Ex-guerrilheiro que se tornou pacifista e chegou a presidência do Uruguay, Mujica morreu como um dos mais influentes líderes da esquerda mundial.
No início, a guerrilha
Tomaram a delegacia de polícia, a prefeitura e a central telefônica, depois assaltaram vários bancos, antes de serem confrontados pelas forças armadas e expulsos. Cinco pessoas foram mortas, incluindo um civil.
Um dos líderes do grupo guerrilheiro Movimiento de Liberación Nacional–Tupamaros naquele dia era José Mujica, de 34 anos.
Quarenta anos depois, 12 deles ados na prisão, ele chegou à presidência da República pelo voto popular e se tornou o mais famoso líder político da história do Uruguai.
Distinguiu-se da maioria dos políticos por doar 90% de seu salário presidencial para instituições de caridade e por continuar morando em sua pequena propriedade nos arredores da capital, dirigindo até o palácio presidencial em um velho Fusca.
Chamado de El Pepe pela maioria dos uruguaios, ele era amplamente conhecido como “o presidente mais pobre do mundo”.
Por sua simplicidade e sua sabedoria, conquistou grande apoio entre os jovens latino-americanos que iravam seus princípios progressistas e sua vida simples.
Lula lamenta a morte do amigo
Ainda em viagem à China, com fuso horário 11 horas à frente do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou nota oficial, na noite desta terça-feira (13), manhã de quarta-feira (14) em Pequim.
Lula exaltou a trajetória do velho amigo.
“Em seus quase 90 anos de vida, Mujica combateu fervorosamente a ditadura que um dia existiu em seu país. Defendeu, como poucos, a democracia. E nunca deixou de militar pela justiça social e o fim de todas as desigualdades”, prosseguiu o presidente.
“Sua grandeza humana ultraou as fronteiras do Uruguai e de seu mandato presidencial. A sabedoria de suas palavras formou um verdadeiro canto de unidade e fraternidade para a América Latina. E sua forma de compreender e explicar os desafios do mundo atual continuará guiando os movimentos sociais e políticos que buscam construir uma sociedade mais igualitária”, completou o presidente.
O último encontro entre os dois ocorreu na chácara de Mujica, nos arredores da capital uruguaia, no fim do ano ado. Na ocasião, Lula condecorou Mujica com a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo Estado brasileiro a cidadãos estrangeiros.
Lula deve iniciar o retorno ao Brasil nas próximas horas, em uma viagem que levará mais de 24 horas.
O Palácio do Planalto ainda não informou se o presidente comparecerá ao velório de Mujica em Montevidéu, que deve ter início na manhã desta quarta-feira, segundo informam jornais uruguaios.
Luto oficial 20m5a
O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, decretou luto oficial de três dias pela morte de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai.
Discurso no Rio de Janeiro
Durante a Rio+20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – realizada Rio de Janeiro em 2012, o então presidente do Uruguai José Pepe Mujica fez um de seus discursos mais memoráveis:
“A política me encanta, mas a vida me encanta mais”, disse Pepe Mujica, na ocasião.
“Estamos governando a globalização ou é a globalização que nos governa? É possível falar de solidariedade e dizer que “estamos todos juntos” em uma economia baseada na competição selvagem? Até onde vai a nossa fraternidade?”, indagou.
Leia a íntegra:
“Autoridades presentes de todas as partes do mundo e organismos, muito obrigado. Muito obrigado ao povo do Brasil e à sua senhora presidenta, Dilma Rousseff. Muito obrigado à boa fé que, com certeza, foi manifestada por todos os oradores que me antecederam.
Expressamos a vontade sincera, como governantes, de apoiar todos os acordos que esta, nossa pobre humanidade, possa firmar.
No entanto, permitam-me fazer algumas perguntas em voz alta.
Durante toda a tarde falou-se de desenvolvimento sustentável. De tirar as imensas massas da pobreza.
O que está realmente ando em nossas cabeças? O modelo de desenvolvimento e consumo das sociedades ricas é o que temos em mente? Faço esta pergunta: o que aconteceria com este planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de carros por família que os alemães? Quanto oxigênio nos restaria para respirar? Mais claro ainda: o mundo tem hoje os elementos materiais necessários para permitir que 7 ou 8 bilhões de pessoas possam ter o mesmo nível de consumo e desperdício que as sociedades ocidentais mais opulentas? Isso seria possível? Ou será que um dia teremos que começar outro tipo de discussão?
Porque nós criamos esta civilização em que vivemos: filha do mercado, filha da competição, que nos trouxe um progresso material portentoso e explosivo. Mas a economia de mercado criou sociedades de mercado. E nos trouxe esta globalização, que significa olhar para todo o planeta.
Estamos governando a globalização ou é a globalização que nos governa? É possível falar de solidariedade e dizer que “estamos todos juntos” em uma economia baseada na competição selvagem? Até onde vai a nossa fraternidade?
Não digo isso para negar a importância deste evento. Pelo contrário: o desafio que temos pela frente é de proporções colossais. E a grande crise não é ecológica, é política.
O ser humano não governa hoje as forças que desencadeou, mas sim as forças que desencadeou governam o ser humano. E a vida. Porque não viemos ao planeta apenas para nos desenvolvermos, assim, de forma geral. Viemos ao planeta para ser felizes. Porque a vida é curta e a. E nenhum bem vale tanto quanto a vida — isso é o essencial.
Mas se a vida vai escapar por entre os dedos, trabalhando e trabalhando para consumir um “extra”… e a sociedade de consumo é o motor — porque, no fim das contas, se o consumo para, a economia para, e se a economia para, aparece o fantasma da estagnação para cada um de nós —, esse hiperconsumo é o que está agredindo o planeta.
E é preciso gerar esse hiperconsumo, fazendo com que as coisas durem pouco, porque é preciso vender muito. E uma lâmpada, então, não pode durar mais que mil horas acesa. Mas há lâmpadas que podem durar cem mil horas! Mas essas não podem ser fabricadas, porque o problema é o mercado, porque temos que trabalhar e sustentar uma civilização do “use e jogue fora”, e assim seguimos em um círculo vicioso.
Esses são problemas de natureza política que nos indicam que é hora de começar a lutar por outra cultura.
Não se trata de voltar à época das cavernas, nem de fazer um “monumento ao atraso”. Mas não podemos seguir indefinidamente sendo governados pelo mercado — temos que governar o mercado.
Por isso digo, na minha humilde maneira de pensar, que o problema que temos é de caráter político. Os antigos pensadores — Epicuro, Sêneca ou mesmo os aimarás — definiam: “pobre não é quem tem pouco, mas sim quem precisa infinitamente de muito e deseja cada vez mais.”
Essa é uma chave de caráter cultural.
Assim, quero saudar o esforço e os acordos que estão sendo feitos. E vou apoiá-los, como governante. Sei que algumas das coisas que estou dizendo “soam mal”. Mas temos que entender que a crise da água e a agressão ao meio ambiente não são a causa. A causa é o modelo de civilização que construímos. E o que temos que revisar é a nossa forma de viver.
Eu pertenço a um pequeno país muito bem-dotado de recursos naturais para viver. No meu país, há pouco mais de 3 milhões de habitantes. Mas há cerca de 13 milhões de vacas, das melhores do mundo. E uns 8 ou 10 milhões de excelentes ovelhas. Meu país é exportador de alimentos, de laticínios, de carne. É uma planície suavemente ondulada e quase 90% do seu território é aproveitável.
Meus companheiros trabalhadores lutaram muito pela jornada de 8 horas. E agora estão conseguindo jornadas de 6 horas. Mas quem trabalha 6 horas, consegue dois empregos. E, portanto, trabalha mais que antes. Por quê? Porque tem que pagar uma porção de parcelas: da moto, do carro, e paga parcelas e parcelas, e quando se dá conta, é um velho reumático — como eu — a quem a vida escapou.
E a gente se pergunta: esse é o destino da vida humana?
Essas coisas que digo são muito simples: o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade. Tem que ser a favor da felicidade humana: do amor pela vida, das relações humanas, do cuidado com os filhos, de ter amigos, de ter o essencial.
Justamente porque esse é o maior tesouro que temos: a felicidade. Quando lutamos pelo meio ambiente, temos que lembrar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama felicidade humana”.