Os representantes da Corte Interamericana que se reúnem em Brasilia esta semana vão encontrar um cenário bem diferente no que se refere à liberdade de expressão no país.
O Brasil é um dos três países que, tiveram o maior declínio nos indicadores de liberdade de expressão nos últimos dez anos, segundo o Relatório Global de Expressão, produzido pela ARTIGO 19, organização não-governamental de defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e o à informação em todo o mundo.
Atrás apenas de Hong Kong e Afeganistão, o país teve redução de 38 pontos na escala do ranking global de liberdade de expressão produzido anualmente pela instituição, que reúne informações de 161 países em 25 indicadores.
Os dados do documento mostram que, de 2015 a 2021, o país caiu 58 posições no ranking global de liberdade de expressão, chegando a 50 pontos e à 89ª posição, seu pior registro desde o início da realização do levantamento, em 2010.
“Saímos de uma nação considerada aberta para restrita em pouquíssimo tempo. Esse dado é um dos mais chocantes de todo o mundo, não só pela queda em si, mas por ter ocorrido de maneira mais acentuada sob a liderança de um presidente que foi eleito, e que deveria prezar a democracia e a liberdade de expressão, o que não é o caso, como mostrado no Relatório”, afirma Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19.
“Na América Latina, estamos atrás apenas de Cuba, Nicarágua, Venezuela, Colômbia e El Salvador”, complementa.
O relatório produz uma escala de liberdade de expressão que classifica os territórios em uma pontuação geral que vai de zero a cem, sendo zero a categoria de um país em crise na liberdade de expressão e cem a de total liberdade.
Para chegar aos números, a organização analisa e traz métricas quanto à liberdade de expressão em todo o mundo, refletindo sobre a garantia de direitos de jornalistas, da sociedade civil e de cada indivíduo de se expressar e se comunicar, sem medo de assédio, repercussões legais ou represálias.
Além disso, em 2021, o número de ataques a jornalistas e meios de comunicação alcançou o maior patamar desde a década de 1990 no Brasil.
Foram registrados 430 ataques à liberdade de imprensa, mais que o dobro do registrado em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do País.
“O diagnóstico reflete o que jornalistas, comunicadores e defensores de direitos humanos têm vivenciado frequentemente no governo Bolsonaro. Basta lembrar que, há menos de um mês, Bruno Araujo Pereira e Dom Phillips foram assassinados na Amazônia. E até hoje não se sabe quem foi o mandante do crime”, lembra Denise.
Eleições 2022
Outro ponto sensível apresentado pelo relatório é a possivel intensificação do cenário negativo devido à proximidade das eleições gerais que acontecem este ano, a partir de outubro.
Como aponta o relatório, Bolsonaro questiona a integridade do sistema eleitoral, alegando, sem qualquer fundamento, que as duas últimas eleições foram fraudulentas e que a eleição de 2022 não aconteceria sem reforma.
O documento inclusive alerta para um possível episódio como o ataque ao Congresso Americano ocorrido em janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir a certificação de Joe Biden nas urnas.
“As eleições presidenciais de 2022 serão um teste para a democracia brasileira. Enquanto Bolsonaro continua a fazer declarações como ‘Só Deus pode me tirar da presidência’, 2022 pode revelar a real extensão do quanto foi erodida a democracia durante o mandato de Jair Bolsonaro”, afirma o documento.
Mundo
A análise global feita pela organização também é desanimadora. Segundo o documento, 80% da população mundial (6,2 bilhões de pessoas) vivem com menos liberdade de expressão hoje que há dez anos. “Isso é resultado de uma intensificação crescente de mudanças climáticas, conflitos armados e deslocamentos em massa, que silenciam ativistas e comunicadores, deixando populações inteiras sem o a informações fundamentais para suas vidas”, explica Denise.
Esses contextos, segundo ela, interrompem o fluxo livre de informações, o debate construtivo, a construção da comunidade, a governança participativa, a construção do espaço cívico e a autoexpressão de pessoas de todo o mundo.
O Brasil tem visto um declínio chocante tanto em termos reais quanto relativos: não
apenas caiu de aberto para no ranking do Relatório Global de Expressão 2022.
Em 2015, o Brasil foi classificado como aberto e 31º no mundo; agora está em 89º lugar e caiu
para a categoria restrita.
Ataques a jornalistas e profissionais da mídia são alarmantemente comuns. Em 2021,
o número de ataques a jornalistas e veículos de mídia foi o maior desde os anos 90, com 430 ataques no ano ado. O aumento das violações da liberdade de
imprensa no Brasil tem mostrado claras correlações tanto com a pontuação quanto com o número de ataques, que aumentou mais de 50% no ano da eleição do presidente Bolsonaro.
A estigmatização da mídia e a polarização a partir do topo do governo brasileiro dificultou o trabalho da mídia. No trabalho de campo, em vez de serem protegidos por suas identificações, os jornalistas são frequentemente escolhidos, assediados e
atacados. O assédio online de Bolsonaro e de seus filhos tem cada vez mais influência
– eles são responsáveis por grande parte do assédio online sofrido pela mídia.